celso rocha de barros

Celso Rocha de Barros: Bolsonaro merece ser preso

Durante a pandemia, presidente tentou autogolpe e aparelhar a Polícia Federal

A edição da revista piauí deste mês traz uma matéria, assinada por Monica Gugliano, com o título “Vou Intervir!”. Ela conta a história de uma reunião de 22 de maio, no Palácio do Planalto, em que Bolsonaro teria decidido mandar tropas para fechar o STF.

O plano seria substituir os 11 ministros por 11 puxa-sacos de Bolsonaro, por tempo indeterminado. Uma quartelada vagabunda raiz, nada dessas sutilezas de lenta corrosão democrática “Steven Levitsky” de que eu vivo falando aqui. O presidente teria sido dissuadido pelo general Heleno, que, para apaziguá-lo, soltou uma nota ameaçando o STF.

A princípio, o governo poderia ter desmentido a matéria, que é baseada em depoimentos concedidos off the record. Nessa situação, cabe ao leitor decidir se confia na reputação da revista —que, no caso da piauí, é impecável.

Entretanto, entre os bolsonaristas a desconfiança com relação à imprensa é generalizada. Se o governo quisesse desmentir a matéria, poderia tê-lo feito e considerado o assunto encerrado dentro da bolha que o elegeu.

Não desmentiu.

Houve quem interpretasse que o conteúdo da reunião vazou por interesse do governo, para avisar que o golpismo ainda está vivo. Se for, foi desnecessário: era só mandar o pessoal ler minha coluna, sempre digo isso.

Houve quem suspeitasse que o general Heleno vazou para parecer moderado. Houve ainda uma suspeita de que o governo teria vazado o conteúdo da reunião de propósito, para depois desmoralizar a imprensa com um desmentido (uma gravação, por exemplo). É triste viver em um país em que essa suspeita não é absurda.

De qualquer forma, a revelação da piauí não teve repercussão política nenhuma. E a explicação é simples: em geral, só se admite em voz alta aquilo de cujas consequências práticas se está disposto a arcar.

Muito antes da matéria da piauí, todo mundo já tinha visto Bolsonaro tentar o autogolpe em 2020. Mas, se você disser em voz alta que Bolsonaro tentou um autogolpe, a solução é impeachment e cadeia. Se você não puder e/ou não quiser fazer impeachment e cadeia, é mais fácil não dizer em voz alta que Bolsonaro tentou um autogolpe.

Ainda não parece haver correlação de forças para impeachment e cadeia: o centrão está no bolso do governo, o auxílio emergencial ainda deve durar alguns meses. Enquanto for assim, a turma vai fingir que não viu o golpe, os 100 mil mortos, o aparelhamento na Polícia Federal.

Talvez essa correlação de forças não mude nunca. Nesse caso, a fraqueza natural humana fará com que muita gente racionalize que não foi tão ruim assim, “olha só como ele era democrata, até comprou o Roberto Jefferson, todos nós aqui sempre dissemos que isso era a marca do democrata, ninguém aqui nunca reclamou de quem comprava o Roberto Jefferson”.

Eu, aqui, não vou racionalizar isso, não.

O dia de trabalho de Bolsonaro durante a pandemia de 2020 se dividiu entre organizar um golpe de manhã, aparelhar a Polícia Federal de tarde e demitir o ministro da Saúde no telejornal da noite.

Se esses crimes ficarem impunes, prefiro viver com o incômodo dessa injustiça e esperar a maré virar. Se não virar, levo o incômodo comigo até o fim. Não tenho como fazer acontecer, mas deixo registrado para os leitores do futuro: em 2020, nós sabíamos que Bolsonaro merecia ser preso. Todos nós sabíamos.

*Celso Rocha de Barros, servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra)


Celso Rocha de Barros: Mendonça e Aras são cabo e soldado de Bolsonaro em novo ataque à democracia

Ministro da Justiça produziu dossiê contra 'antifascistas' e procurador-geral da República faz guerra contra Lava Jato

O ministro da Justiça, André Mendonça, e o procurador-geral da República, Augusto Aras, são o cabo e o soldado de pés chatos que Bolsonaro usa em seu novo ataque à democracia brasileira.

Mendonça, que virou ministro da Justiça quando Moro deixou o cargo, vem se destacando na perseguição contra adversários do governo.

Produziu um dossiê contra “antifascistas” que incluía dois acadêmicos respeitados, Paulo Sérgio Pinheiro e Luiz Eduardo Soares, bem como policiais de esquerda, que poderiam vir a ser um obstáculo ao aparelhamento das polícias.

Aras, por sua vez, faz guerra contra a força-tarefa da Lava Jato e tenta centralizar os instrumentos de investigação para usá-los no interesse do golpismo. Enquanto Mendonça briga para prender antifascistas honestos, Aras briga para manter fascistas corruptos em liberdade.

A guerra bolsonarista contra a Lava Jato vem produzindo cenas curiosas. Na semana passada, por exemplo, o bolsonarista Alexandre Garcia usou as revelações da Vaza Jato para criticar a turma de Curitiba.

Quando o Intercept Brasil publicou as denúncias, Garcia estava entre os que atacaram os jornalistas. Pesquise o artigo “Estranhas Coincidências”, publicado em 30 de julho de 2019, em que Garcia repete a mesma lista de mentiras que os bolsonaristas lançavam na época contra Glenn Greenwald e sua família.

Na esquerda, que perdeu uma, e talvez duas Presidências da República no auge do lavajatismo, há gente comemorando a guerra de Aras contra Curitiba. Pode ser compreensível, mas é um erro.

Ninguém ficaria surpreso se, enquanto tenta desmontar a Lava Jato, Aras requentasse uma delação contra Lula para acalmar os bolsonaristas que ainda mentem que se preocupam com corrupção.

Na direita tradicional também tem gente querendo ver no desmonte da Lava Jato uma espécie de acomodação de Bolsonaro com o centrão, o que, por um raciocínio meio tortuoso, poderia ser visto como aceitação da política institucional.

A política brasileira vem sendo isso, um esforço para que um sujeito que causou cem mil mortes aceite ser menos golpista se a gente ajudá-lo com uns problemas que ele tem com a polícia.

E mesmo isso me parece otimismo demais. Não acho que o acordão vai parar o golpismo.

Bolsonaro ficou com raiva da polícia e do Judiciário porque eles pegaram Queiroz e atrapalharam seu autogolpe. Quando Judiciário e polícia tiverem sido aparelhados, Bolsonaro voltará à carga.

Talvez por isso MDB e DEM tenham saído do bloco parlamentar do centrão semana passada. A manobra parece ter sido pensada para enfraquecer Bolsonaro na eleição para a presidência da Câmara. Se for isso, MDB e DEM estão certíssimos.

Não se pode entregar o controle da presidência da Câmara, que com Rodrigo Maia foi um dos pontos de resistência ao autoritarismo, a quem se tenha vendido a Bolsonaro.

Da mesma forma, o leilão da vaga no STF para quem fizer a maior oferta de golpismo tem que acabar. É preciso ficar claro que o Senado não aprovará o vencedor da disputa.

De qualquer forma, cabo Mendonça e soldado Aras são bem mais fáceis de combater do que os cabos e soldados com quem Bolsonaro ameaçava o Brasil um mês atrás. Mas são um sinal importante para quem acreditava que Bolsonaro havia se tornado mais moderado nesse mês que ficou em casa apanhando de ema.

*Celso Rocha de Barros, servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).


Celso Rocha de Barros: Bolsonaro já precificou a sua morte, leitor, e conta que ainda dá para ganhar a eleição

Para que o presidente atinja o objetivo, é preciso que os sobreviventes não sintam empatia com as vítimas

O Brasil deve chegar a 100 mil mortos na pandemia nas próximas semanas. É duas vezes o número estimado de brasileiros mortos na Guerra do Paraguai. Mas Bolsonaro aposta que genocídio não custa voto.

Se morrer 1 milhão de pessoas, e seus, digamos, dez parentes e amigos próximos se revoltarem contra Bolsonaro, ainda não é gente suficiente para colocar um candidato presidencial no segundo turno. Como notou o cientista político Christian Lynch, os que morreram não vão votar.

Se você adoecer e morrer, Bolsonaro perderá seu voto, mas nenhum adversário de Bolsonaro tampouco o terá. Bolsonaro já precificou a sua morte, leitor, e conta que ainda dá para ganhar eleição sem os votos de sua viúva e de seus órfãos.

Para que isso seja verdade, algumas condições precisam ser satisfeitas.

Em primeiro lugar, é preciso que os sobreviventes não sintam qualquer empatia com as vítimas. Aqui a tradição joga a favor de Bolsonaro: o Brasil, de fato, não tem qualquer tradição de empatia com pobre morto.

E Bolsonaro mente para o público que os que morreram já eram velhos, já eram doentes, já iam morrer, mesmo, não é o caso de chorar. Além disso, se você convencer o público de que só esses que morreram corriam riscos, é menos provável que as pessoas façam a pergunta que funda a empatia, “E se fosse eu?”.

Daí em diante é contar com a dificuldade humana para lidar com contrafactuais, com cenários do que teria acontecido com o Brasil se Bolsonaro não fosse o pior presidente do mundo. Fazer esse raciocínio nunca é fácil. Mas é bem mais difícil se você não conhece os fatos.

Bolsonaro tenta manter seus seguidores fiéis “protegidos” da ciência e da imprensa profissional. Para isso, tenta lhes despertar a sensação de que são os malandros que ninguém engana, os que tomaram a pílula vermelha do Matrix, que descobriram a verdade, que não serão iludidos pelo que diz a “mídia esquerdista” ou os “cientistas comprados pela China”. Não tem estelionato que dê certo se você não conseguir que o otário sinta que quem está sendo malandro é ele.

Se você está na bolha bolsonarista, você não sabe que na Argentina, onde fizeram o isolamento, morreram em todos esses meses menos do que morrem no Brasil em três dias de pandemia.

Você não sabe que na Nova Zelândia, que também fez o isolamento, não há mais casos de Covid-19, e a vida voltou ao normal.

Você não sabe que o governo Bolsonaro só gastou 11% dos recursos destinados a combater a epidemia (governos estaduais receberam 39% do prometido, municípios receberam 36% do prometido).

Sem a comparação com outros países, é mais difícil ter noção de que o longo platô de mortos —um número estável e alto de mortos por dia durante meses— vai atrasar mais a recuperação econômica do que qualquer quarentena que Bolsonaro não tivesse sabotado. Ninguém no mundo resolveu a economia antes de resolver a pandemia. Nós não resolvemos a pandemia.

Ainda é cedo para dizer se matar 100 mil pessoas custa votos no Brasil. Nos Estados Unidos, a reeleição de Donald Trump parece seriamente ameaçada. Aqui o clima anda mais para acordão. Sabe como é, você anistia 500 assassinatos, passa uns anos, os caras aparecem querendo que anistie mais 100 mil.

*Celso Rocha de Barros é servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).


Celso Rocha de Barros: Bolsonaro perdeu a Lava Jato

Sem imagem de cruzada moral, governo passará a ser julgado como os outros

A saída de Sergio Moro do Ministério da Justiça alterou o equilíbrio político estabelecido pela eleição de 2018. Bolsonarismo e lavajatismo aproximaram-se na campanha de 2018, com consequências trágicas para o Brasil. Romperam na última sexta-feira (24). Não foi pacífico.

Em seu discurso de demissão, Sergio Moro começou lembrando que sob os governos petistas a Polícia Federal tinha mais autonomia que sob Bolsonaro. Doeu porque é verdade, Jair. Moro fez denúncias muito graves. Horas depois, o Jornal Nacional mostrou a conversa de WhatsApp em que Bolsonaro pediu a Moro a demissão do diretor da PF porque deputados bolsonaristas estavam sendo investigados. Na mesma semana em que Bolsonaro rompeu com Sergio Moro, aproximou-se de notórios acusados de corrupção como Valdemar Costa Neto, Roberto Jefferson e Arthur Lira.

Agora vamos descobrir se o autoritarismo de Bolsonaro consegue se promover sem parasitar a indignação criada pelas revelações da Lava Jato.

O discurso de guerra às instituições só foi viável em 2018 porque havia uma percepção generalizada de que o sistema era corrupto. Blindado pela facada e por toda uma vida dedicada à irrelevância, Bolsonaro conseguiu se tornar a tela em branco onde todas as fantasias moralizadoras foram projetadas.

Foi um senhor feito; não o subestimem. Mas era tudo mentira. Bolsonaro nunca teve qualquer atuação no combate à corrupção, e a nova aliança com Jefferson e Costa Neto é uma volta para casa.

Da mesma forma, o entusiasmo bolsonarista sempre foi alimentado por notícias falsas e crimes cometidos em redes virtuais, mas a raiva que ali se manipulava tinha um substrato real: os escândalos de corrupção revelados em Curitiba. Agora vamos descobrir se a máquina de crime virtual funciona tão bem jogando sem, ou contra, essa indignação preexistente.

Não há dúvida de que a Lava Jato também cometeu abusos, como ficou claro após as revelações da Vaza Jato. Essa disposição messiânica para passar por cima das regras, manifesta sobretudo no julgamento de Lula, certamente ajudou na aproximação com o bolsonarismo. Mas hoje está claro que Bolsonaro nunca se interessou pelo combate à corrupção, e que, da Lava Jato, Bolsonaro só gostava dos abusos.

Sem a imagem de cruzada moral, o governo Bolsonaro passará a ser julgado como os outros governos, por seus resultados. Como andam os resultados, Jair? Pois é.

Encurralado, Bolsonaro também pode tentar dobrar a aposta autoritária. É bem possível, mas, repito: teria que fazê-lo sem o entusiasmo antissistema que a Lava Jato lhe emprestava.

No momento, o governo tenta se reorganizar com militares e centrão. É cedo para dizer se funciona, mas noto que os militares não morreriam para evitar um governo Mourão. E o centrão não morre por ninguém.

Enquanto isso, tentam vender a tese do “Moro traidor”. O bolsonarista Alexandre Garcia postou que “a facada do Adélio foi pela frente”. A referência é oportuna, porque o bolsonarismo corre o sério risco de voltar aos níveis de popularidade pré-facada. Se acontecer, Bolsonaro pode cair. Se resolverem não derrubar, lembrem-se: isso tudo ele fez, durante a pandemia, porque achou que sobreviveu bem à queda de Mandetta. Imagine o que vai fazer se sobreviver à queda de Moro?

*Celso Rocha de Barros, Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).


Celso Rocha de Barros: O presidente mandou o Brasil morrer

É até difícil interpretar o que Bolsonaro tinha em mente quando foi à TV

Parecia que tinha dado certo. Na segunda-feira passada, Bolsonaro deu sinais de que passaria a apoiar o esforço dos governadores contra a pandemia. Houve alguma liberação de recursos, que não foi grande, mas foi um bom começo. Parecia que alguém tinha conseguido convencer o presidente da gravidade da situação.

Mas é o Jair.

Na terça-feira, o presidente da República foi à TV para matar gente. Voltou a dizer que a Covid-19 era só uma “gripezinha” e mandou a população voltar às ruas. Mentiu como sempre e como nunca. Mandou para a morte o grande número de idosos que ainda acredita nele. Nos dias seguintes, obrigou o ministro da Saúde, que vinha fazendo um bom trabalho, a se tornar cúmplice de seus crimes, para que nunca pudesse denunciá-los. Mandetta voltou atrás no pronunciamento de sábado, mas não se sabe o tamanho do dano que já tinha sido feito. Muita gente voltou às ruas.

A essa altura, é até difícil interpretar o que o presidente tinha em mente quando foi à TV para matar gente. Talvez tenha sido só sociopatia: talvez ele simplesmente não compreenda que a vida dos outros mereça consideração. Talvez tenha se inspirado em Trump, que vem discursando a favor da volta ao trabalho —sem data marcada, após estudos, e com a manutenção do isolamento por enquanto. Note-se que até o ideólogo Steve Bannon defende um isolamento forte que permita uma saída rápida da crise. Talvez os brasileiros morram porque o presidente da República assiste a vídeos ainda mais toscos que os de Bannon no YouTube.

Mas também é possível que Jair tenha tentando um golpe de jiu-jitsu muito além de sua faixa. Pode ter criticado o isolamento enquanto torce para que ele dê certo. Se der, o número de casos será pequeno e Bolsonaro poderá mentir que o risco nunca foi tudo isso, não precisava ter sacrificado a economia, ele bem que avisou.

Se é isso que Bolsonaro tem em mente, está jogando errado, porque todo dia ele diminui as chances de o isolamento dar certo. Seus adeptos convocam carreatas. O governador de Santa Catarina, do ex-partido de Bolsonaro, vai encerrar o isolamento. Ao contrário do governo Trump, Bolsonaro mal começou a gastar dinheiro para combater a crise, e sem dinheiro as pessoas vão acabar tendo mesmo que arriscar a vida indo trabalhar.

Daí em diante, cada novo cadáver vai para a conta do Jair. E tem que ir mesmo. Foi ele quem matou essas pessoas na terça-feira, 24 de março de 2020, quando foi à TV para matar gente.

Resta ao Brasil apoiar quem está do seu lado: os governadores e prefeitos que promovem o isolamento enquanto novos leitos são criados, mais material médico é comprado e a economia é reorganizada para sobreviver à crise. O Congresso, que aprovou a renda mínima de R$ 600 (não, não foi o Jair). A imprensa brasileira, que vive um grande momento. E, sobretudo, nossos cientistas e profissionais que estão na linha de frente e são nossa maior esperança.

Faça a lista de quem já foi atacado por Bolsonaro: são os que estão salvando vidas brasileiras. Torça para que eles tenham sucesso, Jair, dê-lhes todo o dinheiro que você tem. Não deveríamos estar falando de manobras políticas em uma hora dessas. Se você nos obrigar a falar, falaremos com raiva, e, desta vez, todos juntos.

*Celso Rocha de Barros, servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).


Comunismo e social-democracia têm ponto em comum? Veja Jornada da Cidadania

Curso de formação política, realizado pela FAP por meio de plataforma EAD, chega à metade de sua programação

Cleomar Almeida, assessor de comunicação e imprensa da FAP

Apesar de serem vistas como distintas, as correntes comunismo e social-democracia têm uma trajetória histórica em comum. A explicação está na sétima aula multimídia da Jornada da Cidadania, que marca a metade do primeiro módulo do curso de formação política realizado pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira) e oferecido à população por meio de uma plataforma de educação a distância totalmente online, interativa e com acesso gratuito.

O curso é coordenado pelo professor Marco Aurélio Marrafon e teve início no dia 12 de fevereiro, com novo pacote de aulas multimídia a cada semana. O acesso às aulas da Jornada da Cidadania é restrito a alunos matriculados, por meio de login e senha. A sétima videoaula do curso é do professor Caetano Araújo, doutor em sociologia e diretor executivo da FAP. Ele reforça que, embora hoje pareçam muito diferentes, comunismo e social-democracia têm uma trajetória histórica em comum.

“Ambas as correntes tentam dar uma boa resposta a duas questões que apareceram com o surgimento das sociedades capitalistas nos séculos XVIII e XIX. “Com essa grande mudança, houve o surgimento de um novo tipo de organização econômica e social e aconteceram várias coisas, como Revolução Industrial, urbanização em grande escala e outros problemas ao longo dos anos”, afirma. “O conjunto de novas questões levantou duas grandes demandas, uma por racionalidade e outra por justiça social”, assevera.

Na nova videoaula da Jornada da Cidadania, Araújo faz uma profunda análise, mesmo que de forma ágil, sobre os reflexos dessas questões no mundo de hoje, como manifestações que reivindicam justiça social. Hoje, são vistas por meio de panelaços ou twittaço, por exemplo. Além disso, o doutor em sociologia mostra a importância da democracia na sociedade atual.

Miniaulas da Jornada da Cidadania
O pacote de conteúdo da sétima aula também explica o que fazer para ter credibilidade na política. O Assunto é abordado pelo deputado federal Da Vitória (Cidadania-ES). Já o publicitário Moriael Paiva, especialista em marketing político e com mais de 20 anos de experiência em campanhas políticas, dá detalhes de como usar o whatsapp para potencializar as ações nesse meio. “Ninguém tem dúvida de que esta campanha vai acontecer mais no celular”, afirma ele, referindo-se à disputa eleitoral de 2020.

Ainda sobre eleições, o comunicólogo Sergio Denicoli, pós-doutor em comunicação pela Universidade do Minho (Portugal), explica a análise de sentimentos nas redes sociais. “Hoje a tecnologia permite que analisemos mais de 30 sentimentos expressados por internautas através dos textos que escrevem nas redes sociais”, ressalta, acrescentando que os resultados são usados em campanhas eleitorais.

O novo pacote de aula do curso Jornada da Cidadania também oferece aos alunos o filme Reds (1981), baseado na vida de John Reed, um jornalista e escritor norte-americano que retratou a Revolução Russa em seu livro “Dez Dias que Abalaram o Mundo”. Para seguir na aula, os alunos também terão de ouvir uma conversa do podcast Politiquês sobre a teoria marxista. O assunto é abordado por Celso Rocha de Barros, doutor em sociologia pela Universidade de Oxford, e Eduardo Wolf, doutor em filosofia pela USP (Universidade de São Paulo).

Os textos Socialismo, Democracia, Esquerda Democrática, cujo autor é Caetano Araújo, e Socialismo e depois, de Anthony Giddens, também estão disponíveis na plataforma EAD para leitura dos alunos. Em seguida, a aula deverá ser concluída com a avaliação e respostas à pesquisa de satisfação.

Didática do curso
No total, o curso tem 36 horas de duração, distribuídas ao longo de 14 semanas. De acordo com o coordenador, o objetivo é formar e capacitar cidadãos acerca de conteúdos relevantes à política, além de fornecer bases fundamentais para possíveis candidatos que pretendem disputar as eleições municipais deste ano.

O conteúdo programático da Jornada da Cidadania está dividido em cinco pilares: ética e integridade na ação política; comunicação eficaz; fundamentos de teoria política e democracia; comunicação eficaz e casos de sucesso. Sempre às quartas-feiras, a plataforma disponibiliza novo pacote de aula multimídia. Dessa forma, o aluno pode se organizar ao longo da semana para aproveitar todos os conteúdos de cada aula.

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Celso Rocha de Barros: O golpismo tem que custar caro

Bolsonaro convocou um golpe de Estado; não aconteceu nada com ele

O presidente da República convocou seus seguidores para uma manifestação contra os outros dois Poderes da República. Em um dos cartazes do evento, fotos dos generais do governo aparecem sobre a legenda “os militares estão esperando o chamado do povo”. Outro cartaz mostra o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), sendo cozinhado como um porco. Há mais de um cartaz pedindo um novo AI-5.

O deputado federal bolsonarista Daniel Silveira (PSL), do Rio de Janeiro, disse que era melhor o Congresso obedecer aos militares (“os homens dos botões dourados”), ou eles eliminariam os comunistas utilizando métodos “menos ortodoxos do que o politicamente correto”.

Todo o núcleo bolsonarista no Parlamento trabalha pela passeata, assim como ministros do governo e a secretária da Cultura, Regina Duarte. Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) disse que, se jogarem uma bomba no Congresso, ninguém sentirá falta.

Imaginem um cartaz que dissesse “Congresso, STF, cobrem impostos dos ricos ou nossos generais vermelhos, inspirados no glorioso Marechal Zhukov, os esmagarão como esmagaram os nazistas que hoje adubam Stalingrado”. Sobre o texto, as fotos de Heleno, Villas Bôas e Mourão photoshoppados com uniformes soviéticos, talvez com um Lamarca promovido a general ali no meio para dar aquela provocada.

As Forças Armadas ficariam em silêncio se um governo de esquerda usasse essa imagem para convocar uma manifestação contra o Congresso e o STF? Suspeito que não.

Mas os extremistas no governo são de direita. Por isso, nos contentamos em dizer que a democracia venceu toda vez que ainda não tiver sido essa semana que teve golpe de estado.

É bom lembrar, o golpe não está sendo chamado para resolver qualquer impasse institucional, muito pelo contrário. Como já disse aqui, só o Congresso trabalha pela aprovação das reformas de Guedes. Trabalha enquanto os bolsonaristas se empolgam com motim de PM.

Houve reação. As principais lideranças políticas de esquerda e da direita não-fascista protestaram, toda a mídia protestou. Meu xará no STF disse o que tinha que ser dito, e as associações dos procuradores da República e dos procuradores do Trabalho soltaram uma nota importante.

Mas que preço concreto Jair Bolsonaro pagou por ter cometido esse atentado contra a democracia? Nenhum. Nada. Zero.

Não foi aberto processo de impeachment, ninguém foi cassado, ninguém foi preso. Nenhum ministro golpista caiu. Rodrigo Maia reiterou seu compromisso com a aprovação das reformas. Se se elas gerarem bons resultados econômicos, Bolsonaro vai dizer que o Congresso só trabalhou sob ameaça de golpe.

As Forças Armadas não vieram a público deixar claro que se opõem ao golpe e que, aliás, se Bolsonaro tentá-lo, quem cai é ele.

As instituições brasileiras parecem querer ensinar democracia para Bolsonaro pelo método Paulo Freire, fixando alguns limites e tentando conduzi-lo à consciência democrática por sua própria reflexão.

Tenho a impressão de que, no caso dos bolsonaristas, o próprio Freire diria que tem que apertar os moleques ou eles vão se encher de crack e tacar fogo na escola.

Se o golpismo não começar a custar caro, ele vai até o fim.

*Celso Rocha de Barros, Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).


Celso Rocha de Barros: A Lava Jato tem coragem de defender a democracia que lhes deu tudo?

Se junho de 2013 ocorresse sob Bolsonaro, o presidente decretaria GLO com excludente de ilicitude

Como chegamos ao ponto de termos no governo do Brasil gente degenerada capaz de lançar contra Patrícia Campos Mello a campanha mais suja que o poder público já promoveu contra a imprensa livre em nossa história democrática?

Por incrível que pareça, a origem disso está em nossa aspiração por ética na política. Os bolsonaristas se sentem no direito de ofender e destruir porque se acham herdeiros de uma onda de indignação legítima que começa nas manifestações de 2013 e culmina na Lava Jato.

Se os membros da força-tarefa da Lava Jato não querem entrar para a história como percursores da degeneração final da democracia e da decência, devem desfazer o mal-entendido. Supondo que seja um mal-entendido.

Senhores, sem a democracia os senhores não seriam nada.

Foi a democracia que fortaleceu o Ministério Público e os mecanismos de controle na Constituição de 88, e os senhores sabem disso. Duvido que entre os modelos que inspiraram os senhores durante sua formação não estivesse gente que combateu a ditadura. Todos os senhores teriam terminado nas mãos de Brilhante Ustra se tivessem tentado fiscalizar o regime militar.

Bolsonaro é inimigo de sangue da democracia, inimigo de ódio ancestral.

Sem a imprensa livre os senhores teriam perdido desde a primeira batalha. O texto célebre de Sergio Moro sobre a operação Mãos Limpas deixa claro que não há como sustentar uma operação dessas sem apoio da imprensa. A imprensa brasileira fez tudo, tudo o que os senhores quiseram. Fez até demais.

Agora que Bolsonaro tenta estrangular a imprensa com o uso seletivo de verbas publicitárias e campanhas de ódio, os senhores se calam? A propósito, Bolsonaro está atacando com especial covardia jornalistas que sempre defenderam a Lava Jato, acusando-os de sempre terem sido petistas, de terem protegido o PT. Os senhores sabem que Bolsonaro mente. Calam-se?

Lamento, mas não há “centro” entre a imprensa livre e o esquema de difamação da família Bolsonaro. O governo de extrema-direita está fechando a janela de transparência em que os senhores viveram seu momento de glória. Não há nenhum bem que a operação tenha produzido que não possa ser facilmente revertido pelo bolsonarismo, que dos senhores só gosta dos erros.

Foi graças às manifestações de junho de 2013 que a lei das delações premiadas foi promulgada pelo governo do PT. As manifestações evitaram que fosse aprovada a PEC 37, que tirava poderes do Ministério Público. Durante os protestos, os manifestantes ocuparam a Praça dos Três Poderes e subiram no teto do Congresso. Sem junho de 2013, não teria havido Lava Jato.

Se junho de 2013 ocorresse sob o governo Bolsonaro, o presidente decretaria GLO com excludente de ilicitude, Paulo Guedes defenderia um novo AI-5, e a garotada na praça dos Três Poderes seria atropelada pelo jipe com o soldado e o cabo de Eduardo Bolsonaro.

Diante de tudo isso os senhores vão se calar, procuradores? No quadro de rápida deterioração em que estamos, um pronunciamento conjunto dos senhores criticando de maneira contundente os ataques de Bolsonaro à democracia poderia fazer diferença.

Resta saber se os senhores têm a coragem, ou o interesse, em defender a democracia que lhes deu tudo que os senhores têm.

*Celso Rocha de Barros, servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).


Celso Rocha de Barros: Nascido como 'zuero', radicalismo de Bolsonaro chega à censura

Estratégia importada finge ironia enquanto promove extremismo

No começo eram perfis de internet pró-Bolsonaro com nomes como "Bolsonaro zuero" e "Bolsonaro opressor". A ideia era que o radicalismo bolsonarista era "zuero", uma piada politicamente incorreta para, como dizem os trumpistas, "own the libs", sacanear a esquerda. A apologia a Brilhante Ustra não era fascismo, diziam, era provocação de um espírito "contrarian".

Termos como "opressor" passaram a ser usados como autodescrições que empoderavam os direitistas porque os libertavam da "ditadura do politicamente correto", a única ditadura de que os bolsonaristas não gostam, certamente por ser imaginária.

Essa estratégia nasceu na direita radical americana, e sua importação para o Brasil sempre foi problemática. A direita brasileira acusava a esquerda de ser um bando de perigosos guerrilheiros das Farcs colombianas. Como dizer isso e, ao mesmo tempo, dizer que a esquerda era também um bando de "snowflakes" cirandeiros preocupados com seus "safe spaces", como a direita americana chama seus adversários de esquerda na universidade? Uma das poucas críticas que não se podia fazer aos stalinistas, afinal, é que eles fossem excessivamente sensíveis e respeitadores das diferenças.

Mas nos dois casos houve uma tentativa de constituir o conservadorismo como contracultura, de dar à defesa dos valores tradicionais o charme da contestação de esquerda dos anos sessenta. O historiador Gabriel Trigueiro já notou repetidas vezes em seus artigos que a nova direita se apresenta como revolucionária. Me assusta que alguém acredite que os ricos e os militares eram oprimidos pelo coitado do gay lá da ONG, mas, enfim.

Começou com "Bolsonaro opressor" irônico e terminou com Bolsonaro opressor literal, com o clima político em que o Porta dos Fundos sofre atentado terrorista, o governo brasileiro não condena o ato, e um desembargador se vê no direito de censurar os humoristas. Não era "zuera".

Essa estratégia de fingir ironia enquanto se promove extremismo também é importada. Segundo matéria da revista norte-americana The Atlantic de dezembro de 2017, o extremista Andrew Anglin, que mantinha o site neonazista The Daily Stormer, descrevia sua abordagem como "nazismo não irônico mascarado de nazismo irônico". Há uma versão dessa estratégia na esquerda radical que é dizer "Stalin matou foi pouco" como piada.

Note que não é o debate sobre "limites do humor". Se o cara quiser assumir "opressor" como rótulo para provocar nas redes sociais, eu acho idiota, mas vá em frente, filho, não sou sua mãe. Só não dê o passo seguinte apoiando o fascismo de verdade na disputa pelo poder de verdade. No momento, o autor do perfil "Bolsonaro Zuero" é assessor do Palácio do Planalto, acusado de fazer parte do chamado "gabinete do ódio".

O debate é sobre tratar a política nos termos do humor, como fez o bolsonarismo da internet, para terminar censurando humoristas. Tentar tratar a política na lógica do humor, ou da religião, ou da filosofia marxista da história, sempre dá errado. Sempre termina com a política no comando, porque a política nunca perde jogo em casa. No fim de todos esses exercícios, só o que costuma cair são os poucos limites que a civilidade havia conseguido impor ao exercício do poder.

*Celso Rocha de Barros, servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).


Celso Rocha de Barros: A queda de Corbyn

Brexit pode ser terrível para o Reino Unido, mas é espetacular como forma de vencer os trabalhistas

O Partido Trabalhista britânico teve na semana passada sua maior derrota eleitoral desde 1935. O conservador Boris Johnson passou a ter maioria na Câmara dos Comuns para tocar o brexit como achar melhor, dentro dos termos impostos pela Europa.

Os tories venceram em distritos que eram trabalhistas desde a Segunda Guerra Mundial, como as áreas industriais do norte da Inglaterra. Poucas décadas atrás, essas regiões estavam conflagradas contra Margaret Thatcher.

Nos meios de esquerda, a discussão passou a ser quanto do desastre pode ser atribuído à virada à esquerda liderada pelo líder trabalhista Jeremy Corbyn nos últimos anos.

Essa seria uma hora para o centro-esquerdista aqui marcar pontos, mas sugiro cautela.

Corbyn tinha propostas radicais de nacionalização e elevação do gasto público; várias dessas propostas, inclusive algumas com as quais não concordo, são populares. Mas o líder trabalhista também tem uma bagagem pessoal pesada, que inclui gestos a favor de membros do IRA e de um clérigo muçulmano acusado de antissemitismo (Raed Salah). Em uma eleição sobre identidade britânica, nada disso ajudou.

Corbyn tornou-se muito menos popular do que os líderes de oposição britânicos recentes.

Corbyn era fraco, radical demais e tem que deixar a liderança. Mas o problema principal não foi esse. As cartas que Corbyn tinha na mão eram muito ruins. O brexit pode ser terrível para o Reino Unido, mas é espetacular como forma de vencer os trabalhistas.

Na última convenção trabalhista, grande parte da militância queria adotar uma posição fortemente antibrexit. Mas os sindicatos, que fundaram e mantiveram o Labour por mais de cem anos, forçaram a adoção de uma posição complexa, que o eleitorado considerou vacilante.

A oscilação se explica facilmente. Os trabalhadores das antigas cidades industriais apoiaram o brexit. O motivo desse apoio é controverso: talvez identifiquem a União Europeia com a globalização que lhes tirou os empregos, talvez considerem importante reafirmar a solidariedade nacional em uma época de crise.

Qualquer que seja o motivo, a divergência com os jovens trabalhistas das grandes cidades é real. Nenhum líder, por melhor que fosse, teria uma solução fácil para essa divisão em sua base.

Alguns analistas acreditam que os tories podem manter seu novo eleitorado, com alterações na identidade do partido. Junto com Corbyn, o brexit também enterraria Thatcher e criaria um partido conservador nos costumes e mais intervencionista na economia.

Permaneço cético. Acho que Boris Johnson herdou o cobertor curto que era de Corbyn. Os tories agora vão ter que conciliar quem defende o brexit para tornar o Reino Unido mais “americano” com quem sonha com uma versão dos “good old days” que é, basicamente, a Europa dos anos 1950: industrial, social-democrata e com sindicatos fortes.

Se for possível, será uma tremenda obra de engenharia política. Mas pode ter sido só um estelionato. E, se fracassar, a esquerda britânica não estará mais limitada pelo Tratado de Maastricht, que impôs a moderação macroeconômica a governos de esquerda europeus por quase 30 anos.

De qualquer forma, como notou Laura Carvalho, o Brasil vai se isolando como único caso de populismo de direita economicamente liberal. Vejamos por quanto tempo.

*Celso Rocha de Barros, servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).


Celso Rocha de Barros: Luciano Huck também quer eleitores da centro-esquerda

PT precisa entender que, se não falar à centro-esquerda, vai ter quem fale

Tanto Luciano Huck quanto Joaquim Barbosa teriam vencido a eleição presidencial de 2018 se tivesse concorrido sem o outro na disputa.

Se tem algo que foi provado pela eleição de Bolsonaro é que o eleitorado queria um outsider, e, se valeu Bolsonaro, teria valido qualquer um. Barbosa e Huck eram incomparavelmente superiores a Bolsonaro.

Todo mundo é.

Aqui é bom contar uma parte da história de 2018 que é pelo menos tão importante quanto o antipetismo.

A rejeição ao PT foi importante no segundo turno, mas lembrem-se: Bolsonaro quase venceu no primeiro, quando havia uma ampla gama de candidatos disponíveis. Os analistas próximos ao PSDB precisam explicar por que Bolsonaro, e não Alckmin, Meirelles, Amoêdo ou Dias, se beneficiou do antipetismo.

O governo Temer foi uma tentativa de recomposição do sistema político diante dos ataques da Lava Jato. Toda a direita moderada apoiou isso. Para barrar os outsiders, os grandes partidos mudaram a regra de financiamento eleitoral, dificultando as pequenas candidaturas.

A centro-direita apostou tudo na hipótese de que 2018 seria uma eleição normal, em que estrutura partidária, dinheiro de campanha e tempo de TV seriam decisivos. Quando essa aposta se consolidou, a candidatura de Huck perdeu espaço.

Havia vozes dissidentes. O governador tucano do Espírito Santo, Paulo Hartung, dizia que Alckmin seria um ótimo presidente, mas não era o que o eleitorado de 2018 queria. Hartung foi um dos principais defensores da candidatura Huck. Tanto FHC quanto Arminio Fraga tiveram, em algum momento, entusiasmo pela ideia.

Hartung e os defensores de Huck perderam a disputa interna. É tentador comparar esse erro tucano com o erro petista de não acompanhar Haddad em direção ao centro no segundo turno.

Huck será candidato em 2022. Não sabemos se terá sucesso. Talvez o eleitorado queira algo muito diferente do que quis em 2018, quando o apresentador teria sido eleito. Talvez não.

Temos uma discussão em curso sobre a viabilidade de uma candidatura de centro. Há muito ruído nessa conversa, porque Bolsonaro voltou a desmoralizar o termo "direita", que havia sido reabilitado nos anos finais dos governos petistas.

João Doria, por exemplo, quer conquistar eleitores ao centro, mas busca sobretudo retomar o controle da direita pelos (comparativamente) moderados.

O perfil da candidatura de Huck deve ter várias semelhanças com o da candidatura Doria. Mas já é possível notar uma diferença: ao contrário do governador de São Paulo, que se elegeu em uma onda de antipetismo, Huck também quer eleitores da centro-esquerda.

Seus discursos sobre o combate à desigualdade e a importância de políticas sociais podem conquistar eleitores moderados do PT. Afinal, tem gente no partido que parece disposta a abdicar dos votos da centro-esquerda.

Seria bom se o eleitorado ex-tucano voltasse a se organizar sob a liderança de um moderado, mas confesso que meu interesse na candidatura Huck é outro: o PT precisa entender que, se ele não quiser falar à centro-esquerda, vai ter gente falando.

Pode ser Huck por um lado, ou o PSB pelo outro, pode ser Ciro, pode ser alguma outra coisa. Mas o espaço que venceu quatro eleições presidenciais seguidas não vai ficar vazio.

*Celso Rocha de Barros, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).


Celso Rocha de Barros: Bolsonaro representa facção das Forças Armadas que ganhou poder com a tortura

Jair Bolsonaro não representa o regime de 64. Representa sua dissidência extremista, que revoltou-se contra a abertura de Geisel. O ídolo de Bolsonaro não é o moderado Castelo Branco, que provavelmente gostaria mesmo de ter restaurado a democracia. Não é o Geisel, que matou gente, mas deu início à restauração. Não é nem, vejam só, o Médici.

O ídolo de Bolsonaro, o autor de seu livro de cabeceira (segundo ele mesmo disse no Roda Viva), a entidade a quem Bolsonaro consagrou o impeachment, é o torturador Brilhante Ustra. Com um santo protetor desses, não impressiona que Temer tenha dado o azar de receber o Joesley.

O culto a Ustra é lepra moral, mas não é só isso: é uma reivindicação de linhagem. Na convenção do PSL, Eduardo Bolsonaro comparou Ustra a Janaina Paschoal, possível candidata a vice na chapa de seu pai.

Janaina se disse chocada com a comparação, e ultra-bolsonaristas como Olavo de Carvalho pediram sua cabeça. O vice foi Mourão, que tem Ustra entre seus heróis. O discurso de Eduardo Bolsonaro foi um teste de lealdade.

Bolsonaro representa, enfim, a facção das Forças Armadas que ganhou poder quando a tortura se tornou parte importante do regime. Bolsonaro é o porão.

Leiam o Gaspari: os militares e policiais que controlavam do porão logo se tornaram bandidos comuns, que os generais temiam que instaurassem a baderna na hierarquia.
Aproveitaram-se do direito de atuar à margem da lei para ganhar dinheiro. Um célebre torturador se tornou um dos chefes do jogo do bicho no Rio de Janeiro. Outros se envolveram com esquadrões da morte, aquela turma que cobra dez para matar bandido e vinte para matar seu cunhado e mentir que ele era bandido.

Essa turma não queria voltar a ser guarda da esquina, não queria voltar a ser só capitão de Exército. Compraram briga contra a abertura de Geisel. Perderam.

Ainda houve, entretanto, tempo de Geisel reconhecer o velho inimigo de cara nova: em entrevista
ao CPDOC [Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea da FGV], disse que Bolsonaro era um “mau militar”.

Bolsonaro não é o anti-Lula. Bolsonaro é o anti-Geisel.

Como combater o porão? Aprendendo com quem de fato já o venceu.

No segundo turno de 1989, Ulysses Guimarães deixou claro que apoiaria Lula se recebesse um telefonema dos petistas. O telefonema não veio. Lula até hoje se arrepende disso, e afirma que foi um dos maiores erros de sua vida. Foi mesmo. Só por essa, Lula já mereceu perder.

Lembrem-se: Ulysses era muito mais conservador do que a turma que hoje posa de “centro” no Brasil. Lula em 1989 era muito, mas muito mais radical do que Haddad jamais será. Collor era uma ameaça incomparavelmente menor do que Bolsonaro à democracia.

Mas Ulysses tinha os instintos morais certos, e sabia do que devia sentir ódio e nojo.

Ulysses não era um idealista ingênuo. Se Lula vencesse, Ulysses jogaria para moderá-lo, e jogaria pesado.

Era uma raposa como poucas, não um desses Cunhazinhos one-hit wonders que só fazem sucesso por um ano.

Jogaria contra o radicalismo petista com Congresso, mídia, Judiciário, o que mais estivesse à mão.

Mas na hora em que foi preciso, Ulysses apoiou Lula. Não fugia de guerra. Desse, o porão tinha medo.

Esse, sim, é mito.

Daqui a uma semana, só haverá duas opções: votar como Ulysses, ou votar contra Ulysses.

*Celso Rocha de Barros é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).