centrão

Merval Pereira: Só até a beira

Assim como a velhice pode ser considerada uma boa situação levando em conta a alternativa, que é a morte, também o presidente Bolsonaro ter vendido a alma ao Centrão pode ser uma boa alternativa para ele, diante da ameaça do impeachment. Nesse primeiro momento, a simbologia da provável vitória dos dois candidatos que apoia, na Câmara Arthur Lira, e Rodrigo Pacheco no Senado, indica que Bolsonaro está dono da situação.

Negociou verbas, nomeações, prometeu cargos, está estudando uma reforma ministerial para o Centrão. Um dos atingidos pode até mesmo ser o General Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria de Governo, que vem fazendo a negociação política do Palácio do Planalto.

O Centrão está de olho em ministérios com poder político, como também o Gabinete Civil, ocupado por outro General, Braga Neto. Mas querem outros ministérios estratégicos, como o da Cidadania, que coordena o Bolsa Família e o provável novo auxílio emergencial, e o da Indústria e Comércio, que seria recriado, desmontando o espírito do ministério da Economia, onde Paulo Guedes centraliza as ações econômicas.

Se Guedes engolir mais essa, é previsível que venha a enfrentar desafios à sua orientação, como já acontece com Rogério Marinho no ministério do Desenvolvimento Regional. Mas como se trata do Centrão, não se pode dizer que o presidente da República estará permanentemente blindado, protegido. Além de ter a goela grande, que vai exigir do governo mais e mais vantagens à medida que a situação política piore, há a corrida presidencial que já começará a se delinear a partir do segundo semestre.

Até lá saberemos se o ex-presidente Lula, como é provável, terá sua condenação no caso do triplex anulada por decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), se Luciano Huck deixará a Globo para se assumir candidato, dois marcos importantes para a definição do quadro. Lula terá que batalhar ainda pela anulação de outra condenação em segunda instância, a do sítio de Atibaia, mas ganhará força política se se confirmar a primeira anulação.

Vamos ver no decorrer da campanha eleitoral, ainda este ano, como ficará a popularidade de Bolsonaro nas pesquisas, que servem de parâmetro para o mundo político analisar a chance de cada um. Se começar a perder popularidade, se a economia não decolar e a crise social aumentar, a situação vira, e ele fica refém do Centrão e nas mãos dos dois presidentes que elegeu. É uma jogada de risco, mas tinha que ser feita, dentro do critério que adotou, a velha política do toma lá, dá cá, o velho hábito do Congresso brasileiro.

O presidente Bolsonaro não tem capacitação para liderar um governo com bases em programas, valores éticos que inibam os clientelistas. Ao contrário, quando tentou se livrar dos políticos, acusando-os de fomentarem a corrupção, o que queria era ficar livre dos controles institucionais, desmobilizar o Congresso. Quando ameaçou o Supremo Tribunal Federal (STF), através de suas turbas amestradas, tinha o mesmo objetivo, colocar-se acima das instituições.

Como não deu certo, pois as instituições mostraram-se resilientes, ele deixou o sistema de pesos e contrapesos para fazer o mesmo que os governos anteriores que criticava: criar um ambiente propício aos interesses fisiológicos. A diferença dessas eleições para a anterior é que naquela, como Bolsonaro estava com a proposta de não depender dos partidos, e criticava muito a velha política, rejeitando acordos com o Congresso, a Câmara e o Senado votaram pela independência, pela autonomia.

No Senado, Davi Alcolumbre derrotou velhas lideranças tradicionais como Renan Calheiros e José Sarney, apresentando-se como a cara nova da nova política. No decorrer do mandato, vimos que não havia novidade nenhuma, era exatamente a mesma coisa, seis por meia dúzia. Mas, de qualquer maneira, o espírito daquela vez era de confrontação com o palácio do Planalto, em defesa do Legislativo. Agora, estamos vendo uma submissão ao governo federal em troca de vantagens pessoais. Mas uma conhecida frase política é que "ninguém vai segurando o caixão até dentro da sepultura. Vamos até a beira”.


Mariliz Pereira Jorge: CPI do leite condensado

Fica difícil quando a oposição cria uma cortina de fumaça e perde o foco

"Vai pra puta que pariu, porra (...). É pra encher o rabo de vocês da imprensa essa lata de leite condensado". Essa foi a reação do presidente da República ao se referir às cobranças sobre os gastos do seu governo, num evento, nesta quarta-feira (27).

Questionamos como um sujeito tosco feito Bolsonaro foi eleito, mas a oposição é muito fraquinha, precisa comer feijão para enfrentar essa besta. Certamente tem valores mais nobres do que o presidente, mas isso até a ema que fugiu da cloroquina nos arredores do Planalto tem. Então não chega a ser uma qualidade.

Diante de uma reportagem sobre a conta de R$ 1,8 bilhão da administração Bolsonaro, é constrangedor ver parlamentares alimentarem a desinformação de que se trata apenas do consumo da Presidência, quando o rancho serve para abastecer todos os órgãos ligados ao governo federal, o que inclui ministérios, instituições de ensino, de saúde, as Forças Armadas.

As despesas devem ser fiscalizadas, ainda mais quando mostram aumento de 20% num ano de pandemia. A população tem o direito de saber por que paga por vinho, goma de mascar, pizza e sorvete. Importante também é investigar o suposto superfaturamento de alguns itens do "carrinho" e seus fornecedores.

Motivos para emparedar o governo Bolsonaro não faltam, mas alguns deputados preferem brincar de "CPI do leite condensado", que pode até render punições se houve irregularidades nas compras. Mas quem acredita que vai derrubar um governo?

Difícil quando a própria oposição cria uma cortina de fumaça e perde o foco. Há provas de crimes de responsabilidade, da negligência na crise de oxigênio em Manaus, do desdém na gestão da pandemia, da incompetência na negociação das vacinas. A Constituição também prevê impeachment por indignidade e por quebra de decoro, mas essas linhas Jair já cruzou há muito tempo e ninguém fez nada.


Bruno Boghossian: Centrão deve ganhar mais que Bolsonaro nas eleições do Congresso

Se aliados vencerem, presidente terá mais conforto, mas ficará nas mãos desses partidos

O governo tem boas chances de eleger seus candidatos ao comando do Congresso daqui a quatro dias. Se o cenário se confirmar, Jair Bolsonaro terá aliados nesses postos num momento de queda de popularidade, pedidos de impeachment e previsões negativas na economia. Será uma vitória e tanto, mas haverá outros grandes ganhadores.

Ainda que o acordo favoreça o governo, o centrão está mais bem posicionado do que Bolsonaro para extrair dividendos dessa parceria. Enxovalhados no início do mandato, os partidos conseguiram fazer com que o presidente precisasse deles para sobreviver –e ainda entraram no jogo com as ações do Planalto em baixa.

Bolsonaro terá conforto se Arthur Lira (PP) e Rodrigo Pacheco (DEM) vencerem na Câmara e no Senado, mas continuará sendo um presidente minoritário no Congresso. Quando houver interesses comuns, todos caminharão juntos. Quando houver divergência, o centrão continuará apitando, e a tropa de choque governista não poderá impedi-lo.

Instalar aliados naquelas cadeiras não é tudo. Em 2019, o Planalto cantou vitória com a eleição de Davi Alcolumbre (DEM) no Senado, sob a bênção do chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. O ministro perdeu o posto no ano seguinte, e o governo ganhou pouco com a parceria, mas Alcolumbre aproveitou para conseguir verbas para seu grupo político.

Se estivesse surfando em altos índices de popularidade agora, o presidente poderia ter lançado bolsonaristas valentões e fiéis para o comando do Congresso. Cambaleante, porém, ele precisou terceirizar essa empreitada e passou a falar em público o idioma oficial do fisiologismo.

Nessa aliança, os partidos recebem emendas e cargos sem fazer grandes concessões ao governo. Parte da agenda conservadora deve andar, mas os parlamentares já concordam com alguns desses itens. Bolsonaro também terá proteção contra o impeachment e outras inconveniências, mas ficará nas mãos do centrão. Como diz o ditado: “Crie corvos e eles te arrancarão os olhos”.


William Waack: Impeachment de oportunidade

O cenário político não sugere riscos imediatos a Bolsonaro, mas a volatilidade é alta

Trazido por ele mesmo à discussão, o impeachment de Jair Bolsonaro é uma possibilidade de baixíssima probabilidade no momento. A razão está em linha com o principal aspecto da política no Brasil de longa data: o impeachment não é visto como uma questão de princípio, mas, sim, como de oportunidade.

É a oportunidade percebida pelos agentes políticos que faz surgir os motivos, e não o contrário. Soa bastante cínico para quem acredita em princípios na política, e aí reside provavelmente a grande originalidade de Maquiavel: na política é impossível realizar princípios.

Bolsonaro provavelmente tem consciência clara – pois se trata da própria sobrevivência política – de que os interessados em tirá-lo do poder não tem carência alguma de motivos sólidos para montar contra ele um processo político de impeachment. Cumpre, portanto, não criar a oportunidade.

Por enquanto ela está afastada diante do fato de Bolsonaro ter entregue ao Centrão o comando da política – exatamente as forças que ele prometeu nas eleições tirar do mapa. Como se trata de um governo com escasso comando de qualquer programa (qual, aliás?) e norteado apenas pelo princípio da sobrevivência política em nome da reeleição, o entendimento com forças políticas como as do Centrão é bastante conveniente, e fácil.

É o que está acontecendo. Escapar da oportunidade do impeachment não é a única preocupação do atual governo e seu chefe. A outra, igualmente importante, é assegurar algum tipo de continuidade em programas assistenciais num ambiente fiscal sufocante. Considerando o que sempre foi a política brasileira, é fácil prever o que virá.

Confrontados com escolhas políticas difíceis, porém incontornáveis, os governantes (aí entendido o Legislativo) seguirão o caminho do menor esforço. É o da renúncia fiscal para acomodar interesses setoriais (como reduzir impostos sobre combustíveis para agradar a uma plateia que considera importante, a dos caminhoneiros) e aumentar a arrecadação via aumento de tributos – algo que não só o governo federal pratica. 

Atacar a questão fiscal pelo lado do corte de despesas significa não só controlar os chicletes e latas de leite condensado adquiridos pelo governo federal. Significa enfrentar seu maior componente, as folhas de pagamento do funcionalismo, e esta é uma espinhosa questão política para um governo que só pensa em soluções mágicas e adocicadas. Significa mobilizar uma considerável energia política para pelo menos tentar uma reforma tributária que – inevitavelmente – vai bater em setores acostumados a defender seus (legítimos) interesses às custas dos cofres públicos.

Do jeito que a agenda eleitoral de Bolsonaro (assumindo que existisse alguma bem articulada) se deteriorou nos últimos dois anos, hoje não se sabe se o presidente repete um mantra verbalizado por Guedes ou se Guedes repete um mantra cunhado por Bolsonaro. Ambos mantêm discurso razoavelmente afinado, no qual cada vez menos gente acredita, segundo o qual, com a pandemia de alguma forma controlada, a economia se recupera de alguma forma, as reformas (só então) se concretizam de alguma forma e então a reeleição se dará de qualquer forma.

Não é uma aposta descabida, dados o ambiente da política brasileira e a incapacidade até aqui demonstrada pelas forças democráticas centristas de organizar um nome, uma agenda e uma estratégia de ação para substituir Bolsonaro e o que ele representa. Existe um componente enorme de volatilidade nesse cenário de precário equilíbrio. É o fato de que, até aqui, Bolsonaro foi o pior adversário de si mesmo. E a boa vontade de quem por ofício terá de denunciá-lo é muito menor do que as aparências sugerem.


Fábio Alves: Perdendo o bonde

Brasil está perdendo o bonde do crescimento acelerado da economia global

É cada vez maior o número de fundos de investimentos nacionais que está alocando uma parcela grande de suas carteiras em ativos no exterior, diante da percepção de que o Brasil está perdendo o bonde da elevada liquidez internacional, dos estímulos fiscais em países desenvolvidos e do maior otimismo com o crescimento acelerado da economia global em 2021.

Por enquanto, se esses gestores nacionais ainda não migraram em massa para posições apostando na derrocada de ativos domésticos, muitos deles reduziram significativamente a tomada de risco no Brasil, deixando de aproveitar uma possível alta da Bolsa brasileira ou valorização do câmbio. Ou seja, os ativos brasileiros estão ficando para trás e podem não aproveitar o vento a favor dos mercados globais.

Na semana passada, por exemplo, o Ibovespa caiu 2,47%, acumulando uma perda de 6,25% em apenas duas semanas. Enquanto isso, os índices das principais Bolsas americanas renovaram recordes históricos de alta no período, com o S&P 500 subindo 1,94% na semana e o Nasdaq saltando 4,19%. Já o dólar valorizou-se 3,30% na semana passada, elevando os ganhos a quase 6% em apenas 22 dias de janeiro e deixando o real brasileiro como a moeda com pior desempenho entre as emergentes.

O temor que vem se alastrando nas últimas semanas entre os gestores nacionais é o de que a retomada da economia brasileira poderá se frustrar neste ano em meio ao descontrole da pandemia do coronavírus no País, ao atraso no programa de vacinação, à maior pressão política no Congresso para a renovação do auxílio emergencial e, por tabela, à ameaça ao teto de gasto, a única âncora fiscal a sustentar a confiança dos investidores.

O consenso das estimativas aponta para um crescimento do PIB brasileiro de 3,49% neste ano, segundo a Pesquisa Focus, do Banco Central. Mas o banco BNP Paribas, por exemplo, reduziu recentemente sua projeção para o PIB de 2021 de 3,0% para 2,5%. Enquanto isso, o banco Goldman Sachs elevou sua previsão de expansão do PIB dos EUA para 6,6% neste ano. E o Barclays projeta um crescimento de 5,7% da economia mundial.

“Estamos mais reticentes com os ativos brasileiros por achar que a relação risco retorno está pior do que a dos ativos lá fora, pois ainda que vejamos, por exemplo, maior potencial de alta na Bolsa brasileira do que as de países desenvolvidos, o risco aqui é de piora enquanto lá fora esse risco é menor”, diz Fabiano Godoi, sócio fundador e diretor de investimentos da Kairós Capital, fundo que passou a aplicar em ativos no exterior nada menos do que 95% dos R$ 520 milhões sob gestão.

Para ele, a ameaça iminente é de uma crise fiscal. “Nas últimas semanas, tudo o que a gente escuta dos políticos, seja no Executivo, seja no Congresso, é que é preciso voltar com o auxílio emergencial, o que indica uma direção de piora fiscal”, diz.

No curtíssimo prazo, o foco dos investidores estará na aprovação do Orçamento de 2021. Se o Congresso aprovar um Orçamento que respeite o teto de gastos, sem incluir jeitinhos para gastos extras fora do teto, a sinalização será positiva para o mercado de que o País não caminha para um precipício fiscal.

Mas a eleição para a presidência da Câmara e do Senado, no dia 1 de fevereiro, vem turvando essa perspectiva, uma vez que os principais candidatos para o comando das duas Casas vêm fazendo declarações em apoio à prorrogação do auxílio emergencial.

“Independentemente do mérito, fazer mais gastos fiscais sem ter aprovado reformas como a PEC Emergencial ou a administrativa é um risco muito importante no médio prazo e o que está causando essa divergência entre o desempenho dos ativos brasileiros e de outros países”, diz Godoi. Ele espera que o Orçamento de 2021 possa ser aprovado até o fim de março, mas que apenas a PEC Emergencial, entre as reformas que têm impacto fiscal imediato, possa sair até o fim do ano.

“Não quero estar vendido em Brasil, pois os preços dos ativos domésticos estão convidativos – o real é uma das moedas mais baratas do mundo –, mas só não quero estar em Brasil neste momento, pois o equilíbrio é instável: ou o mercado vai melhorar muito ou a piora será rápida”, afirma Godoi. 


Luiz Felipe D’Ávila: Três medidas para enfrentar o populismo

Para derrotá-lo, a união do centro em torno de propostas factíveis e um candidato competitivo

A democracia necessita de civilidade, instituições e lideranças exemplares para prosperar. Os valores e princípios que moldaram o florescimento da liberdade, do Estado de Direito, da igualdade de oportunidades e da criação de riqueza por meio da economia de mercado livraram milhões de pessoas de três males que acometeram a humanidade durante séculos: a tirania, a miséria e a barbárie.

Mas as democracias não são perfeitas. Elas enfrentam crises que as obrigam a rever crenças, valores e leis. Nos Estados Unidos, a escravidão era um direito constitucional no século 18, mas foi abolida na segunda no século 19. O apartheid racial só foi sepultado em 1964, quando se aprovou a Lei dos Direitos Civis. Em 2008 os americanos elegeram Barack Obama, o primeiro presidente negro do País.

Crises costumam liberar os glóbulos brancos das democracias, permitindo que elas evoluam de maneira gradual para adaptar as instituições, as leis e os costumes aos novos tempos. A democracia norte-americana deve sair mais forte da era Trump. O presidente que dizimou a civilidade na política e buscou destruir a credibilidade das instituições foi expurgado do poder pelos eleitores. O Partido Republicano, que agiu de maneira oportunista e abandonou suas bandeiras para surfar no populismo de Trump, foi dilacerado. As fissuras internas entre a ala histórica e os trumpistas demandarão um penoso esforço para desintoxicar o partido do populismo e resgatar seus valores e ideais. A intolerância e o ódio desencadeados pelo populismo acirraram a divisão política, econômica e social, obrigando os Estados Unidos a enfrentar os reais problemas: a questão racial, a crescente desigualdade de oportunidades e a raivosa política de identidade que minou a civilidade e a tolerância no País.

Joe Biden assumiu a presidência dos Estados Unidos prometendo restaurar a decência na política. Não há missão mais importante neste momento. Restaurar a decência significa respeitar a Constituição, as leis e as instituições, e não se sublevar contra elas quando as decisões não nos agradam. Implica honrar o mandato, travando o debate político no âmbito das regras do jogo, da civilidade e da cordialidade, e repudiando os atalhos do ódio e da intolerância, que esgarçam a confiança na democracia. Requer esclarecer a opinião pública e ter a coragem de frustrar alguns eleitores para defender os interesses da nação e das futuras gerações.

O Brasil pode extrair lições importantes da experiência norte-americana. Os efeitos colaterais do populismo podem ser mitigados com três medidas.

Primeira: a imprensa séria não pode agir como as redes sociais – que muitas vezes atuam como a cracolândia da informação. Precisa concentrar-se em noticiar os fatos que afetam o destino do País, mas necessita de discernimento para ignorar o turbilhão de impropérios que alimentam o Twitter dos populistas e de seus seguidores. Ao dar projeção nacional ao palavrório irresponsável que encanta a tribo dos radicais, a imprensa contribui para alimentar a covid do populismo. A indiferença é um potente antibiótico, sem a luz dos holofotes o vírus perece.

Segunda: os contrapesos constitucionais têm de agir para preservar a democracia. O Congresso precisa aprovar as reformas para tirar o País do atoleiro do baixo crescimento e libertar a Nação do cativeiro de privilégios concedidos ao corporativismo público e privado. Esses males comprometem a qualidade do serviço público, a eficiência do governo e a credibilidade das instituições democráticas. É imperioso que o Judiciário restaure o seu papel de guardião das leis e da Constituição e abandone o voluntarismo de juízes e de promotores que transformaram a interpretação da lei num vespeiro de insegurança jurídica. Por fim, tanto o Legislativo como o Judiciário devem exercer o seu papel fiscalizador e empregar os contrapesos constitucionais para frear as tentativas espúrias de governantes populistas que buscam achincalhar o Estado de Direito e as instituições democráticas.

Terceira: o centro democrático precisa se organizar rapidamente. Hoje, sua atuação é marcada pela absoluta ausência de ideias, propostas e liderança. Como diz o poeta W. B. Yeats, “o centro não se sustenta. Os melhores sem suas convicções, os piores com as mais fortes paixões”. A maioria dos eleitores precisa estar convencida de que existem alternativas concretas e líderes preparados para livrar o País do desastroso legado populismo: aumento recorde da pobreza e do desemprego, baixo crescimento econômico, calamitosa gestão da crise da pandemia, descrédito internacional e governos incompetentes e incapazes de reformar o Estado.

Em 1994 o centro tinha um plano (o Real) antes do surgimento da sua candidatura (Fernando Henrique Cardoso). Quando Fernando Henrique se tornou o rosto do Plano Real, venceu o populismo no primeiro turno em 1994 e em 1998. Somente a união do centro em torno da construção de propostas factíveis e de uma candidatura competitiva podem derrotar o populismo nas urnas em 2022.


Rosângela Bittar: Com as mãos ao alto

A capitulação da Câmara significa muito mais do que engavetar o impeachment

As lideranças políticas estão a cinco dias da rendição ao presidente Jair Bolsonaro, o que se consumará ao elegerem o novo comando do Poder Legislativo. A confirmarem-se as prévias, estarão os parlamentares promovendo sua incorporação às vilanias do governo. Tiremos desta grave onda de cumplicidade o Senado, onde a extremada independência de cada um supera qualquer imposição de compromissos da cúpula.

Na Câmara, porém, é outra a essência do poder. As indicações de insidiosa conspiração parlamentar fazem o favoritismo do candidato Arthur Lira, patrocinado por Bolsonaro com todas as garantias de sucesso. Inclusive os habituais objetos da feira de trocas de favores, avançando pela coação em casos de resistência.

À população, traída, resta levantar as mãos ao alto enquanto alimenta a esperança de reversão do golpe legislativo, pela traição. Embora o momento exija coragem e não esta covardia marota, os deputados, em maioria, estão levando na displicência esta grave iminência de desastre político.

Como se fosse natural, os brasileiros amanhecem o dia temendo a morte, que já levou 220 mil cidadãos por idiossincrasias, crendices e incompetência do governo. Têm crescido os protestos de rua e manifestos propondo o impedimento do presidente. Crimes de responsabilidade foram cometidos, sobretudo na gestão da crise sanitária mundial. O País tinha, até agora, no Judiciário e no Legislativo, sua fresta de oxigênio.

Mas a Câmara parece disposta a sujeitar-se e debandar. Sem ter consciência de que está prestes, inclusive, a referendar o projeto de reeleição de Jair Bolsonaro para continuar o desgoverno que vem liderando.

A capitulação da Câmara significa muito mais do que engavetar o impeachment. O compromisso inclui a aprovação de políticas contrárias aos interesses da população.

O candidato favorito fala a linguagem do presidente. Fugiu do debate alegando que a pandemia é assunto demagógico. Se ainda houvesse dúvida sobre tão estreita afinidade, está sobre a mesa, já compromissado, o aumento de impostos, com a aprovação da mal afamada CPMF.

Negacionista desumano, para quem vida e morte são a mesma coisa, Bolsonaro escolheu para exercer o controle da Câmara, em seu nome, alguém ardorosamente com ele identificado. O faroeste não é um modelo de projeto parlamentar, entretanto será o único possível com a direção da Câmara subjugada pelo presidente da República.

Bolsonaro perdeu Donald Trump, cujo exemplo copiava e se esgotou como modelo. Está isolado politicamente e escolheu para o Brasil a posição de pária. Seu governo é fraco, sem maioria, investigado em inquéritos judiciais variados. Contudo, supera estas desvantagens com um arsenal de guerra que construiu para resguardar sua cidadela.

Registros de uma breve memória: já reuniu a proteção do procurador-geral da República; duas vagas no STF; duas vagas no TSE por onde tramitará sua denúncia de fraude no sistema eleitoral; a cooptação das polícias militares, que deseja agregar oficialmente ao portfólio de poder; boa parte da Polícia Federal; o apoio das tropas armadas, que cultiva como se líder sindical ainda fosse; acesso às violentas seitas da conspiração; a fidelidade de extremistas e milícias, sob o comando do gabinete do ódio e de empresários do círculo íntimo.

São itens especiais: o culto às armas de fogo, que segue em velocidade e disseminação preocupantes; e a produção de uma rede de filhos e amigos dispostos a cometer o que for preciso para autenticar seu método.

A rendição irrestrita da presidência da Câmara é armação política de um pacto que tornará o Executivo e o Legislativo um só bloco, indiferente à dor, ao luto e à indignação do povo.


Correio Braziliense: Lira crê em vitória no primeiro turno; Maia aposta em virada final

Aliados do candidato apoiador por Bolsonaro estimam que conseguirão aproximadamente 300 votos. Para isso, contam com diversas traições entre os partidos que apoiam Baleia Rossi

Jorge Vasconcellos e Wesley Oliveira, Correio Braziliense

Faltando menos de uma semana para a eleição da Mesa Diretora do Legislativo, aliados do deputado Arthur Lira (PP-AL), candidato à presidência da Câmara, apostam na vitória no primeiro turno. A eleição ocorre em 1º de fevereiro e, para vencer, o postulante precisa reunir no mínimo 257 votos entre os 513 parlamentares.

O grupo do candidato do Progressistas e líder do Centrão estima ter 300 votos no primeiro turno. O bloco de Lira é composto por 11 partidos, que, juntos, somam 230 deputados. Seus aliados apostam nas “traições” contra Baleia Rossi (MDB-SP), principal adversário na disputa.

A maioria dessas dissidências, segundo apoiadores do deputado alagoano, deverá ocorrer na bancada do Democratas, partido do atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (RJ), padrinho da campanha de Rossi. Dos 29 deputados do DEM, cerca de 18 já teriam sinalizado apoio a Lira. Entre eles, os deputados Elmar Nascimento (BA) e Luís Miranda (DF).

O presidente do DEM, ACM Neto, e a bancada de cinco deputados da sigla na Bahia estiveram, ontem, reunidos com Lira. Os parlamentares baianos sinalizaram que pretendem apoiar o nome do Centrão, o que foi visto como um atrito entre o ex-prefeito de Salvador e Maia dentro da cúpula do partido.

Apesar disso, o presidente da Câmara minimizou o encontro e, mais uma vez, reforçou que Lira é o candidato apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro. “Esse jogo que a candidatura patrocinada pelo presidente da República faz, é um jogo que nunca vi aqui na Câmara, de trabalhar para criar conflito interno dentro dos partidos. Todo mundo, aqui, tem maturidade. O DEM estará no bloco (de Baleia), é isso que o ex-deputado e ex-prefeito ACM Neto vai informar ao deputado Arthur Lira. Falei com ele mais cedo, que o partido vai formar parte do bloco do deputado Baleia”, disse Maia.

Aliados do emedebista e do presidente da Câmara no DEM afirmam que as dissidências na bancada devem chegar a oito, incluindo os ministros Onyx Lorenzoni (Cidadania) e Tereza Cristina (Agricultura), que pedirão exoneração dos cargos para a votação. Ambos são deputados licenciados de seus mandatos.

Além do DEM, o PSDB é outro partido que está no bloco de Baleia, mas que poderá render uma boa quantidade de votos para o candidato do PP. O partido soma 33 votos, mas Lira deverá receber a chancela de 15 parlamentares tucanos. Além disso, o deputado Alexandre Frota (PSDB-SP) lançou seu nome na disputa de forma independente.

Tebet expõe compromisso para gestão do Senado

Os candidatos à Presidência do Senado Simone Tebet (MDB-MS) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG) aprofundaram as articulações para atrair apoios. Ela protocolou, ontem, uma carta-compromisso dirigida aos colegas em que prega a união de forças no apoio ao plano nacional de vacinação contra a covid-19 e defende a aprovação de reformas importantes para o país enfrentar a crise. A parlamentar também se comprometeu a “assegurar a soberania do plenário, com a participação democrática de cada uma das senadoras e dos senadores” e “democratizar a deliberação das pautas, com implantação efetiva e representativa do Colégio de Líderes”. Até o momento, Pacheco, que tem o apoio do presidente Jair Bolsonaro, é apontado como favorito na disputa, contando com o apoio de nove partidos (DEM, PSD, PP, PL, PT, PDT, Republicanos, Pros e PSC), que reúnem 41 parlamentares. Tebet, por sua vez, conta com apoios do MDB, Podemos, Cidadania e PSB, que somam 28 senadores.

Enquanto os aliados do deputado Arthur Lira (PP-AL) estão otimistas com a vitória no primeiro turno, o grupo de Baleia Rossi (MDB-SP) acredita na vitória no segundo turno. O bloco do emedebista conta com 11 partidos, que somam 238 votos, mas estima-se que ele deverá receber cerca de 220 votos.

Mesmo sem o número mínimo para vencer a disputa, a pulverização de candidatos –– nove nomes estão na disputa até o momento –– deverá fragmentar as escolhas no primeiro turno, fazendo com que Lira não alcance os 257 votos necessários. Com isso, os aliados afirmam que será possível virar contra o deputado do PP. O PSol, que lançou Luiza Erundina (SP) na disputa, se juntaria às demais legendas da oposição na campanha por Baleia.

Segundo aliados de Rossi, muitos deputados que estão no bloco partidário de Lira pretendem votar em Baleia, no entanto, não pretendem declarar voto por medo de represálias por parte do governo. Durante a campanha, a articulação do Palácio Planalto sinalizou liberação de emendas e distribuição de cargos para os parlamentares que embarcassem na candidatura de Lira.

“Nossas projeções caminham para um segundo turno, no qual Baleia termina o primeiro turno em primeiro lugar. Acho que, hoje, pelas nossas projeções, Baleia já passou a ser favorito”, estimou Rodrigo Maia. Ele projeta que seu candidato tem, atualmente, 230 votos e disse que Lira teria menos de 200, perdendo espaço para o candidato avulso Fábio Ramalho (MDB-MG).

O presidente da Câmara voltou a criticar a decisão dos aliados de líder do Centrão de fazer a eleição de forma presencial. Ele disse que deputados de grupo de risco da covid-19 estão preocupados, mas que não há mais tempo para preparar o pleito para um sistema híbrido.

“Alguns deputados que estão no grupo de risco me mandaram mensagem, questionando, preocupados. Qualquer servidor ou deputado que esteja no grupo de risco, e venha a ser contaminado saindo da sua cidade para cá, e tenha algo mais grave, quero deixar claro que essa responsabilidade não é minha e não será minha porque votei contra”, salientou.

Maia também criticou a decisão de fazer a eleição para a Presidência da Câmara em 1º de fevereiro –– defendia que fosse dia 2. Para ele, isso fará com que a votação ocorra por volta das 21h30, já que os blocos partidários devem ser registrados no mesmo dia.


O Estado de S. Paulo: Líderes religiosos reforçam pressão por impeachment de Bolsonaro

Representantes católicos e evangélicos decidem formalizar na Câmara um pedido de afastamento do presidente, por negligência na condução da pandemia de covid-19

Daniel Weterman, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA – Líderes evangélicos e católicos vão aumentar a pressão pela abertura de um processo de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro no Congresso. Em um movimento que será apresentado como uma “frente de fé”, um grupo de religiosos formalizará nesta terça-feira, 26, na Câmara dos Deputados, um pedido de afastamento de Bolsonaro, sob o argumento de que ele agiu com negligência na condução da pandemia de covid-19, agravando a crise. É a primeira vez que representantes desse segmento encaminham uma denúncia contra o presidente por crime de responsabilidade.

pedido de impeachment é assinado por religiosos críticos ao governo. Na lista estão padres católicos, anglicanos, luteranos, metodistas e também pastores. Embora sem o apoio formal das igrejas, o grupo tem o respaldo de organizações como o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil, a Comissão Brasileira Justiça e Paz da Confederação Nacional de Bispos do Brasil (CNBB) e a Aliança de Batistas do Brasil.

“Uma parcela da igreja deu um apoio acrítico e incondicional ao Bolsonaro independentemente do discurso que ele defendia. Queremos mostrar que a fé cristã precisa ser resgatada e que a igreja não é um bloco monolítico”, disse ao Estadão/Broadcast o teólogo Tiago Santos, um dos autores do pedido de impeachment.

As falhas do governo durante a crise do coronavírus, na esteira de idas e vindas sobre a importação de vacinas da China e da Índia, elevaram a temperatura política. Partidos de esquerda como PT, PDT, PSB, PSOL e PCdoB, além da Rede, também vão protocolar na Câmara, nesta quarta-feira, 27, um outro pedido de afastamento de Bolsonaro, desta vez com o mote “Pelo impeachment, pela vacina e pela renda emergencial”. As siglas adiaram a formalização da denúncia, antes prevista para esta terça-feira, justamente a pedido dos religiosos, que temiam confusão entre os dois movimentos.

“A palavra é ‘emergencial’. O que é emergencial? Não é duradouro, vitalício. Não é aposentadoria. Lamento muita gente passando necessidade, mas a nossa capacidade de endividamento está no limite”, afirmou Bolsonaro, nesta segunda-feira, 25, em conversa com apoiadores, no Palácio da Alvorada.



Em uma aliança que juntou partidos de esquerda à centro-direita, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), também tomou a frente de um movimento que pode ser a prévia da nova articulação para tentar derrotar Bolsonaro em 2022, quando ele pretende disputar a reeleição.

A decisão de dar ou não o pontapé inicial no impeachment cabe ao presidente da Câmara, que também pode engavetar os pedidos – desde o início do mandato de Bolsonaro foram protocoladas 61 ações desse tipo contra ele, das quais 56 estão ativas.

O Palácio do Planalto faz campanha para emplacar o deputado Arthur Lira (Progressistas-AL), líder do Centrão, na cadeira de Maia, com a expectativa de que, nesse cenário, uma denúncia contra ele não avançará no Congresso. Adversário de Lira, o deputado Baleia Rossi (MDB-SP), apoiado pelo presidente da Câmara, promete analisar “com equilíbrio” os pedidos de afastamento de Bolsonaro se vencer a disputa. A eleição que vai renovar as cúpulas da Câmara e do Senado está marcada para 1º de fevereiro. 

No pedido que será formalizado nesta terça, os líderes religiosos acusam o presidente de agravar a crise do coronavírus e, consequentemente, o número de mortes. Para eles, Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade e desrespeitou princípios constitucionais e o direito à vida e à saúde. Mais de 200 mil pessoas já morreram em decorrência de covid-19.

Declarações de Bolsonaro durante a pandemia, como chamar o novo coronavírus de “gripezinha”, são citadas no pedido de impeachment a ser apresentado pelos religiosos. “As ações e omissões de Jair Bolsonaro, que seguem em repetição e agravamento, levaram e seguem levando a população brasileira à morte e geraram danos irreparáveis. Isso é crime de responsabilidade. Crime contra os direitos e os princípios constitucionais mais primários: à vida e à saúde”, diz a peça.

O bispo primaz da Igreja Anglicana do Brasil, Naudal Alves Gomes, a presidente da Aliança de Batistas do Brasil, Nívia Souza Dias, e os teólogos Lusmarina Campos Garcia, Leonardo Boff e Frei Betto também estão entre os signatários da ação. 

A posição desses líderes vai na contramão de pastores evangélicos que defenderam a eleição de Bolsonaro, em 2018, e integram a base de apoio ao governo. Entre os defensores do chefe do Planalto estão Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, José Wellington Bezerra da Costa, da Assembleia de Deus Belém, Edir Macedo, da Universal do Reino de Deus, e R.R. Soares, da Igreja Internacional da Graça de Deus.

Durante a crise, Bolsonaro chegou a ser cobrado por esses aliados para reagir a decretos de prefeitos e governadores que determinaram o fechamento de igrejas, em função do isolamento social necessário para evitar a covid-19. 

Pastores pediram ao presidente que investisse na vacinação em massa para que o País voltasse às atividades econômicas. Sem cultos nos templos, que estão fechados, a arrecadação também cai para essas igrejas.

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Alon Feuerwerker: Lacrou

Agora, quando a pandemia dá sinais de pretender durar mais tempo que o inicialmente projetado, e quando os efeitos globais mais abrangentes da vacinação estão previstos apenas para o final deste ano, governos e sociedades veem-se às voltas com a pergunta clássica: o que fazer?

No cenário utópico, a vida social seria congelada até atingir-se a taxa de imunes que inviabilizaria a circulação viral. Porém, dado ser uma impossibilidade prática, governantes são empurrados a fazer algo, qualquer coisa, mesmo que apenas para dizer que estão fazendo.

Por enquanto, quem lidera a corrida dos factoides é o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, que enfrenta em março (mais) uma dura eleição. Na era da lacração, ele literalmente decidiu lacrar o país por uma semana. Ninguém entra. Para evitar a chegada de novas variantes do SARS-CoV-2, diz (leia).

Como não há estudo científico que preveja o desaparecimento delas daqui a algumas semanas, depreende-se que o movimento de Bibi (apelido dele) é para dar uma freada que lhe permita chegar no dia da urna com números não tão ruins.

Israel é líder mundial em vacinação, mas o resultado não é imediato. Nem seria sensato esperar uma solução instantânea. E Israel acaba de passar o Brasil na taxa de novas mortes proporcionalmente à população.

Depois de ultrapassada a eleição, aí será menos custoso dar a real ao eleitor, como aliás fez estes dias Joe Biden. Na campanha, ele dissera "ter um plano" (sempre lembro do filme "Parasita" quando alguém diz ter um plano). Agora informa que nada pode mudar a trajetória da pandemia nos EUA nos próximos meses (leia). 

E isso porque lá se está vacinando em massa. Como aliás deve mesmo ser feito. Mas sem enganar o povo.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


Luiz Carlos Mendonça de Barros: A covid 19 contra-ataca

No curto prazo não sobra alternativa de defesa senão uma outra rodada de estímulos econômicos, inclusive transferência de renda para os mais pobres

Confesso ao leitor do Valor que meu otimismo estrutural com a ação do ser humano diante de uma crise grave que atinge, de tempos em tempos, nossa sociedade está sendo fortemente questionado neste início de 2021. Esperava eu que com o início da vacinação em grande número de países, a crise da saúde - e sua derivada econômica - poderiam continuar a ser enfrentadas com as armas hoje à disposição de governos e sociedade. Com a redução das medidas de afastamento social testadas ao longo de vários meses e as medidas de natureza keynesianas implantadas na maioria das economias de mercado, a profunda recessão que se seguiu foi controlada e, nos últimos meses de 2020, iniciamos a volta de um ciclo econômico de normalidade.

Os dados econômicos conhecidos até o mês de novembro mostram uma recuperação em V com o braço ascendente da curva da atividade econômica na maioria dos países chegando quase ao mesmo nível de março passado, quando a crise chegou aos mercados mais importantes do mundo. Apenas os indicadores das atividades do setor de serviço - principalmente as de refeições fora do domicílio e mobilidade aérea - tiveram uma recuperação mais lenta e terminaram 2020 bem abaixo de antes do início da crise.

Meu otimismo com 2020/2021 vinha exatamente da abrangência das medidas econômicas implantadas pelos governos nacionais e da certeza que as reações dos agentes econômicos diante de tantos estímulos fiscais que chegaram a mais de 10% do PIB e uma postura altamente expansionista dos Bancos Centrais seria a de acelerar seus negócios.

Me ajudou muito, na compreensão do que iria acontecer, o acompanhamento da crise vivida pelos Estados Unidos em 2008 e que, posteriormente, se transformou em uma depressão mundial que durou quase dez anos. A recessão da covid-19, pelas suas características particulares, me parecia ser ainda mais fácil de ser superada pelas ações de política fiscal e monetária tomadas rapidamente pelas autoridades econômicas. Em 2008, pelas circunstância das eleições americanas e de um novo governo democrata, apenas em 2010 é que as primeiras medidas para enfrentamento da recessão foram implantadas. Além disto, em 2008 tivemos uma crise bancária de grandes proporções nos Estados Unidos o que sempre torna muito mais difícil a volta da confiança aos mercados e a recuperação da atividade econômica.

Este modelo de recuperação da recessão econômica que tracei em função da teoria econômica disponível e do acompanhamento por vários anos dos acontecimentos vividos entre 2008 e 2020 tinha, entretanto, uma falha grave. Não incorporava os riscos associados a uma pandemia como vivíamos, por falta de conhecimento meu e da grande maioria dos analistas que serviam como referência para seu acompanhamento. Não tínhamos conhecimento de uma pandemia da natureza que estamos vivendo e as referências já conhecidas como a da Saar em 1997 - e que provocou a crise econômica conhecida como “crise da Asia” - se revelaram enganosas pela rapidez como foi superada.

Em 1998 a economia mundial já tinha se recuperado da curta recessão vivida e os negócios no mundo tinham voltado à plena atividade. Dou aqui um exemplo marcante deste fato pois fui o responsável pela maior privatização já realizada na América Latina - 12 empresas do sistema Telebrás - em junho de 1998 pelo valor de US$ 20 bilhões.

Esta diferença entre uma pandemia geograficamente mais localizada como foi a Saar - embora da mesma natureza viral como a covid-19 - e a que estamos vivendo é um alerta grave para o potencial destruidor que as crises provocadas pela Natureza podem ter sobre a Humanidade. Mesmo com o potencial cientifico que acumulamos hoje, o arsenal de uma natureza agredida pode se revelar muito maior.

A violência como o vírus da covid-19 contra-atacou uma sociedade acostumada com uma liberdade quase sem limites para organizar suas cadeias de negócios, como se a distância entre mercados e empresas espalhadas pelo mundo não existisse, foi a arma mais poderosa que a covid-19 encontrou para se espalhar pelo mundo. Por outro lado, a incrível capacidade que mostra o vírus para mudar sua natureza é uma advertência vigorosa para a dimensão de seu potencial destruidor.

Hoje a dúvida se uma vacina identificada e testada vai servir para qualquer nova mutação do vírus assusta a todos, mas principalmente os cientistas do setor. A mensagem a toda a humanidade está feita e cabe agora aos governos nacionais o desenvolvimento não só de programa de vacinações com o material que temos hoje, mas, principalmente, de um sistema logístico com um protocolo protetor de outra natureza.

No curto prazo não sobra alternativa de defesa senão uma outra rodada de estímulos econômicos, inclusive transferência de renda para os mais pobres para acomodar uma nova rodada de isolamento social, talvez até mais intenso do que já vivemos entre março e junho de 2020. Mesmo que isto cause calafrios nos economistas que formam hoje o pensamento dominante nos mercados financeiros.

*Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.


Andrea Jubé: As pedras no caminho para 2022

Rachados, DEM e PSDB serão fiéis da balança na Câmara

À medida que se aproximam “o dia D e a hora H” da eleição para as Mesas Diretoras da Câmara e do Senado, fica claro como o espelho d’água do Congresso o vínculo entre a disputa no Legislativo e a sucessão presidencial.

O empecilho ao sucesso dessas articulações temporãs é a pedra no meio do caminho, para usar uma metáfora de Drummond. Atiraram a pedra no espelho d’água, e agora a turbulência pode afundar o barco das alianças para 2022, num cenário em que PP, DEM, PSDB e MDB querem ser os timoneiros.

O presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), já expressou o apoio à reeleição de Jair Bolsonaro em uma coligação precoce que agrega o PL de Valdemar Costa Neto. O enlace é o pano de fundo do apoio do Palácio do Planalto à candidatura do líder do PP, Arthur Lira (AL), à presidência da Câmara.

Nogueira armou-se até os dentes para eleger Lira, enquanto em paralelo blinda Bolsonaro de um hoje remoto avanço do impeachment.

No último domingo, Nogueira, que não é ativo nas redes sociais, foi ao Twitter para interferir em um debate entre Lira e Baleia Rossi (MDB-SP) sobre a disposição do vencedor da eleição em pautar o impeachment.

Lira acusa Baleia de prometer ao PT a abertura do processo, se for eleito. E o emedebista questiona Lira quanto a um eventual compromisso com o Planalto de engavetá-lo.

“Seria bom que o candidato Baleia Rossi afastasse mais uma das inúmeras dúvidas que o cercam: existe de fato um compromisso dele em pautar um pedido de impeachment, ou ele pode chamar isso claramente de mentira da Gleisi [Hoffmann], presidente do PT?”, cobrou Nogueira, advogando para Bolsonaro.

No campo adversário, no entorno do governador de São Paulo, João Doria - pré-candidato do PSDB à sucessão de Bolsonaro - a percepção é que prioridade máxima agora é arregaçar as mangas para eleger Baleia. O projeto de Doria contempla uma coligação de apoio à sua candidatura liderada por DEM e MDB.

Para aliados de Doria, a eleição de Lira ampliaria exponencialmente a influência de Bolsonaro no Legislativo, com hegemonia das pautas de seu interesse nas duas Casas. Nessa contabilidade, o Senado já aparece comprometido com o Planalto sob Davi Alcolumbre (DEM-AP). E assim permaneceria sob Rodrigo Pacheco (DEM-MG) - se o favoritismo do mineiro se confirmar.

Na Câmara sob Lira, a reforma tributária, bandeira do MDB, DEM e PSDB, perderia o protagonismo para outras pautas anunciadas pelo progressista, como a PEC Emergencial e a reforma administrativa.

Além disso, o comando da Câmara é estratégico pela atribuição pela abertura do impeachment. Ainda que o julgamento ocorra no Senado, na verdade, se os deputados afastarem o presidente do cargo, dificilmente ele reassume a cadeira.

É nessa conjuntura que a eventual vitória de Baleia Rossi aquece as articulações pela consolidação de um bloco que reúna PSDB, DEM e MDB em 2022. O MDB se comprometeria a não lançar candidatura própria. Em troca, teria o respaldo de DEM e PSDB à recondução do emedebista à presidência da Câmara.

A pedra - quiçá, paralelepípedo - no caminho desses planos é o racha interno no DEM e no PSDB. Por causa dessa divisão, as duas bancadas despontam como fiéis da balança na disputa pelo comando da Câmara. Estimam-se 20 votos de dissidentes para lá, ou para cá. A depender da destinação desses apoiamentos, o embate pode ir para o segundo turno.

Ontem os times de Baleia e Lira celebraram vitórias relevantes. Baleia comemorou o compromisso da bancada petista de entregar todos os 57 votos, zerando a dissidência concentrada nos paulistas.

Mas a festa do líder do PP teve gosto de fel para o grupo de Baleia e de seu maior cabo eleitoral, o presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Ontem Lira foi recebido em Salvador (BA) pelo presidente do DEM, ACM Neto, expondo um racha na cúpula partidária. Segundo apuração dos repórteres Raphael di Cunto e Marcelo Ribeiro, seis deputados baianos declararam apoio a Lira: cinco do DEM e um do PSDB.

Essa agenda implica, em contrapartida, os sete votos do PP no Senado no candidato do DEM, Rodrigo Pacheco.

A leitura desse movimento nos bastidores é de que ACM Neto investiu todas as fichas na eleição do Senado, para garantir a permanência do comando do Senado na cota do DEM.

É nesse contexto que as planilhas dos grupos de Baleia e Lira se debruçam com atenção redobrada sobre os votos do DEM e PSDB. No time de Lira, a expectativa ontem era de 19 defecções a seu favor dos 33 deputados tucanos. Na planilha de Baleia, as traições no PSDB não passam de dez.

No DEM, o time de Lira contabiliza 22 deputados com ele, dos 32 da bancada de Rodrigo Maia. Em contrapartida, Maia e Baleia somam 29 votos do DEM, com quatro dissidentes.

Essa divisão conturba os planos para 2022, porque um grupo de deputados tucanos que apoia Lira prefere o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), em um projeto presidencial - na cabeça de chapa, ou como vice em uma chapa competitiva.

Doria, revigorado pela entrega da CoronaVac, mesmo assim, tem praticamente uma avalanche no caminho do projeto. Além do racha no próprio partido, há o projeto de poder do DEM.

Com três governadores, o partido de ACM Neto e Rodrigo Maia foi o que mais cresceu na eleição municipal entre os seis maiores (MDB, PP, PSD, PSDB, PT e PSL), e elegeu prefeitos de quatro capitais. Por isso, o DEM resiste a repetir o papel de vice do PSDB, e articula uma candidatura própria.

O plano A do DEM é filiar Luciano Huck. Se não prosperar, há o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta no radar, em uma aliança que reuniria MDB, Podemos e Cidadania.

Mas a pedra no caminho do DEM é o projeto de eleger o atual vice-governador Rodrigo Garcia como sucessor de Doria em 2022 - hoje, a prioridade zero de ACM Neto. Uma articulação que pode degringolar se não contar com o apoio de Doria a Garcia.