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Luís Costa Pinto: De saída, Rodrigo Maia está destinado a confrontar sua sombra
O presidente da Câmara consolidou a imagem de seriedade, se contrapôs à abjeta agenda reacionária de Bolsonaro, e focou nas reformas liberais. Mas a vitória de seu sucessor, Baleia Rossi, parece improvável, e a partir daí Maia terá de se perguntar: Quem e o quê fui? Aonde errei?
O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, construiu em pouco tempo uma das mais promissoras carreiras da história parlamentar do Brasil. Contrariando prognósticos de quem se dizia especialista em eleições congressuais, em 14 de julho de 2016 se elegeu presidente da Câmara dos Deputados para exercer um mandato-tampão de sete meses em razão da prisão do antecessor Eduardo Cunha. Cunha havia sido o dínamo que deu energia, oxigênio e musculatura aos movimentos inicialmente desconexos de setores recalcados da sociedade brasileira que começaram a reivindicar o impeachment da presidente Dilma Rousseff tão logo foram fechadas as urnas de 2014. Para se safar da escalada de investigações contra si e, ao mesmo, converter-se em alternativa de poder real, Cunha inventou o processo de impedimento presidencial sem a existência de um crime de responsabilidade.
Executada a missão do golpe parlamentar imposta pelo andar de cima da sociedade, deposta Dilma, Cunha caiu em desgraça e foi preso semanas depois. O establishment político e empresarial entrou em parafuso —quem articularia a aprovação da agenda liberal-conservadora urdidas nos convescotes do mercado financeiro e nos cafés-com-algo-mais das torres de vidro da Faria Lima? “Maia” era a resposta e parecia mesmo uma solução.
Dono de um diferencial competitivo raro entre políticos de primeira linha, o deputado do Democratas sempre soube ouvir os interlocutores. Tenha-se claro que ouvir não é sinônimo de escutar. Em política, quando um cacique o ouve é porque ele concede a você a deferência de prestar atenção no que é falado em meio a uma conversa. Maia sempre soube compreender o que lhe era dito e, em rotina ordinária, jamais deixou de dar respostas diretas: sim ou não, segue ou não segue tal ou qual articulação. Parece óbvio, mas agir assim é comportamento escasso em Brasília. Na capital da República, dissimulações e tergiversações são regra e não conduzem a soluções. Problemas sem soluções redundam, em geral, em taxímetros que permanecem ligados e a registrar o custo do acesso a alguém que abra portas no coração do poder.
Cunha liderava uma bancada outrora estimada em 300 almas penadas prontas a depenar quem para elas encomendasse reza. Tinha para tal a destreza dos velhos donos de frota de táxi. Os taxímetros estavam sempre ligados — e na bandeira 2! Muitas vezes, havia a cobrança de taxa extra como, por exemplo, aquelas que muitos aceitam pagar aos frotistas que carregam malas. Sentado na cadeira do antecessor, Rodrigo Maia desligou os taxímetros, extinguiu os pontos de cobrança de frete e de extras e ordenou o extermínio da plantação de jabutis. Na Câmara de Eduardo Cunha os quelônios davam safra em árvores e se reproduziam nas entrelinhas dos textos legais semeados, em geral, a partir de escritórios de advocacia ou de centrais de lobby regiamente remunerados para a faina.
Avesso ao adjetivo “liberal”, uma implicância boba, posto que ele é uma das maiores lideranças da direita liberal do País, depois de tocar fogo no estoque de taxímetros das comissões da Câmara dos Deputados, Maia ganhou fôlego para alçar voo rumo a outro patamar de altitude. Convenceu Michel Temer, o artífice da deposição de Dilma e que herdou a cadeira presidencial, a estabelecer um teto para os gastos públicos e a enviar para o Congresso propostas de reformas das leis trabalhistas, tributárias e previdenciárias.
Convertido em segundo na linha sucessória de Temer, o presidente da Câmara usou os dois olhos, os dois ouvidos e a inteligência rápida para virar o grande polo de soluções de Brasília. Enquanto corria com a tramitação das reformas, cuidou de se aproximar com habilidade de ministros dos tribunais superiores e conseguiu — por meio de vistas grossas — a permissão para pleitear uma reeleição em fevereiro de 2017 que poderia ter sido considerada ilegal. Mas, à guisa de nomes melhores no Parlamento e porque se tentava reunificar uma nação fraturada pelo impeachment sem crime de responsabilidade, Maia foi reeleito e turbinou a aprovação de reformas constitucionais de vezo liberal.
A primeira delas a passar foi a sindical, e desmontou o funcionamento dos sindicatos no Brasil. A segunda, a trabalhista. Alterando mais de uma centena de artigos e dispositivos constitucionais e da Consolidação das Leis do Trabalho, a reforma trabalhista teve o condão de desorganizar a rede de proteção do Estado aos trabalhadores formais brasileiros. Foi um efeito colateral perverso agravado pela peculiaridade de o “capitalismo” brasileiro ser tocado por executivos e investidores com imensa aversão a risco: põe todo o custo social do capitalismo no Estado e só investem quando têm certeza de que receberão benesses e beneplácitos na forma de renúncias fiscais, prazos paternais para devolver empréstimos a bancos públicos e certeza de que inadimplências tributárias serão perdoadas. Interlocutores advertiram Maia de que o tiro sairia pela culatra, com ampliação do desemprego e redução da Rede de Proteção Social — além de redução na arrecadação da Previdência Social. O presidente da Câmara ouviu-os, porém não os escutou daquela vez.
Em maio de 2017, Rodrigo Maia precisou vestir às pressas o uniforme resistente a fogo dos bombeiros e correr para salvar Michel Temer do incêndio gerado a partir de uma célula de autocombustão no subsolo do Palácio do Jaburu. Num diálogo tão sórdido quanto grotesco, enquanto fazia as vezes de “Presidente da República”, cargo que tomara de Dilma Rousseff, Temer pedia ajuda ao empresário Joesley Batista e ouvia dele que estava na corrente no mínimo pragmática criada para dar tranquilidade a Eduardo Cunha. O ex-presidente da Câmara, prócer do impeachment sem crime de responsabilidade de 2016, sempre foi amigo e correligionário de Temer e estava vivendo as agonias do xilindró graças a acusações de corrupção, peculato e advocacia administrativa.
Divulgados os diálogos impróprios do subsolo do Jaburu, Temer cogitou renunciar ao cargo ao qual ascendera depois de uma bem-sucedida conspiração parlamentar, jurídica e classista. Estava decidido a fazê-lo quando recebeu um recado de Maia: a conversa com Joesley Batista fora um erro injustificável, mas a renúncia naquele momento jogaria o País num limbo constitucional indigesto e desconhecido.
Assustado com o protagonismo que passaria a ter — caso Temer renunciasse mesmo, seria nomeado Presidente da República e teria de convocar uma eleição no prazo de 60 dias —, Maia deu um salto gigantesco de maturidade política ao mesmo tempo em que cometeu o que alguns consideram seu primeiro grande erro no acerto de contas com a História. Temer refugou, ficou no cargo, decidiu enfrentar a oposição e Rodrigo Janot, o atrapalhado (para dizer o mínimo) Procurador Geral da República. Janot podia ser considerado atrapalhado, mas tinha agenda. E, pela agenda dele, passava a desmoralização da política e dos políticos, tarefa à qual se dedicou com denodo junto com a “Força Tarefa” montada em Curitiba pelo Ministério Público e chefiada por trás dos panos da farsa da Lava Jato pelo então juiz Sérgio Moro.
Na esteira do “fico” de Temer, Rodrigo Maia virou uma espécie de líder do Governo e primeiro-ministro ao mesmo tempo em que chefiava a Câmara dos Deputados. Ministros de Estado, integrantes dos tribunais superiores, plutocratas da Faria Lima e executivos do mercado financeiro passaram a enxergar nele a encarnação do poder, de todo o poder que se é capaz de reunir em Brasília. Não era assim, o próprio Rodrigo Maia tinha a consciência de que as coisas não se davam assim. Entretanto, o figurino era-lhe confortável. Na capital do Brasil, as aparências contam mais que as essências. E ter um infinito poder aparente resolve muitos problemas. Quem conhece os meandros brasilienses, porém, sabe que são glórias transitórias. Tudo passa.
Por duas vezes mais, Maia pôde flertar com a possibilidade de virar presidente-tampão da República e até disputar no cargo uma eventual reeleição em 2018. Tais oportunidades surgiram quando o plenário da Câmara rejeitou duas vezes dar prosseguimento à investigação de denúncias feitas pela PGR contra Temer. Em agosto de 2017 a primeira denúncia foi arquivada por 263 votos contra ela e 227 a favor. Outubro daquele mesmo ano, por 251 votos contra e 233 a favor, num placar mais apertado que refletia o desgaste do governo em virtude do colapso gerencial de Michel Temer, os deputados voltaram a recusar a ação do Ministério Público contra o homem que exercia a Presidência. Se Rodrigo Maia tivesse cedido os dedos de apenas uma das mãos a favor dos mapas de caminhos conspiratórios que lhe foram oferecidos à época daquelas votações, Temer teria caído e a história de 2018 seria bem outra. O presidente da Câmara conservou-se leal ao conjunto ora desconexo de políticos e de interesses que levara o grupo ao poder embora fosse já um crítico contumaz dos erros do Palácio do Planalto e tivesse assentada a certeza de que o diálogo de Michel Temer com Joesley Batista no subsolo do Jaburu inviabilizara a agenda econômica que haviam planejado. Tanto foi assim que a reforma da Previdência precisou esperar a eleição de 2018 para ser debatida a sério e aprovada no Congresso. A reforma tributária, contudo, segue parada e a proposta urdida por Maia com economistas dos mais variados matizes e por amplo espectro partidário, não é prioridade do atual Governo.
Empossado Jair Bolsonaro, um político pérfido, de discurso perverso, e que sempre fez oposição pela extrema-direita a Rodrigo Maia e ao pai dele, César Maia, ex-prefeito do Rio, o presidente da Câmara disputou nova reeleição para presidir a Câmara dos Deputados. Em fevereiro de 2019, foi reeleito com folga. Os papéis distribuídos pelo destino, entretanto, eram já diversos. Ao contrário de Temer e apesar de entabular um discurso repulsivo contra a política, os políticos e as instituições, Bolsonaro tinha consigo a legitimidade do voto popular — recebeu mais de 57 milhões de votos no segundo turno de 2018 — e um vice-presidente também eleito em sua chapa. Maia não poderia mais protagonizar a personagem de líder do governo e primeiro-ministro enquanto vestia o terno (e as camisas polo) de presidente da Câmara.
Ao se contrapor à abjeta agenda reacionária “de costumes” de Bolsonaro, e também porque conferia organicidade e inteligência à agenda econômica do governo eleito, Rodrigo Maia paulatinamente foi atraindo a intolerância e a ojeriza do presidente da República e do ministro da Economia, Paulo Guedes. Ignorante dos hábitos e dos ritos da política, Guedes dinamitou as pontes que poderiam ligá-lo a Maia e deixou que se tornasse caudaloso o rio de ódio entre eles. Bolsonaro, por sua vez, agindo por instintos animais, portou-se como chefe da matilha de lobos famintos integrada por seus filhos — 01, 02 e 03 — e nunca perdeu oportunidade de tentar humilhar Maia.
Bolsonaro, uma vez mais, foi desmentido pelos fatos: foi na Câmara dos Deputados, a partir de debates e projetos legislativos liderados por Rodrigo Maia, que o Estado brasileiro conseguiu exibir uma estratégia mínima de combate efetivo à propagação letal do coronavírus covid-19 durante a pandemia. O auxílio emergencial de 600 reais, entregue diretamente a 38 milhões de brasileiros alocados nos estratos inferiores da pirâmide social, salvou vidas, a economia popular e ao menos retardou a discussão à vera do impeachment de Jair Bolsonaro porque lhe deu sobrevida de popularidade. Sob protestos da equipe econômica de Guedes e por insistência da Câmara, o auxílio foi aprovado pelo Congresso. Toda a estrutura de comunicação e trocas logísticas entre os estados da federação, cujos governadores se revelaram muito mais maduros e preparados que o presidente, foi estimulada e, muitas vezes, formatada pela Câmara.
O presidente da Câmara consolidou a imagem de seriedade e de desprendimento perante parte da sociedade — a parte que sempre o incensou e interessou. Até se ganha eleição sem eles, ou contra eles, mas não se governa o Brasil prescindindo deles. Collor e Dilma sentiram na pele a desconexão que tinham com esse “andar de cima”, produzida no curso de seus mandatos. Fernando Henrique e Lula, eleitos e reeleitos, que governaram oito anos, regozijam-se com méritos de nunca terem cruzado o rubicão ou dinamitado as pontes que existem para tal travessia. E Rodrigo Maia é um exímio construtor dessas pontes.
Mas, os sinais de hostilidade a Maia dados por Bolsonaro foram captados no Congresso e não deixaram de tirar força política do presidente da Câmara. Vem dessa trajetória tortuosa o patente enfraquecimento institucional do político que melhor encarnou a possibilidade de a sua geração chegar efetivamente ao poder à frente dos próprios sonhos e bandeiras, esgrimindo projetos singulares e modernos para o País.
Convencido de que nenhum dos 61 pedidos de impeachment presidencial que foram endereçados à Presidência da Câmara seria aprovado no plenário da Casa, Maia guardou todos na gaveta do reservado de sua sala. Quem o suceder, os herdará; posto que ele tampouco irá arquivá-los. Ante os arreganhos bolsonaristas contra a Constituição, contra o Parlamento e contra si, Maia não os fez andar por um cálculo tão frio quanto controverso: não passariam porque o presidente conta ainda apoio consistente no Congresso e, uma vez rejeitado, o impeachment fortaleceria o presidente da República.
Agir friamente à luz da tragédia sanitária e humanitária do País e ante o cotejamento das ações que podiam ter sido levadas a cabo para arrefecer e frear o contágio e a mortandade provocados pela covid-19, e não o foram, por um Jair Bolsonaro colérico e obscurantista, resultou no recrudescimento das críticas por equívoco dos cálculos políticos. A lealdade devida a Temer não estava posta em cena para justificar o bloqueio ao andamento de ao menos um dos pedidos. Compilação efetuada pelo jornal Folha de S. Paulo levantou a existência de ao menos 23 crimes de responsabilidade passíveis de impeachment em atos e omissões de Bolsonaro, no exercício do mandato, e que foram decisivos para recrudescer a dispersão do vírus e as mortes em decorrência do coronavírus.
Cautela é ferramenta essencial na construção da trajetória de qualquer estadista. Ao driblar uma derrota patente que poderia se converter em fortalecimento de seu adversário político, Maia talvez tenha errado no uso equilibrado da ousadia que, por sua vez, também é atributo necessário a quem está na estrada e dando o norte — como ele. Mas, se o impeachment não teve início por meio de sua caneta, a construção da maioria necessária a aprová-lo passará, necessariamente, pelo espectro de canais de diálogo de largo diapasão que abriu nos diversos setores da sociedade e em todos os partidos políticos.
Aos 50 anos, tendo sido presidente da Câmara dos Deputados por quase cinco anos, Rodrigo Maia teve todas as chances de entregar o cargo a um aliado e pedir que o sucessor cuidasse de seu legado. Sairia do posto muito maior do que entrou. Quando evitou conspirar contra Temer e fazer com que as denúncias da PGR contra o homem que derrubou Dilma Rousseff fossem consideradas procedentes pelo plenário da Casa, recusando as tentações de se tornar presidente da República pela via indireta, usou a favor da própria biografia a lei da lealdade.
A lei da lealdade é uma regra intangível e consuetudinária da arte de fazer política que torna maiores aqueles que são leais aos aliados e, sobretudo, aos adversários. Havia clareza e lógica nos argumentos das denúncias da Procuradoria da República que podiam levar à queda de Temer e à sua ascensão à Presidência. Rodrigo Maia conservou-se fiel ao grupo que derrubara Dilma, obra consumada em sociedade, e trabalhou para manter Temer na cadeira palaciana. A lealdade pregressa, entretanto, não foi respondida à altura pelos pares. Geddel Vieira Lima, ex-ministro de Temer preso quando 51 milhões de reais em espécie foram flagrados num apartamento dele em Salvador, dizia que era preciso sempre “estar sendo” alguma coisa em Brasília porque quando alguém bate à porta a pergunta que se faz é “quem é?” e não “quem foi?”.
A partir do dia 2 de fevereiro Rodrigo Maia terá de se confrontar com a própria sombra e perguntar: quem e o quê fui? Aonde errei? A vitória de Baleia Rossi, candidato dele, parece improvável neste momento nas calculadoras de votos de quem sabe contá-los nos processos legislativos. Arthur Lira, o nome escalado pelo Palácio do Planalto e pela família Bolsonaro para herdar a cadeira da presidência da Câmara, está ávido para religar os taxímetros da Praça Eduardo Cunha, localizada na esquina da Esplanada dos Ministérios com a cúpula do Plenário Ulysses Guimarães. Ali, há taxistas loucos por retomar o delivery legislativo cujo guichê foi fechado por Maia.
(*) Jornalista, autor de “Trapaça – Saga Política no Universo Paralelo Brasileiro” e editor do canal youtube.com/c/LuísCostaPintoPlataformaBrasilia
O Globo: Aliados de Bolsonaro, Lira e Pacheco chegam com vantagem para a eleição no Congresso
Após a saída do DEM do bloco de Baleia Rossi, ampliou-se a dianteira do candidato do PP na Câmara
Bruno Góes e Julia Lindner, O Globo
BRASÍLIA — Com o apoio do presidente Jair Bolsonaro, o deputado Arthur Lira (PP-AL) e o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) chegam com amplo favoritismo para a eleição, hoje, que definirá os novos presidentes de Câmara e Senado. Na noite de ontem, a Executiva Nacional do DEM, partido do atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (RJ), anunciou a ruptura com o bloco de Baleia Rossi (MDB-SP) na Casa. Maia é o principal fiador da candidatura do emedebista.
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Com a mudança, ampliou-se a dianteira de Lira na composição partidária. Seu bloco reúne 11 siglas e 255 deputados. Já o de Baleia tem 10 legendas, totalizando 209 parlamentares. Os blocos são importantes porque balizam a divisão dos demais cargos na Mesa Diretora. Mas o voto é secreto, e os deputados não são obrigados a seguir a orientação partidária.A Flourish hierarchy chart
O líder do DEM, Efraim Filho (PB), afirmou que ele e o presidente da sigla, ACM Neto, fizeram uma “avaliação de cenário” e concluíram que a independência seria o melhor encaminhamento. Maia lamentou a decisão.
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— Prevaleceu a posição histórica de um partido de direita. Trabalhamos pra trazê-lo (para o) caminho de centro, mas a natureza de direita prevaleceu — reagiu Maia, que negou reflexo na candidatura de Baleia por considerar os votos “cristalizados”.
Lira e seu grupo, porém, trabalham ainda para trazer de volta o Solidariedade e estimulam dissidências no oposicionista PSB. O candidato do PP teve durante a campanha apoio efetivo do governo, com entrega e promessa de cargos e recursos. No campo governista, há uma força-tarefa para tentar decidir a eleição no primeiro turno.
Aposta no segundo turno
Aliados de Baleia reconhecem a situação como delicada, mas apostam que há chance de vitória, caso a eleição seja levada para o segundo turno. Em posição fragilizada, o candidato do MDB tentava recuperar o apoio do PSL, o que poderia lhe dar de volta o maior bloco.
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Baleia almoçou ontem com integrantes de oposição e recebeu parte da bancada feminina. Já Lira conversou com parlamentares de PL e Podemos, recebeu deputadas que o apoiam, e tinha jantar marcado com o governador do Rio, Cláudio Castro (PSC), e o presidente do PSD, Gilberto Kassab.
Os dois candidatos concederam também entrevistas à Globonews. Baleia afirmou não ser “de oposição", mas disse que não “fugirá” à responsabilidade de analisar pedidos de impeachment.
— É prerrogativa do presidente da Câmara a análise (do impeachment). Eu não fugirei às minhas responsabilidades de analisar. A análise será feita com todo o critério, à luz da Constituição — afirmou.
Lira, por sua vez, afirmou que é a pressão social que decide se há ou não a abertura.
— O impeachment é um processo político. Nenhum presidente pauta um impeachment, um impeachment pauta um presidente. Se tivermos inflação de 200%, protestos nas ruas, caos social, isso vem naturalmente — disse.
Senado: Apoio do PT
Rodrigo Pacheco recebeu uma declaração pública de “simpatia” de Bolsonaro e teve integrantes do governo articulando em seu favor, mas recebeu também o suporte da oposição. Sua liderança ficou tão folgada em relação a Simone Tebet (MDB-MS) que o partido dela decidiu na semana passada liberar a bancada para negociar cargos na Mesa Diretora.
Encabeçada pelo atual presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), a estratégia de campanha de Pacheco foi se antecipar aos movimentos dos adversários, tendo conseguido apoio do PSD e PT antes mesmo dos emedebistas decidirem seu candidato. Após Simone entrar na disputa, partidos que eram contados como aliados dela racharam, como Podemos e PSDB.
Com o embarque do MDB na campanha, mesmo que sem apoio oficial, Pacheco também passou os últimos dias buscando uma forma de acomodar a legenda na Mesa. O principal entrave é o PSD quer a mesma vaga desejada pelo MDB, a vice.
Sem respaldo nem em seu partido, Simone passou a direcionar a campanha para fora do Senado, em encontros com empresários e figuras políticas de fora da Casa, como Marta Suplicy.
Ontem, os dois mantiveram a postura da campanha. Pacheco esteve em um almoço com outros 30 parlamentares promovido pelo senador Weverton Rocha (MA), líder do oposicionista PDT. Simone, por sua vez, passou o tempo com a família, mais reclusa, e conversou com o ex-senador Pedro Simon (RS) por telefone.
O Estado de S. Paulo: Maia ameaça com impeachment de Bolsonaro; PSDB e Solidariedade devem rifar Baleia
Ao ser informado pelo presidente do DEM, ACM Neto, de que a maioria dos deputados do partido apoiaria a candidatura de Lira para o comando da Câmara, Maia cogitou até mesmo deixar a sigla
Vera Rosa, O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - A decisão da Executiva do DEM de desembarcar do bloco de apoio à candidatura do deputado Baleia Rossi (MDB-SP) e a disposição do PSDB e do Solidariedade de seguir o mesmo caminho levaram o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a ameaçar aceitar um pedido de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro. A eleição que vai escolher a nova cúpula da Câmara e do Senado está marcada para esta segunda-feira, 1.º.
Ao ser informado pelo presidente do DEM, ACM Neto, na noite deste domingo, 31, de que a maioria dos deputados do partido apoiaria a candidatura de Arthur Lira (Progressistas-AL) para o comando da Câmara, e não Baleia, Maia ficou irritado. O presidente da Câmara ameaçou até mesmo deixar o DEM. A reunião ocorreu na casa dele, onde também estavam líderes e dirigentes de partidos de oposição, como o PT, o PC do B e o PSB, além do próprio MDB.
Maia encerra o mandato à frente da Câmara nesta segunda-feira, 1º, e, segundo apurou o Estadão, afirmou que, se o DEM lhe impusesse uma derrota, poderia, sim, sair do partido e autorizar um dos 59 pedidos de afastamento de Bolsonaro. Integrantes da oposição que estavam na reunião apoiaram o presidente da Câmara e chegaram a dizer que ele deveria aceitar até mais de um pedido contra Bolsonaro.
ACM Neto passou na casa de Maia antes da reunião da Executiva do DEM justamente para informar que, dos 31 deputados da legenda, mais da metade apoiava Lira. Pelos cálculos da ala dissidente, 22 integrantes da bancada estão com Lira, que é líder do Centrão.
O PSDB e o Solidariedade têm reuniões marcadas para esta segunda-feira, 1º e, diante da fragilidade da candidatura de Baleia, também ameaçam rifá-lo. “Ou mostramos força e independência apoiando claramente o Baleia ou adeus às expectativas de sermos capazes de obter alianças e ganhar as próximas eleições. Se há algo que ainda marca o PSDB é a confiança que ele é capaz de manter e expressar. Quem segue a vida política estará olhando, que ninguém se iluda", disse recentemente o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em um grupo de WhatsApp da bancada tucana.
O ex-senador José Aníbal foi na mesma linha. “O PSDB assumiu compromisso com Baleia. Espero que cumpra. De outro modo, é adesão ao genocida”, afirmou Aníbal neste domingo, 31.
Maia lançou a candidatura de Baleia à sua sucessão em dezembro, com o respaldo de uma frente ampla, que incluiu partidos de esquerda. Na ocasião, o líder do DEM, Efraim Filho (PB), assinou um documento no qual o partido avalizava o nome do MDB.
Diante do racha, ACM Neto atuou para amenizar a crise. Saiu da casa de Maia e foi direto para a sede do partido. Conduziu a reunião da Executiva pedindo para que o DEM ficasse oficialmente neutro. Além das ameaças de Maia, partidos de oposição afirmaram que, com o abandono de Baleia por parte do DEM, também a esquerda poderia desembarcar da candidatura de Rodrigo Pacheco (DEM-MG) ao comando do Senado. Até agora, Pacheco é o favorito para a cadeira de Davi Alcolumbre (DEM-AP).
O candidato do Progressistas chegou a anunciar em sua agenda que, nesta segunda, 1.º, receberia o apoio do DEM, às 9h30. A operação, porém, foi abortada por ACM Neto, que pediu aos correligionários para não humilharem Maia.
Nos bastidores, deputados comentavam neste domingo que o racha pode afastar o apresentador Luciano Huck do DEM. Huck planeja entrar na política para disputar a eleição para a Presidência, em 2022, e tem flertado tanto com o DEM como com o Cidadania ao defender uma frente de centro para derrotar Bolsonaro.
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Bruno Boghossian: Presidentes da Câmara e do Senado podem definir vida ou morte de governos
Histórico político das relações entre o Planalto e os presidentes das Casas oscila entre lealdade e traição
O empenho de Jair Bolsonaro nas eleições do Congresso nesta segunda (1º) é uma jogada de sobrevivência. Depois de ter usado o enfrentamento como arma política, o presidente mudou os cálculos: quer aliados nas presidências da Câmara e do Senado para construir uma agenda e permanecer no poder.
A história mostra que a relação entre os chefes do Congresso e o Palácio do Planalto pode mudar os rumos de um governo. O poder desses parlamentares determina se a plataforma de um presidente será implantada ou até se ele deve ser derrubado.
Dilma Rousseff (PT) soube que ter um rival no comando da Câmara pode ser fatal. Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se protegeu graças à escolha de um nome para esse mesmo posto. E Fernando Collor (PRN) percebeu que até a indiferença dos chefes do Congresso pode ser um problema nas horas de fragilidade.
Todos eles, além de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Michel Temer (MDB), também souberam que a fluidez política desses personagens define o tamanho do poder de um presidente da República.
COLLOR E IBSEN (1992)
Um presidente sem força no Congresso pode ter que governar no escuro, principalmente em tempos de crise. Foi o caso de Fernando Collor no caminho para o impeachment.
Na eleição para o comando da Câmara, em 1991, Collor não teve influência. Eleito pelo minúsculo PRN, ele só observou a escolha de Ibsen Pinheiro (MDB).
"O Collor não tinha condições de se intrometer", conta Renan Calheiros (MDB), que foi líder do governo no início do mandato.
A relação era protocolar, e a distância se tornou rivalidade nas semanas que antecederam a abertura do impeachment, em setembro de 1992. O presidente da Câmara frustrou o governo ao definir que aquela votação seria aberta --e não secreta.
"Não houve nenhuma tentativa de demover o Ibsen", diz Jorge Bornhausen, ministro de Collor.
Num pronunciamento na TV no fim de agosto, Collor atacou o Congresso e disse que os parlamentares não aprovavam os projetos do governo. O presidente da Câmara já concordava com o processo, mas os atritos o tornaram um entusiasta público.
Ibsen montou um palanque na Câmara e recebeu pessoalmente o pedido de impeachment apresentado no dia 1º de setembro. A Câmara aprovou o afastamento, e Collor renunciou antes do fim do processo no Senado.
FHC E ACM (2001)
Um presidente não dorme tranquilo nem quando há partidos aliados na cúpula do Congresso. Fernando Henrique Cardoso (PSDB) tinha uma coalizão larga, mas viveu uma relação terrível com Antônio Carlos Magalhães (PFL), que comandou o Senado (1997-2001).
O vínculo FHC-ACM refletiu o princípio político de que as ligações do poder variam de acordo com interesses de ocasião, como cargos e outras ferramentas de influência.
O PFL fazia parte da coalizão que elegeu o tucano. Quando estava satisfeito, ACM trabalhava a favor: ele foi personagem fundamental, por exemplo, nas articulações do Planalto para impedir a quebra de sigilo bancário do ex-chefe de campanha de FHC, numa investigação tocada pelo Congresso.
ACM também criou problemas para o governo como presidente do Senado. Usou o poder de pautar projetos para retardar a votação de medidas provisórias e acelerar a derrubada de vetos do Planalto. Era também um contumaz fabricante de dossiês que atingiam o governo.
"Antônio Carlos levou a vida inteira chantageando", escreveu FHC sobre o então senador, em seus diários. "Tem uma inveja infinita de mim e gostaria mesmo é de ser presidente."
LULA E ALDO (2005)
A disputa pela presidência da Câmara em setembro de 2005, na esteira do mensalão, é um exemplo acabado de como as escolhas no Congresso podem determinar os rumos de um governo.
"Aquela disputa tinha nível dez de importância", afirma Jaques Wagner (PT), que era o articulador político de Lula. "Havia um movimento para emparedar. Queriam infernizar a vida, fazer CPI, interditar o governo."
Naquela época, a oposição aproveitou a crise e deu força a José Thomaz Nonô (PFL) para chefiar a Câmara. Fragilizado, o governo Lula (PT) desarmou candidaturas do partido e apoiou Aldo Rebelo (PC do B).
"A ideia corrente era que a vitória da oposição significaria a abertura do processo de impedimento", diz Aldo. "Havia uma radicalização, era um ambiente tumultuado."
O Planalto temeu perder a disputa e ficar na mão de rivais. Nonô e Aldo empataram em 182 votos no primeiro turno. No segundo, o deputado do PC do B teve uma vitória apertada: 258 a 243.
"Lula se salvou de qualquer tentativa de impeachment porque elegeu o Aldo Rebelo", avalia Jorge Bornhausen, que em 2005 era senador pelo PFL e crítico do então presidente.
DILMA E CUNHA (2015)
O destino de Dilma Rousseff (PT) foi traçado exatamente a partir de uma disputa pela presidência da Câmara. A eleição de 2015 mostrou como as coalizões políticas podem ser volúveis.
No ano anterior, o MDB e o centrão haviam feito parte da chapa que reconduziu a petista ao Planalto. Um mês depois da posse, o governo rivalizava com esse mesmo grupo pelo comando da Câmara.
Eduardo Cunha (PMDB) reuniu o apoio do chamado baixo clero e de caciques de partidos que faziam parte da base de Dilma. Assim, ele derrotou o candidato do governo, Arlindo Chinaglia (PT).
"Aquela disputa foi um erro básico. Deveríamos ter construído uma candidatura alternativa", diz o deputado José Guimarães (PT), que se tornou líder do governo dias depois.
Primeiro, Cunha ativou o que os petistas chamavam de pauta-bomba, projetos de lei que aumentavam os gastos de um governo que tinha cofres vazios. "Ele começou o desgaste com a pauta-bomba, com o impeachment sempre acenando na gaveta", avalia Jaques Wagner, que foi ministro de Dilma.
O presidente da Câmara usou a caneta e autorizou o processo de afastamento da presidente no fim daquele ano. Foi uma retaliação ao PT, que decidiu votar a favor do prosseguimento da cassação do mandato de Cunha no Conselho de Ética da Câmara.
TEMER E MAIA (2017)
Michel Temer (PMDB) viveu uma relação peculiar com a Câmara. Os deputados salvaram seu governo, mas o presidente se enfraqueceu e viveu num parlamentarismo branco, em que o Congresso passou a dar as cartas.
A delação de executivos da JBS jogou tensão na praça dos Três Poderes. Se a Câmara desse aval à denúncia feita pela Procuradoria-Geral da República contra o presidente por corrupção, o emedebista seria afastado, e o poder cairia nas mãos de Rodrigo Maia (DEM) --chefe da Casa e nome seguinte na linha sucessória.
Maia não era adversário do Planalto, mas os canais entre os dois eram preenchidos de intrigas. Na noite em que a delação foi divulgada, ministros do governo foram à casa do presidente da Câmara para discutir a saída de Temer.
Em momentos delicados, a cúpula do Congresso se torna um polo de atração das disputas de poder. Maia, segundo seus aliados, poderia ter convencido os deputados a afastarem Temer do cargo, mas não se moveu.
"Essa relação tem muito a ver com temperança e personalidade. Nós não enxergávamos [em Maia] uma atitude que pudesse tangenciar a deslealdade", diz Antônio Imbassahy (PSDB), ministro da articulação política de Temer.
Folha de S. Paulo: Com Bolsonaro, centrão tenta voltar ao comando da Câmara seis anos após vitória de Cunha
Líder do bloco é o favorito para vencer, nesta segunda, disputa marcada por promessas de emendas e cargos
Danielle Brant , Julia Chaib , Gustavo Uribe e Ranier Bragon, Folha de S. Paulo
As eleições desta segunda (1º) no Congresso podem levar de volta ao comando da Câmara dos Deputados o grupo de siglas conhecido como centrão, montado por Eduardo Cunha (MDB-RJ) em 2014 e, atualmente, responsável pela base de sustentação do governo de Jair Bolsonaro (sem partido).
Apoiado pelo presidente da República, Arthur Lira (PP-AL) é o favorito na disputa e tem hoje o papel de líder inconteste do centrão, posto que foi de Cunha —presidente da Câmara de fevereiro de 2015 a maio de 2016, quando foi afastado do cargo pelo Supremo Tribunal Federal e acabou, depois, sendo cassado e preso em decorrência da Operação Lava Jato.
Seu principal concorrente é Baleia Rossi (MDB-SP), candidato de Rodrigo Maia (DEM-RJ), atual presidente da Câmara e hoje um dos principais adversários de Bolsonaro.
No Senado, o favoritismo é de Rodrigo Pacheco (DEM-RJ), que não integra o centrão, mas teve a candidatura costurada pelo atual presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e também tem a simpatia e o apoio de Bolsonaro e do centrão. Ele tem como principal rival a emedebista Simone Tebet (MS).
O flerte entre o centrão e o governo virou relacionamento sério no ano passado, no início da pandemia, quando Bolsonaro precisou negociar cargos com partidos como PP, PL e Republicanos para barrar a possibilidade de um impeachment.
Independentemente do resultado, a aliança Bolsonaro-centrão já enterrou de vez o discurso do presidente da República, explorado à exaustão durante a campanha eleitoral, de que não se renderia ao que chamava de a velha política do “toma lá, dá cá”.
"Qualquer presidente que, porventura, distribua ministério, estatais, ou diretorias de banco para apoio dentro do Parlamento está infringindo o artigo 85, inciso II da Constituição”, disse Bolsonaro, por exemplo, no dia 27 de outubro de 2018, um dia antes do segundo turno das eleições.
O trecho citado pelo então candidato define como crime de responsabilidade atos do presidente da República que atentem contra a o livre exercício do Poder Legislativo.
“Se eu, por exemplo, apresento o ministério para um partido com objetivo de comprar voto, qualquer um pode então me questionar que estou interferindo no exercício do Poder Legislativo", disse à época.
Também em 2018, o hoje ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), general Augusto Heleno, chegou a cantarolar “se gritar pega centrão, não fica um meu irmão” em um encontro do PSL.Agora, tudo isso mudou. Para atender o centrão, o governo faz promessas de liberação de bilhões em emendas parlamentares e chegou a cogitar até a recriação de ministérios, contrariando outro discurso da campanha, o do enxugamento da máquina pública.
Uma das danças das cadeiras que estão praticamente sacramentada é a saída de Onyx Lorenzoni do Ministério da Cidadania e a ida para a Secretaria-Geral, hoje ocupada pelo interino Pedro Marques de Souza.
O governo acertou que a Cidadania, responsável pelo Bolsa Família, ficará com um nome indicado pelo Republicanos. São cotados os deputados João Roma (BA) e Márcio Marinho (BA), ambos do partido.
"Se tiver um clima no Parlamento, pelo o que tudo indica as duas pessoas que nós temos simpatia devem se eleger, não vamos ter mais uma pauta travada, a gente pode levar muita coisa avante, quem sabe até ressurgir os ministérios, esses ministérios", declarou Bolsonaro na última sexta-feira (29). No sábado (30), ele recuou.
A expectativa do centrão é que, até o final do ano, o presidente entregue ao bloco partidário cargos de destaque no primeiro e segundo escalões, o que enfrenta forte oposição tanto do núcleo militar como do ideológico do Palácio do Planalto. Os dois grupos prometem resistir à ofensiva das siglas.
Apesar da resistência, integrantes do centrão vislumbram a possibilidade de ficarem com o comando do Ministério da Saúde e ainda torcem pela recriação de pelo menos duas pastas: Trabalho e Cidades.
O governo também tem prometido emendas para parlamentares que apoiarem seus candidatos na disputa de segunda-feira. Segundo as informações do governo, já foram cadastrados os pedidos de cerca de 600 municípios, que registraram demandas que giram em torno de R$ 650 milhões.
Essa verba, que sai do cofre do governo e vai para as prefeituras, leva o carimbo dos parlamentares, que usam a notícia parta se cacifar eleitoralmente em seus redutos. São pedidos relativos ao Ministério do Desenvolvimento Regional, ao Ministério do Turismo e ao Ministério da Agricultura.
Para o centrão, além dos cargos no Executivo, é importante deter comando na Mesa diretora da Câmara, que é formada pela presidência, duas vices e quatro secretarias.
Pelo acordo firmado no bloco de Lira, o PL deverá disputar a primeira vice-presidência, com o deputado federal Marcelo Ramos (AM). As demais candidaturas seriam distribuídas entre Republicanos, PSD e PROS.
O PSL, que de última hora trocou de lado na disputa legislativa e vinha negociando a primeira-vice-presidência, deve ficar com um posto menor. Isso se não houver uma reviravolta que coloque o partido novamente no bloco de Baleia Rossi. A expectativa, inclusive, é que haja uma guerra de listas nesta segunda entre os grupos do PSL que apoiam Lira e Baleia.
Bolsonaro tem dito ainda que acredita que, com Lira, a chamada pauta de costumes deve avançar na Câmara, otimismo que não é compartilhado por assessores presidenciais. No passado, Lira já disse que ela não é prioridade para o país e, em conversa reservada na semana passada, reafirmou a opinião.
Por causa disso, o líder do centrão não deve receber o voto, pelo menos no primeiro turno, de todos os deputados bolsonaristas. Alguns deles têm afirmado em caráter reservado que votarão em candidatos avulsos, como Fábio Ramalho (MDB-MG).
Nos encontros das últimas semanas, Lira tem afirmado ainda que não será submisso ao presidente e ressaltado que não é de seu perfil acatar ordens, apesar de ter observado que pretende evitar embates públicos, como os protagonizados por Maia e Bolsonaro.
A opinião de alguns aliados do deputado é que, caso eleito, a tendência é que haja uma relação harmônica no começo, mas que dificilmente ela se manterá estável a partir do segundo semestre.
Já a equipe econômica espera que antes de 2022, ano eleitoral, o Poder Legislativo aprove as reformas administrativa e tributária. A primeira, como tem salientado Lira, é a sua prioridade. A segunda, contudo, enfrenta dificuldades.
Para aliados de Lira, o ideal é que ela seja reiniciada, com a mudança do atual relator, o deputado federal Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), que apoia a candidatura de Baleia. E que novos mecanismos sejam discutidos, o que deve inviabilizar uma votação neste ano.
Integrantes de partidos de centro traçam prognóstico negativo com relação à pauta da Câmara. Líderes ouvidos pela Folha avaliam que não haverá clima para votar nenhuma matéria econômica de relevância. Assim, nem a tributária e nem a reforma administrativa devem ser aprovadas até o ano que vem.
Outro ponto de possível desgaste, na opinião de assessores do governo, é a relação entre Lira e o ministro da Economia, Paulo Guedes. Apesar de ambos terem afinado o discurso recentemente, Lira já defendeu mais de uma vez medidas que aumentam os gastos públicos.
Apesar da mácula no discurso, a opção de Bolsonaro de negociar com o centrão é pragmática. O bom relacionamento com os novos presidentes da Câmara e do Senado ajudaria a manter afastados o risco de abertura de um processo de impeachment —Maia deixa o cargo com cerca de 60 em análise, por exemplo.
Também reduz as chances de abertura de CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar, por exemplo, a conduta do governo na pandemia de Covid-19.
Essa blindagem foi importante em governos anteriores, como no primeiro mandato do petista Luiz Inácio Lula da Silva.
Hoje, o centrão ocupa a diretoria de importantes órgãos na máquina federal. O FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), tem como presidente e diretores indicados de partidos como PL, PP e Republicanos. A Funasa (Fundação Nacional da Saúde), por sua vez, é ocupada por um aliado do PSD. Há ainda indicados do centrão em secretárias estratégicas dos Ministérios da Saúde e do Desenvolvimento Regional, entre outros.
O papel da oposição na disputa também foi colocado em xeque, em especial após a decisão de partidos de esquerda de apoiar Pacheco no Senado. Ao tomar a decisão, o PT argumentou que a questão era circunstancial e afirmou que o candidato não estaria “comprometido com a necropolítica do atual governo”, nas palavras do senador Humberto Costa (PE).
Na Câmara, formalmente os partidos de oposição se alinharam a Baleia Rossi, mas alguns deputados, reservadamente, já confidenciaram a seus pares que votarão em Lira, mesmo sendo o candidato de Bolsonaro. A dissidência é grande em partidos como PSB, no qual parlamentares já declararam intenção em votar no líder do centrão.
A campanha do presidente do MDB, no entanto, ainda conta com a possibilidade de reverter algumas dessas baixas e levar a disputa para segundo turno. Se isso ocorrer, afirmam, o jogo muda.
A expectativa de aliados de Rossi é a de que haja muitas traições do grupo que apoia Lira. A diferença, dizem, é que o líder do PP não sabe quais são esses votos porque, diferentemente dos membros do bloco de Rossi, os parlamentares não se manifestam publicamente contra o candidato de Bolsonaro, por medo de retaliação.
COMO SERÁ A ELEIÇÃO NO CONGRESSO
CÂMARA
- Os blocos de apoio dos candidatos deverão ser formados até meio-dia de segunda (1°)
- 17h é o prazo máximo para registro das candidaturas dos deputados que querem disputar a eleição
- A sessão em que ocorrerá a eleição está prevista para começar às 19h. Cada candidato a presidente —são oito— terá dez
- minutos para discursar
- A votação ocorre em urna eletrônica. Serão 21 espalhadas pelos salões Verde e Nobre —historicamente, eram 14
- Por causa da pandemia, foram adotados cuidados. A votação ocorrerá em blocos de cinco deputados por urna. Cada um terá três minutos para votar
- Haverá higienização após cada votação
- Se nenhum nome obtiver pelo menos 257 votos, haverá segundo turno
Candidatos
- Arthur Lira (PP-AL)
- Baleia Rossi (MDB-SP)
- Alexandre Frota (PSDB-SP)
- André Janones (Avante-MG)
- Fábio Ramalho (MDB-MG)
- Luiza Erundina (PSOL-SP)
- Marcel V. Hattem (Novo-RS)
- General Peternelli (PSL-SP)
SENADO
- Não há prazo para formação de blocos.
- Às 14h, começa a chamada sessão preparatória (em que ocorre eleição). O presidente do Senado então pergunta se há novas candidaturas, além das cinco já protocoladas
- Candidatos terão dez minutos para discursar, antes da votação
- Serão quatro urnas: duas no plenário e duas fora, para senadores considerados de grupo de risco. A votação será em cédulas de papel
- Será eleito o candidato que tiver 41 votos. A expectativa é que a sessão termine às 17h
Candidatos
- Rodrigo Pacheco (DEM-MG)
- Simone Tebet (MDB-MS)
- Jorge Kajuru (Cidadania-GO)
- Lasier Martins (Podemos-RS)
- Major Olimpio (PSL-SP)
O Estado de S. Paulo: Atraso em vacinação deve custar R$ 150 bi ao PIB do País em 2021
Segundo cálculo da consultoria LCA, caso 70% dos brasileiros fossem vacinados até agosto contra a Covid-19, a economia poderia crescer 5,5%; mas, com esse patamar de imunização previsto só para dezembro, avanço deve ser reduzido em 2 pontos porcentuais
Luciana Dyniewicz, O Estado de S.Paulo
A lentidão e a desorganização no programa nacional de vacinação contra a covid-19 vão retirar pelo menos dois pontos porcentuais do Produto Interno Bruto (PIB) do País em 2021. Segundo cálculos do economista Bráulio Borges, da consultoria LCA, caso 70% da população recebesse a vacina até agosto, a economia brasileira cresceria 5,5% neste ano. Se a vacinação atingir esse patamar apenas em dezembro – hipótese que hoje já é considerada otimista –, o crescimento do PIB deve ficar entre 3% e 3,5%. Nesse cenário, o País deixará de movimentar R$ 150 bilhões.
Borges também traçou uma hipótese otimista: estimando o impacto de uma vacinação mais ágil na economia, em um ritmo semelhante ao de Israel – país mais avançado na imunização contra o novo coronavírus. Nesse cenário, 70% seriam vacinados até junho, permitindo que as medidas de distanciamento social fossem relaxadas e garantindo o retorno de atividades em que há aglomeração. O PIB poderia, nesse caso, avançar 7,5%, um incremento de R$ 260 bilhões.
O crescimento de 3% a 3,5% esperado para a economia no pior dos cenários (com a maior parte da população vacinada até o fim do ano) pode parecer positivo, dado que a última vez que o País avançou 3% foi em 2013. Na prática, porém, significará que a economia passou o ano todo estagnada. Isso decorre do que os economistas chamam de “carrego estatístico” – quando a base de comparação é baixa (o resultado médio do PIB em 2020), mas o ponto de partida é elevado por conta da recuperação ao longo do último semestre do ano.
A alta de 3,5% também significará que o País terá, no fim de 2021, um PIB 1% abaixo do registrado em 2019. A economia per capita terá um resultado ainda mais negativo: 2,5% inferior ao de 2019. “Esses cálculos são um exercício simplificado que mostra como podemos ter um crescimento econômico se andarmos mais rápido com a vacinação, o que hoje parece uma realidade bem distante”, afirma Borges.
Por enquanto, a LCA projeta que o PIB ficará nos 3,5% neste ano. Mas Borges reconhece que talvez a realidade “seja ainda pior que esse cenário ruim”.
A Tendências Consultoria é mais pessimista e estima um PIB de 2,9%. “Nossa projeção é cautelosa porque já tínhamos uma preocupação com o quadro pandêmico e não tínhamos a perspectiva de que haveria um movimento de vacinação afetando parte relevante da população no primeiro semestre. Outra preocupação é com a situação fiscal”, diz a economista-chefe da consultoria, Alessandra Ribeiro.
Classificação de risco do Brasil
O economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, afirma que há inclusive um risco de o Brasil ter sua classificação de risco novamente rebaixada por causa do atraso na imunização. “Há um risco indireto porque, à medida que não temos uma vacinação em massa, a confiança dos agentes econômicos cai. As pessoas também ficam mais em casa e isso afeta um componente que é analisado para determinar o risco, que é o PIB.”
A economista Zeina Latif alerta que a perda de doses de vacinas, como tem sido verificado em algumas cidades por problemas técnicos, e a eficácia de 50% da Coronavac, que está sendo produzida no Instituto Butantan, fazem com que seja mais difícil atingir a imunidade de rebanho. “Esse fator de incerteza vai pesar em 2021. Ainda vamos passar um bom tempo com limitações para a atividade econômica. E o setor de serviços é o mais impactado pela pandemia, além de ser o que tem maior peso no PIB. Acho difícil a gente não ter decepções com a economia.”
Segundo estimativa do Ministério da Saúde, a vacinação deve levar “até 12 meses após a fase inicial”. Isso, no entanto, dependerá “do quantitativo de vacinas disponibilizadas para uso”. A epidemiologista Carla Domingues, que coordenou o Programa Nacional de Imunizações por oito anos, lembra, porém, que já houve atrasos no recebimento das primeiras doses de imunizante e que não é possível ter certeza de que o prazo será cumprido. “Mesmo quem comprou as vacinas antecipadamente está com problema (para recebê-las). Imagina quem não comprou. Esse vai para o fim da fila, porque a demanda mundial é muito grande.”
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El País: 'Bolsonaro busca a polêmica para disfarçar a incopetência', diz Flávio Dino
O governador do Maranhão, um comunista com peso político superior ao que lhe confere seu Estado, surge como uma das vozes alternativas da esquerda brasileira
Naiara Galarraga Gortázar, El País
O governador do Maranhão, Flávio Dino (São Luís, 52 anos), tem uma presença no debate nacional brasileiro muito acima do que indicaria o peso real desse pequeno estado litorâneo, muito desigual, situado no extremo leste da Amazônia Legal. Juiz e deputado antes de romper, há seis anos, a hegemonia da oligarquia local, combina sua filiação ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB) com um esquerdismo pragmático e a fé católica. Dino recebeu este jornal no impressionante palácio do governador, em sua cidade natal, momentos depois da posse de Joe Biden nos Estados Unidos. Falou de Bolsonaro, da pandemia, da Amazônia... Só tirou a máscara para posar rapidamente para as fotos.
Pergunta. Como um governador comunista convive com um presidente de extrema direita?
Resposta. É uma relação difícil porque tem a diferença político-ideológica e, neste caso, há uma singularidade. Bolsonaro é uma figura que prioriza o confronto, é o que integra sua identidade política desde a origem. Ele busca sempre uma polêmica até para disfarçar as suas incompetências. A convivência é muito difícil com todos os Estados. É o período da nossa história em que há o maior afastamento entre o Governo federal e os Governos estaduais de um modo geral.
P. O senhor afirmou em seu Twitter que “o fim do Governo Trump é (...) um anúncio da alvorada que virá no Brasil”. Acredita que isso influenciará tanto nas possibilidades de reeleição de Bolsonaro?
R. É um fator que amplia o isolamento de Bolsonaro. Ele já tem muitas dificuldades no cenário internacional. Trump era, praticamente, seu único aliado e agora ele ficou totalmente sem apoio. Em um mundo interconectado, esse isolamento acaba sendo um problema maior do que seria 200 anos atrás. Vemos consequências em vários âmbitos. Um Governo isolado tem muita dificuldade em encontrar saídas para problemas que transcendem as fronteiras nacionais. Os fluxos de comércio, a temática ambiental e a da saúde pública em um contexto de pandemia são temas que ultrapassam as fronteiras do país, então obviamente as soluções são supranacionais. Quando você tem um Governo que pratica e se orgulha do isolamento, isso implica em dificuldades práticas, como estamos vendo agora com as vacinas.
P. Como Maranhão está se organizando em relação à vacina?
R. Desde o início da pandemia, tivemos a criação de uma novidade, que é uma diplomacia dos entes subnacionais. Tradicionalmente, quem faz relações internacionais é a esfera Federal, não a estadual. Ocorre que por conta desses fatores, o Governo Federal deixou uma lacuna que tem que ser preenchida de algum modo. Desde o início da pandemia procuramos compensar isso. Isso se deu com os respiradores, por exemplo, e com insumos de um modo geral. Agora todos nós estamos procurando saídas que complementem o programa nacional [de imunização]. Mas, até agora o mercado está realmente muito difícil. Os países produtores de insumos e vacina estão priorizando as suas próprias nações. Não vislumbro que consigamos, a curto prazo, vacinas por vias próprias. Não descartamos nenhuma vacina. Temos dialogado muito com a Pfizer também, mas na medida em que o Governo brasileiro não se interessou pelas vacinas da Pfizer, isso dificultou o acesso dos Estados. E esse foi um dos grandes erros do Governo Federal: ele deveria ter ao menos oferecido aos Estados. Eu teria comprado uma parte, outros também. E hoje nós teríamos uma conjugação de esforços entre a esfera federal e estadual.
P. O fim do auxílio emergencial para atenuar os efeitos da pandemia é outro problema grave. Agora toda a pressão recairá sobre os Estados e municípios. Como enfrentará essa situação?
R. É um problema muito profundo. Além de a probreza extrema se configurar ainda mais nitidamente, temos também o fato de que pessoas serão excluídas do mercado de consumo e isso repercute na criação de empregos. É um erro monumental terminar o auxílio emergencial. Se ele foi criado para mitigar os efeitos da pandemia e ela continua tão viva quanto está, não há razão material para extingui-lo. Acredito que a responsabilidade fiscal não pode caminhar separada da responsabilidade social. São dois pilares de um bom Governo. Só existe equilíbrio fiscal quando existem também compromissos sociais, pois isso explode de algum jeito, inclusive do ponto de vista fiscal. Se as pessoas não comem, elas adoecem. Você tira a despesa do auxílio emergencial e objetivamente joga em outras políticas públicas, como o próprio sistema de saúde. O certo seria prorrogar a ajuda até meados deste ano, quando acredito que veremos os efeitos da vacinação. Mas temos que procurar, de algum modo, diminuir o desastre. Não tenho um Banco Central, não emito moeda, não posso contrair dívida, então a margem de manobra fiscal é muito menor. Tenho procurado adotar políticas para determinados públicos. Implementamos um auxílio para os catadores de resíduos sólidos, desde abril distribuímos mais de 300.000 cestas básicas para famílias e vou lançar um cheque de 600 reais [pagamento único] para que algumas famílias possam comprar produtos para permitir algum tipo de consumo, para ajudar o comércio. E fizemos um plano de obras públicas de 559 milhões de reais. São ações de reduções de danos.
P. Como presidente do consórcio de governadores da Amazônia legal o senhor tem medo que Biden faça pressão comercial para que o Brasil mude sua política ambiental?
R. É um risco. Temos uma preocupação global justa. Mas há também outros interesses que se manifestam e que se aproveitam da temática ambiental. Sabemos que a agricultura brasileira enfrenta dificuldades desde que o Bolsonaro assumiu porque ele liberou geral na questão ambiental, chancelou políticas de desmatamento e de queimadas ilegais. No cenário internacional, os concorrentes do Brasil podem querer se aproveitar. Isso tudo se junta com o isolamento do Brasil, um país que não tem hoje alianças. E isso compõe um cenário de muita fragilidade. Na esfera internacional, mais importante do que punir o Brasil é fortalecer os esforços de quem quer proteger a Amazônia, por exemplo, o consórcio de governadores da Amazônia, que tem uma posição diferente daquela do Governo Federal. Há muito pluralismo político-partidário no consórcio, mas todos concordam que é negativa para o Brasil essa ideia de que não existe lei ou controle na Amazônia. Os grandes produtores do Mato Grosso, que faz parte da Amazônia Legal, sabem que o risco de sanções internacionais é grave. Biden falou de um fundo de 20 bilhões de dólares. Ótimo. Quer constituir um fundo internacional, que envolva, inclusive, capitais privados? O consórcio tem todo interesse nisso. Esse fundo poderia servir para o pagamento de serviços ambientais porque isso vai viabilizar que comunidades sejam financiadas, que se ofereça práticas alternativas para que as pessoas vivam sem devastar a floresta.
P. Será possível forjar uma frente ampla de oposição a Bolsonaro para as eleições presidenciais de 2022?
R. Acredito que num primeiro momento teremos uma ou duas candidaturas mais para a esquerda, e candidaturas mais a centro-direita. Estamos vivendo um processo interessante que é a eleição da Mesa da Câmara dos Deputados em que se formou uma frente ampla em torno de Baleia (Rossi), que é do MDB, de centro-direita, mas que praticamente toda a esquerda está apoiando. Isso sinaliza um momento diferente. Há dois anos, na eleição da Mesa da Câmara, apenas nosso partido na esquerda apoiou Rodrigo Maia. E fomos muito criticados. A história mostrou que estávamos certos porque Maia, que não é da esquerda, foi muito importante na contenção dos intuitos golpistas e ditatoriais de Bolsonaro. É um sinal positivo de que mesmo que no primeiro turno você não tenha uma união ampla, no segundo é possível. É uma mudança qualitativa importante. Todos em torno da compreensão de que o Brasil, a Amazônia, não aguenta mais quatro de Bolsonaro.
P. O que o senhor tem de comunista?
R. É claro que o conceito de comunismo e socialismo não é o mesmo do século XIX. O mundo não é mais o mesmo e a temática do trabalho é diferente. Costumo dizer no PCdoB que o símbolo da foice e do martelo não expressa mais o mundo do trabalho. Não se tem mais uma classe operária como se imaginava no século XIX porque se tem uma economia de outro feitio. O fator de distinção [da esquerda] é como você lida com a desigualdade. Não se pode tratar a desigualdade como algo inevitável, natural. Por isso me considero de esquerda, porque sou um militante contra as injustiças sociais e acredito que o papel do Estado e das políticas públicas é insubstituível para corrigir uma tendência do mercado de concentração de riqueza na mão de poucos. Não é eliminar o mercado. E essa é outra distinção importante do nosso pensamento em relação à esquerda clássica.
Affonso Celso Pastore: O grito do silêncio
O dano causado pelo governo continuará a se manifestar através do pífio desempenho da economia
É compreensível que parte do setor privado evite criticar publicamente o governo, mas seu silêncio não significa aprovação: os preços dos ativos gritam por eles. Ao longo de 2020, a piora da situação fiscal decorrente da péssima reação do governo à pandemia provocou um crescimento sensível dos prêmios de risco, destacando-se a depreciação do real, que, após uma pausa no final do ano, prosseguiu recentemente com acentuada volatilidade. Embora poucos acreditassem que Bolsonaro pudesse reconhecer seus erros, e passasse a exercer a Presidência com uma competência nunca demonstrada, muitos apostavam que a liquidez internacional levaria à valorização do real, reduzindo a pressão sobre a inflação. Com isso, o Banco Central, que mantém uma elevada credibilidade, talvez pudesse retardar um pouco o início da inevitável normalização monetária, fazendo o que está ao seu alcance para ajudar na recuperação da economia.
É possível que a política fiscal expansionista de Biden venha a reforçar o enfraquecimento do dólar, mas este já vem ocorrendo significativamente desde maio de 2020, quando teve início uma política monetária com níveis recordes de estímulos. Foi em maio que o Federal Reserve derrubou a taxa dos Fed funds para 0,25% ao ano (o seu zero bound), foi em maio que comprou mais de US$ 2,5 trilhões de treasuries, que é perto de 2 vezes o total de ativos financeiros comprado durante o QE da crise de 2008, e não por acaso foi em maio que o dólar começou a se enfraquecer. Se a liquidez internacional fosse decisiva para valorizar o real, a partir de maio este teria de seguir a trajetória da mediana de uma amostra de 20 países emergentes, que se valorizou acompanhando de perto o enfraquecimento do dólar. Em 2020 e no início de 2021, o comportamento do real não tem nada a ver com o enfraquecimento do dólar. É explicado apenas por causas domésticas.
O setor privado nunca teve ilusões a respeito de Bolsonaro, mas agarrava-se a uma narrativa “construtiva”. A existência de mais de uma vacina com eficácia comprovada levaria a uma recuperação já em 2021, melhorando o mercado de trabalho, e o desembolso da “poupança precaucional” (ou circunstancial) neutralizaria a contração vinda do “despenhadeiro fiscal”, parte do qual era devida ao fim da ajuda emergencial. Mas, para ser “construtiva”, a narrativa tinha de subestimar a incompetência do governo.
Foram patéticos os lances de ópera bufa na busca desesperada pela obtenção de algumas vacinas vindas da Índia com o único objetivo de apressar a cerimônia de início da vacinação, enquanto o governo se omitia em enviar o oxigênio que minorasse a tragédia de Manaus. Mas Bolsonaro não estava interessado na vacinação e no sofrimento dos atingidos pela pandemia, e, sim, em iniciar a vacinação antes de Doria, em São Paulo. O que estava em jogo não era a solução do problema sanitário, e, sim, o aumento de seu cacife na disputa para 2022.
Como reagirá o governo à queda da popularidade, à desaceleração do crescimento econômico e ao risco de abertura de um processo de impeachment? Especialistas afirmam ser difícil a sua aprovação diante dos 30% de apoio mantidos pelo presidente. Mas lembro que estes 30% não são uma constante da natureza, e que juristas de renome já alinharam abundantes razões para a abertura do processo de impeachment.
A perda de popularidade e a piora do estado da economia não deixarão inertes nem o governo e nem o Centrão. A este interessa que Bolsonaro continue presidente, não porque seja bom para o Brasil, mas por lhe garantir a ocupação de ministérios e outras benesses do governo. Contudo, é difícil acreditar que sejam aprovadas reformas impopulares que contrariem interesses de grupos políticos, inclusive os do próprio Centrão. O mais provável é que seja enviada ao Congresso uma nova emenda emergencial permitindo o aumento de gastos que não serão computados para o cálculo do teto, que por isso será cumprido. Mas diante do desastroso desempenho do governo, não posso sonhar que imporá as necessárias medidas compensatórias que levem à consolidação fiscal, com a qual nunca se comprometeu de fato.
O dano causado pelo governo continuará a se manifestar através do pífio desempenho da economia e dos preços dos ativos, sobretudo da taxa cambial. Mas a contagem regressiva para a reeleição já está correndo, e as reformas necessárias, mas impopulares, ficam cada vez mais distantes, aumentando a cada dia o custo da complacência com o governo atual.
*Ex-presidente do Banco Central e sócio da A.C. Pastore & Associados.
Roberto Romano: Palácio e picadeiro, incontinências de Bolsonaro
Se o líder pensa com os intestinos e não domina ódios pessoais, perde acatamento político
Das cenas grotescas protagonizadas pelo presidente Jair Bolsonaro, a que foi exibida no último dia 27 de janeiro é das mais repulsivas. Cercado por tietes, ele exibiu todo o ódio à imprensa. A causa do destempero encontra-se na denúncia sobre os estranhos gastos do Executivo federal com alimentos. Um estadista responderia com números e documentos. Mas, ao proferir, sorrindo, vocábulos pornográficos, o governante recebeu ovações de arruaceiros e chaleiras. Tal vitupério exige processo judicial por indecente uso do cargo. Frases que no pior bordel são evitadas, nos lábios de um presidente causam asco.
O “mito” não entenderá a citação abaixo, pois sua força cognitiva é pequena. Mas entre ministros, políticos que a ele se aliam e antigos apoiadores talvez exista algum saber. A eles me dirijo. Ao discutir a governabilidade, diz Spinoza: “A república não pode fazer com que os homens (...) respeitem o que gera riso ou náusea. (...) Para garantir o poder é preciso guardar as causas do medo e do respeito, caso oposto não há mais um Estado. É impossível para os que operam o mando político (...) bancar o palhaço, violar ou desprezar abertamente as leis por eles mesmos estabelecidas, pois assim eles perdem a majestade e mudam o medo em indignação e o estado civil em estado de guerra” (Tratado Político). Tais enunciados vêm de Maquiavel, pensador das práticas que permitem manter o poderio civil.
Repito: o presidente nada compreende de semelhantes teses. Mas quem negou sua utilidade perdeu cargos, para não mencionar a cabeça. Assim foi com Carlos I da Inglaterra e Luís XVI na França. Sempre chega a vez de quem imagina a si mesmo como impune e infenso às leis.
O decoro na fala e na postura corporal integra toda autoridade política, jurídica, religiosa, militar. Menciono outro escrito que certamente não será compreendido pelo sr. Jair Bolsonaro e seus marombeiros. Trata-se de Hannah Arendt: “Se for preciso verdadeiramente definir a autoridade, deve-se fazê-lo opondo-a ao mesmo tempo ao constrangimento pela força e à persuasão por argumentos”. No setor público ou privado cada um reconhece a superior hierarquia de quem ostenta autoridade. Não é pelo vezo de prender ou censurar, perseguir ou caluniar aos berros os oponentes que alguém consegue respeito público.
Dito de outro modo: se você precisa gritar para que lhe obedeçam, sua autoridade não existe. Inteligência, decoro, respeito à hierarquia, autoridade: um estadista pode receber da vida doses desiguais desses elementos. Ele compensa a fraqueza de um com a força de outro. Mas o dirigente que enxovalha o seu cargo não tem autoridade, só lhe cabe o título atribuído por Spinoza: palhaço.
Todo clown possui dupla face: a risível e a trágica. A primeira é exibida a cada novo dia pelo sr. Jair Bolsonaro. A trágica surge em decisões imprudentes e impudentes durante a pandemia. Tantas sandices comete o “mito” – e aí vai um alerta aos militares responsáveis pela força física estatal – que podemos temer: a indignação diante do descalabro pode “mudar o estado civil em estado de guerra”.
Aliás, são hábitos do líder a mão armada e o incentivo aos instrumentos da morte que impulsionam fraturas civis. Junto vem o boicote pérfido a vacinas como a Coronavac – esperanças de vida – por mesquinhos alvos políticos. A teoria infame de Carl Schmitt é praticada por ele: a política como forma de gerar o inimigo. E assim são corroídos os elos que garantem a união interna do Estado.
Recordo o dito usado por João de Salisbury (Policraticus) sobre governantes desprovidos de saber. Rex illiteratus quasi asinus coronatus est (um rei iletrado é quase um asno coroado). Para governar urge mover conceitos políticos, militares, filosóficos, jurídicos e outros. A edificação do Estado moderno se norteia pelo preparo do governante. Erasmo publicou um tratado sobre o tema, Institutio Principis Christiani. Ele cita Salisbury: “Liberdade real e virtude só podem ser obtidas onde existe a liberdade de palavra. O bom príncipe do bom Estado deve aceitar pacientemente as palavras livres, quaisquer que elas sejam”. Os turpilóquios de Bolsonaro contra a imprensa ameaçam o verbo independente. Erasmo adverte contra os aduladores. Na educação do príncipe o cavalo ensina a governar, pois não aceita violência e recusa imperícia ou lisonja. O sáfaro que ignora tais peculiaridades equinas vai ao chão. Aduladores, como os do espetáculo obsceno indicado no início deste artigo, lambem botas do poderoso ocasional. Se ele perde força, as línguas de aluguel procuram outra fonte de poder.
Gabriel Naudé, autor das Considerações Políticas Sobre os Golpes de Estado (1640), louva o saber do governante e recorda o dito de Luís XI: “Quem não sabe dissimular não sabe governar”. Se o líder pensa com os intestinos, em vez do cérebro, e não domina ódios pessoais, perde acatamento político.
Os destemperos de Jair Bolsonaro evidenciam carência de autoridade, decoro, saber. Ele quer os poderes do Legislativo e do Judiciário. O lugar que lhe cabe, no entanto, não é no palácio, mas na arena ou picadeiro.
*Professor da Unicamp, é autor de ‘Razões de estado e outros estados da razão’ (Perspectiva)
Eliane Cantanhêde: Com o Congresso no bolso
Bolsonaro constrói os pilares do governo sobre os escombros de suas promessas em 2018
Eleições e jogos de futebol não se ganham de véspera, mas, pelo andar da carruagem, dos cargos e emendas extras, os dois grandes vencedores na disputa de amanhã pelo comando da Câmara e Senado serão o presidente Jair Bolsonaro e o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP). O grande derrotado tende a ser o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), que teve importante papel na longa presidência da Câmara, mas tropeçou na reta final.
Assim como os militares aderiram à velha boquinha e à subserviência por conveniência que tanto criticavam nos políticos, Bolsonaro mergulhou de cabeça na velha política, na compra de votos, no toma lá dá cá, no Centrão e até nas mordomias que estufava o peito para condenar. Era tudo de boca para fora. Agora cai o pano, caem os pruridos, os escrúpulos.
Na mesma semana em que o governo anunciou o maior rombo das contas públicas da história, com um déficit de R$ 743,1 bilhões, ou 10% do PIB, o Estadão nos informa que o Planalto despejou R$ 3 bilhões em recursos “extras” – além das emendas parlamentares tradicionais – para 250 deputados e 35 senadores. Não é pura coincidência ser justamente agora, às vésperas das eleições no Congresso.
Dinheiro para prorrogar o auxílio emergencial não há e fórmulas para ampliar a abrangência e o valor do Bolsa Família ainda não estão no ar, mas o site Metrópoles revelou gastos de R$ 2,2 milhões com chicletes e R$ 15,6 milhões com leite condensado, para dar “energia” aos soldados. Bolsonaro, sendo Bolsonaro, reagiu atacando a imprensa e contaminando o ar com palavrões. E se fosse no governo Lula?
É sobre os escombros de suas promessas de 2018 que o presidente vai construindo a sustentação de seu governo, de suas ideias, projetos e pautas demolidoras. Foi assim que ele moldou uma vitória e tanto no Congresso, onde desfilou por 28 anos. A gente achava que não tinha aprendido nada, mas aprendeu tudo direitinho.
Com a faca e o queijo na mão, mais chiclete e leite condensado à vontade, Bolsonaro usa cargos e acena com ministérios para satisfazer a gula da turma. É preciso explicar: o Centrão está louco pelas vagas, mas Bolsonaro está louco é para cooptar parte do DEM (o próprio Alcolumbre?), MDB e PSDB para o governo. Seu objetivo é rachar o centro. A esquerda racha sozinha.
No Senado, Alcolumbre escolheu o favorito Rodrigo Pacheco (DEM-MG), o levou de bandeja para Bolsonaro e viabilizou sua vitória, enquanto o MDB fazia a lambança de sempre e a senadora Simone Tebet (MDB-MS) achava possível ganhar com uma campanha de ideias, princípios e juras de independência. Um sonho de verão.
Na Câmara, o líder do Centrão Arthur Lira (PP-AL) é favorito e única chance de mudança de última hora é que, com nove candidatos, três têm potencial para ter uns votinhos, forçar o segundo turno e se unir em torno de Baleia Rossi (MDB-S). Outro sonho de verão.
Bolsonaro perdeu a guerra da primeira vacina e da primeira foto para João Doria, mas ri à toa diante da perspectiva de vitória para Rodrigo Maia, candidato a ser o grande derrotado amanhã. Uma pena. Em três mandatos consecutivos na Presidência da Câmara, ele se superou, galgou vários degraus na hierarquia política e assumiu a cara e a voz da oposição a Bolsonaro.
Sempre pode haver surpresas (vide Severino Cavalcanti em 2005), mas Maia blefou com a reeleição no STF, demorou a definir um candidato, superestimou suas armas diante do arsenal do Planalto e, assim, ameaçou sua posição de ponte entre líderes e partidos de centro para 2022.
Ele, porém, tem 50 anos e oxigênio político nesse deserto de homens e ideias. O mundo dá voltas, a política é como nuvem e o Brasil precisa, mais do que leite condensado e chiclete, de seus principais quadros para enfrentar o que está aí.
Arminio Fraga: Vamos insistir?
A boiada está passando e nós estamos, sim, correndo risco
Esbarrei recentemente no livro “A Bahia do Rio de Janeiro – Sua História e Descripção de suas Riquezas”, por Augusto Fausto de Souza, publicado em 1882.
Logo de cara, o autor nos brinda com umas linhas do poeta Velho da Silva (1880): “Guanabara gentil, formosa e bela, remanso côr de anil, de alvas espumas”.
Listando fatos do século 16, o autor menciona (pág. 28) “o estabelecimento da Armação para a pesca das baleias, que infestavam a bahia”.
Mais adiante (pág. 157), citando o “celebre capitão inglez Cook (1768)”: “O Rio de Janeiro é uma optima estação para a escala dos navios; a bahia é segura e commoda, o clima é bom, ainda que quente, e eu nunca vi, como ahi, tanta variedade de peixes, para cuja pesca o sitio é muito apropriado”.
Passados quase 150 anos, cá estamos, natureza destruída pelo homem, torcendo para que, com o novo marco legal do saneamento, seja possível a despoluição prometida para a Olimpíada. Imagino que em São Paulo a história do rio Tietê seja parecida e permita sonhos semelhantes. O exemplo do rio Tâmisa em Londres sugere que é possível. Seriam símbolos de uma virada maior.
Será que vamos permitir semelhante degradação da Amazônia? A ciência nos informa que estamos próximos de um “tipping point” a partir do qual a floresta não mais se regenerará. As consequências seriam bem mais graves do que os desastres das águas do Sudeste. É inaceitável correr este risco, suicida mesmo. Mas a boiada está passando e estamos, sim, correndo risco.
O risco ambiental é uma enorme ameaça que nos assola, mas nem de longe a única. O Brasil vive um período prolongado de agressões frequentes à imprensa, balas e armas desmarcadas, descaso pela imagem do país, e muito mais. O caso da saúde talvez seja o mais dramático, pois envolve desprezo escancarado pela ciência e suas recomendações, falta de planejamento e, portanto, descaso com a vida e enormes e desnecessários custos sociais e econômicos. Não são fatos aleatórios —são sintomas de um mesmo fenômeno, de uma mesma origem.
Sem minimizar o impacto da devastadora pandemia, parece-me claro que carecemos de um rumo.
A política partidária é fragmentada, despida de posições programáticas claras, sem visões e propostas abrangentes para submeter ao eleitorado. Sim, o Congresso tem dado respostas importantes aqui e ali, mas tipicamente mais reagindo a problemas do que criando soluções.
A agenda econômica cantada liberal enfrenta cada vez mais dificuldades de desenho e execução, interditada em boa parte pelo próprio mandatário máximo da República. A recessão do ano passado foi menor do que se previa, mas a situação fiscal permanece insustentável e a social, precária.
No que tange às agendas de costumes e de combate à desigualdade, o quadro é ainda mais desolador, pois tem havido retrocesso.
Diante das dificuldades patentes neste início de 2021, o tema do impeachment entrou no radar, com manifestações abertas de atores de diferentes setores.
Inegavelmente não é bom sinal que um país esteja a toda hora “impichando” seu presidente. Por outro lado, me parece bem mais grave que um país conviva com crimes de responsabilidade nos altos escalões de sua hierarquia. Intolerável mesmo.
Sem essa intolerância fica impossível abraçar o Estado de Direito e o império da lei para todos, condição necessária para o pleno desenvolvimento de uma nação.
Na prática, a imputação de responsabilidade nem sempre é clara. Há crimes e crimes, com diferentes consequências. Cabe ao Congresso examinar cada caso em seu contexto, avaliar se abre o processo e, em caso afirmativo, ponderar sobre as consequências e decidir.
Posso apenas dizer que, do ponto de vista econômico, social e institucional, os custos de mais do mesmo são imensos e insustentáveis.
Fernando Canzian: Brasil começa 2021 com mais miseráveis que há uma década
Com fim do auxílio emergencial, total de pobres dispara e supera o de 2019
Com o fim do auxílio emergencial em dezembro, 2021 começou com um salto na taxa de pobreza extrema no Brasil. O país tem hoje mais pessoas na miséria do que antes da pandemia e em relação ao começo da década passada, em 2011.
Neste janeiro, 12,8% dos brasileiros passaram a viver com menos de R$ 246 ao mês (R$ 8,20 ao dia), linha de pobreza extrema calculada pela FGV Social a partir de dados das Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios (Pnads) Contínua e Covid-19.
No total, segundo projeção da FGV Social, quase 27 milhões de pessoas estão nessa condição neste começo de ano —mais que a população da Austrália.
Trata-se de um aumento significativo na comparação com o segundo semestre de 2020, quando o pagamento do auxílio emergencial a cerca de 55 milhões de brasileiros chegou a derrubar a pobreza extrema, em agosto, para 4,5% (9,4 milhões de pessoas) —o menor nível da série histórica.
A taxa neste começo de década é maior que a do início da anterior (12,4%) e que a de 2019 (11%).
O efeito negativo da pandemia sobre a renda dos mais pobres já tenderia a ser prolongado levando-se em conta a recuperação difícil que o Brasil tem à frente (quase sem espaço no Orçamento público para novas rodadas de auxílio emergencial), o aumento das mortes pela Covid-19 e o atraso no planejamento da vacinação.
O pagamento do auxílio emergencial custou cerca de R$ 322 bilhões, a maior despesa do Orçamento de Guerra contra a Covid-19.
Com essa e outras medidas emergenciais, em 2020 a dívida pública saltou 15 pontos, atingindo 89,3% como proporção do PIB e R$ 6,6 trilhões —ambos recordes que levaram à deterioração no perfil de refinanciamento.
Mas, além do aumento da pobreza no presente, a pandemia deve impor perdas futuras de renda aos mais jovens, sobretudo os pobres, que acabaram perdendo boa parte do ano escolar de 2020.
Em média, cada ano de ensino a mais chega a representar ganho de 15% no salário futuro; e 8% mais chance de conseguir um emprego.
Em 2020, no entanto, os alunos da rede pública tiveram a metade das atividades em relação a anos normais, segundo dados da FGV Social e das Pnads. A redução nas escolas privadas foi bem menor --o que implicará em aumento, nos próximos anos, da desigualdade entre ricos e pobres.
O aprofundamento das disparidades também se dará regionalmente. Na rica Santa Catarina, por exemplo, só 2% dos alunos de escolas públicas e privadas deixaram de receber material para atividades em casa na pandemia. No pobre Pará, foram 42%.
No geral, os jovens, os sem escolaridade, os nordestinos e os negros foram os que mais perderam renda do trabalho na pandemia (veja quadro). Hoje, cerca de 35% dos jovens brasileiros nem trabalham nem estudam —os chamados "nem nem" eram 25% no final de 2014.
"É um péssimo começo de década", resume o economista Marcelo Neri, diretor da FGV Social. "Ao longo dos últimos muitos anos, como um relógio, tivemos aumento nos anos de estudo, com impactos positivos na renda e na queda da desigualdade. Desta vez, isso foi interrompido."
Neri lembra que, ao encontrar um mercado de trabalho deprimido nos primeiros anos em que buscam colocação, os jovens acabam tendo a renda futura muito comprometida.
O aumento da taxa de pobreza complica o cenário. Como os pobres consomem toda a renda que recebem, o fato de um número significativo não estar trabalhando ou ganhando trava a aceleração do crescimento econômico.
Neste momento, a volta da incerteza sobre a plena reabertura da economia afetará sobretudo o setor de serviços, responsável por 2/3 do PIB e onde os pobres mais atuam.
Assim, algumas consultorias e bancos já começam a rever previsões de crescimento para 2021. O Bradesco, por exemplo, cortou de 3,9% para 3,6% a alta estimada do PIB, embora ainda veja como positivos o ciclo de recomposição de estoques, a poupança precaucional de quem recebeu o auxílio emergencial e alguns sinais de recuperação no mercado de trabalho.
Outro limitador da recuperação pela via do consumo das famílias —responsável por 65% do PIB— é o aumento da inflação, especialmente para os mais vulneráveis.
Em 2020, a inflação para as famílias com renda entre 1 e 2,5 salários mínimos atingiu 6,3%, segundo o IPC-C1 (Índice de Preços ao Consumidor - Classe 1, da FGV). Dentro do índice, os preços dos alimentos dispararam 15,4%.
Segundo cálculos do Diesse (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), o valor da cesta básica em São Paulo em relação ao salário mínimo (R$ 1.100) é o maior em 15 anos —o que compromete a capacidade de consumo das famílias.
A partir de critérios distintos, o economista Naercio Menezes, do Insper, também calcula que a taxa de pobreza neste começo de 2021 seja maior que a do fim de 2019.
Assim como Neri, ele prevê que o impacto da falta de aulas durante a pandemia vá ser significativo, capaz de reverter boa parte dos avanços na educação e na renda dos mais pobres nos últimos 20 anos.
Segundo seus cálculos, sem o auxílio emergencial no ano passado, os miseráveis teriam chegado a quase 20% dos brasileiros (42 milhões).
Menezes não acredita, porém, que a pobreza siga aumentando de forma significativa, a não ser que a pandemia exija novamente períodos muito longos de forte distanciamento social.
"A partir de outubro, quando o valor do auxílio foi reduzido de R$ 600 para R$ 300, as pessoas voltaram a procurar trabalho remunerado. Mas há risco de isso ser interrompido caso o número de mortes mantenha-se elevado", diz.
Nos três meses até novembro, que coincidiram com o relaxamento das medidas de distanciamento, a população ocupada cresceu 4,7% e chegou a 85,6 milhões de pessoas, um aumento de 3,9 milhões ante o trimestre anterior.
No mercado formal, 2020 surpreendeu e fechou com saldo positivo de 142,7 mil vagas. Daqui para a frente, porém, o principal mecanismo de defesa do emprego com carteira assinada (estabilidade por algum tempo a quem teve salário e jornada reduzidos) perderá a validade.
"O mercado formal reagiu bem até o final do ano, muito em razão das regras mais flexíveis da reforma trabalhista [de 2017], mas a tendência é desacelerar com a piora da pan- demia", diz José Márcio Camar-go, economista da PUC-Rio.
Em sua opinião, os próximos meses serão críticos, marcados por duas correntes contrárias: de um lado, o vírus mais transmissível exigindo distanciamento; de outro, a ampliação da vacinação.
"O certo é que o Brasil e o mundo sairão disso mais desiguais. Empresas e trabalhadores mais produtivos e com reservas sairão na frente. E, infelizmente, não se resolve um problema de desigualdade dessa magnitude apenas com políticas de transferência de renda."