celso ming
Celso Ming: PIB em boa recuperação
Fator positivo inesperado foi o aumento da poupança, o pedaço da renda não consumido, na participação do Produto Interno Bruto
Foi bom, vá lá… Não foi uma grande vitória, mas foi uma vitória, especialmente quando seu resultado é comparado com o que se esperava no início da crise. O avanço do Produto Interno Bruto (PIB) no terceiro trimestre do ano (sobre o anterior) foi de 7,7%, um pouco menor do que tinha sido cravado na expectativa dos analistas.
É um número que parece graúdo, mas não deve enganar. Foi medido sobre uma base anterior muito baixa e ainda não pode ser tomado como garantia de que haverá uma recuperação firme nos trimestres seguintes.
Baseou-se no consumo turbinado pelo auxílio emergencial que distribuiu mais de R$ 275 bilhões para 68 milhões de beneficiários. Não foi possível contar com o avanço da agropecuária, o setor campeão deste ano, porque o terceiro trimestre coincide com a entressafra. Fator positivo inesperado foi o aumento da poupança, o pedaço da renda não consumido, na participação do PIB. Deveu-se ao comportamento mais conservador do consumidor, que temeu por dias piores e entendeu que devesse guardar algum dinheiro para enfrentar dias ruins.
Para fugir da crítica de uma análise excessivamente focada pelo espelho retrovisor, convém avaliar o que vem pela frente. O fator mais positivo é a perspectiva de vacinação. O ritmo de distribuição da vacina no Brasil deverá ser inferior ao de muitos países avançados por conta da política negacionista e confusa sobre os efeitos da pandemia mantida até aqui pelo governo federal. Mas, já no primeiro trimestre do ano que vem, haverá progresso, com forte impacto sobre o setor produtivo e, também, sobre o consumo.
Outro fator positivo para a economia brasileira é a melhora da economia mundial. Além de providenciar vacinação em massa, os governos das grandes potências continuam empenhados em investimentos destinados a destravar a economia.
O novo governo Biden, nos Estados Unidos, anunciou um programa robusto de infraestrutura. E os grandes bancos centrais seguem com políticas monetárias (políticas de juros) frouxas para evitar restrições ao crédito.
Mas essa não é toda a história, pelos enormes riscos que estão logo aí, a começar pela desorganização das contas públicas. O governo federal continua sem planejamento claro sobre como resolvê-la. Esse é o principal fator que deverá impedir a distribuição de mais parcelas do auxílio emergencial. Também não está claro como o governo pretende tocar as reformas tributária e administrativa.
Essas omissões são fontes de incertezas que seguram os negócios, os investimentos e a criação de empregos, num cenário já minado por nada menos que 14,1 milhões de desempregados e pelo menos outros tantos de subempregados.
Resumo da ópera: a queda do PIB em todo este ano ultraproblemático pode ficar um pouco aquém dos 4,5% agora projetados.
E, para 2021, já há quase certeza de bom crescimento da renda nacional. Mas é preciso um pouco mais de quilometragem rodada para ter uma boa ideia de suas proporções.
Celso Ming: Guilherme Boulos e a nova esquerda
Candidato do PSOL à prefeitura de São Paulo parece ter-se dado conta da nova direção dos ventos, mas por enquanto é voz isolada
Já é um bom avanço entender que as esquerdas tradicionais perderam terreno nessas eleições e que seu espaço começa a ser ocupado por uma esquerda mais moderna e mais moderada, que tem como um dos seus líderes Guilherme Boulos, candidato a prefeito de São Paulo. Mas é preciso ir além. É preciso entender por que essa mudança está ocorrendo.
A esquerda que está sendo desidratada no Brasil é a que cresceu no sindicalismo tradicional, o que se baseava na defesa dos interesses do trabalhador da indústria de transformação. Batalhava por mais conquistas trabalhistas e pelo aumento dos salários dos que já desfrutavam de um contrato formal de trabalho, que ainda dava direito a outros benefícios, como plano de saúde, fundo de pensão e colônia de férias.
Essa esquerda e esse sindicalismo ajudaram a fortalecer a chamada elite do proletariado. Foram responsáveis também para que, em determinado período, ganhasse corpo certo acordo tácito pelo qual os trabalhadores da indústria de veículos obtivessem os melhores salários do mercado e a indústria pudesse repassar aumentos de custos para o preço dos seus produtos, sem ter sequer de divulgar balanços auditados.
Esse velho sindicalismo não se importa muito com o desempregado nem com a situação precária dos já aposentados e dos que logo chegariam a essa condição. Em grande número de casos, os dirigentes desses sindicatos se perpetuavam no poder e tiravam proveito próprio do bolão do imposto sindical arrecadado com contribuições compulsórias dos associados, mamata que felizmente acabou.
Esse sindicalismo está sofrendo de Alzheimer não porque a reforma trabalhista o tenha abatido – como muita gente pensa –, mas porque o momento é de enorme transformação na natureza do trabalho. A nova arrumação do sistema produtivo, a automação e o largo emprego de tecnologia de informação não estão dispensando apenas instalações, máquinas e áreas de almoxarifado; estão dispensando mão de obra.
Todos os dias a gente se depara com informações de que grandes empresas estão promovendo planos de demissão voluntária e fechamento irreversível de fábricas, como aconteceu com a Ford em São Bernardo do Campo. E isso vale, também, para a área de serviços, mais de 70% do PIB. Basta conferir o que está acontecendo nos bancos, no comércio varejista e até mesmo na construção civil, setores conhecidos até recentemente como grandes empregadores de pessoal.
Não se farão mais greves e grandes concentrações como se viam nos anos 1970 e 1980 no Estádio da Vila Euclides, em São Caetano e em Osasco, movimentos que desembocaram na criação do PT.
Hoje as coisas estão mudadas. As greves se tornaram ocasião para que o patrão eventualmente atrasado no processo de modernização de sua empresa tome consciência de que precisa intensificar a automação, o emprego de aplicativos, a escalada para o estágio da indústria 4.0 e para participação nas cadeias globais de produção e distribuição. A pandemia, por sua vez, mostrou-lhe como pode cortar os custos de seus escritórios, por meio do trabalho em home office. Portanto, o empresário está sendo empurrado para operar com menos funcionários.
A principal mudança na natureza do trabalho é a perda de importância relativa do emprego celetista e aumento da importância das atividades por conta própria (autônomas). Para o bem e para o mal, ficou mais difícil distinguir trabalho informal de trabalho autônomo, situação que começa a se tornar cada vez mais normal.
A esquerda convencional já vinha enfrentando rápido processo de esclerose. Na política, passou a disputar o poder, não como meio para defender mais adequadamente o interesse público, mas para disputar o poder pelo poder. O candidato do PT em São Paulo, Jilmar Tatto, não foi escolhido porque tinha a melhor plataforma em benefício do trabalhador paulistano, mas porque dominou a máquina do partido, por meio da qual arrancou sua indicação, que ninguém reverteu, mesmo depois que se viu que sua candidatura não tinha densidade eleitoral.
Boulos parece ter-se dado conta da nova direção dos ventos. Mas, por enquanto, é apenas voz isolada, acolhido em partido fraco. Corre o risco de ser engolido pela burocracia e pelo mesmismo, contra o qual diz lutar. Ou, pior, de ser engolfado pelo radicalismo. Mas já mostrou que as esquerdas têm novo caminho a percorrer.
Celso Ming: O rombo fiscal e o risco de hiperinflação
Paulo Guedes pode ter exagerado no risco de hiperinflação, mas ministro tem razão a respeito da deterioração das contas públicas do Brasil
O ministro da Economia, Paulo Guedes, pode ter carregado demais nas tintas, mas tem de ser levado a sério na sua advertência de terça-feira de que “o Brasil pode ir para a hiperinflação se não rolar a dívida pública satisfatoriamente”.
À primeira vista, parece fora de propósito falar em risco de hiperinflação quando a evolução do custo de vida nos primeiros dez meses deste ano não passa de 2,22%; quando já se tinha como favas contadas a reversão estrutural da inflação; e quando, apesar da atual recaída, que empurrou a inflação de outubro para 0,86%, o Banco Central mantém os juros básicos (Selic) estacionados nos 2,0% ao ano desde agosto deste ano.
No momento, uma hiperinflação não passa pelas telas dos radares. O próprio ministro tem dito que a recuperação da economia já começou e, com ela, espera aumento da arrecadação. Embora o IGP-M tenha disparado para 18,10% nestes dez primeiros meses e, por isso, tenha complicado o reajuste anual dos aluguéis, em consequência da cavalgada dos preços no atacado e da puxada nas cotações do dólar, a inflação continua sob controle. Como mostra o Boletim Focus, do Banco Central, o mercado continua esperando uma inflação em 2020 de 3,02%, portanto abaixo da meta (que é de 4,0%). E, para 2021, as projeções do mercado são de uma inflação de 3,11% (com meta de 3,75%).
Os próprios assessores do Ministério da Economia se viram na obrigação de negar que esse aviso devesse ser interpretado como “terrorismo fiscal”.
Mas o ministro tem razão quando adverte para a ameaça de que a forte deterioração das contas públicas e de aceleração da dívida pode arrastar rapidamente a economia para uma situação de dominância fiscal, aquela em que o Banco Central não poderá fazer nada para evitar a disparada das cotações do dólar e o avanço da inflação.
A frente fiscal só pode ser enfrentada eficazmente de duas maneiras: por meio de aprovação de um orçamento equilibrado e por meio de rápido andamento dos projetos de reforma administrativa e tributária. Sem isso, a falta de confiança tenderá a empurrar as cotações do dólar para a cumeeira e, a partir daí, será inevitável que a alta dos preços dos importados e dos demais produtos nacionais cotados em dólares (como combustíveis, derivados de soja, de milho e de trigo) seja repassada para os preços em reais.
E, no entanto, os políticos do Congresso se comportam como se a questão fiscal não fosse prioritária. A todo momento, deputados e senadores sugerem que nessa hora de calamidade não se pode ficar ouvindo demais os xiitas da contabilidade, que saúde não tem preço, que o governo precisa parar de sentar em cima do cofre e que “lá na frente, quando der, serão consertadas as contas públicas e a dívida”.
O presidente Bolsonaro não se mostra nem um pouco preocupado com o equilíbrio fiscal. Quer aprovar de uma vez o programa Renda Cidadã, destinado à população de baixa renda, sem ao menos incorporar a ele os inúmeros programas de subsídios e de renúncia tributária, para não “tirar dos pobres para dar aos paupérrimos”. Por essas e outras, a inflação preocupa, sim.
Celso Ming: Tamanho da vitória nos EUA importa
Impacto das eleições nos EUA não se restringirá à vitória de um dos dois candidatos, mas às proporções dessa vitória
A percepção que hoje prevalece, não só entre os administradores de empresas, mas também junto às classes médias dos EUA (e, portanto, no eleitor que agora vai escolher seu presidente) é a de que o ambiente de negócios está se estreitando e os empregos minguam. Os juros praticamente no campo negativo vêm destruindo também o futuro, na medida em que provocam o encolhimento do patrimônio dos fundos de pensão e das reservas familiares aplicadas no mercado financeiro.
O cidadão médio dos EUA parece ter dificuldade de entender que toda a economia mundial – não só a americana ou a de sua família – passa por enorme transformação. O mercado de trabalho não enfrenta apenas a concorrência do produto asiático, obtido com mão de obra mais barata. Reflete, também, a incorporação do trabalho feminino, que, em apenas três gerações, duplicou a concorrência com os homens por um mesmo posto de ocupação.
Há a revolução provocada pela tecnologia da informação, que, em praticamente todos os segmentos da economia, dispensa mão de obra ou tira importância de anos de estudo e de treinamento na obtenção de uma profissão que agora passa por sérias mutações. Além disso, há a revolução energética: o movimento irreversível em direção ao abandono dos combustíveis fósseis e de aumento da participação da energia limpa na matriz energética global, que muda os transportes, o uso do carro e a maneira de trabalhar.
Nessas horas de aflição e de baixa lucidez, procura-se mais um culpado do que uma solução. E o culpado da hora para o qual nestes últimos quatro anos o presidente Donald Trump apontou seu nervoso indicador foi a China. Com essa paisagem de fundo, o impacto das eleições nos EUA não se restringirá à vitória de um dos dois candidatos, mas às proporções dessa vitória. Isso não é válido apenas do ponto de vista político interno e externo, mas também do ponto de vista da condução da economia global.
Se o novo presidente arrebatar também maioria nas duas casas do Congresso, aumentará a capacidade de levar adiante seus projetos destinados a enfrentar a desarrumação provocada pelas transformações acima apontadas. Uma vitória por larga margem de Trump seguida com maior apoio dos representantes, encorajaria um reforço das decisões unilaterais, o acirramento dos conflitos comerciais e tecnológicos com a China, o aumento do protecionismo comercial, maior repulsa ao Acordo de Paris e maior rejeição de medidas de proteção ambiental.
Uma vitória expressiva do democrata Joe Biden, por sua vez, favoreceria a outra ponta da corda nesse cabo de guerra. Não se espera pelo desaparecimento dos conflitos com a China. Mas um governo Biden tenderia a assumir uma posição mais inteligente e mais estratégica em relação a Pequim. Provavelmente deixaria de hostilizar aliados históricos, como a União Europeia e o Japão; abandonaria políticas comerciais unilateralistas; e voltaria a fortalecer organismos multilaterais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC) e o Banco Mundial.
*CELSO MING É COMENTARISTA DE ECONOMIA
Celso Ming: A turbulência financeira e a nova onda da covid-19
Mercados foram tomados por onda de forte aversão ao risco sob cenário de incertezas
Nesta quarta-feira, os mercados financeiros foram invadidos por onda de forte aversão ao risco. É como se todos os bichos da floresta fugissem para suas tocas.
Veio abaixo até mesmo o mercado do ouro, multissecular porto seguro em meio a quaisquer turbulências. A onça-troy (equivalente a 31,1 gramas) chegou a cair 2,04% e fechou em baixa de 1,65%. O único ativo que continua inspirando segurança é o dólar.
Os gráficos apresentam quanto caíram algumas das principais bolsas de valores e qual foi, nesta quarta-feira, a trajetória do dólar em relação ao real, ao rand sul-africano, ao euro e ao iene.
O alarme foi disparado pelo novo toque de recolher (lockdown) parcial na Alemanha e na França, decretado para enfrentar a nova onda da covid-19. Por mais paradoxal que pareça, a principal diferença entre esta recaída e o início da pandemia ainda não está disponível. Trata-se da vacina. Mesmo as que estão em fase final de testes ainda precisarão de tempo para produção e para distribuição. Mas não estão mais no ponto zero, como em fevereiro e março, quando os pesquisadores ainda não conheciam o inimigo.
Por esse ponto de vista, contra essa aversão ao risco há um limitador importante. Chegada a vacina, não haverá mais necessidade de medidas drásticas, mas, nesta quarta-feira, ninguém levou isso em conta.
Outra fonte de incerteza extrapola o campo sanitário. É a das eleições nos Estados Unidos. Por mais bem elaboradas que sejam, as pesquisas nem sempre preveem corretamente os resultados. E se há alguma probabilidade de que a voz das urnas seja submetida à decisão judicial, como pode ser desta vez, então fica inevitável a disseminação de ansiedades, que acabam passando para o preço dos ativos.
Afora esses males globais, há os específicos do Brasil. E aqui estão dois deles: o impacto da inflação e as mazelas das contas públicas.
A prévia do IPCA (que é o mesmo índice mensal, mas medido a partir de cada dia 15) mostrou uma esticada de 0,94% neste mês de outubro. Não é uma inflação que preocupa, porque é o resultado de desencontros episódicos de contas.
A pandemia interferiu nos fluxos econômicos. A paradeira que se seguiu ao confinamento das famílias derrubou o consumo e desorganizou as redes de produção e distribuição. Depois, veio a distribuição do auxílio emergencial, que aumentou repentinamente o consumo de alimentos e de materiais de construção num mercado semiabastecido. O afrouxamento dos esquemas de confinamento, por sua vez, voltou a acionar o consumo e pegou muitas empresas desprovidas de matérias-primas para a retomada.
Esses descasamentos nas redes de suprimentos produziram uma inflação momentânea que tende a perder força à medida que a vida econômica se normalizar.
Questão mais grave e ainda sem resposta é a do agravamento da situação das contas públicas. A dívida vai para 100% do PIB, os juros de longo prazo embutidos nos negócios de revenda de títulos públicos voltaram a embicar para cima, o que demonstra preocupação crescente com a capacidade de solvência do Tesouro. O governo permanece calado sobre como pretende enfrentar essa encrenca. Mas, passadas as eleições municipais, ficarão inevitáveis a edição de mais um saco de maldades para tentar contê-la e de mais movimentos novos que encaminhem as reformas. Se não vierem, o dólar tenderá a disparar e a alta dos importados contaminará a inflação.
Em sua reunião desta quarta-feira, o Comitê de Política Monetária (Copom) deu mais importância à deterioração do quadro fiscal do que ao repique da inflação, como ficou claro no seu comunicado.
Celso Ming: Hora de reconstruir
Cenário pós-pandemia exige um novo Bretton Woods, diz a diretora-geral do Fundo Monetário Internacional
Tempo de reconstrução. No pronunciamento desta quinta-feira, a diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), a búlgara Kristalina Georgieva, pediu que a comunidade internacional encare os problemas da hora com o espírito da Conferência de Bretton Woods.
Esse foi o grande acordo costurado em 1946 nessa minúscula localidade do Estado de New Hampshire, nos Estados Unidos, em que 44 representantes dos principais países liderados pelos Estados Unidos definiram as bases econômicas da reconstrução.
Em 1944, a economia mundial estava prostrada em consequência de duas enormes devastações: a da Grande Depressão dos anos 1930 e a da 2.ª Grande Guerra, de 1939 a 1945.
Bretton Woods restabeleceu a ordem monetária global, ainda baseada no padrão ouro. Também criou o Fundo Monetário Internacional, para socorrer os países nos casos de incapacidade de pagamento no mercado internacional, e o Banco Mundial, para ajudar a financiar o desenvolvimento econômico dos países pobres.
O momento, disse Georgieva, é de um novo Bretton Woods. E ela enumera os estragos de um ano de pandemia: “Mais de 1 milhão de mortos, encolhimento de 4,4% no PIB global e nova queda de US$ 11 trilhões na produção no ano que vem”. E acrescenta que, neste ano, a pobreza aumentou pela primeira vez em décadas.
Apesar das proporções do desastre, as tarefas de reconstrução são incomensuravelmente menores do que as que existiam na segunda metade dos anos 1940, quando grande extensão da infraestrutura e da capacidade de produção foi destruída pelos bombardeios na Europa e na Ásia.
Não dá para dizer que vem faltando ajuda. A própria Georgieva comemora a injeção de US$ 12 trilhões em recursos fiscais por parte dos Tesouros nacionais e de mais US$ 7,5 trilhões pelos grandes bancos centrais.
Se o momento é de ampla reconstrução, não vai ser preciso reerguer fábricas, portos, ferrovias e estradas e recuperar tantos campos devastados. Mas é preciso mais investimento, cuja função será ajudar a aumentar a produção de riquezas e a criar postos de trabalho.
Se o momento é de um novo Bretton Woods, também é o de uma mensagem, que na ocasião foi proferida pelo maior economista do século 20, John Maynard Keynes. Em 1944, ele pediu um grande esforço de cooperação global, capaz de assentar as bases para uma nova irmandade entre os povos.
Um dos campos que podem alavancar os novos tempos é o encaminhamento de projetos de substituição de energia fóssil por energia renovável. O mundo enfrenta hoje um desastre econômico de natureza ambiental da ordem de US$ 1,3 trilhão. Mas “podemos chegar a 2050 com zero de emissões de gás carbônico e ajudar a criar milhões de empregos”, sugere Georgieva.
As maiores limitações estão no campo fiscal. Em 2021, os países avançados terão uma dívida acumulada de 125% do PIB e os países emergentes, de 65% do PIB. A dívida bruta do Brasil se encaminha rapidamente para os 100% do PIB. Mas é preciso enfrentar esses apertos não como problema incontornável, mas como obstáculos adicionais a superar. O tempo dirá se esses apelos encontram algum eco.
Celso Ming: É ruim, mas nem tanto
Depois do baque produzido pelos efeitos diretos e colaterais da pandemia, percepção é de que a economia do Brasil está em recuperação
Quando o pior dá lugar ao ruim ou ao menos pior, em geral, produz alívio. Algo como a sensação esperada quando se tira o bode da sala, ainda que todos os outros problemas continuem lá.
Nesta terça-feira, o Fundo Monetário Internacional (FMI), presidido pela búlgara Kristalina Georgieva, divulgou seu principal documento de avaliação da atividade econômica em que projetou um tombo de 5,8% no PIB do Brasil neste ano, o mais alto de que se tem notícia, maior do que o de 1990, que foi de 4,35%, e o de 1981, quando houve queda de 4,25%.
Ainda assim, tanto a projeção do Fundo como a atual expectativa dos analistas brasileiros vêm produzindo certo alívio. A projeção anterior do Fundo era de uma retração de 9,1%. A revisão agora divulgada, o mencionado recuo de 5,8%, é um pouco maior do que vem sendo esperado pelos analistas brasileiros. O Boletim Focus, realizado semanalmente pelo Banco Central, aponta para uma queda de 5,03%.
De qualquer maneira, depois do baque enorme produzido pelos efeitos diretos e colaterais da pandemia, a percepção geral é a de que a economia brasileira está em recuperação. Por toda parte, as estatísticas de desempenho setorial sugerem não só que o fundo do poço já foi ultrapassado, mas que a atividade econômica está em boa recuperação. Mas é preciso cautela quando se examinam essas novas condições.
O pior só não aconteceu neste ano graças a um punhado de fatores que podem não voltar a atuar. O mais importante deles foi a distribuição de cerca de R$ 300 bilhões em auxílio emergencial, que atendeu a quase 70 milhões de brasileiros que compõem a população mais carente. Daqui para a frente, a economia ainda vai tirar proveito de certa ajuda social por mais alguns meses, mas, ainda que não seque de uma vez, dessa bica vai escorrer cada vez menos água.
Para 2021, depois desse mergulho de 5,8%, o FMI prevê um avanço da economia brasileira de 3,1%. O mercado espera um pouco mais: 3,5%. Mas não há clareza sobre o que pode acontecer no ano que vem.
Não dá para menosprezar o impacto a ser produzido pelo desemprego alto e persistente. Hoje, há 13,1 milhões de brasileiros sem ocupação remunerada. Mesmo que venha a recuperação e mesmo que o governo consiga arrancar do Congresso uma lei de desoneração dos encargos sociais (que, em tese, deveria estimular a criação de empregos), há razões para acreditar que esse avanço do emprego pode não acontecer nas proporções esperadas.
A pandemia mostrou que um grande número de empresas pode melhorar seu desempenho se recorrer a mais incorporação de automação e de tecnologia da informação, recursos que, além de reduzir custos operacionais, dispensam mão de obra. O comércio digital fecha lojas físicas e reduz a necessidade de vendedores; o Pix vai aumentar a dispensa de pessoal pelos bancos; as operações home office reduzem os custos das empresas, especialmente nas prestações de serviços (transporte de pessoal, restaurantes, faxina, suporte de informática, segurança etc). Em seu último Relatório de Inflação, o Banco Central avisa que o forte desemprego é fator que pode conter a velocidade da retomada da economia.
Não dá para fechar os olhos para as quebras. Pelas primeiras avaliações do IBGE, cerca de 600 mil pequenas empresas, que antes tinham 9 milhões de funcionários, foram obrigadas a fechar suas portas. E falta saber até que ponto a forte deterioração das contas públicas não queimará confiança – o que, por sua vez, poderá comprometer a retomada.
E há o nível de incertezas gerado pelo emperramento das reformas, que também trava as rodas da locomotiva. Até agora, a equipe econômica do governo não conseguiu passar sinais claros de que a questão fiscal será equacionada.
O fator que mais poderá ajudar a puxar pela recuperação da atividade econômica será a vacina. Parece cada vez mais provável que estará disponível dentro de alguns meses. Isso muda muita coisa, para melhor, a começar pelos corações e mentes.
Celso Ming: Acordo entre Mercosul e União Europeia está sob ataque
Nesta quarta-feira, o Parlamento Europeu rechaçou “em seu estado atual” os termos do acordo de livre comércio entre União Europeia e Mercosul.
Não é decisão que produz efeito imediato porque, para ratificação de tratados, o Parlamento Europeu não é instância decisória da União Europeia. Mas essa votação tem enorme influência sobre o destino do acordo, que foi fechado em junho de 2019 depois de 20 anos de árduas negociações. Com essa rejeição, fica mais difícil a aprovação final pelos Parlamentos dos 27 países que integram a União Europeia e pela Comissão Europeia, formada pelos chefes de governo da área.
Nas justificativas para a decisão tomada, o argumento central é o de que os tratados não podem respaldar a desastrada política de preservação da Amazônia pelo governo Bolsonaro.
Para o governo brasileiro, trata-se de um falso motivo. A má vontade dos políticos europeus, liderada pelo presidente da França, Emmanuel Macron, é mais que tudo protecionista. Os europeus temem que a liberação do comércio entre os dois blocos produziria invasão de produtos agropecuários do Mercosul, o que colocaria em risco os negócios pouco competitivos da área, sustentados artificialmente por subsídios e reservas de mercado.
Essa análise do governo brasileiro está correta. Desde o início das negociações, houve enorme pressão do lobby da agricultura da União Europeia pelo fechamento de um acordo. A crise produzida pela pandemia e as crescentes dificuldades políticas no interior dos países mais importantes da área apenas acirraram essa oposição.
Antes de prosseguir, convém apontar alguns paradoxos. O primeiro deles é o de que os argumentos contrários ao acordo de livre comércio se voltam contra a política de Bolsonaro, cujo governo é conhecido como defensor do livre comércio.
A oposição ao acordo por políticos da União Europeia, por sua vez, não levanta nem a indignação do governo de Buenos Aires nem a contestação da área diplomática da Argentina porque, diante da grave crise cambial do país, a última coisa que o governo argentino pretende, neste momento, é a liberação do seu comércio exterior. Ainda assim, o governo Fernández poderá aproveitar a oportunidade para acusar o governo Bolsonaro de ter solapado um acordo comercial estratégico e, portanto, de ter trabalhado contra os interesses dos outros sócios do Mercosul, em consequência de sua catastrófica política ambiental.
O caráter inequivocamente protecionista prevalecente na União Europeia não justifica as graves omissões e as decisões brutais do governo brasileiro na área ambiental. O governo do Brasil não pode fugir de seus deveres na preservação da Amazônia e em todas as outras dimensões do meio ambiente interno, não só por uma questão de interesse nacional, mas também de responsabilidade perante as demais nações.
Não dá para seguir argumentando, como vêm fazendo autoridades da área do governo Bolsonaro, que europeus, americanos e asiáticos destruíram suas florestas, emporcalharam seus rios e poluíram o ar antes dos brasileiros e agora lhes cobram um preço que eles próprios não se cobraram nem pagaram em seu tempo.
Se não for capaz de manter em relação a esse assunto uma política sadia como simples consequência de convicções científicas e doutrinárias, o governo Bolsonaro terá ao menos de lutar pela preservação ambiental por mero pragmatismo. Essa decisão do Parlamento Europeu é mais uma advertência de que a deterioração ambiental no Brasil implicará perda de negócios e fechamento de empregos por aqui.
Celso Ming: O País adiado
Bolsonaro já demonstrou que preserva mais os interesses da própria família
O presidente Bolsonaro já avisou que pretende deixar para depois das eleições de novembro o anúncio do programa social Renda Cidadã, novo nome da antes pretendida Renda Brasil.
Além de medida necessária para neutralizar em parte o estrago produzido pelo desemprego, a criação dessa ajuda à população mais pobre seria também um caça-votos. Como assim? Um caça-votos ficará para depois das eleições? Fica entendido que esse adiamento teria a ver com o tamanho da conta a ser repassada para a sociedade para o pagamento desse novo benefício social, motivo de grandes desencontros dentro do governo.
Mas a questão principal é a de que as decisões-chave de política econômica também vão sendo sucessivamente adiadas. Desde o início de seu governo, o presidente Bolsonaro está comprometido com as reformas da administração e do sistema tributário. Mas, para além da demissão do secretário Marcos Cintra e da ameaça de cartão vermelho ao secretário especial do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues, a reforma tributária não progrediu. O projeto nessa direção que tramita na Câmara é diferente do que tramita no Senado, que, por sua vez, é diferente do que pretende o ministro Paulo Guedes.
Há pouca esperança de que a reforma tributária, sempre considerada tão urgente, seja aprovada ainda neste ano. Faltam discussões? Ora, há mais de 30 anos se discute a necessidade de uma reforma tributária. Não há tema que tenha sido mais escarafunchado do que este. Projetos e mais projetos vão sendo apresentados, debatidos e… engavetados. A coisa não anda.
Desde o início do seu governo, o presidente Bolsonaro acena com mais de 120 privatizações. Até agora só houve algum avanço no projeto da Eletrobrás, mas ainda assim é processo que está sendo adiado para o fim da pandemia. O argumento é o de que a crise desvalorizou os ativos e não convém vender empresas estatais nessas condições. Enfim, esse também é um programa adiado para quando der. Enquanto isso, as empresas estatais vão sangrando por falta de capitalização, tarefa que o Tesouro, desmilinguido, não pode cumprir.
O único avanço significativo no projeto de reformas ao longo desses quase dois anos de governo Bolsonaro foi o da Previdência. Ainda assim, o que ficou decidido se deveu mais aos esforços dos presidentes da Câmara e do Senado do que do empenho do governo.
Há quem afirme que é preciso que se crie antes um mínimo de consenso político. Falso: sempre que há interesses contrariados, o consenso é difícil. Também não havia consenso para o início da expedição de Vasco da Gama às Índias. Os Velhos do Restelo, dentro das faixas do exercício do poder, e os defensores das corporações sempre estão a postos para anunciar terríveis desastres a toda tentativa de reforma.
Na falta de consenso político, é preciso construí-lo, tarefa para estadistas ou para aqueles que elegem o interesse público como critério de atuação política. Infelizmente, não é esse o perfil do presidente Bolsonaro. Ele já demonstrou que preserva mais os interesses da própria família do que os demais.
Enfim, o Brasil continua sendo o país do futuro sempre adiado. A construção do futuro inalcançável, como a tentativa de tocar o horizonte.
Celso Ming: O capitão parece sem rumo
O presidente Jair Bolsonaro não sabe para onde quer ir ou está perdido
Basta alinhar um fato atrás do outro para concluir que o capitão Bolsonaro ou não sabe o que quer ou está perdido.
Para o dia 25 de agosto, o ministro da Economia, Paulo Guedes, havia agendado o que chamou de “big bang”, aquilo que seria um ato de recriação da economia. Haveria o anúncio do Renda Brasil, um avanço sobre o Bolsa Família, que distribuiria mais renda. O ministro Paulo Guedes avisou que teria como principal fonte orçamentária a extinção de programas sociais pouco eficazes: o abono salarial, que concede um salário mínimo por ano para trabalhadores que ganham até dois salários mínimos por mês; o seguro-defeso, distribuído aos pescadores artesanais nos períodos de desova dos peixes, em que teriam de permanecer inativos; e o próprio Bolsa Família, cujos recursos seriam incorporados ao novo programa.
O presidente Bolsonaro fulminou a proposta. Disse que “não tiraria dos pobres para dar aos paupérrimos”. O “big bang” não passou de um estourinho de pipoca dentro da panela.
Do “big bang” fariam parte duas outras providências: a desindexação total da economia (inexistência de reajustes), que alcançaria salários, aposentadorias e pensões; e o anúncio de um programa estimulador de empregos, a desoneração dos encargos sociais, a que estão obrigados os empregadores. A arrecadação que deixaria de ser obtida com a redução dos encargos sociais seria coberta com um novo imposto, que incidiria sobre transações financeiras, em quase nada diferente da extinta CPMF.
Às críticas a essa nova CPMF o ministro Paulo Guedes disse que seria “a troca de um imposto cruel por um feioso”. Se esse imposto cria distorções, argumenta ele, mais e maiores distorções são produzidas pelos encargos sociais, que impedem a criação de postos de trabalho, estimulam a informalidade e semeiam concorrência desleal pelas empresas que pagam salários “por fora” e não recolhem os encargos.
Há três dias, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), avisou que não havia acordo político para a nova CPMF e que, por isso, o projeto não teria condições de tramitação no Congresso. A proposta vai outra vez para a gaveta e, com isso, fica para depois a desoneração pretendida.
Dia 15 de setembro, o secretário especial do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues, avisou que a cobertura para o programa Renda Brasil viria do congelamento de aposentadorias e pensões, por dois anos. Não era nada do que não tivesse sido combinado anteriormente, seja porque Paulo Guedes já havia adiantado essa desindexação por ocasião do anúncio do “big bang”, seja porque Waldery não é o tipo da autoridade que fala por conta própria.
Mas o presidente Bolsonaro desconsiderou avaliações técnicas anteriores, desautorizou pelas redes sociais o secretário Waldery e advertiu que levantaria o cartão vermelho para autoridades do governo que defendessem propostas desse tipo. Waldery recolheu-se à toca, à espera do que viesse, e não se falou mais em desindexação de salários e aposentadorias.
Na última segunda-feira, o mesmo líder do governo, Ricardo Barros, fez um comunicado na presença do presidente Bolsonaro e do ministro Paulo Guedes – portanto anunciava algo previamente negociado –, de que o Renda Brasil seria rebatizado de Renda Cidadã e que seria financiado com recursos do adiamento do pagamento das dívidas precatórias e com parcela do Fundeb, cujo nome e sobrenome é Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais de Educação.
Depois do caos produzido no mercado com a perspectiva da caracterização de um calote e o uso para outra finalidade de recursos liberados do teto dos gastos, nesta quarta-feira o ministro Paulo Guedes, aparentemente por ordem superior, desdisse o que defendia antes. Abateu a tiros a ideia do adiamento do pagamento dos precatórios, que já havia sido determinado pela Justiça, para lastrear o Renda Cidadã. Outra vez, o anúncio oficial já não valeu para nada.
O presidente Bolsonaro vem repetindo o princípio que aprendeu no Exército de que “pior do que uma decisão ruim é a indecisão”. Mas tem coisa pior do que isso. São decisões tomadas e, repetidamente abandonadas. Ele mesmo autoriza o piloto a mudar a rota do barco e, logo depois, volta atrás e ainda recrimina o piloto por ter obedecido a sua ordem. No Estado Maior deve haver um nome para isso.
Importa menos a direção dos ventos. Basta ajustar as velas do barco. Mas Bolsonaro não sabe para onde quer ir e os marinheiros não sabem como ajustar as velas.
Celso Ming: Bolsonaro quer marcar gol de mão
O programa Renda Cidadã, pretendido pelo governo Bolsonaro, é calote, é pedalada, é contabilidade criativa
Todos os qualificativos sobre o passa-pernas pretendido pelo governo Bolsonaro para criar a Renda Cidadã já foram mencionados pela imprensa: é calote, é pedalada, é contabilidade criativa.
A Renda Cidadã é o nome fantasia com que o governo Bolsonaro batizou o projeto de ampliação do Bolsa Família, que assume características de renda mínima ou de Imposto de Renda negativo.
Antes de seguir adiante, convém deixar claro que um programa social desse tipo não é apenas uma reivindicação das esquerdas ou dos populistas da hora. É uma necessidade de mercado ou do próprio sistema capitalista. Como o contrato de trabalho tal como o conhecemos está a caminho da extinção ou da irrelevância, é preciso cuidar da renda e, portanto, do mercado de consumo e da sobrevivência das próprias empresas. Nesse sentido, importa menos se sua criação tenha um viés eleitoreiro, como de fato tem. Ela passou a ser uma necessidade tanto social como econômica.
O problema é que o governo quer validar gol de mão e, como Maradona, argumenta que é da mão de Deus. Para obter a verba necessária para a Renda Cidadã, avisou que vai pegar recursos do Fundeb (destinados à Educação) e do pagamento dos precatórios. Ou seja, para o governo, haverá menos recursos para o Fundeb e o pagamento dos precatórios ficará para depois, sabe-se lá quando.
Os vícios estão claros. O Fundeb é constituído de recursos que não entram no cálculo do teto das despesas. O que o governo está dizendo é que não há nada de errado em inchar o Fundeb e, depois, transferir os recursos para cobertura de outras despesas. No caso do calote dos precatórios, ficaria validado o procedimento de adiar indefinidamente o pagamento de uma dívida, passada e julgada, seja de precatórios (em geral, consequência de desapropriações), seja outra qualquer.
Há algumas semanas, o mesmo programa social levava o nome de Renda Brasil. Mas Bolsonaro enterrou a proposta quando foi informado de que os recursos sairiam de outros programas sociais, como do próprio Bolsa Família e do seguro-defeso (ajuda aos pescadores na suspensão da pesca). A justificativa do presidente: “Não tiraria dos pobres para dar aos paupérrimos”.
Nesta quarta-feira, o ministro Paulo Guedes negou que tenha intenção de usar verbas destinadas ao pagamento de precatórios para o Renda Cidadã. Mas é apenas outra declaração. Não se entende que o guardião do Tesouro esteja disposto a defender gols de mão.
O presidente Bolsonaro ainda vem com o discurso de que, se não for assim, não se faz nada. Como passou a pedir àqueles que repudiam a volta da CPMF, pede agora que os críticos apresentem solução melhor.
Ora, presidente, todos sabemos qual é hoje o tamanho do Estado. Sabemos também que, além de privilégios como o da estabilidade no emprego, os funcionários públicos usufruem dos melhores salários do País e, além disso, boa parte conta com adicionais, com benefícios extras, com aposentadoria e mordomias com que os trabalhadores do setor privado não contam. E há os subsídios, as isenções tributárias e a ideia de congelar as aposentadorias para as categorias mais beneficiadas…
Só no handebol vale gol de mão.
Celso Ming: Inflação real e inflação percebida
Nada indica disparada dos preços que levante preocupações especiais com eventual erosão do poder aquisitivo da população
A inflação de agosto medida pelo IPCA foi de apenas 0,24%, mais baixa do que o 0,36% de julho e, no entanto, a sensação de alta de preços provocou inesperada tensão política que lembrou os velhos tempos da hiperinflação.
Os dirigentes dos supermercados pediram providências urgentes do governo para conter os preços dos produtos da cesta básica. Em resposta, o presidente Bolsonaro, às vésperas das comemorações de 7 de Setembro, fez apelos ao patriotismo dos empresários para que segurassem as remarcações.
Esses apelos sugeriram que o principal instrumento de controle dos preços teria mais a ver com o comportamento humano e com a moralidade do que com os imperativos da lei da oferta e da procura.
De todo modo, nada indica uma disparada dos preços que levante preocupações especiais com eventual erosão do poder aquisitivo da população. A alta acumulada no ano até agosto foi de apenas 0,7%, e os analistas de economia consultados pelo Banco Central para o Boletim Focus apontam, para todo o ano de 2020, uma inflação de 1,78%. Por que, afinal, a apreensão?
Por trás dela há algumas distorções. A primeira tem a ver com uma alta real de itens importantes da cesta básica. Os preços do arroz, por exemplo, acumularam avanço de 19,2% nestes primeiros oito meses do ano. E os do óleo de soja, o mais consumido pela população, alta de 18,6%.
Esse avanço dos preços do óleo de soja tem uma explicação. Trata-se de um produto cotado em dólares, porque largamente exportado, e, neste ano, as cotações da moeda americana em reais subiram mais de 30%. O aumento dos preços do arroz foi produzido pelo aumento do consumo interno. O confinamento, por si só, puxou a demanda de alimentos básicos. E há o auxílio emergencial, que pôs algum dinheiro no bolso das pessoas de baixa renda, que, por sua vez, aumentaram a procura por itens básicos.
Mas isso não é tudo. Como já comentado por esta Coluna em outras oportunidades, os índices de preços sofreram certa deformação estatística que se imagina temporária. O confinamento mudou a estrutura de consumo. Despesas com viagens, serviços pessoais (como cabeleireiro, manicure), roupas, academia, restaurantes, bares, etc., foram substancialmente reduzidas. Em compensação, aumentaram as com alimentos.
No entanto, o IBGE seguiu com as coletas de preços nos mercados e nas unidades de serviços, como se a cesta média de consumo não tivesse sofrido alterações. E calculou a variação do custo de vida levando em conta os mesmos pesos apresentados pelos itens de consumo vigentes antes da pandemia.
Quando a vacina estiver disponível e à medida que a vida se normalizar, essa distorção técnica também deve desaparecer ou, pelo menos, reduzir-se. Abaixo está um gráfico que mostra os pesos de cada uma das grandes áreas de consumo no custo de vida.
Outra distorção é meramente psicológica. As pessoas tendem a dar mais importância às variações dos preços dos alimentos do que às de outras áreas da economia, especialmente nos serviços.
Essa é a principal razão pela qual tão frequentemente se ouve a observação de que o comportamento dos preços nas feiras e nos supermercados não guarda proporção com os índices oficiais de inflação. Nessa hora, as pessoas não levam em conta que as despesas com aluguel, condomínio, condução, mensalidades escolares e outros serviços não subiram ou até caíram, embora continuem a fazer parte importante do orçamento doméstico.
Boa questão está em saber como o Banco Central vai lidar com essas novas tensões na hora de rever os juros básicos (Selic) na próxima reunião do Copom, marcada para dia 16.