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Luiz Carlos Azedo: O trem andou
A independência do BC agrada ao mercado, porque garante mais previsibilidade na economia, mas não desenrola a política econômica
A independência do Banco Central (BC) foi aprovada, ontem, na Câmara, por 339 votos a 114, depois de 30 anos de discussão. O presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), fez da votação uma demonstração de força e uma sinalização para o mercado de que vai retornar à agenda das reformas. A aprovação também é um contraponto à gestão do antecessor, deputado Rodrigo Maia(DEM-RJ), que está sendo responsabilizado por Lira e pelo Planalto pelo atraso na votação das medidas econômicas necessárias para enfrentar a crise. Não é bem assim, a matéria já estava pronta para ser aprovada e contava com ampla maioria. Provavelmente, seria a primeira medida a ser votada caso o deputado Baleia Rossi (MDB-SP) fosse o eleito.
Na verdade, o que está atrasando a votação das medidas econômicas é a falta de entendimento político entre a turma do Centrão, os militares do Planalto e a equipe econômica em relação à maioria dos assuntos, sem que Bolsonaro tome uma decisão. Por exemplo, a criação do auxílio emergencial, desejo da ampla maioria dos parlamentares, não vai adiante porque toda a Esplanada dos Ministérios se recusa a cortar na própria carne, e a equipe econômica também não quer criar um imposto.
A independência do BC agrada ao mercado, porque garante mais previsibilidade na economia, mas não desenrola a política econômica. Diretores do banco terão mandato de quatro anos, com direito a uma reeleição. Os mandatos não coincidirão com o do presidente da República, que indicará o presidente e demais diretores do BC. Caberá ao Congresso aprovar a indicação e, se for necessário, destituir os diretores do banco.
Em tese, a independência do BC acaba com interferências do Executivo na política monetária. Num regime de metas de inflação, isso garante que a política de juros seja administrada com foco exclusivo na estabilidade da moeda. Alguns analistas acreditam que os juros do mercado futuro, que servem para a rolagem da dívida pública, tenderão a cair com a decisão. A medida é muito criticada pela esquerda e economistas desenvolvimentistas, mas há muitos países governados por partidos de esquerda que têm bancos centrais independentes.
Outro passo importante foi a instalação da Comissão Mista de Orçamento, que estava sendo adiada por causa de uma disputa pelo seu comando entre o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ) e o Centrão. A presidente da CMO é a deputada Flávia Arruda (PL-DF), indicada por Arthur Lira. Com 31 deputados e 11 senadores, a comissão instalada, ontem, vai examinar o Orçamento de 2021; em abril, outra composição será feita, para discutir o Orçamento de 2022. O presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), ao instalar a comissão, descartou a criação de um novo imposto para financiar a prorrogação do abono emergencial.
Doria versus Aécio
A lavagem de roupa suja em público no PSDB continuou ontem. O governador João Doria praticamente deu um ultimato à cúpula do partido para afastar o deputado Aécio Neves (MG), em nota duríssima; Aécio rebateu. Do jeito que vão as coisas, será impossível a permanência de ambos na legenda. O problema é que Doria tem mais poder político, por causa do governo de São Paulo, mas quem tem maioria na cúpula da legenda é o político mineiro.
É impressionante como a disputa pela presidência da Câmara desagregou a legenda. Mostrou para Doria que uma parte considerável da bancada pode ter derivado para a base do presidente Jair Bolsonaro, comprometendo seu projeto eleitoral. A forma como o governador paulista pretende resolver o problema não está clara. Há três hipóteses: (1) forçar os pares a lhe entregar o comando da legenda; (2) sair do partido para ser candidato por outra legenda; (3) desistir da candidatura, tendo Aécio como pivô da tragédia.
William Waack: Tudo dando certo
Cenário internacional ajuda o Brasil e tira senso de urgência para questão fiscal
A julgar pelo noticiário da imprensa especializada internacional (Financial Times, por exemplo), começou um novo ciclo de forte valorização de commodities. A subida de preços abrange 27 tipos que vão do café ao níquel, e incluem produtos agrícolas nos quais o Brasil é campeão mundial. Os investidores ainda indagam se é mais do que uma recuperação em “V” das profundezas da crise da pandemia, mas consolida-se a percepção de que estamos indo para um superciclo, comparável ao do início de 2000.
O Brasil é muito mais dependente das grandes conjunturas externas do que nos é confortável admitir. Por exemplo, é impossível entender o que foi o período do PT sem levar em conta o superciclo das commodities de 20 anos atrás. Ele criou uma bonança que alterou os cálculos políticos. E explicava o surgimento da tal “nova classe média”: não era o “projeto petista”, mas, sim, o crescimento da China, a expansão do comércio exterior (globalização) e a demanda por nossas exportações – sendo que o mesmo volume do nosso minério de ferro passara a comprar muito mais TVs de tela plana.
Junte-se a descoberta do pré-sal, na metade daquela década, quando o barril do petróleo foi para as alturas, e temos a mistura de fatores, sobre os quais não tínhamos qualquer controle, criando uma atmosfera política do “tudo é possível”. Lula nunca entendeu o que aconteceu no grande quadro internacional e talvez pense até hoje ter sido o criador do superciclo – o fato é que a bonança acabou desperdiçada por falta de visão política (abandonaram-se as reformas), irresponsabilidade, corrupção (que não foi inventada pelo PT) e intervencionismo estatal desastroso.
A lição que essa (admita-se) ultrasimplificação da nossa recente história oferece é a de que o surgimento de uma “zona de conforto”, criada por fatores sobre os quais pouco influímos, tem um impacto direto na conduta dos agentes políticos e do setor privado. Em outras palavras, nada fica parecendo tão urgente que não possa ser deixado para amanhã. Aplicado às circunstâncias atuais, o vigoroso movimento de alta das commodities – sim, com jeito de superciclo – talvez ajude a entender a calma com que os mercados reagem especialmente ao que o governo brasileiro deixa de fazer.
A situação fiscal está no limite e a probabilidade de que reformas estruturantes sejam aprovadas este ano é muito reduzida. Porém, a combinação de dois fatores amplos proporciona essa agradável situação, tão ao gosto do Centrão, de que as coisas podem ir sendo empurradas com a barriga, especialmente cortes em despesas. Um fator é a extraordinária injeção de liquidez mundial com juros baixos e a recuperação da China e dos Estados Unidos sob um inédito pacote de incentivos. O outro é a noção de que a vacinação em massa (mesmo com os percalços brasileiros) induz a uma retomada da economia mais acelerada do que se calculava ainda há dois meses.
Com isso, diminui também não só a “pressa” de resolver nossos intratáveis problemas estruturais. Ressurge com ênfase entre agentes políticos a discussão se o reaquecimento da economia e a consequente recuperação da arrecadação não seriam, por si, suficientes para criar o tal “robusto marco fiscal” que permita prosseguir no pagamento do auxílio emergencial – algo vital para a pretensão de reeleição de Bolsonaro. Basta declarar a tal “excepcionalidade temporária” com que as forças políticas no Congresso que capturaram o Planalto pretendem promover a quadratura do círculo (gastar mais e cortar menos).
É possível que esse sopro favorável internacional ajude a consolidar na cabeça de Jair Bolsonaro, sempre inclinado a acreditar no absurdo e no fácil, a percepção de que tudo está dando certo
Maria Cristina Fernandes: Centrão dá autonomia ao BC e captura Anvisa
Desapego pela regulação sugere que bloco apenas acumula créditos para cobrar de Guedes em breve
O novo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) escolheu o projeto que dá autonomia ao Banco Central para marcar sua estreia na condução da mesa diretora da Casa. Convém cautela, porém, com o zelo demonstrado pelo Centrão na regulação dos mercados.
Se a preocupação é blindar o Banco Central das interferências políticas dos governantes de plantão, falta explicar por que o cuidado não é extensivo à Agência de Vigilância Sanitária, a mais importante das reguladoras de mercado no Brasil da pandemia. Quem lidera a pressão para submeter a Anvisa aos caprichos do lobby da vacina russa é o líder do governo, Ricardo Barros (PP-PR), outro integrante do núcleo duro do Centrão.
Difícil imaginar onde bateria o dólar hoje se a Câmara dos Deputados resolvesse, por exemplo, acrescentar um artigo ao projeto aprovado pelo Senado estabelecendo prazo para o Banco Central intervir no câmbio quando a moeda americana disparar. Foi mais ou menos isso que fez a MP 1003/2020. Deu prazo não para a Anvisa analisar mas para aprovar o uso emergencial de vacinas cinco dias depois de protocolado o pedido para a análise da agência.
Ricardo Barros, o deputado que liderou a aprovação da medida provisória no formato que melhor convém à empresa que pretende trazer a Sputnik V ao Brasil, comandou o Ministério da Saúde no governo Michel Temer. Foi um teste de resiliência para o SUS, mas não se ouviu, durante aquele governo, o então ministro dizer que “enquadraria” a Anvisa.
A pressão desmedida sobre a Anvisa aconselha ceticismo em relação à lua de mel de Lira com a equipe econômica do governo e os investidores que nela ainda creem. Lira pinçou, da extensa pauta de prioridades do governo federal, um dos projetos menos polêmicos para sinalizar boa vontade com Guedes & cia. A pergunta que cabe fazer agora, dado o desapego do Centrão pela boa regulação do mercado, é onde o bloco quer chegar.
É simples. Lira acumula créditos para cobrar lá na frente. Se alguém comemora a aprovação do projeto de autonomia do BC na Câmara é porque ainda não se deu conta de que a cobrança desta fatura vai tornar a vida dos autônomos mandatários do banco um inferno.
Não faltam evidências de que esta cobrança imporá um custo fiscal difícil de carregar. Não porque o Brasil não possa se endividar, mas porque o faz sem rumo nem sinal de onde pretende chegar. E apesar disso, tem a anuência dos juízes e bandeirinhas em campo, como foi o caso na manobra que permitiu jogar para 2021 gastos de até R$ 40 bilhões do Orçamento de guerra não executados no ano passado.
Se o fizeram em 2020, voltarão a fazê-lo este ano quando o novo comando do Congresso sinaliza que quer acochambrar tudo, do auxílio emergencial aos novos gastos de Estados com a pandemia e até uma segunda rodada de suporte às empresas. Tudo na modalidade de “crédito extraordinário”.
A Constituição é clara. Trata-se de um recurso a ser usado em caso de imprevisibilidade e urgência. Numa pandemia, prever esses gastos deveria ser a rotina, não a exceção. Por isso, deveriam estar contidos na Lei Geral do Orçamento, cuja comissão mista foi instalada ontem. Para isso, no entanto, os novos gastos teriam que cumprir as regras fiscais e abrir espaço com uma tesourada que ninguém no Centrão ou no Palácio do Planalto quer dar. Vai que alguém lembra dos R$ 9 bilhões reservados para as quatro novas fragatas da Marinha.
A fatura não para por aí. O Centrão não desistiu dos bancos públicos. Falhou na tentativa de arrebanhar a presidência do Banco do Brasil, mas ainda cobiça diretorias e não apenas no BB, mas na Caixa Econômica Federal e até no BNDES. Se alguém acha que assim também é demais, basta ver o que se passa com a Anvisa.
Bolsonaro ainda não decidiu se vai acatar o pedido do presidente da Anvisa para vetar o jabuti do Centrão na MP, mas a permanência de Ricardo Barros na liderança do governo sugere que o presidente da República começou a campanha pela reeleição na oposição.
A julgar pelo desempenho em campo de seus adversários, vai querer fazer olé com o chapéu alheio. Rodrigo Maia levou o cesto de roupa suja do seu time para a beira do Lago Paranoá e o PSDB se consome em disputas internas entre um governador impopular em seu próprio Estado e um deputado com contas a prestar na Justiça.
O PT fulanizou a pré-campanha antes da hora e o bloco dos excluídos do bolsonarismo hoje se dedica mais às fusões partidárias e à sobrevivência das nanolegendas do que a saber por que, num país que gastou R$ 524 bilhões no combate à covid-19 em 2020, faltam oxigênio, medicamentos, UTIs e sobra energia para o lobby das vacinas.
É natural que Bolsonaro queira antecipar a campanha. Tem duas razões para fazê-lo. Primeiro porque é bom nisso. Depois porque, tendo terceirizado o governo para o Centrão, resta-lhe ocupar o vácuo da oposição. Já disse que gostaria de ver a mãe vacinada. O próximo passo é entrar na fila para virar jacaré. Mais um pouco e se vacina contra a derrota em 2022.
A dúvida é saber por que os adversários se deixam pautar. É a covid-19 e a crise econômica que mantêm Bolsonaro na defensiva, não a campanha eleitoral. É claro que os partidos precisam discutir alianças, fusões, nomes, estratégias, mas não com a bola em campo.
O maior flanco de Bolsonaro é a pandemia e é dela que ele vai tentar primeiro se livrar. Vai entregar o ministro da Saúde aos leões. Depois se insurgirá, como o fez no início da pandemia, contra prefeitos e governadores a quem delegará a responsabilidade pelo genocídio. A sanção com ou sem vetos da MP das vacinas indicará o papel que assumirá frente ao Centrão.
O segundo maior flanco do presidente é a economia. O déficit público, que caminha para R$ 800 bilhões, é uma bomba de efeito retardado. No filme que o Brasil já viu antes, explode assim que passa a reeleição.
É este o esquema tático de uma pelada de várzea que frustrará a plateia. O presidente jogou a isca da sucessão presidencial antecipada, a oposição engoliu e o Centrão, por enquanto, governa. Arthur Lira e seu bloco, porém, jogam em todas as posições, menos na de carregadores de caixão.
Pedro Fernando Nery: Como a pandemia afetará os nascimentos no País?
Brasil pode perder não só os brasileiros que faleceram, mas ainda os que deixaram de nascer
Foram quase 40 mil nascimentos a menos registrados neste janeiro na comparação com o janeiro anterior. Os dados são do Portal da Transparência do Registro Civil, e representariam uma queda de 15% no número de nascimentos no Brasil. Possivelmente, refletem o endurecimento da pandemia no 1.º semestre de 2020. O título da coluna pode ser distópico, mas há algo a observar nos próximos meses: como a pandemia afetará os nascimentos no País?
A queda teria ocorrido em 25 Estados e no Distrito Federal. Essa análise inicial e apressada poderia estar superestimando o impacto da pandemia nos nascimentos (por exemplo se houver uma defasagem grande entre os nascimentos e os registros no atual contexto). Porém, os mesmos dados indicam mais registros de óbitos em janeiro, compatível com a covid-19 – um alta também de 15%.
A redução de 15% no número de nascimentos não está distante da registrada inicialmente em dezembro na Itália (22%) – o primeiro país a sentir duramente os efeitos do vírus depois da China. Em um exercício simplório, se essa redução se mantivesse nos próximos meses, refletindo o avanço da primeira onda da pandemia em 2020, teríamos um primeiro semestre de 2021 com 200 mil bebês a menos.
O medo do contágio nos hospitais, a insegurança sobre os riscos do vírus a gestantes e recém-nascidos e a incerteza quanto a salários e empregos são explicações possíveis para o adiamento de gestações planejadas. Não é possível ainda afirmar para nenhum país qual seria a magnitude do fenômeno, e outras dúvidas se colocam.
O que em inglês tem se chamado de baby bust, será seguido posteriormente por um baby boom, um grande número de nascimentos – como ocorreu em vários países após a Segunda Guerra Mundial? Haverá um represamento nos nascimentos ou planos das famílias terão sido afetados para sempre? Os adiamentos estão somente à espera da vacina ou também à espera dos empregos?
A questão econômica, e não apenas a sanitária, é especialmente importante diante de uma pandemia que é pior para as mulheres. As que já têm filhos tiveram o desafio das escolas fechadas. Muitas se ocupavam no setor de serviços, particularmente afetado pelo isolamento social. A geração de emprego formal foi até positiva para homens na pandemia, mas negativa para as mulheres.
Demógrafos acompanham atentamente a evolução da taxa de fertilidade, que no Brasil e em muitos países já vinha em forte queda. Tem, assim, implicações futuras sobre a educação (mais recursos por aluno), a violência (menor número de jovens potenciais criminosos), a previdência (menos contribuintes), a economia (menos trabalhadores), a defesa (menos recrutas).
O paralelo inicial na demografia para analisar essa questão na atual pandemia seria a gripe espanhola, a partir de 1918. Ali observou-se a queda na fertilidade e um subsequente baby boom. A situação vai se repetir? Hoje é sabido que muitas mulheres têm filhos mais tarde – o adiamento para idades com fertilidade menor poderia levar parte delas a acabar não tendo filhos ou a ter famílias menores.
Em estudo publicado em dezembro, pesquisadores de Bangladesh, Estados Unidos e Reino Unido sugerem que o boom depois da gripe espanhola pode não se repetir. Eles avaliam que a alta mortalidade daquela pandemia fez com que muitas mulheres a tenham experimentado de perto – na família, na vizinhança – o que as estimulariam a ter mais filhos (Ullah et al., 2020). Os pesquisadores ressaltam que em epidemias e desastres naturais mais recentes os efeitos foram menores e variaram em cada episódio (como as epidemias de SARS em Hong Kong, zika no do Brasil, e ebola na África Ocidental).
Raquel Coutinho e outros pesquisadores das Universidades Federais de Minas Gerais (UFMG) e do Rio Grande do Norte (UFRN) apontam outra razão para que o pós-covid não seja equivalente à da pandemia de 1918. Para eles, o contexto atual “pode ter implicações distintas daquelas observadas em outros episódios registrados na história de alta mortalidade, sobretudo no que se refere ao possível aumento do número de nascimentos após o período de crise, já que os valores correntes com relação às normas sociais do tamanho ideal de família são bem diferentes do contexto da gripe espanhola” (Coutinho et al., 2020).
À revista Time, Dowell Myers – da University of Southern California – apontou que as taxas de natalidade seriam um “barômetro do desespero” no caso dos adultos jovens, pois refletiria a falta de otimismo com o futuro. Elas podem ser mais uma medida do custo humano da pandemia que castiga o nosso País. Os brasileiros que perdemos podem ser não só os que faleceram, mas também os que deixaram de nascer.
*DOUTOR EM ECONOMIA
Carlos Andreazza: Jaca não vira cereja
Arthur Lira venceria mesmo sem o patrocínio de Bolsonaro. Talvez fosse mais difícil, com segundo turno; mas venceria. Venceu porque não teve adversário. Ou melhor: tinha a vitória encaixada quando finalmente o quiseram enfrentar. E, quando Baleia Rossi tentou, foi Mario Andreazza contra Paulo Maluf na convenção do PDS em 1984: crente numa campanha terceirizada e de gabinete, dedicada a pedir votos de parlamentares a governadores, prefeitos e líderes partidários; isso enquanto o adversário mercadejava no mano a mano, pé na estrada, falando aos iguais com a linguagem que cativa os que comerciam poder.
Lira tinha já costurados pelo menos 200 votos quando Rodrigo Maia ainda contava com o golpe de Alcolumbre pela reeleição; o que significou frustrar expectativas de aliados que esperavam a vez. Não há deputado fiel a ponto de aceitar um presidente da Câmara permanente; o que equivaleria a aceitar o próprio engessamento.
Maia — um bom presidente — confundiu seu tamanho com o do cargo. Sua dimensão individual parecia maior não porque tivesse crescido muito — mas porque era muito baixa a estatura média dos pares. Desqualificados, os que compõem o pior Parlamento da história, que, no entanto, têm o mesmo peso de voto.
Maia tomava café frio desde que o Supremo derrubara o movimento golpista contra a Constituição. Errou demais e em pouco tempo. Apostou —dizendo não querer — em que o STF lhe daria o direito casuístico de se reeleger. Então estimulou ao menos cinco candidaturas inviáveis. Esperava que um impasse entre esses aguinaldos resultasse na ascensão de seu nome como solução pacificadora. Quando o golpe fracassou, aquele arranjo fantasioso — o dos vários bivares insuflados a uma sucessão sob seu controle — impôs-lhe a anarquia. Exatamente o terreno em que melhor prospera o bolsonarismo, o do caos. Maia — cuja gestão se baseara na confiança dos pares — havia perdido. E talvez seja o caso de avaliar se não seria derrotado mesmo sendo ele próprio o candidato.
Lira fez a leitura correta. Propôs nova partilha de poder — perspectiva de novas lideranças. E levou. Agora é Lira. E Lira é Lira, é Lira, é Lira. Como Bolsonaro é Bolsonaro. Se ainda não tivermos aprendido: jaca não vira cereja. Com poder, mais jaca será. Será Lira na presidência da Câmara. Jaqueira. Para Bolsonaro, um investimento na blindagem contra impeachment e nas condições para o exercício fiscal do populismo financiador daquilo em que somente pensa: a reeleição.
Atenção. Não é que Bolsonaro de súbito se tenha convertido ao Centrão — ele comeu naquelas bordas por três décadas. É produto daquela engenharia com fim em si mesmo. Nem que o Centrão de repente vá transformado em bolsonarista — a lógica de funcionamento do varejo legislativo sempre encontrou campo de expansão favorável associada ao motor autocrático. Havendo bilhões, um alimenta o outro.
Será, pois, Lira no comando da Câmara: fiando o jorro de dinheiros para enfrentar a pandemia que Bolsonaro — criador de dificuldades para colher oportunidades eleitorais — faz prolongar. Grandes reformas? Antes seria necessário o governo apresentá-las. E depois — em vez de jogar aqueles fatias requentadas de tributária e administrativa no Parlamento — trabalhar por elas. Não creio. Creio na nova CPMF, porque alguém terá de pagar a conta.
A ideia otimista de que o governo doravante não terá mais desculpas para não aprovar as reformas é ingênua. Tem como pressuposto a mentira de que Maia as impedia. A verdade é que Bolsonaro e seus sócios jamais diminuirão a fartura da teta em que se alimentam; no caso do presidente, há 30 anos, para a edificação de bem-sucedida empresa familiar. Privatizar? Isso corresponderia a diminuir o volume de leite condensado com que chupadores como Bolsonaro e Lira incham a pança.
Como escrevo aqui há meses: o auxílio emergencial voltará — e no improviso. Tem sido assim. O governo nada faz, a miséria se aguça, o Congresso reage — pressionado pela inação calculada de Bolsonaro —, e o presidente ganha um cartaz para chamar de seu. O Parlamento se mexe; o Planalto colhe os louros. Isso é perfeitamente alinhado aos interesses do Centrão; um parceiro que não se incomoda — desde que mamando — em ancorar um programa de reeleição fiscalmente irresponsável que, uma vez alcançado, tende a se desdobrar na volta dos avanços golpistas.
Para além de garantir proteção e guarida a seu populismo, Bolsonaro — o maior empenhador de emendas parlamentares da história — patrocinou a ascensão de Lira de modo a interditar, plantando desconfiança, qualquer movimento desde o centro para desafiá-lo em 2022. Por exemplo: a eleição na Câmara indica — com o abraço provinciano de ACM Neto — ser mais fácil o DEM compor com Bolsonaro do que numa chapa de oposição. O presidente engajou o que o Tesouro não tem para desarticular o pouco que havia de centro, petrificar o tabuleiro e ter como adversária — numa nova peleja entre rejeições — a esquerda figurada em Lula ou em seu cavalo da vez.
Uma eleição que reproduza “ele não” para cada lado. É o paraíso para Bolsonaro, convencido de que eleitores que lhe deram o voto em 2018 — mesmo os que ora rejeitam seu governo — repetirão a escolha se ante a possibilidade de o PT voltar ao poder.
Demétrio Magnoli: Moro, o ‘nada jurídico’
Rosangela Moro, advogada do marido, acionou o STF pedindo a Fachin a revogação da liminar de Lewandowski que dá à defesa de Lula acesso às mensagens trocadas entre Sergio Moro e os procuradores da força-tarefa de Curitiba. A reclamação ilumina o desprezo do Partido da Lava-Jato pela verdade factual e, ainda, pela verdade jurídica.
A peça da advogada repete as duas alegações básicas do ex-juiz e dos procuradores: 1) “Não há prova da autenticidade das mensagens”; 2) As mensagens “não provam fraude na condenação ou suspeição do juiz”.
A primeira afirmação é uma tentativa de circundar, por um artifício jurídico, a questão da verdade factual. Temendo cometer perjúrio, os acusados não declaram que as mensagens são falsas — mas referem-se a elas como se fossem diálogos entre terceiros desconhecidos sobre os quais nada sabem.
A segunda afirmação, se verdadeira, tornaria a primeira desnecessária. Afinal, se os diálogos não contêm ilegalidades, por que não admitir sua autenticidade? Contudo, como as trocas de mensagens evidenciam graves violações da lei, a advogada tira da cartola um terceiro coelho manco e solicita a eliminação processual delas: seriam um “nada jurídico”, devido aos meios ilegais utilizados na sua obtenção.
Nos diálogos, Moro oferece orientações aos procuradores sobre fontes, os instrui sobre possíveis provas e combina com eles a sequência de operações policiais. São evidências abundantes de conluio entre o Estado-julgador e o Estado-acusador. A gangue de Curitiba suprimiu do processo legal o juiz imparcial.
A verdade jurídica não é idêntica à verdade factual, pois a segunda só se torna a primeira quando percorre a estrada do devido processo. Sorte de Moro e de seus comparsas: a verdade factual expressa nas trocas de mensagens seria suficiente para condená-los por subversão do processo legal, se não tivesse vindo à luz pelo túnel da ilegalidade. Tal circunstância não implica, porém, a completa invalidação jurídica dos diálogos criminosos.
A jurisprudência não admite o uso de provas obtidas ilegalmente para condenar alguém, mas permite utilizá-las para sustentar a presunção de inocência. Lula pode até ser factualmente culpado — mas, na vigência do estado de direito, não é possível condená-lo ao arrepio do devido processo. É dever do STF anular as sentenças condenatórias do líder petista tingidas pela mão de gato de Moro.
Moro enxerga a lei como fonte de privilégios e discriminações. No pacote anticrime que formulou quando ministro de Bolsonaro, introduziu o “excludente de ilicitude”, mecanismo destinado a impedir a punição de crimes cometidos por policiais. Na reclamação ao STF, sua advogada alega que as trocas de mensagens “não provam inocência” de Lula, como se cidadãos acusados tivessem o ônus de provar ausência de culpa.
“Nada jurídico” — o qualificativo não serve para invalidar os diálogos que repousam no STF, mas define à perfeição os processos conduzidos pelo Partido da Lava-Jato. As mensagens expõem acertos entre o juiz e os procuradores para plantar notícias na imprensa e financiar a divulgação de propostas legislativas, além da ambição de reformar o sistema político-partidário. Nada jurídico, tudo político: a gangue manipulava suas prerrogativas de agentes da lei para deflagrar um projeto de poder centrado na figura de Moro.
A demanda da advogada ao STF pretende soterrar tanto a verdade factual quanto a jurídica. A guerra contra a verdade tem a dupla finalidade de evitar a desmoralização jurídica da gangue e de conservar os resíduos de um projeto político envenenado pela associação de Moro com Bolsonaro.
Na hora da morte da força-tarefa, o Partido da Lava-Jato conta com três fiéis militantes no STF. Mesmo assim, diante do grito das evidências, a manutenção integral das condenações tornou-se um sonho improvável. Circula, por isso, a ideia criativa de preservar, ao menos, o legado da interdição de candidatura de Lula. “In Fux We Trust”: o compromisso imoral concluiria, melancolicamente, a trajetória de juízes que confundem a lei com suas próprias convicções políticas.
Luiz Carlos Mendonça de Barros: O novo espaço de Paulo Guedes
As novas condições políticas do Brasil serão uma restrição muito forte à liberdade do ministro
Uma pergunta domina hoje coração e mente dos principais agentes econômicos no Brasil: qual será a agenda do ministro Paulo Guedes depois do cavalo de pau - para usar uma expressão dos primeiros anos do governo Lula - que o presidente Bolsonaro acaba de dar na política brasileira?
A nova relação com os partidos do chamado “Centrão” certamente garante uma maior tranquilidade política ao governo, mas implica a aceitação de uma agenda na economia diferente daquela com a qual Bolsonaro foi eleito presidente do Brasil. Praticamente calado durante todo o mês de janeiro - uma prova de sabedoria - em função da árdua disputa pelo controle das mesas diretoras da Câmara e do Senado, cabe a ele agora mostrar suas cartas para a definição de uma agenda econômica para 2021. A disputa eleitoral no Congresso, controlada com mão de ferro pelo Palácio do Planalto, produziu um forte rearranjo na política brasileira - o terceiro nestes dois anos de mandato do presidente Bolsonaro - e foi montado com o objetivo de preservá-lo politicamente até as eleições presidenciais de 2022 e depois, vencê-las.
E é em função deste cenário que o poderoso czar da economia brasileira na primeira metade do mandato presidencial terá que se posicionar. Não existe mais hoje o governo com uma pauta de ação política e administrativa confusa e sem maiores definições que saiu das urnas em 2018. Nele Paulo Guedes se sobressaiu com um discurso vigoroso, claro e articulado de reformas radicais no modelo econômico que prevaleceu nos últimos 10 anos no Brasil.
Seu objetivo era a construção de uma economia de mercado radicalmente liberal, tendo Roberto Campos - o simbólico ministro do primeiro governo militar - como seu inspirador.
Apesar do longo histórico político de Jair Bolsonaro se chocar com as ideias do então chamado Posto Ipiranga, houve um movimento eufórico no mercado financeiro e entre os grandes empresários, brasileiros ou não.
Embora as metas colocadas para serem executadas - R$ 1 trilhão de privatizações por exemplo - fossem ambiciosas demais para um governo sem nenhuma base política no Parlamento, milagres poderiam ocorrer, e os mercados apostaram nele.
Em março passado, esta euforia já estava desgastada quando recebeu um golpe mortal com a chegada da pandemia ao Brasil. A crise econômica que se instalou obrigou o ministro a adiar seu plano de voo e a recorrer aos velhos ensinamentos de Keynes, inimigo mortal de seu liberalismo e principal inspiração de governos anteriores. A antiga agenda foi deixada de lado e Paulo Guedes - e seu companheiro, o presidente do Banco Central Roberto Campos Neto - presidiram a implantação de um dos mais exitosos planos de enfrentamento da recessão da covid- 19 que aconteceram nas maiores economias de mercado do mundo.
Os dados, que estão disponíveis hoje, confirmam esta minha leitura quando comparados com os dos Estados Unidos e vários países da Comunidade Europeia. Um exemplo claro do êxito das medidas tomadas pela equipe econômica é a recuperação da indústria brasileira que chegou ao fim do ano com sua produção agregada acima do nível do ano de 2019.
Mas este êxito teve um custo fiscal pesado - mais de 10% do PIB - e colocou as contas fiscais e a dívida pública brasileira em uma zona de perigo dentro do protocolo do liberalismo econômico dominante nas elites brasileiras. A reação natural do ministro seria a de promover em 2021 reduções vigorosas no chamado gasto público e acelerar as reformas estruturais que consolidem um equilíbrio fiscal mais sólido para o futuro. Mas as novas condições políticas do Brasil de hoje vão representar uma restrição muito forte à liberdade de ação do ministro.
Do lado do presidente, empenhado que está na campanha de sua reeleição em 2022, não existe mais o mandato que detinha no primeiro ano de governo, como já foi ressaltado acima. Naquela época, com as eleições muito adiante ainda, as suas divagações sobre as maravilhas de uma economia liderada pelas forças de mercado serviam inclusive ao objetivo de diferenciar o governo eleito de seus inimigos históricos da esquerda e centro-esquerda.
Muito ajudou este estado quase eufórico a presença de Rodrigo Maia na presidência da Camara de Deputados com sua origem política e seus valores sinceramente liberais. Tudo apontava na direção de uma parceria histórica com chances de vencer o ranço estatizante de grande parte do Congresso e caminhar na direção de uma economia mais eficiente. Mas esta parceria não existe mais e as primeiras declarações públicas dos novos comandantes do parlamento apontam no sentido contrário.
Me impressionou muito o “body language” do presidente do Senado e do ministro Paulo Guedes em uma rápida entrevista coletiva na noite da última quinta-feira e que deixou claro duas coisas para mim: a primeira é a autoconfiança do senador por Minas Gerais, Rodrigo Pacheco, que preside o Senado, em expor suas ideias em relação à economia. Em segundo lugar, a postura compreensiva do poderoso ministro da Economia que mostrou com clareza - pelo menos para mim - que já entendeu o novo equilíbrio de forças entre Executivo e Legislativo que se seguiu ao cavalo de pau do presidente Bolsonaro.
Um novo desenho ainda não conhecido da agenda econômica em 2021 estará sendo gerado nas próximas semanas deste embate entre o Congresso e o ministro Paulo Guedes, mas com certeza será bem diferente do que os mercados previam.
*Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.
Sergio Lamucci: Os obstáculos para a retomada da economia
Vacinação lenta, fim do auxílio emergencial, desemprego e inflação atrapalham retomada mais forte da economia
A economia brasileira começou 2021 sem o auxílio emergencial e com a vacinação em ritmo lento, o desemprego elevado e a inflação ainda pressionada. É um cenário que aponta para uma atividade fraca no primeiro trimestre, com provável queda do PIB em relação ao trimestre anterior. O auxílio, porém, deverá voltar, ainda que num valor mais baixo e por um período não muito extenso. A vacinação, por sua vez, vai avançar e, a depender do ritmo das imunizações, tende a permitir restrições menores à mobilidade, favorecendo o claudicante setor de serviços.
Nesse cenário, a economia pode voltar a ganhar algum fôlego daqui a alguns meses. Alguns fatores importantes, porém, jogam contra a retomada, como um mercado de trabalho fraco e pressões inflacionárias decorrentes principalmente da combinação de commodities em alta e do câmbio desvalorizado. Incertezas em relação à sustentabilidade das contas públicas enfraquecem a moeda brasileira, ao mesmo tempo em que mantêm os juros futuros em níveis elevados. Isso leva a uma piora das condições financeiras, prejudicando a recuperação.
O retorno do auxílio emergencial parece inevitável. O próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, que se opunha à medida, falou na volta do benefício na quinta-feira. Segundo ele, o novo auxílio será voltado para metade do público-alvo da sua primeira versão - em alguns meses, chegou a quase 68 milhões de pessoas. O valor será menor que os R$ 600 que vigoraram de abril a agosto de 2020 - e, na visão da equipe econômica, também inferior aos R$ 300 do período de setembro a dezembro, além de um prazo curto, de três meses. No Congresso, as pressões devem ser um por um benefício maior e por um período menor.
Com a piora da pandemia e a vacinação lenta, a volta do auxílio é necessária para evitar uma perda de renda muito acentuada. O desafio é aliar o retorno do benefício - além de eventuais novos gastos com saúde - a um compromisso com a trajetória sustentável para as contas públicas. Na quinta-feira, Guedes atrelou a volta do auxílio a “um ambiente fiscal robusto”, indicando que ela poderia ocorrer num quadro em que o Congresso acionasse o estado de emergência ou de calamidade pública.
Com uma média de mais de mil mortos por dia, um cenário de excepcionalidade se justifica, e parece improvável que o retorno do auxílio ocorra dentro dos limites do teto de gastos. O estado de calamidade permitiria gastos acima do teto, assim como a abertura de créditos extraordinários. O Citi Brasil avalia que, dado o espaço limitado para corte de despesas discricionárias (como o custeio da máquina e investimentos), os gastos públicos devem superar o teto em 1% do PIB neste ano.
No entanto, isso precisa ser feito com cautela, para evitar pressões adicionais sobre o câmbio e sobre os juros futuros. O ideal é adotar ao mesmo tempo medidas que enfrentem o crescimento das despesas obrigatórias. Versões mais robustas da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Emergencial e da reforma administrativa ajudariam nesse sentido, ao combater a expansão dos gastos de pessoal. A questão é que o presidente Jair Bolsonaro resiste a bancar esse tipo de medida, e é difícil acreditar na disposição dos novos presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), de levar o Congresso nessa direção, que afeta os interesses do funcionalismo. De qualquer modo, é possível encontrar uma saída para financiar o auxílio emergencial e mais gastos com saúde sem que isso signifique o abandono do compromisso com a sustentabilidade fiscal.
Isso é fundamental para tirar pressão do câmbio, que segue volátil e desvalorizado. Um modelo dos pesquisadores Livio Ribeiro e Samuel Pessôa, do Instituto Brasileiro da Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), decompõe a variação do câmbio, considerando fatores externos (preços de commodities, o comportamento do dólar no cenário global e a taxa de dez anos dos títulos do Tesouro americano), a diferença de juros externos e internos e fatores locais (levando em conta o risco-país, mas expurgando a influência de fatores globais). Pelos cálculos de Ribeiro, a alta de 9% do dólar de 10 de dezembro do ano passado ao fim de janeiro deste ano, quando a moeda passou de R$ 5,02 a R$ 5,47, se deveu quase toda a fatores domésticos. Em texto para o Blog do Ibre, Ribeiro diz que o real “opera descolado do comportamento de seus pares desde o evento da covid, com reconciliações incompletas e pontuais (principalmente em relação ao comportamento das moedas emergentes)”. Segundo ele, há algo específico que “nos atrapalha” e, desde novembro, fica evidente que esse fator negativo é de responsabilidade do país. “O real tem operado sob fogo amigo e, enquanto isso não for resolvido, continuaremos não aproveitando bons ventos globais em sua totalidade. Ainda pior, quando os ventos inverterem, não estaremos bem posicionados para enfrentá-los”, afirma Ribeiro.
No texto, o pesquisador do Ibre/FGV não aponta quais motivos domésticos seriam responsáveis por pressionar o câmbio - pelo modelo, os fatores domésticos são o “resíduo” não explicado pelos fatores externos e pela diferença de juros. As incertezas fiscais, em especial, ajudam a entender as pressões sobre o real, assim como possíveis dúvidas quanto ao ritmo de crescimento do país, devido à piora da pandemia e a vacinação lenta.
Num ambiente de alta dos preços das commodities, o câmbio desvalorizado é um fator que preocupa, por elevar a inflação. Em janeiro, o Índice de Commodities do Banco Central, medido em reais, subiu 10,6%, a maior alta desde maio de 2020, como lembra o Bradesco. Com isso, avalia o banco, a inflação não deve dar alívio no curto prazo. “Se por um lado o aumento das cotações internacionais de produtos básicos, favorecido pela demanda chinesa aquecida, tende a continuar favorecendo as exportações brasileiras, por outro, tais cotações, quando mensuradas em reais, aumentam os desafios na condução da política monetária”, afirma o Bradesco, em relatório.
O BC já indicou que deverá elevar os juros em breve. A persistência da combinação de commodities em alta expressiva e câmbio mais depreciado pode levar a instituição a aumentar a Selic mais do que se antecipa hoje. Isso tenderia a colocar em risco uma recuperação que já é frágil. Além da volta do auxílio e de uma vacinação mais rápida, evitar pressões exageradas sobre o câmbio é importante para garantir a retomada da economia, num país que desde 2014 tem enormes dificuldades para crescer.
Bruno Carazza: Realidades paralelas
O longo caminho da agenda de Bolsonaro
Imagine-se em 2022. No auge da campanha, o candidato à reeleição é questionado sobre seus feitos durante o mandato. A pandemia atrapalhou muito os seus planos, mas com a vacinação já avançada, o pior havia ficado para trás. E o mais importante: a economia voltara a crescer.
Além disso, graças à sua parceria com os presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, uma ampla agenda de projetos havia sido aprovada, deixando o país pronto para decolar nos próximos quatro anos.
Aguardada por décadas, a reforma tributária iniciou um processo de simplificação gradual de impostos federais, estaduais e municipais, reduzindo bastante a burocracia. A aliança com o Centrão venceu a resistência das corporações de servidores públicos e, com o novo pacto federativo e a reforma administrativa, seria possível começar a colocar as contas em ordem.
Tantas vezes questionado, Paulo Guedes deu a volta por cima com os novos marcos regulatórios para os setores de petróleo, gás natural, energia elétrica, ferrovias e navegação. Um novo ciclo de crescimento, liderado pelo investimento privado, estava prestes a começar - e a privatização da Eletrobras, anunciada para os próximos meses, não deixava nenhuma dúvida quanto a isso.
Depois que os principais países do mundo controlaram a covid, em meados de 2021, um incrível “boom” de commodities impulsionou a mineração e o agronegócio brasileiros. Com a simplificação do licenciamento ambiental, a regularização fundiária na Amazônia e a autorização para a extração mineral em terras indígenas, as exportações brasileiras bateram novo recorde. A entrada de dólares no país foi beneficiada pelas novas regras no mercado de câmbio e o novo Banco Central independente.
Mas não era só na economia que o presidente tinha resultados a entregar aos seus eleitores. No campo da segurança pública, as forças policiais agora tinham melhores condições de combater o crime com a exclusão de ilicitude nas operações para Garantia de Lei e Ordem. Os agentes públicos puderam se proteger melhor depois que cada um ganhou autorização para adquirir até dez armas de fogo. Cidadãos de bem, associados aos clubes de colecionadores, atiradores e caçadores, também foram beneficiados com uma legislação mais permissiva para a compra de armamento e munição.
Depois de indicar um ministro terrivelmente evangélico para o Supremo Tribunal Federal, Bolsonaro e a ministra Damares Alves anunciaram a abertura das inscrições para o “homeschooling” em 2023. Contra as críticas de que a medida poderia aumentar o número de crianças abusadas sexualmente, eles citaram as novas leis que aumentaram as penas e tornaram hediondos os crimes sexuais contra menores e a pedofilia.
Entre a intenção e a realidade há uma enorme distância: 513 deputados, 81 senadores e dezenas de votações em comissões e no plenário das duas casas legislativas. Soma-se a isso a resistência da opinião pública e de grupos com interesses divergentes influenciando o jogo.
O anúncio da agenda prioritária do governo servirá de métrica para indicar se o novo casamento de Bolsonaro com o Centrão renderá ganhos eleitorais no ano que vem.
Há frutos fáceis de serem colhidos. Na área econômica, a autonomia do Banco Central, os limites mais restritos para o teto remuneratório no serviço público e a nova lei do gás natural já passaram pelo Senado e estão prontos para serem votados na Câmara. Trilhando o caminho inverso, as novas normas para a navegação de cabotagem e para o gás natural aguardam serem pautadas no plenário do Senado, para daí irem à sanção presidencial.
O pacote fiscal de Paulo Guedes, porém, mal começou a tramitar. O trio das PECs emergencial, do novo pacto federativo e dos fundos públicos ainda aguardam parecer do relator - e a reforma administrativa nem relator tem. Para virarem realidade, precisam ser aprovadas em dois turnos por pelo menos 308 deputados e 49 senadores. Até lá ainda haverá audiências públicas, debates em comissões, manobras para adiamento de votação. Enfim, “it’s a long and winding road”.
Pior é o caso da reforma tributária, para a qual não há acordo sobre qual modelo deve prosperar: se o da Câmara (PEC nº 45/2019), do Senado (PEC nº 110/2019) ou a alternativa ainda incompleta de Paulo Guedes (PL nº 3.887/2020). Como diz o velho ditado: nenhum vento é favorável quando não se sabe para onde ir.
Na questão ambiental, tanto a regularização fundiária quanto a mineração em terras indígenas ainda não começaram a andar, embora a proposta sobre licenciamento esteja avançada na Câmara. Todas elas, contudo, enfrentarão forte resistência não só de ambientalistas, mas de países comprometidos com o clima - agora reforçados pelos Estados Unidos, com Joe Biden na Presidência.
Por fim, na pauta de segurança pública e costumes, com a exceção do PL nº 3.723/2019, que facilita a aquisição de armas por policiais e já foi aprovado na Câmara, as demais proposições ainda estão em estágio inicial de análise.
É bem verdade que existe um repertório imenso de possibilidades para se pular etapas e se dispensar exigências do processo legislativo. Tudo depende de uma sintonia fina entre o Palácio do Planalto, os presidentes da Câmara e do Senado e os líderes dos partidos. A vitória de Lira e Pacheco foi um importante passo; porém, como num casamento, Bolsonaro terá que cultivar a relação com o Centrão dia a dia.
Também é importante não ter ilusões. Ainda que as PECs sejam aprovadas, os investimentos não inundarão o país imediatamente, pois em geral se exige regulamentação e, sobretudo, estabilidade política e econômica. Aliás, se a PEC emergencial passar, o presidente terá coragem de cortar despesas mesmo em ano eleitoral?
Se os resultados econômicos podem demorar a chegar, mais armas nas ruas e menos rigor com o meio ambiente, por sua vez, têm efeitos imediatos. E eles, infelizmente, são irreversíveis.
*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”.
Catarina Rochamonte: A alta nata do que não presta
Bolsonaro não só abraçou o centrão como se tornou seu chefe
O mau conceito do centrão —ajuntamento fisiológico mais descarado da política brasileira, com vários dirigentes envolvidos em corrupção— é quase unanimidade, e, por isso, falar mal dele rende votos. Na campanha de 2018, o candidato Jair Bolsonaro referiu-se a esse agrupamento político como "a alta nata de tudo o que não presta no Brasil" e disse que "essa forma de governar" (o "toma lá dá cá", o loteamento dos órgão públicos) "é que levou o Brasil a essa ineficiência e a essa corrupção não encontrada em nenhum lugar do mundo".
No mesmo ano, em convenção nacional do PSL, o general Augusto Heleno parodiou um samba, substituindo a palavra "ladrão" e cantarolando para a plateia: "se gritar pega centrão, não fica um meu irmão...".
Águas passadas e samba velho. Agora, o centrão foi promovido pelo governo ao centro das decisões da República. Bolsonaro não só o abraçou: tornou-se seu chefe, tendo agido com despudor no caso da disputa pela Presidência da Câmara, quando, com verbas bilionárias e oferta de cargos, comprou a eleição de Arthur Lira, um réu por corrupção.
Logo em seguida, veio outra vitória da acomodação de interesses ou do acordão da impunidade: a extinção da Lava Jato (decidida pelo PGR indicado sob encomenda para atingir esse fim). Bolsonaro entregou aos novos presidentes da Câmara e do Senado uma lista de prioridades que não contempla nada da agenda anticorrupção. Nenhuma menção à PEC da prisão em segunda instância (que, segundo o líder do governo na Câmara, foi criada "só para prender o Lula e tirá-lo da eleição").
A "nata do que não presta" está eufórica: varou a madrugada da vitória de Lira comemorando na mansão de um empresário denunciado pelo MPF e réu por fraude tributária. Convivas aglomerados esbaldaram-se em atitude indecorosa pela ostentação e despropósito em um contexto no qual a pandemia já ceifou mais de 230 mil vidas. Muitas das quais poderiam ter sido salvas não fosse a incúria das autoridades.
Celso Rocha de Barros: Bolsonaro vence em Brasília, perde no Brasil
Resta saber se o presidente e seus aliados têm outros projetos em comum além de fugir de impeachment, cassação e cadeia
Na semana passada, políticos que deveriam ser presos por seus crimes durante a pandemia e políticos que deveriam ser presos por corrupção livraram uns aos outros de impeachment, cassação e cadeia.
Na segunda-feira (1º), Bolsonaro elegeu Arthur Lira (PP-AL) para a presidência da Câmara. Com isso, caiu a probabilidade de impeachment. O impeachment seria o começo da responsabilização do presidente da República pelos crimes que cometeu durante a pandemia. O passo seguinte seria sua prisão. Isso teria sido a lei sendo aplicada, as instituições funcionando.
Mas a frente ampla contra o bolsonarismo, representada pela candidatura de Baleia Rossi (MDB-SP), levou uma surra. Houve traições à esquerda, mas ficou claro que Rossi perdeu porque a centro-direita desertou. Doria conseguiu evitar um espetáculo mais vergonhoso no PSDB, mas o DEM, o partido do próprio Rodrigo Maia, vendeu-se para o Planalto na frente de todo mundo.
Na prática, o DEM dissolveu-se no “arenão”, como o jornalista José Roberto de Toledo gosta de chamar o centrão. Na época da ditadura, dizia-se que a Arena era “a filha da UDN que caiu na zona”. Na última segunda-feira, o cafetão que levou o DEM de volta para a zona foi Jair Bolsonaro. O DEM aceitou de Bolsonaro as verbas e os cargos que o PFL, seu antecessor, não aceitou da ditadura no colégio eleitoral em 1985.
Mas não é só dinheiro que segura Bolsonaro no cargo. Na eleição da Câmara, Bolsonaro contava com a popularidade da grande realização de seu governo: o acordão que melou a Lava Jato. Em um eleitorado de 500 deputados em que predomina o arenão, matar a Lava Jato vale como uma mistura do que o Plano Real, o Bolsa Família, crescimento chinês por 20 anos e a realização das promessas daqueles emails “enlarge your penis” juntos valeriam para o público em geral.
Poucos dias depois da eleição na Câmara, Bolsonaro ofereceu o que havia sobrado da Lava Jato como sobremesa para Brasília. O procurador-geral da República de Bolsonaro dissolveu a força-tarefa de Curitiba. A força-tarefa da Lava Jato de São Paulo, é bom lembrar, já tinha renunciado coletivamente em protesto pela intervenção do mesmo procurador-geral, sempre a mando de Bolsonaro.
Não, companheiro, a Lava Jato não foi extinta porque sacaneou o Lula. Nem o Bolsonaro nem ninguém na direita parou e pensou, “pô, realmente, sacaneamos o Lula, terrível esse escândalo da Vaza Jato, vamos reestabelecer os ritos jurídicos apropriados”. As denúncias da Vaza Jato são mesmo gravíssimas, Lula foi mesmo sacaneado, mas a Lava Jato acabou porque era a hora de prender a direita.
Vários analistas viram no engajamento de Bolsonaro na eleição da Câmara um sinal de moderação, de aceitação das regras do jogo. Não há nenhum gesto de Bolsonaro que justifique essa hipótese.
Nas duas pautas que mais exigem governança racional —economia e combate à pandemia— Rodrigo Maia nunca colocou qualquer obstáculo para Bolsonaro, muito pelo contrário. Se o presidente topou gastar tanto para eleger Lira, é porque suas pautas são outras.
No momento em que perde popularidade no Brasil, Bolsonaro venceu em Brasília. Resta saber se o presidente e seus novos aliados parlamentares têm outros projetos em comum além de fugir de impeachment, cassação e cadeia.
Almir Pazzianotto Pinto: Golpe de Estado
É necessária e urgente a mobilização nacional em defesa do Estado Democrático de Direito
Golpe de Estado é o ato de violência praticado por governante ou seu opositor contra governo eleito de conformidade com as normas constitucionais, para manter ou tomar o poder. Ler a respeito o livro Técnica do Golpe de Estado, de Curzio Malaparte (1898-1957), sobre o assalto ao poder na Rússia, pelos bolchevistas, em 1917.
O verbete golpe de estado no Dicionário de Política de Bobbio, Matteucci e Pasquino (Ed. UnB, Brasília, DF, 1994) contém análise assinada por Carlo Barbi, do qual transcrevo o seguinte trecho: “Tomando como objeto de pesquisa os anos recentes, achamo-nos frente a uma verdadeira proliferação de golpes, embora com características bem diferentes. Na verdade, no início dos anos 70, mais da metade dos países do mundo tinha governos saídos de golpes de Estado e o golpe de Estado, por conseguinte, tornou-se mais habitual como método de sucessão governamental do que as eleições e a sucessão monárquica. Mas os atores do golpe de Estado mudaram. Na maioria dos casos, quem toma o poder político por golpe de Estado são os titulares de um dos setores-chave da burocracia estatal: os chefes militares” (vol. 1, pág. 545).
Em 1930 não houve golpe de Estado, mas revolução articulada pela Aliança Liberal, liderada por Getúlio Vargas. O objetivo era depor o presidente Washington Luís e impedir a posse de Júlio Prestes, presidente do Estado de São Paulo no período 1927-1930, eleito presidente da República pelo Partido Republicano Paulista (PRP) nas eleições de 1.º de outubro de 1930.
Vargas assumiu o governo provisório, em 10 de novembro, com o objetivo de permanecer. Protelou enquanto lhe foi possível a convocação da Assembleia Constituinte, medida tomada por decreto em abril de 1933. Promulgada a Constituição em 16 de julho de 1934, elegeu-se presidente pelo Congresso Nacional, para encerrar o mandato em 3 de maio de 1938.
Em 10 de novembro de 1937 deu o golpe que o pôs na chefia do Estado Novo. Permaneceu até 29 de outubro de 1945, quando foi deposto pelos mesmos militares que o apoiaram na implantação da ditadura. A Carta de 1937, redigida por Francisco Campos, justificava o golpe como resposta às “legítimas aspirações do povo brasileiro à paz política e social, profundamente perturbada por conhecidos fatores de desordem, resultantes da crescente agravação dos dissídios partidários”. E atribuía a responsabilidade “ao estado de apreensão criado no País pela infiltração comunista”.
As gerações de hoje pouco sabem sobre o Estado Novo. Alguma coisa, porém, devem conhecer a respeito do regime militar instalado em 31 de março de 1964. O preâmbulo do ato institucional baixado em 9 de abril pelo Comando Supremo da Revolução, integrado pelos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, advertia estar o País diante de revolução vitoriosa, que “se distingue de outros movimentos armados pelo fato de que nela se traduz não o interesse e a vontade de um grupo, mas o interesse e a vontade da Nação. A Revolução vitoriosa se investe no exercício do Poder Constituinte (...). Essa é a forma mais expressiva e mais radical do Poder Constituinte”.
Durante 20 anos o País viveu sob regime de exceção. Para presidir a República era requisito ser general de Exército. As feridas abertas, de ambos os lados, estão mal cicatrizadas. A volta à democracia, com a eleição de Tancredo Neves em 1985 e a promulgação da Constituição de 5 de outubro de 1988 não nos garantem contra eventual golpe de Estado. A ameaça do fechamento do Supremo Tribunal Federal por um cabo e dois soldados, o clima de belicosidade com governadores, o negacionismo imbecil, a infame guerra à vacina, a hostilidade contra o Butantan, a militarização do governo, a proposta de criação do generalato nas Polícias Militares, a aversão à liberdade de imprensa, o estimulo à idolatria, o ataque ao voto eletrônico, a declaração “quem decide se um povo vai viver na democracia ou na ditadura são as Forças Armadas” são reveladores de que alguém está à procura de pretexto para a ruptura da ordem institucional.
A mobilização nacional em defesa do Estado de Direito Democrático é necessária e urgente. Os partidos estão debilitados. As oposições, divididas. É difícil identificar alguém, entre os possíveis candidatos, capaz de galvanizar a opinião pública. A pandemia afeta a economia, provoca o fechamento de empresas, agrava o desemprego e a miséria.
Revela a História que cenário como esse poderá propiciar o aparecimento de demagogo com pretensões a salvador. Assim aconteceu na Alemanha após a 1.ª Grande Guerra, dando ensejo à tomada do poder por Adolf Hitler, e na Itália, por Benito Mussolini. A derrota do Exército russo em 1917 diante dos alemães abriu as portas à ditadura do Partido Comunista. Lenin tomou o poder à força de discursos, como mostra John Reed no livro Dez Dias que Abalaram o Mundo.
A democracia é planta frágil entre os subdesenvolvidos. A indisposição à disputa democrática e a dificuldade para se reeleger poderão espicaçar a ambição sem limites de Jair Bolsonaro. Avisto no horizonte sinais de fumaça.
*Advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho