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Míriam Leitão: Festa, mentiras e videotapes

Quem tem 35 prioridades no meio de uma crise desta dimensão não tem nenhuma. Mas foi essa a lista que o presidente Jair Bolsonaro entregou ontem ao Congresso. Quem acha que o importante é o homescholling não tem ideia da tragédia que está acontecendo na educação brasileira, com 47 milhões de estudantes longe das escolas. Quem acha que o importante é liberar armas num país em que há um milhão de civis armados, como este jornal informou, quer alimentar a formação de milícias no Brasil.

Na abertura do ano legislativo, a oposição recebeu o presidente com gritos de “genocida” e “fascista”, e os governistas responderam com “mito, mito”. O presidente Bolsonaro, diante disso, afirmou que foi deputado por 28 anos e nunca desrespeitou as autoridades. Ele disse que fuzilaria Fernando Henrique e exaltou torturadores de Dilma Rousseff. Só para citar duas agressões das muitas com as quais ele cimentou sua notoriedade. No seu discurso, ele falou uma coleção de mentiras. O espaço é curto para listá-las. Falarei de uma. Bolsonaro disse que concedeu mais títulos de terra do que os distribuídos nos 14 anos anteriores. Mentira. A média anterior era três mil títulos distribuídos por ano. A pesquisadora Brenda Brito, do Imazon, conta que em 2019 houve “um apagão fundiário”. Foram apenas seis títulos. No blog, publiquei nota com gráficos. Os dados foram obtidos pela ONG graças à Lei de Acesso à Informação.

Os novos presidentes da Câmara e do Senado, o deputado Arthur Lira (PP-AL) e o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), foram ao Palácio do Planalto ontem cedo e fizeram declaração pelo combate à pandemia e seus efeitos econômicos. A cena pública estava correta, as palavras eram boas, mas era impossível não compará-las com o que fora feito pelo deputado Arthur Lira e outros parlamentares e ministros.

A festa espalha vírus promovida pelos vitoriosos da Câmara dos Deputados, com a presença de dois ministros, foi um ultraje. Organizar esta festa é crer na impunidade. Participar dela, sem máscara, dançando e se aglomerando entre 300 pessoas é uma demonstração de que para esses ministros e parlamentares a vida dos brasileiros não tem valor. A festa em plena pandemia, como escrevi no blog, é um tapa na cara do país.

A primeira urgência na pauta do Congresso é ter um orçamento, porque sem isso alguns serviços essenciais podem entrar em colapso. O Ministério da Economia quer o orçamento aprovado até março. Na lista do Ministério há também a PEC Fiscal e a aprovação de marcos legais. Entre eles, o do petróleo, que permitirá que se possa ter concessão em áreas onde há o modelo de partilha. Os outros marcos são de ferrovias, cabotagem e do setor elétrico.

Nenhum desses é simples. Para se ter ideia, o senador Rodrigo Pacheco prometeu colocar hoje para votar a MP do setor elétrico, antes que ela caduque na semana que vem. Ela reduz os incentivos às novas fontes renováveis, solar, eólica, biomassa, e cria um encargo na conta de luz para financiar a interminável e caríssima Angra 3.

A atenção de Jair Bolsonaro está em outros pontos da sua lista de prioridades. Quer aumento de armas nas mãos dos extremistas que o apoiam e a retenção de crianças e adolescentes em casa, sob o argumento medieval de que só os pais sabem o que deve ser ensinado.

Há momentos no Brasil em que a dúvida é quanto mais podemos piorar. Certamente um passo na decisão da piora aguda é pensar no nome da deputada Bia Kicis (PSL-DF) para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Ela é protagonista de uma série infindável de agressões ao direito, à ciência e à democracia. Propagadora de mentiras. Em plenário, defendeu a intervenção militar em caso de divergência entre poderes, dizendo que este é o sentido do artigo 142. Está sendo investigada por envolvimento em atos que pediam o fechamento do Congresso e do Supremo. Que uma pessoa que proponha rasgar a Constituição seja cogitada para a Comissão que deve zelar pelos princípios constitucionais é uma anomalia que ilustra os tempos atuais.

O senador Rodrigo Pacheco, lembrando JK, falou muito em pacificação. Soa bonito. Juscelino fez alianças com adversários pela frente ampla, mas sabia com quem não deveria buscar a pacificação. Com a ditadura militar, que o cassou e que inspira Bolsonaro.


Merval Pereira: Os caminhos até 22

O presidente Bolsonaro descreve uma rota de escape em sua trajetória política, movendo-se para longe de sua origem, deixando a incoerência como sua marca, o que não chega a ser novidade entre nós. Eleito à Presidência da República em situação radicalizada, identificada pelos cientistas políticos como um ponto fora da curva, tentará a reeleição a bordo de uma coligação partidária comandada pelo “Centrão”, expressão máxima da baixa política que fingiu abominar durante a campanha presidencial.

Quis, sem sucesso, governar prescindindo dos partidos e das instituições democráticas. Perdeu seu primeiro ano de mandato com tentativas golpistas, alimentando uma turba extremista. Conflitos com o Congresso e com o Supremo Tribunal Federal (STF) provocaram crises institucionais, que só abandonou quando a prisão de seu ex-auxiliar, o ex-PM Fabrício Queiroz, pôs em risco seus filhos, especialmente o senador Flávio Bolsonaro, investigado pelas “rachadinhas” quando era deputado estadual.

Buscou cordialidade com o Supremo quando os processos sobre fake news e manobras antidemocráticas chegaram dentro do Palácio do Planalto, no gabinete do ódio. Livrou-se de Sergio Moro, um ministro simbólico de seu pseudo-empenho em combater a corrupção, e foi se blindar justamente no avesso do avesso disso. O Centrão tem a pretensão de domá-lo, para transformá-lo de líder político tosco e autoritário em candidato populista e sensível às necessidades do povo.

Na posse, o novo presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, sublinhou a necessidade de auxiliar os necessitados (leia-se auxílio emergencial) e repetiu: “Vacinar, vacinar, vacinar”. Os políticos já sabem que o negacionismo tira votos de Bolsonaro e querem dar-lhe um banho de humanismo. Escancarada a inutilidade dos partidos — só Bolsonaro já esteve em dez deles —, assim como a pandemia escancarou a desigualdade social, ambos fenômenos bem brasileiros, o presidente que só pensa naquilo busca a reeleição com nova roupagem, mas disposto a conservar seus eleitores extremistas.

Uma engenharia política semelhante à de 2018, mas naquela ocasião não havia candidato na centro-direita que fosse competitivo. Bolsonaro engoliu o eleitorado do PSDB no Sudeste e obrigou que os fisiológicos do Centrão aderissem a ele em meio à campanha. O fantasma do petismo uniu diversas correntes em torno de Bolsonaro, e continuará sendo assim caso a centro-esquerda não se organize.

A eleição para as presidências da Câmara e do Senado mostrou que os partidos de centro-direita já estão tomando o caminho da adesão, oficial ou camuflada, ao governo Bolsonaro. A esquerda está dominada pelo petismo, talvez até com Lula na cabeça da chapa, o sonho de consumo de Bolsonaro. Provavelmente Moro será considerado parcial com o voto de minerva do ministro Nunes Marques.

O PSDB parece se desmilinguir, e não é à toa que o ex-presidente Fernando Henrique insiste na candidatura de Luciano Huck. Um grupo de tucanos já abriu conversas com o Cidadania, mas quer que surja daí um novo partido, com outro nome, o que não agrada a Roberto Freire, seu presidente. Rede e Partido Verde já conversam também sobre fusão com o Cidadania, que pode até mesmo receber o deputado federal Rodrigo Maia. Juntamente com ACM Neto, o ex-presidente da Câmara mantinha contato constante com Huck, o que ficou prejudicado pelos recentes movimentos do DEM.

Com o desmantelamento do bloco de centro-esquerda que se tentava formar, com PSDB, DEM e MDB e Cidadania, para lançar Huck, Freire tenta manter a possível candidatura em pé. Huck tem acesso ao eleitorado nordestino, o que lhe coloca à frente de outros candidatos do mesmo grupo, como João Doria. Mas é o que bolsonaristas consideram “adepto de uma agenda identitária de esquerda”, um liberal-progressista que não seria bem aceito pelos liberais-conservadores e conservadores. Pode transformar-se na alternativa à polarização entre PT e Bolsonaro. Mais palatável para eleitores liberais do que Ciro Gomes, que também disputa, desde 2018, esse espectro da centro-esquerda.


William Waack: O que sempre fomos

Depois de tantas mudanças, a política brasileira se parece tanto ao que sempre foi

O que é o governo Bolsonaro dominado pelo Centrão? É a política brasileira como sempre foi nas últimas décadas, a ponto de se duvidar se realmente tivemos uma alternância de poder de esquerda para direita. Talvez a periodização à qual historiadores costumam recorrer indique como último grande divisor de águas na política brasileira o processo de redemocratização do período entre 1985 e 1989 (sim, quatro anos decisivos).

Visto com uma distância de três décadas, o que se iniciou ali foi uma tentativa fracassada de estabelecer no Brasil um estado de bem-estar social aos moldes do sul da Europa, sem que cuidássemos que nossa economia de baixa produtividade e competitividade conseguisse financiar gastos públicos que subiram sempre acima da inflação, não importa qual fosse o governo. O encontro com a verdade chama-se crise fiscal.

Com maior nitidez desde aquele período grupos diversos foram capturando a máquina de Estado – ou ampliaram o domínio já existente (como ocorre com a elite do funcionalismo público, espalhada por autarquias, estatais e Judiciário). A política foi se reduzindo à negociação entre grupos esparsos, com cada vez menos direção central, para acomodar às custas dos cofres públicos interesses setoriais e regionais dos mais variados. Dentro de um ambiente de ideias que o sociólogo Bolívar Lamounier chama de “maçaroca ideológica”.

O “desenho” do nosso sistema de governo, que opõe o vitorioso num plebiscito direto (o presidente da República) a um Legislativo fracionado e de baixa representatividade (mas cheio de prerrogativas), com partidos dominados por caciques, “funcionou” nesses moldes até a quebra dos cofres públicos. A atuação desses “donos do poder” foi muito facilitada pelo fato de os setores privados da economia brasileira não terem sido capazes de desenvolver um “projeto nacional”, uma visão de conjunto que fosse muito além do que sempre foi o “norte” para gerações de empresários e banqueiros: garantir a amizade e a proximidade do rei.

A reforma de Estado ensaiada por FHC foi tímida, assim como as privatizações. O projeto petista do “nacional-desenvolvimentismo” (para dar um rótulo aos 13 anos) era uma obra conjunta com o Centrão, entendido como esse conjunto de forças políticas setoriais, regionais, unidas apenas no intuito de se apoderar de pedaços da máquina pública. Como se constata nos índices, a tal “preocupação pelo social” tão propalada naquele período não alterou fundamentalmente o País em termos de sua desigualdade e misérias relativas.

Ironicamente, a política brasileira parece ter mudado tanto nos últimos quatro anos (desde o impeachment de Dilma) para desaguar no mesmo lugar: no papel essencial dessas forças do Centrão, agora carregando consigo um presidente de escassa capacidade de liderança e que não entendeu onde reside seu poder: na possibilidade de ditar a agenda política, e não na tinta da caneta em suas mãos (que, aliás, encolheu bastante nos últimos dois anos).

Ao celebrar o entendimento político com os dois novos homens do Centrão no comando do Legislativo, Bolsonaro voltou a escancarar o fato de não ter estratégia nem saber o que quer, além de se reeleger. Trinta e cinco prioridades entregues ao Congresso é o mesmo que dizer que não tem nenhuma. Nessa “shopping list”, em parte a pedidos de seu ministro da Economia, estão matérias prometidas desde sempre (como reformas administrativa e tributária, além de privatização de estatais) que não progrediram basicamente pela incapacidade ou falta de interesse político por parte do chefe do Executivo.

É possível que o dia 1.º de fevereiro de 2021, data da oficialização do comando do Centrão nas principais esferas da política, talvez sirva aos historiadores no futuro para marcar o fim de um intenso período nessa linha do tempo, o da onda disruptiva de 2018. É também a data da dissolução da força-tarefa da Lava Jato, sem a qual essa onda é impossível de ser entendida. Talvez os historiadores no futuro considerem que não foi mera coincidência.


Fábio Alves: Calendário eleitoral de 2022 poderá ser um obstáculo para o Copom

É melhor o ciclo de alta de juros ser antecipado, porque o Banco Central pode ficar de mãos atadas

Sem a autonomia formal do Banco Central ainda não ter sido aprovada por completo no Congresso, é crescente o temor de que, se for leniente e não fizer o aperto da política monetária em ritmo e magnitude esperados neste ano, o calendário eleitoral em 2022 poderá ser um sério obstáculo para o Copom ser mais duro caso as expectativas de inflação estiverem desconfortavelmente acima da meta.

Em outras palavras: há sérias dúvidas no mercado se o Copom agirá com independência e elevará os juros básicos – mesmo que mais agressivamente, se as condições exigirem – em 2022, ano de eleição presidencial.

Não seria a primeira vez que o mercado suspeita das intenções do Banco Central em um ano de eleição presidencial. Analistas e investidores destacam, em rodinhas de cafezinho, duas ocasiões no passado que deixaram o mercado ressabiado.

A primeira foi em 2002, quando o BC era comandado por Arminio Fraga. Na reunião de julho daquele ano, quando a disputa entre o tucano José Serra e o petista Luiz Inácio Lula da Silva ainda estava longe de estar decidida, o Copom cortou a Selic em 0,50 ponto porcentual para 18%, surpreendendo o mercado, pois o dólar já havia começado a estressar e subir com mais força.

Não à toa, o BC teve de realizar uma reunião extraordinária do Copom em outubro de 2002, entre o primeiro e o segundo turno da eleição presidencial, e deu uma paulada: elevou os juros em 3 pontos porcentuais.

A outra ocasião foi em março de 2010, quando Henrique Meirelles chefiava o BC. Naquela reunião, o Copom manteve os juros inalterados em 8,75%, apesar da maior pressão inflacionária e da expectativa de parte dos analistas de uma alta de juros.

Três dias após o anúncio daquela decisão do Copom, Meirelles participou, no dia 20 de março de 2010, de um jantar do então PMDB para decidir o nome que seria o vice na chapa da petista Dilma Rousseff, que acabou por vencer a eleição. Em 1.º de abril de 2010, Meirelles desistiu de participar das eleições daquele ano. E na reunião daquele mês, o Copom elevou os juros em 0,75 ponto.

Qual o tamanho do trabalho que o Copom terá na política monetária neste ano e em 2022?

Na mais recente pesquisa Focus, o consenso dos analistas é de que a taxa Selic fechará este ano em 3,50%, mas há apostas que preveem os juros encerrando 2021 em 4,50%. Para o fim de 2022, segundo a pesquisa Focus, o mercado vê a Selic em 5,0%. Já a mediana das estimativas aponta para uma inflação de 3,53% neste ano, ante uma meta de 3,75%, e de 3,50% em 2022, exatamente na meta prevista para o ano que vem.

Na sua comunicação mais recente, o Copom ressaltou que vem mirando cada vez mais 2022 como horizonte relevante para a política monetária. Na ata da última reunião, indicou que, no seu cenário básico, as projeções de inflação estão ao redor da meta no horizonte relevante, mas que os riscos fiscais geram um viés de alta nessas projeções.

Em razão disso, o Copom decidiu eliminar a prescrição futura de que a taxa Selic iria ficar parada em 2,0% por um período prolongado. E a ata do Copom mostrou que “alguns membros” do comitê questionaram se ainda seria adequado manter o grau de estímulo monetário “extraordinariamente” elevado. Esses membros julgam que o Copom deveria considerar o “início de um processo de normalização parcial”.

Esse recado mais duro deflagrou revisões de apostas para a trajetória da Selic por parte de muitos analistas, que anteciparam suas estimativas para a primeira alta de juros já na próxima reunião do Copom, em março.

Como as projeções de inflação em 2022 estão ao redor da meta, qualquer surpresa negativa – na área fiscal ou um choque repentino de preços – poderá tornar a tarefa no Copom mais árdua já neste ano, deixando atrasado o consenso das apostas de uma Selic a 3,50% no fim do ano.

Ou seja, é melhor o Copom antecipar o ciclo de alta de juros e levar a cabo o aperto monetário precificado neste ano. Caso contrário, as expectativas de inflação podem sair do controle rapidamente para 2022, quando o BC talvez tenha suas mãos atadas. 

*É COLUNISTA DO BROADCAST


O Globo: Após 7 anos de trabalho e 79 operações, força-tarefa da Lava-Jato de Curitiba deixa de existir

Mudança ocorreu após determinação em dezembro da Procuradoria-Geral da República (PGR)

Dimitrius Dantas, O Globo

SÃO PAULO — A força-tarefa da Lava-Jato no Paraná anunciou nesta quarta-feira que oficialmente deixou de existir e que, a partir de agora, parte de seus integrantes passará a integrar o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público Federal (MPF) do Paraná. A decisão coloca fim na trajetória de quase sete anos do grupo responsável pela maior operação de combate à corrupção na história do país.

A mudança ocorreu por determinação de uma portaria de 7 de dezembro da Procuradoria-Geral da República (PGR), que decidiu pela integração de quatro integrantes da Lava-Jato ao Gaeco, que já contava com cinco membros. A partir de agora, os casos que faziam parte do acervo da Lava-Jato serão conduzidos por cinco procuradores alocados no Gaeco.

Até outubro, outros procuradores continuarão em alguns processos que ainda correm na Justiça Federal do Paraná.

“A força-tarefa paranaense deixa de existir, porém alguns de seus integrantes passam a atuar no Gaeco, com o objetivo de dar continuidade aos trabalhos”, afirmou, em comunicado, a força-tarefa.

No Rio, a força-tarefa da lava-Jato foi prorrogada até o final de março. Serão mais dois meses de trabalho para a equipe de 11 procuradores da República, coordenados por Eduardo El Hage, até a criação, prevista para abril, do primeiro Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado no MPF (Gaeco federal) no estado.

A Lava-Jato de Curitiba deflagrou 79 fases e condenou 174 pessoas. Entre elas estão o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, o ex-governador Sérgio Cabral, além de diversos atores políticos das últimas décadas como José Dirceu e Antônio Palocci.

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Segundo a força-tarefa, R$ 4,3 bilhões foram devolvidos por meio de acordos de colaboração premiada e de leniência. Ao todo, esses acordos deverão devolver R$ 15 bilhões aos cofres públicos.

— O legado da força-tarefa Lava-Jato é inegável e louvável considerando os avanços que tivemos em discutir temas tão importantes e caros à sociedade brasileira. Porém, ainda há muito trabalho que, nos sendo permitido, oportunizará que a luta de combate a corrupção seja efetivamente revertida em prol da sociedade, seja pela punição de criminosos, pelo retorno de dinheiro público desviado ou pelo compartilhamento de informações que permitem que outros órgãos colaborem nesse descortinamento dos esquemas ilícitos que assolam nosso país há tanto tempo — afirmou o procurador Alessandro José de Oliveira, agora coordenador do núcleo da Lava-Jato no Gaeco.

A Lava-Jato também gerou a formação de outras forças-tarefa ao redor do país, com destaque para a do Rio de Janeiro.

A Lava-Jato começou com a investigação de um esquema de lavagem de dinheiro comandado pelo doleiro Alberto Youssef. Entre os locais utilizados por ele para essa prática estava um posto de gasolina em Brasília, o que deu origem ao nome da operação. Com as investigações, a operação descobriu a participação de uma série de políticos e, eventualmente, de um sistema generalizado de corrupção na Petrobras.

Até 2018, os processos foram conduzidos pelo juiz Sergio Moro. Ele deixou a Justiça Federal no fim daquele ano para assumir o Ministério da Justiça no governo Jair Bolsonaro, caro que já deixou após alegar interferência do presidente na Polícia Federal. Moro também é alvo de um pedido de anulação dos casos do ex-presidente Lula na Lava-Jato. O petista, com base em troca de mensagens entre Moro e Deltan Dallagnol, então coordenador da força-tarefa, alega que o juiz não era imparcial para julgar o seu caso. O processo corre no Supremo Tribunal Federal e deve ser julgado ainda este ano.

A Lava-Jato em números

Até o momento, a operação Lava-Jato foi às ruas em 79 fases e cumpriu 1.450 mandados de busca e apreensão e outros 132 mandados de prisão preventiva. Além disso, a Justiça determinou 211 conduções coercitivas, uma das novidades introduzidas pela operação.

As conduções coercitivas obrigavam investigados a prestarem depoimentos. Criticada por alguns juristas, a medida foi proibida por decisão do Supremo Tribunal Federal em 2017. O ex-presidente Lula, por exemplo, chegou a ser alvo de uma condução coercitiva em abril de 2016.

Outra novidade da operação foi a possibilidade de execução da pena após condenação em segunda instância. Permitida pelo Supremo Tribunal Federal após mudança de entendimento da Corte, a mudança permitiu que condenados começassem a cumprir suas penas na prisão após duas condenações.

Assim como com a condução coercitiva, a decisão também foi revertida posteriormente pelo STF, que voltou ao entendimento de que a execução da pena só pode ocorrer após o trânsito em julgado, salvo em ocasiões especiais, como quando o liberdade do investigado é vista como um risco para a sociedade.

Ao todo, a Lava-Jato apresentou 130 denúncias contra 533 acusados, que culminaram em 278 condenações. Como algumas pessoas foram condenadas mais de uma vez, a operação condenou, ao todo, 174 pessoas. As sentenças, somadas, somaram 2611 anos de pena.

A Lava-Jato também gerou consequências fora da esfera penal: foram apresentadas 38 ações civis, entre as quais ações de improbidade administrativa contra três partidos políticos: PSB, MDB e PP.


Antonio Delfim Netto: O que devemos esperar de 2021

Chegou a hora de olharmos para a frente e decidir o que queremos para o Brasil

O ano de 2020 foi doloroso. Um período dedicado ao enfrentamento de uma inesperada e devastadora pandemia, que exigiu respostas para a saúde e medidas econômicas céleres para atravessar um choque sem precedentes em quase um século.

A longo dos meses, os governos aprenderam —alguns de maneira mais eficiente do que outros— a aperfeiçoar os estímulos destinados a salvar vidas, empregos e o tecido produtivo, com resultados palpáveis que mitigaram o estrago previsto quando tudo começou.

O Brasil, entretanto, não aproveitou a parte do segundo semestre que poderia ter sido utilizada para começar a endereçar os problemas mais urgentes do país. Adentramos 2021 sem nem sequer termos aprovado o Orçamento para o ano, consequência das disputas no Legislativo e da falta de interesse do Executivo.

Passadas as eleições para o comando das duas casas, chegou a hora de olharmos para a frente e decidir o que queremos para o Brasil. A conjuntura econômica em que o país se encontra é mais adversa do que no pré-pandemia, fruto da monumental elevação da dívida e do déficit público, ambos necessários para o enfrentamento da crise. Isso significa que as escolhas a serem feitas serão ainda mais duras e necessárias.

O Legislativo precisa recuperar o sopro de reformismo que experimentou durante o governo Temer e o início do governo Bolsonaro. O Executivo deve decidir se tem interesse e comprometimento com o futuro do país e com a agenda econômica apoiada abertamente apenas por parte do governo.
As reformas necessárias estão todas postas, mas, sem a liderança do Executivo em trabalhar a sua agenda econômica junto ao Legislativo e estabelecer prioridades, é difícil acreditar que sejam bem-sucedidas.

No curto prazo, a reorganização das contas públicas e a indicação clara de sustentabilidade para a trajetória da dívida são condições necessárias para a saúde macroeconômica do país. É disso que dependem a construção crível de um programa social mais robusto e inclusivo, a ampliação do espaço para o investimento público no Orçamento e a garantia de que a política monetária poderá atuar sem sobressaltos. Optar pela ampliação pura e simples do endividamento público é a saída mais fácil, e a que escolhemos de maneira reiterada. Suas consequências sempre vêm depois, e não costumam poupar as camadas mais vulneráveis da população.

À prioridade zero soma-se o enfrentamento definitivo da reforma do Estado para dar maior eficiência ao funcionamento da máquina pública e controlar o crescimento de suas despesas, além de atacar privilégios e penduricalhos de uma casta não eleita que se apropriou do poder.

*Antonio Delfim Netto é economista, ex-ministro da Fazenda (1967-1974). É autor de “O Problema do Café no Brasil”.


Conrado Hübner Mendes: Crime de responsabilidade? Acho que sim, acho que não

Indigência do debate jurídico converte impeachment em outra coisa

O impeachment atormenta analistas. Diferente de sistemas parlamentaristas, onde se pode remover, sem maiores rapapés, o chefe do Executivo, uma Constituição presidencialista estipula que a destituição de presidente ocorra em virtude de crime de responsabilidade. E esse julgamento deve se dar numa Casa regida pelas paixões e interesses da competição eleitoral, não pelo desapego e serenidade que a aplicação da lei exige.

O Parlamento, instituição constituída pela lógica da barganha, deveria, nesse caso único, funcionar pela lógica da justiça. Pedimos que deputados e senadores ajam como juízes e ignorem a eleição de amanhã. Para encerrar o imbróglio entre os que ressaltam o aspecto jurídico e os que destacam o caráter político do impeachment, resolvemos classificá-lo como instituto "jurídico-político". Um acordo russomanniano: confuso para ambas as partes.

Não pergunte o que isso significa porque não tem quase nada resolvido. Nem na prática, muito menos na teoria (transtornada com a prática). O debate público sobre o impeachment de Jair Bolsonaro tem promovido o encontro de três figuras.

O cidadão indignado na torcida, perguntado se deve haver impeachment, responde "claro, tomara" (um tipo de "wishful thinking"). O analista político pondera se há condições conjunturais que galvanizem o impeachment. Às vezes, não passa de um erudito chutismo (chamemos de "chuteful thinking"). Vem o jurista e avalia se há crime de responsabilidade. Algumas declarações moram na fronteira do achismo ( "achoful thinking", se me permitem).

A situação piora quando os três personagens se fundem num só e as muitas perguntas político-empíricas (se há apoio, se as condições devem estar dadas ou podem ser criadas, se as consequências serão positivas ou traumáticas, se eventual derrota fortalecerá Bolsonaro etc.) passam a interferir e a esvaziar a pergunta jurídico-normativa (se há crime).

O componente jurídico desse híbrido "jurídico-político" vira peça decorativa e o debate criterioso sobre crime de responsabilidade acaba interditado. O jurista se deixa calar pelo cientista político. A pergunta jurídica evapora e convertemos o impeachment em voto de desconfiança. Disfarçamos a prática parlamentarista por meio dessa sangrenta e espetacular burocracia de um impeachment.

O disfarce produz outra consequência perversa. Políticos se aproveitam do rebaixamento da pergunta jurídica e, quando indagados sobre a existência de crime, qualquer "acho que não" passa impune na esfera pública. Com base na opinião vulgar, justifica a não abertura do processo e ainda alega que a razão é jurídica.

A mais intrigante especificidade política de um impeachment está aí: ao contrário de um promotor ou de um juiz, que não podem não processar um crime comum, exceto por razões jurídicas, a Câmara dos Deputados pode decidir que um processo por crime de responsabilidade não é conveniente, mesmo havendo grande consenso sobre o crime. Ao invocar um palpite jurídico qualquer sobre o crime, tentam se eximir da responsabilidade política pela inércia.

O procedimento da Câmara dos Deputados, ainda por cima, dá ao seu presidente o poder de, à revelia do plenário, bloquear o impeachment. E passamos o último ano sem poder escrutinar publicamente crimes de responsabilidade de Jair Bolsonaro com base no "acho que não" de Rodrigo Maia. Arthur Lira não hesitará em usar do mesmo expediente. O argumento jurídico virou uma pechincha.

Antes de julgar e punir, investigar e argumentar. Temos sido sonegados dessa oportunidade elementar.

*Conrado Hübner Mendes é professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e embaixador científico da Fundação Alexander von Humboldt.


Folha de S. Paulo: Bolsonaro planeja reforma ministerial a conta-gotas para testar fidelidade de centrão

Presidente foi aconselhado a nomear agora dois indicados de siglas aliadas e a deixar mais mudanças para o segundo trimestre

Gustavo Uribe, Daniel Carvalho e Thiago Resende, Folha de S. Paulo

Com a vitória de dois aliados para comandar o Senado e a Câmara, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) discute agora fazer uma reforma ministerial a conta-gotas para testar a fidelidade dos partidos do centrão à pauta governista.

O presidente ouviu de ministros que participam da articulação politica que, neste primeiro momento, a abertura de um espaço amplo para a base aliada na Esplanada dos Ministérios pode ter efeitos indesejados no futuro.

O primeiro deles é o risco de sofrer traições em votações de projetos, já que hoje a ocupação de espaços não está vinculada diretamente à pauta governista.

Para evitar surpresas negativas, a estratégia defendida é a de que o presidente só entregue os cargos prometidos após a aprovação de propostas prioritárias.

O segundo efeito é a possibilidade de que um pagamento integral da fatura estimule os partidos do centrão a exigir mais espaço no primeiro e no segundo escalões em um futuro próximo, obrigando o presidente a entregar mais cargos do que o pretendido inicialmente.

Para evitar esses efeitos colaterais em médio prazo, a ideia avaliada por Bolsonaro é, neste primeiro momento, nomear indicados dos partidos aliados em apenas duas pastas: Cidadania e Desenvolvimento Regional.

A primeira seria usada para fazer um aceno à Câmara, e a segunda, uma sinalização ao Senado.

Na segunda-feira (1º), Rodrigo Pacheco (DEM-MG) e Arthur Lira (PP-PI) venceram com grande vantagem seus adversários no Senado e na Câmara, respectivamente, após intervenção do Palácio do Planalto, que ofereceu emendas e cargos.

Apesar das vitórias expressivas, o Planalto ainda não sabe o tamanho real de sua nova base aliada, já que os 302 votos recebidos por Lira (de 513 deputados) e os 57 que elegeram Pacheco (de 81 senadores) não são, necessariamente, de parlamentares bolsonaristas.

Para abrir espaço na pasta da Cidadania, como a Folha noticiou no mês passado, a ideia é transferir o ministro Onyx Lorenzoni (DEM) para a Secretaria-Geral, que desde o início do ano está sem ministro efetivo.

Para acomodar Onyx, a pasta deve ser desidratada, perdendo o comando da SAJ (Subchefia para Assuntos Jurídicos), que passará a ser vinculada diretamente ao gabinete presidencial.

Para o comando da Cidadania, o favorito é o deputado federal Márcio Marinho (Republicanos-BA), que integra a bancada evangélica e é próximo do presidente nacional do Republicanos, Marcos Pereira (SP). A legenda se alinhou a Lira após indicações de cargos na máquina federal.

Marinho foi líder do partido em 2016, quando o Republicanos, na época ainda chamado de PRB, desembarcou do governo Dilma Rousseff (PT) e anunciou apoio ao impeachment da petista. Um dos pontos de discordância alegados era a política econômica.

No ano passado, ele defendeu a ampliação do auxílio emergencial para atender também a profissionais do setor cultural, o que sofreu resistência da equipe econômica.

O Ministério da Cidadania foi responsável pelo pagamento do auxílio financeiro e cuida do programa Bolsa Família, que, no planos do governo, deve ser reforçado.​

Já o comando de Desenvolvimento Regional foi oferecido ao agora ex-presidente do Senado Davi Alcolumbre (DEM-AP), que recusou o convite. Ele, porém, quer indicar um aliado para o posto.

O principal nome avaliado por ele para a posição é o do líder do governo no Congresso, o senador Eduardo Gomes (MDB-TO).

A nomeação dele serviria como uma compensação ao MDB, partido com a maior bancada do Senado, e que, após pressão do Palácio do Planalto, abriu mão do apoio à candidatura da senadora Simone Tebet (MDB-MS) ao comando da Casa.

Pela nova estratégia do governo, as demais mudanças em pastas ministeriais ficariam para o segundo trimestre deste ano, período em que o Planalto pretende aprovar a reforma administrativa, formulada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.

O segundo pacote de mudanças pode envolver, por exemplo, a recriação do Ministério do Esporte e a alteração no comando da Saúde. Para o primeiro posto, a principal cotada é a deputada federal Celina Leão (PP-DF), aliada de Lira.

Para o segundo, é defendido desde o ano passado o nome do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), que foi ministro da pasta durante o governo de Michel Temer (MDB). O nome dele já foi citado em reunião recente promovida na Casa Civil.

Bolsonaro ainda não decidiu se irá recriar a pasta de Indústria e Comércio, desmembrando a estrutura da Economia. Caso ele leve adiante a proposta, mesmo a contragosto de Guedes, a ideia é que ela seja entregue também ao Republicanos.

Apesar da pressão pela saída do ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, o presidente tem sinalizado que não fará mudanças por ora. Bolsonaro, contudo, não descarta trocá-lo a qualquer momento caso o desgaste da imagem dele se agrave.

Para o Itamaraty, três nomes são avaliados, sendo dois embaixadores: André Corrêa do Lago, hoje na Índia, e Nestor Forster, nos EUA.

O primeiro é neto do diplomata Oswaldo Aranha e ajudou a destravar o transporte das vacinas da Índia. O segundo tem o apoio do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).

Com a indicação, além de nomear alguém de sua confiança para o cargo de ministro, o presidente sinalizaria ao governo do novo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, uma mudança de postura ao escolher um novo chanceler.​

Uma terceira opção em análise é o nome do atual secretário de Assuntos Estratégicos, almirante Flávio Rocha. Além de falar cinco idiomas, o militar já foi enviado pelo presidente para missões diplomáticas no Líbano e na Argentina.​


Maílson da Nóbrega: Como Bolsonaro prejudica o Banco do Brasil

É o primeiro presidente a interferir na gestão administrativa do BB. Isso tem consequências

Dias atrás noticiou-se que o presidente Jair Bolsonaro iria demitir o presidente do Banco do Brasil (BB), André Brandão, no cargo havia apenas quatro meses. Motivo: sua irritação com o anúncio, pelo BB, de um programa de demissão voluntária, que estimava a adesão de 5 mil funcionários, e o fechamento de 112 agências. As ações do banco despencaram na B3.

Bolsonaro já havia interferido na gestão do BB. Em 2019 mandou o banco suspender a veiculação de um comercial de TV que buscava atrair grupos jovens, até mesmo com apelo a questões de raça e gênero. O vídeo recebeu elogios de especialistas, mas irritou um presidente sensível a pautas de costumes e ignorante da realidade do banco.

Nesses dois casos, o BB seguia estratégia para se manter competitivo no sistema bancário. Essa realidade foi iniciada a partir de 1986, quando o banco perdeu o acesso à “conta de movimento”, um mecanismo que lhe conferia suprimento automático, ilimitado e sem custos de recursos do Banco Central (BC).

Com o tempo, a “conta de movimento” tornou-se insustentável. Ela provocava emissões de moeda, que precisavam ser neutralizadas pelo BC, mediante venda de títulos públicos federais. Os empréstimos do BB impactavam o endividamento da União e eram fonte de pressões inflacionárias. A “conta de movimento” foi extinta em 1986.

Essa mudança criou um desafio para o BB, o de sobreviver sem o acesso fácil e grátis a recursos do BC. O risco de falência foi evitado mediante injeção de capital da União, nos anos 1990. De lá para cá, o banco modernizou-se, adotou novas práticas gerenciais e ajustou sua estrutura à nova realidade.

Hoje, o novo desafio é adaptar-se a um ambiente crescentemente competitivo. O BB tem de se preparar, via eficiência, para concorrer com seus pares no setor privado. Seus concorrentes têm reduzido quadros de pessoal e fechado agências. As medidas do BB eram coerentes com essa realidade.

Nada disso foi inteiramente absorvido por grande parte da classe política, que ainda enxerga o BB pelas lentes dos tempos da “conta de movimento”. De tempos em tempos surgem pressões para que o banco amplie seus empréstimos a juros abaixo do mercado ou para que seja utilizado para forçar os bancos privados a reduzir suas taxas de juros, como se continuasse a obter recursos no BC, sem custos. Dilma Rousseff deu ordens ao banco para emprestar mais a juros camaradas, impactando sua rentabilidade. Bolsonaro parece ter a mesma visão ultrapassada. Pior, vem mostrando não entender os poderes do acionista controlador. É o primeiro presidente a interferir na gestão administrativa do banco.

A demissão do presidente do BB, ao que se diz, foi suspensa por conselho dos que alertaram Bolsonaro sobre os riscos da imprudência. Acionistas minoritários nacionais e estrangeiros poderiam buscar a responsabilização administrativa ou judicial do presidente, alegando o crime de abuso do controlador.

O BB tem naturalmente dificuldades de competir com os bancos privados, dados os custos que lhe são inerentes. Entre eles, pode-se mencionar a sede em Brasília, que desconsidera as características de sistemas financeiros em todo o mundo, qual seja, a concentração em certas cidades, o que propicia economias de aglomeração. Os bancos se agregam em Nova York, São Francisco, Londres, Frankfurt, Zurique, Amsterdã, Paris, Roma e outras praças relevantes. No Brasil, isso ocorre em São Paulo.

Além disso, o Banco do Brasil está sujeito a outros ônus, como o de submeter-se às regras de concorrência pública para adquirir equipamentos e serviços, bem como à volatilidade administrativa derivada da substituição de sua diretoria ao sabor das mudanças de governo, ou mesmo antes, como já aconteceu na atual administração.

O mercado financeiro identifica e precifica os riscos da interferência do governo no BB. As ações do banco sofrem um desconto em relação aos seus principais pares do sistema bancário. O desconto médio tem oscilado em torno de 30%, mas costuma subir em momentos de intervenção governamental. Passou de 50% em 2015-2016, quando a presidente Dilma Rousseff deu ordens para o banco aumentar empréstimos e reduzir juros. Agora chegou perto disso, com o voluntarismo inconsequente de Bolsonaro. No começo do governo Lula, o BB chegou a exibir um prêmio sobre as ações de seus concorrentes privados, quando a percepção era de que não havia ingerência externa na sua gestão.

A demissão do presidente do BB foi evitada, mas a possibilidade de sua ocorrência neste governo pode ter deixado consequências. O presidente do BB, detentor de uma carreira bem-sucedida em importantes bancos privados, deve ter-se dado conta de que não dispõe da autonomia que lhe fora assegurada quando do convite para dirigi-lo. Doravante terá de pensar duas ou mais vezes quando tiver de tomar decisões, avaliando quais delas poderiam excitar os instintos intervencionistas e autoritários do presidente. É um novo custo. O mal está feito.

SÓCIO DA TENDÊNCIAS CONSULTORIA, FOI MINISTRO DA FAZENDA


Afonso Benites: Lira acomoda oposição, mas acordo reduz participação de mulheres

Grupo do novo presidente do Legislativo aumentou de 3 para 4 membros na Mesa Diretora. Oposição terá duas vagas e só uma ocupada por uma mulher. Depois de ameaças, grupo de Baleia Rossi não levou tema ao STF

Primeiro bate. Depois assopra. Assim foram as primeiras 24 horas da gestão do neobolsonarista Arthur Lira (PP-AL) na Presidência da Câmara dos Deputados. Temendo a judicialização de um tema interno do Legislativo, o parlamentar alagoano líder do Centrão deu um passo atrás e desistiu de cancelar todas candidaturas dos membros do bloco opositor ao seu na disputa pelo comando da Casa. Na reunião de líderes, Lira chegou a um denominador comum com outras lideranças em que seu grupo político acabou ganhando quatro vagas dentre as seis da Mesa Diretora. As outras duas, acabaram com os apoiadores de Baleia Rossi (MDB-SP).

Até a noite de segunda-feira, as seis cadeiras seriam divididas igualitariamente, três para cada bloco parlamentar. No entanto, assim que eleito, Lira decidiu invalidar a inscrição do grupo de Baleia Rossi e embaralhou o jogo. O motivo foi que o PT havia entregue seus documentos de inscrição da chapa seis minutos além do horário permitido, o qu, na sua visão, causaria um vício formal ao processo, mas mesmo assim foi aceito por Rodrigo Maia. Sua estratégia era ocupar cinco das seis vagas ainda em disputa da Mesa Diretora. Diante da repercussão, nesta terça-feira, negociou a nova configuração. Alguns deputados disseram que ele chegou querendo imprimir o seu tom à administração, que oscila entre a firmeza e a abertura ao diálogo. “O ato foi necessário, não para dar um pé na porta, mas um freio de arrumação”, afirmou minutos após ser eleito em entrevista à emissora CNN Brasil.

A solução de Lira resultou que a Mesa Diretora será ocupada assim: o PL indicará a primeira-vice-presidência, o PSD, a segunda. A primeira secretaria, que é responsável pelo orçamento da Casa, será do PSL. A segunda secretaria fica com o PT. A terceira, com o PSB. E a quarta, com o Republicanos. Desses, apenas petistas e peessebistas não são originalmente do grupo de Lira. Com a nova composição, o PSDB e a REDE acabam excluídos do processo.

Na nova configuração, também há uma considerável redução da participação feminina na cúpula gerencial da Câmara. Antes, havia a expectativa que três dos seis postos chaves ―excluindo a presidência― fossem ocupados por mulheres. Agora, apenas o nome de Marília Arraes, pelo PT, deverá figurar entre as dirigentes da Casa. Antes as outras indicadas seriam Rose Modesto (PSDB-MS) e Joenia Wapichana (REDE-RR). Havia um simbolismo nessas nomeações, já que apenas 15% da Câmara é ocupada por mulheres. No caso de Joenia, ela seria a primeira indígena a ocupar um cargo de comando na Casa.

Tradicionalmente, a ocupação dos cargos na Mesa Diretora ocorre de maneira proporcional. Ou seja, os maiores partidos ou blocos partidários indicam quem ocupará cada função. Se a decisão de implosão do grupo de Baleia persistisse como ameaçou Lira, apenas o PT entre os dez apoiadores de Baleia Rossi poderia indicar um membro. Como quem estivesse doutrinando os seus pares, Lira disse ao final do encontro dos líderes partidários que espera que os deputados tenham entendido como serão tomadas as decisões de sua gestão. “Nós trataremos democraticamente, sempre por maioria, ou decisões da Mesa ou decisões do colégio de líderes. Nada mais de decisões isoladas, como dissemos durante a campanha”, afirmou aos jornalistas.

Com a decisão da madrugada, os parlamentares que se sentiram prejudicados ameaçaram ingressar com uma ação conjunta no Supremo Tribunal Federal, o que não ocorreu em decorrência da composição ajustada por Lira e os líderes ao longo da tarde.

Por que a disputa?

Essas funções de dirigentes na Câmara são consideradas estratégicas pois, por meio delas, os parlamentares ganham destaque midiático, podem contratar assessores comissionados e administram orçamentos internos. Além de substituir o presidente, o primeiro-vice-presidente da Câmara é o responsável por analisar os requerimentos de informação a outros órgãos públicos. O segundo-vice analisa os pedidos de reembolso de despesas dos deputados e age como uma ponte institucional com órgãos dos Legislativos de Estados e Municípios.

O primeiro-secretário é uma espécie de prefeito da Câmara. O segundo zela pelas relações internacionais da Casa, o que inclui a emissão de passaportes para os deputados e o estágio universitário. O terceiro-secretário analisa requerimentos de licença e justificativas de ausência dos parlamentes assim como dá autorização prévia de reembolso de despesas com passagens aéreas internacionais. Já o quarto-secretário controla os apartamentos funcionais da Casa.


Cláudio Gonçalves Couto: Quando o rabo abana o cachorro, ou a eterna volta do Centrão que nunca se foi

Pressionado pelas ameaças de impeachment e pelas investigações que o acossam, Bolsonaro inverteu a lógica do presidencialismo de coalizão com as eleições de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco

Durante seu primeiro ano e meio de mandato, Jair Bolsonaro tentou cumprir uma promessa impossível que fez a seus eleitores, mas que a bem da verdade fez mesmo foi a si próprio: governar sem base de sustentação no Congresso. No país do presidencialismo de coalizão, Bolsonaro fez muitos crerem (e talvez ele mesmo tenha acreditado) que montar uma coalizão presidencial decorreria de uma escolha do presidente, em vez de ser uma imposição institucional. O apoio desbragado de seu Governo a Arthur Lira na Câmara e a Rodrigo Pacheco no Senado mostraram que, ao menos momentaneamente, o chefe de Governo cedeu à realidade do funcionamento de nosso presidencialismo multipartidário.

coalizão que Bolsonaro agora monta, contudo, tem lá suas particularidades. Primeiramente porque, diferentemente de seus antecessores, o atual mandatário não dispõe de um partido que possa capitanear essa aliança. Sarney contou com o velho PMDB, FHC com o PSDB e Lula com o PT. Jair dinamitou as relações com a legenda de ocasião pela qual se elegeu e para cujo inchaço contribuiu —o PSL. No lugar dela, ficou sem nada, já que a tentativa de construir o Aliança pelo Brasil naufragou miseravelmente. O resultado imediato desse fracasso foi o grande fiasco presidencial nas eleições municipais, em que o presidente não dispôs de uma agremiação sua, que pudesse fazer crescer e reforçar sua base país afora —para além do insucesso quase geral dos candidatos avulsos apoiados por ele.

O outro desdobramento dessa situação aparece agora. O presidente é mais caudatário de uma coalizão legislativa à qual aderiu do que o contrário. Durante obiênio de Rodrigo Maia se falava em parlamentarismo branco, uma analogia imprecisa para descrever o que era, na realidade um Governo congressual. Nesse contexto, o Executivo, indisposto a articular uma base parlamentar e incapaz de liderar o processo legislativo, reivindicava os méritos pela aprovação de medidas que, embora convergissem com sua agenda na área econômica, eram aprovadas mais a despeito do que graças ao Governo. Não à toa colheu seguidas derrotas na derrubada de vetos, caducidade de medidas provisórias e irrelevância congressual da pauta reacionária de costumes.

Pressionado pelas ameaças de impeachment e pelas investigações que o acossam, acossam seus familiares e apoiadores radicais, Bolsonaro inverteu a lógica do presidencialismo de coalizão, em que os partidos do assim chamado Centrão aderem ao Governo do dia em troca de benesses estatais —razão pela qual entendo que sejam mais bem definidos como partidos de adesão. Em vez disso, é Bolsonaro que adere a eles, mostrando que por vezes, na política, ocorre de o rabo abanar o cachorro.

Tal inversão é reveladora não só da fragilidade estrutural desse Governo —dependente que é da proteção dos partidos de adesão por meio de uma coalizão defensiva—, mas também do quão tênue é a conversão de Bolsonaro à moderação democrática inerente ao presidencialismo de coalizão. O presidente da segunda metade do mandato não se tornou mais comedido; apenas recuou. Para isso, lançou mão dos vultosos recursos disponibilizados pelo “orçamento de guerra” da pandemia para cooptar a maioria que elegeu Arthur Lira, provocando rachas em partidos que até então mantinham certa independência com relação ao Executivo, como o DEM, o PSDB e o MDB.

O caso do DEM é particularmente notável e merece comentário à parte. A agremiação logrou, durante os anos petistas, manter-se na oposição. Isso levou à sua diminuição congressual, com parlamentares menos programáticos abandonando o barco e rumando para os partidos de adesão que constituíram a base fisiológica das coalizões petistas (PP, PL/PR, PTB, PRB, PSD, PMDB). A longa travessia no deserto pareceu ser recompensada com a entrada no Governo Temer, a conquista da presidência da Câmara por Rodrigo Maia e o bom desempenho nas últimas eleições municipais. Ou seja, o DEM mostrou não se tratar de um partido de adesão —à diferença do PMDB. Mas eis que agora o partido sucumbe ao fisiologismo e ao regionalismo (notadamente o baiano), embarcando de vez na nau adesista. Embora tenda a render frutos no plano regional, tal manobra reduz muito a capacidade do partido de liderar uma coligação competitiva nas próximas disputas presidenciais. Afinal, partidos programaticamente invertebrados têm dificuldade de se incumbir dessa tarefa.

É bem verdade que para esse desfecho contribuiu decisivamente o estilo imperial e a voracidade de Rodrigo Maia. Ao mesmo tempo que se indispôs com os colegas de Câmara, dispensando-lhes mais desdém do que atenção, apostou demasiadamente na possibilidade (sempre algo dissimulada) de uma nova recondução à presidência da Casa. Seu fracasso nesse intento acabou por levar de roldão também as pretensões de seu colega de partido e então presidente do Senado, Davi Alcolumbre. Com isso, Maia não apenas se isolou no DEM e fora dele, mas perdeu o timing para construir sua sucessão. Quando tentou fazê-lo, Lira já estava muitas braçadas à frente, contando ainda com o substancial auxílio da busca aflita do Governo por proteção congressual. Ambição em excesso (como na relutância em construir um sucessor para valer) e não fazer as coisas no tempo certo são dois erros mortais que frequentemente acometem políticos até então bem-sucedidos, mas inebriados com o próprio sucesso. Costumam custar caro, como mostram tantos casos na história.

A questão agora é saber se o Governo Bolsonaro terá mais do que proteção congressual, ao menos enquanto compensar para os partidos de adesão e suas lideranças se manterem atrelados ao barco governista. No Senado, a maioria que elegeu Pacheco contra a candidata identificada com o lavajatismo, Simone Tebet, congrega forças que estão muito longe de apoiar o bolsonarismo e suas agendas —como PT, PDT e Rede. Na Câmara, embora Lira não tenha tido o apoio dos partidos da oposição de esquerda, contou com votos que ultrapassam em muito as hostes bolsonarescas, e que dificilmente se repetirão quando (e se) temas da pauta reacionária de costumes forem a votação. Ou seja, uma coisa é ter apoio suficiente para evitar um impeachment, CPIs incômodas e outras iniciativas tormentosas —ou seja, uma base defensiva. Outra, bem diferente, é fazer avançar uma agenda própria altamente controversa, contando para isso com os votos de uma coalizão que o Governo não lidera, pois em vez de ela ter aderido a ele, foi ele que aderiu a ela.

E tudo isso, claro, sem contar com a forma como tal base se comportará caso se mantenha a queda de popularidade do atual presidente. Nessa frente, as perspectivas não são das melhores, tendo em vista a situação econômica, a condução na pandemia e, por último, mas não menos importante, a decepção que Bolsonaro provocou em boa parte de seus antigos eleitores ao fazer justamente aquilo que prometera combater: a velha política do Centrão —ainda que em sua versão invertida.

*Cláudio Gonçalves Couto é cientista político, professor da FGV EAESP, produtor do canal do YouTube e podcast ‘Fora da Política Não há Salvação’.


Fernando Exman: Crônica de uma vitória anunciada

Depois de Cidadania e Saúde, aliados cobiçam Educação

Há meses não se via um movimento daqueles, em plena segunda-feira pandêmica, na conhecida “rua dos restaurantes” da Asa Sul.

Localizado a dez minutinhos do Congresso - de carro, claro, para enfrentar a precária mobilidade urbana da capital federal -, o endereço tornou-se um destino tradicional de parlamentares na hora do almoço ou depois das votações. Nos últimos meses, contudo, os carros oficiais viraram objeto raro na paisagem.

Uma exceção foi justamente a última segunda-feira. A exigência legal de que as eleições para as mesas diretoras da Câmara e do Senado fossem realizadas presencialmente deu um alívio não só para os caixas dos restaurantes ali instalados, como ajudou também quem foi atrás de informação.

Motoristas à espera, deputados e dirigentes partidários comendo, confabulando. Preparavam-se para as sessões que dali a algumas horas definiriam a nova cúpula do Legislativo. O maior distanciamento entre as mesas não prejudicava quem tentava aproveitar o descuido de alguma excelência um pouco mais incauta.

À frente, um dirigente partidário falava baixo com seu interlocutor. Nada feito. Ao lado, guarda baixa. E o assunto era um só: a perspectiva de vitória dos candidatos governistas, que se confirmaria em breve.

“Bolsonaro vai fazer barba e cabelo. Só não vai fazer o bigode porque não tem uma terceira Casa. Se tivesse bigode, faria também”, falava em voz alta um deputado do Nordeste aos companheiros de mesa. Ele dizia possuir uma lista dos colegas da bancada estadual que, embora tivessem sinalizado apoio a Baleia Rossi (MDB-SP), votariam com ele em Arthur Lira (PP-AL). Inclusive de siglas de esquerda. “Este aqui só disse que vai no Baleia para não perder a chance de ser líder do partido dele, para não perder apoio interno.”

Um dos interlocutores creditou a vitória à experiência acumulada pelo presidente Jair Bolsonaro em seus quase 30 anos como deputado federal: alguém que, nas suas palavras, foi do baixo clero, sabe o que a massa de deputados quer e espera receber do governo. Qualquer governo. E de fato Bolsonaro usou as armas que estavam disponíveis no paiol da Secretaria de Governo, distribuição de emendas e cargos, para emplacar dois parlamentares próximos no comando do Congresso.

Mesmo assim, no Executivo existe a consciência de que fidelidade, nesse tipo de relação, sobretudo com partidos do Centrão, vai até certo ponto. Esta foi a dura realidade enfrentada por governos anteriores, mas na ótica de autoridades do atual governo era o preço a ser pago para que o poder da Presidência da República pudesse ser exercido com amplitude. Contou também, claro, a necessidade de reduzir os riscos de um processo de impeachment ser acolhido.

No governo, há um sentimento de relativa frustração com a demora no avanço das pautas defendidas na campanha de 2018, tanto na área econômica como na agenda de costumes ou de flexibilização no acesso a armas e munições, para citar alguns exemplos caros ao presidente e ao seu eleitor mais fervoroso. Passada a disputa pelo comando do Parlamento, portanto, não haveria mais por que esperar para destravar uma série de votações que vinha sendo postergada por causa da disputa política pelo comando da Câmara, pelas eleições municipais e, depois, pelo recesso.

Aliados do novo presidente da Câmara dos Deputados reconhecem a importância do Planalto nas articulações que levaram à vitória de Arthur Lira, mas destacam o trabalho feito meses a fio pelo próprio candidato e seu grupo. Entre eles, existe a convicção de que a vitória ocorreu a despeito da imprensa, dos formadores de opinião, e que o mercado financeiro precisaria aceitar o resultado do pleito, qualquer fosse ele, para então necessariamente construir uma boa convivência - e interlocução - com o sucessor de Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Durante a campanha, eles reconheciam que Maia sempre teve um melhor diálogo com os principais agentes do mercado. O agora ex-presidente da Casa fala a mesma língua do ministro da Economia, Paulo Guedes, o que permitiu, inclusive, que eventuais desentendimentos entre os dois pudessem ser superados em determinados momentos. No entanto, às vésperas da eleição integrantes do grupo de Lira passaram a dizer que consideravam incabível o fato de parte do setor privado ver na candidatura adversária mais previsibilidade para a economia, até porque Baleia Rossi havia formado seu bloco com partidos de esquerda.

No Senado, a eleição de Rodrigo Pacheco (DEM-MG) contou com o já conhecido impulso vindo do Palácio do Planalto, mas também foi construída com o apoio de parlamentares que se opõem a algumas das pautas que visam a redução do tamanho do Estado.

Isso não quer dizer que Lira e Pacheco ignorarão o que a equipe econômica disser. Pelo contrário. Ambos pretendem construir saídas conjuntas com Guedes e prometem respeitar o teto de gastos. É provável, entretanto, que ouçam mais a ala política do governo e busquem mais convergências com o próprio presidente.

O ministro Luiz Eduardo Ramos tende a sair fortalecido do processo eleitoral. Depois de ser alvo de insistentes especulações sobre uma eventual exoneração, o chefe da Secretaria de Governo, articulador político do Planalto, pode colocar no currículo sua participação no estado maior dessas duas campanhas vitoriosas.

Onyx Lorenzoni deve mesmo deixar o Ministério da Cidadania para retornar ao núcleo decisório do Planalto. Se conseguir manter a Subchefia para Assuntos Jurídicos sob a Secretaria-Geral, terá controle sobre todo e qualquer ato publicado no “Diário Oficial da União”. A SAJ historicamente foi um braço da Casa Civil, mas foi realocada na atual administração. É um instrumento poderosíssimo e coloca seu detentor muito próximo ao presidente.

A sinalização de Bolsonaro de que não haverá recriação de ministérios já fez com que os interesses da base se voltassem para as pastas da Saúde e da Educação. Agora que ele adotou para valer o presidencialismo de coalizão, será a vez do Centrão fazer barba, cabelo e bigode, até que se defina a pauta que será tocada até o fim de 2022.