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Celso de Mello: Gesto de Bolsonaro é ofensa ao convívio entre os Poderes

Para ministro aposentado, pedido de impeachment contra Alexandre de Moraes é "absurda provocação"

Mariana Muniz / O Globo

BRASÍLIA — A decisão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de apresentar um pedido de impeachment contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), nesta sexta-feira, é um gesto de "absurda provocação" que "traduz ofensa manifesta ao convívio harmonioso entre os Poderes da República". Essa é a avaliação que o ministro aposentado do Supremo e ex-presidente da Corte Celso de Mello fez ao GLOBO.

"O gesto de Bolsonaro traduz ofensa manifesta ao convívio harmonioso entre os Poderes da República , pois a denúncia contra o Ministro Alexandre de Moraes, além de não ter fundamento legítimo, revela a intenção subalterna de pretender intimidar um magistrado que , além de independente , responsável e intimorato, cumpre, com exatidão e estrita observância das leis, o seu dever funcional ! Bolsonaro precisa ter consciência de que não está acima da autoridade da Constituição e das leis da República!", afirmou Celso de Mello.


O MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES


Ministro Alexandre de Moraes. Foto: Nelson Jr/SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
Ministros Luís Roberto Barros e Alexandre de Moraes. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: SCO/STF
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Ministro Alexandre de Moraes. Foto: Nelson Jr/SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
Ministros Luís Roberto Barros e Alexandre de Moraes. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: SCO/STF
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No pedido feito nesta sexta-feira, o presidente, além de pedir a destituição de Moraes do cargo, solicitou o afastamento do ministro de funções públicas por oito anos.

Procurado pela reportagem para comentar a iniciativa de Bolsonaro, o ministro aposentado ainda disse: "Como qualquer cidadão comum, ele também é um súdito das leis ! Não pode agir sem causa legítima ! Isso significa que a denúncia oferecida , para não ser desqualificada como inepta, abusiva e frívola, deveria ter suporte juridicamente idôneo, de todo inexistente no caso! Por transgredir , desse modo, o que dispõe o art. 2o. da Constituição, o Presidente da República revela grave e ostensivo desapreço pela Lei Fundamental que nos rege . Com esse gesto de absurda provocação , Bolsonaro obstrui qualquer tentativa de restabelecer a harmonia , por ele violada, entre os Poderes do Estado, vulnerando, com esse gesto inconsequente, um dos dogmas fundamentais do Estado democrático de Direito !”

O STF divulgou uma nota oficial em nome de toda a Corte para repudiar o pedido de impeachment e manifestou "total confiança" em Moraes.

Na peça encaminhada ao Senado, Bolsonaro escreve em primeira pessoa e afirma que é alvo de críticas pelo cargo que ocupa. Ele alega que, assim como ele, os membros dos demais Poderes, incluindo dos tribunais superiores, também devem ser submetidos ao “ao escrutínio público e ao debate político”. E destaca que o Judiciário brasileiro tem ocupado "um verdadeiro espaço político no cotidiano do País" e assumido papel de "ator político".

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/gesto-de-bolsonaro-ofensa-ao-convivio-harmonioso-entre-os-poderes-da-republica-diz-celso-de-mello-25165169


Celso de Mello: Tirar poder de governadores sobre polícias é ‘retrocesso inaceitável’

Para ministro aposentado, há conflito com princípio federativo; magistrados também encaram projetos de reorganização das forças policiais com preocupação

Rafael Moraes Moura, O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello disse ao Estadão que os projetos de lei que tiram poder de governadores sobre polícias são um "retrocesso inaceitável". Uma das vozes mais contundentes do cenário nacional em defesa da Constituição e das liberdades individuais, o ex-decano do Supremo abriu mão do silêncio que marca sua postura desde a aposentadoria, em outubro do ano passado, para criticar a proposta que prevê mandato de dois anos para os comandantes-gerais e delegados-gerais e impõe condições para que eles sejam exonerados antes do prazo.

"A padronização nacional dos organismos policiais estaduais, com expressiva redução do poder e competência dos Estados-membros, se implementada, traduzirá um ato de inaceitável transgressão ao princípio federativo", disse Celso de Mello à reportagem. "Não se pode ignorar que a autonomia dos Estados-membros representa, em nosso sistema constitucional, uma das pedras angulares do modelo institucional da Federação. Qualquer proposição legislativa que tenda à centralização em torno da União Federal, com a consequente minimização da autonomia estadual, significará um retrocesso inaceitável em termos de organização federativa."

Como revelou o Estadão, o novo modelo é defendido por aliados do Palácio do Planalto no momento em que o presidente Jair Bolsonaro endurece o discurso da segurança pública para alavancar sua popularidade na segunda metade do mandato. A medida provocou a reação de gestores estaduais, que já se mobilizam contra a iniciativa. O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), acusou Bolsonaro de querer "intimidar governadores através de força policial militar".

Celso de Mello destacou que, em dezembro de 1831, o então presidente da província de São Paulo, Rafael Tobias de Aguiar, sancionou projeto que criou, em São Paulo, o Corpo de Guardas Municipais, núcleo embrionário da atual Polícia Militar estadual.  "Dificilmente, o fundador da Polícia Militar do Estado de São Paulo chancelaria uma proposta claramente centralizadora e detrimentosa dos poderes e competência das unidades locais, pois foi ele, Tobias de Aguiar, quem, ao lado do Padre Feijó, insurgiu-se, na histórica Revolução Liberal de 1842, contra a concentração de poderes na esfera do governo central imperial", acrescentou o magistrado.

Repercussão
Também crítico às propostas, o atual decano do STF, Marco Aurélio Mello, afirmou que os projetos pecam pela "falta de razoabilidade e conflitam com a Constituição Federal". "Contrariam o princípio federativo, mais ainda se houver concentração  do poder de acionamento. A Polícia Civil é investigativa e a Militar, repressiva", disse Marco Aurélio, que deixará o tribunal em julho, ao completar 75 anos.

Segundo o Estadão apurou, os projetos causam apreensão entre integrantes da Corte, que já discutem reservadamente o tema entre si, ainda que não tenham conhecimento integral dos textos.

Um ministro do STF, que pediu para não ser identificado, concorda com Celso de Mello, considera a proposta ruim e avalia que a medida, caso seja aprovada, pode tornar os governadores “reféns” das polícias.

Uma das preocupações é com o timing em que as discussões estão vindo à tona, pouco depois que extremistas apoiadores do presidente dos EUA, Donald Trump, invadiram o Capitólio, em um ato que resultou em cinco mortes em Washington D.C.

Na semana passada, Bolsonaro disse que "se nós não tivermos o voto impresso em 2022, uma maneira de auditar o voto, nós vamos ter problema pior que os Estados Unidos". Integrantes do Supremo apontam que a influência de Bolsonaro sobre as polícias é infinitamente maior que a de Trump sobre a força policial nos EUA.


Míriam Leitão: O Brasil vai de Mello a Mello

Foi uma semana marcante. O ministro Celso de Mello encerrou seu tempo no Supremo Tribunal Federal (STF) deixando a sensação de que 31 anos podem ser poucos, que sai quando é ainda necessário ao país. O STF foi tragado por uma voragem conflituosa envolvendo o novo decano, Marco Aurélio Mello, e o presidente Luiz Fux. Os dois Mellos não têm qualquer parentesco em nenhum sentido da palavra, mas os eventos ajudam a refletir sobre o Supremo e o país.

Não poderiam ser mais distantes os estilos dos dois decanos, o que sai e o que entra. Celso de Mello era construtor de maiorias, era a pessoa para a qual os pares olhavam, Marco Aurélio é um lobo solitário e passa a impressão de que o debate no colegiado importa menos do que marcar sua singularidade. Sempre preferiu votos indiossincráticos, amparados em teorias por vezes incompreensíveis aos mortais. Com grande frequência terminava sozinho, como nesta semana com o placar de nove a um. Recebeu o conforto das reprimendas dos colegas ao ato de Fux de cassar sua liminar, mas o desagrado de ver que ninguém daria liberdade ao traficante André do Rap.

Marco Aurélio Mello concedeu um habeas corpus tão controverso que não seguiu nem a si mesmo. Apesar de ter brigado a semana inteira de inauguração do seu decanato em defesa de sua decisão, o ministro não concedeu o mesmo benefício a outro preso, companheiro de facção e criminalidade de André do Rap. No conflito com o presidente do Supremo, não quis conciliação. Nada o aplacou nem mesmo o fato de os colegas concordarem que Fux não tem o poder de cassar liminares dos outros ministros. Acusou Fux de “autoritarismo”, fez uma estranha pergunta para o ambiente: “vai querer me peitar?” Quando o presidente do STF disse que o traficante enganara até a ele, Marco Aurélio, por não ter cumprido a ordem de recolher-se em seu domicílio, o decano disse que não fora enganado, já que reconhecia o direito de André do Rap “fugir de uma prisão ilegal”.

A discussão subjacente em todo esse conflito é se teremos ministros do Supremo que olham a literalidade da lei e a aplique automaticamente como se não houvessem circunstâncias agravantes e atenuantes. A dúvida é se o artigo 316 do Código Penal, que exige a renovação da prisão preventiva, determina a liberdade automática ou se caminharão para um acórdão que proteja a sociedade da libertação de criminosos condenados como André do Rap e leve à libertação de quem está de fato preso de forma abusiva.

Celso de Mello no seu último ato votou contra a concessão de um privilégio ao presidente da República. O risco é de que não seja seguido, apesar de serem cristalinas as suas razões. Está lá o artigo 221 do Código de Processo Penal, no capítulo que trata “Das Testemunhas”. Se derrubar a decisão de Celso de Mello concedendo a Bolsonaro o direito indevido de depor por escrito, o plenário do STF estará consagrando um erro cometido na avaliação da investigação de Michel Temer. Naquele caso, a decisão foi monocrática. Se for agora confirmado no pleno, fica eternizado. Assim, todos os presidentes, Bolsonaro e os que vierem depois, terão o conforto de entregarem seus interrogatórios para os advogados preencherem. Estarão livres do constrangimento de responderem pelos seus atos duvidosos. O indicado para substituir Celso de Mello, Kássio Nunes, está entrando pela porta lateral, em conchavos explícitos, dúvidas curriculares e lealdades outras que não as que um ministro deve obedecer. Que a cadeira que poderá vir a ocupar até 2047 o ajude a corrigir a rota.

O grande legado de Celso de Mello é a defesa da Constituição. Ele foi uma feliz indicação do ex-presidente Sarney, bem no alvorecer da nova ordem constitucional. Mostrou nas décadas seguintes ser a pessoa certa no lugar certo. Sua intransigência na defesa de princípios da liberdade, do respeito às minorias e de um governo de iguais o tornaram fundamental numa República que acabara de viver um longo período autoritário. Ele sai quando de novo o país é ameaçado por um governante que nunca valorizou o patrimônio cívico da democracia. Celso de Mello balizou o caminho a seguir. Seus votos permanecerão iluminando o plenário que deixou, os outros tribunais do país e as nossas consciências.


Bernardo Mello Franco: A falta que Celso de Mello fará ao Supremo

Depois de 31 anos, Celso de Mello deixou ontem o Supremo Tribunal Federal. O país vai precisar de algum tempo para medir o vazio que ele deixará na Corte.

Desde 2007, o ministro ocupava o posto de decano. Era o juiz mais antigo do STF, o primeiro a entrar no plenário após o presidente de plantão. Em momentos de crise, ele se acostumou a falar em nome da Corte. Sua voz se impunha pela autoridade, não pela antiguidade.

Nomeado no primeiro ano de vida da Constituição de 1988, Celso se aposenta quando a Carta enfrenta seu maior teste. Sabendo disso, ele se expôs para defendê-la de arreganhos autoritários. Sua atuação ajudou a preservar a ordem democrática e a integridade do tribunal.

Em abril de 2018, o ministro se levantou quando o então comandante do Exército disparou um tuíte para emparedar o Supremo. Na véspera do julgamento de um habeas corpus de Lula, o general Villas Bôas insinuou usar os tanques caso o ex-presidente fosse solto.

O decano, que nunca simpatizou com o petista, repeliu a ameaça indevida. “Insurgências de natureza pretoriana, à semelhança da ideia metafórica do ovo da serpente, descaracterizam a legitimidade do poder civil instituído e fragilizam as instituições democráticas”, disse.

Meses depois, Eduardo Bolsonaro foi mais explícito. Em vídeo divulgado dias antes da eleição, o deputado disse que bastariam “um soldado e um cabo” para fechar o Supremo. Mais uma vez, a resposta foi dada por Celso. Ele definiu a declaração como “inconsequente”, “irresponsável” e “golpista”. Sua firmeza obrigou Jair Bolsonaro a desautorizar o herdeiro.

A chegada do capitão ao poder não intimidou o ministro. Quando Bolsonaro começou a incitar manifestações contra o Congresso e o Supremo, ele foi o primeiro a reagir. Enquanto o presidente da Corte fingia não ver as ameaças, o decano falou grosso.

“O presidente da República, qualquer que ele seja, embora possa muito, não pode tudo, pois lhe é vedado, sob pena de incidir em crime de responsabilidade, transgredir a supremacia político-jurídica da Constituição e das leis”, afirmou.

Por essas e outras, Celso fará falta.


Cristina Serra: A despedida do decano

Celso de Mello é exemplo que deveria ser seguido por seus pares

Celso de Mello chegou ao Supremo Tribunal Federal em agosto de 1989, quando a Constituição ainda nem completara um ano de promulgada. Seus 31 anos na corte se entrelaçam com dramas e tensões da nossa história contemporânea que, em anos mais recentes, têm levado a um desgastante confronto do tribunal com os outros dois Poderes.

O julgamento do mensalão quebrou a redoma que protegia o STF da refrega político-partidária e acentuou disputas entre os ministros, agravadas sobremaneira pela Lava Jato. O excelente livro "Os Onze", de Felipe Recondo e Luiz Weber, mostra que, nestes tempos tumultuados, Celso de Mello atuou como vetor de alguma acomodação e equilíbrio sempre que procurado por pares menos experimentados em crises, como o primeiro relator da Lava Jato, Teori Zavascki, já morto.

Desde a ascensão do bolsonarismo, o decano também tem sido voz quase solitária na corte, na sua firmeza e altivez, a condenar as ameaças à Constituição, à democracia e ao Estado de Direito, repudiando em alto e bom som "intervenções castrenses" [ militares ] e práticas típicas do "pretorianismo". Quando os ataques ao STF pareciam estar em ponto de ebulição, no primeiro semestre deste ano, Mello, em mensagem privada (vazada à imprensa), também advertiu para os riscos de "destruição da ordem democrática", em processo semelhante ao que aconteceu na Alemanha nazista.

Conforme destacado no livro, Celso de Mello tem fama de ermitão. Não frequenta políticos, não vai a eventos sociais, não aceita convites para palestras, não visita o Palácio do Planalto. Envergando a toga, o ministro construiu reputação de credibilidade e independência, reforçada pelo decoro público exemplar e pela aversão aos holofotes.

Num Supremo conflagrado por interesses e conveniências nem sempre claros para a sociedade, é um exemplo de compostura que deveria ser seguido por todos os seus pares para o bem das instituições e da democracia no país.


Alon Feuerwerker: Troca no STF

Um fanático pela Carta faria bem ao tribunal, ao governo e ao país

Não é novidade a hipertrofia no Judiciário, em particular no Supremo Tribunal Federal. Aliás, começar uma coluna com “não é novidade” talvez devesse ser evitado. Mas, infelizmente, é a pura verdade. No caso específico do STF, já faz algum tempo que ele se sente tentado a operar como uma espécie de assembleia constituinte não formalizada.

Outra coisa que não é novidade: ficaram para trás os tempos quando se sabia de cor a escalação dos onze da seleção brasileira de futebol, mas não se tinha a menor ideia de quem eram os onze do STF. Hoje isso se inverteu. Cada um que julgue se melhoramos ou pioramos.

Importa menos saber como chegamos a esta situação, o fato frio é que nas próximas semanas um nome deverá passar pelo trâmite no Senado Federal para ocupar a vaga do ministro Celso de Mello, que se aposenta. Dadas as circunstâncias jurídicas e políticas, trata-se de um baita momento.

Vamos ao retrospecto. A experiência de governantes indicarem nomes por critérios identitários não foi propriamente um sucesso para quem indicou. E o histórico das decisões e opiniões de antes da ascensão à Suprema Corte não tem sido garantia de coerência no voto, uma vez o ministro instalado na cadeira.

E exposição aos holofotes tem trazido casos de mudança radical nas ideias.

Mesma coisa o “Q.I.” (quem indica). Se pelo menos um ministro dos indicados por Dilma Rousseff tivesse votado para soltar Luiz Inácio Lula da Silva antes da eleição, o ex-presidente teria sido solto e ficado disponível para subir nos palanques do PT e aliados. Não aconteceu.

O que explica isso? Independência? Cada um, novamente, que faça seu juízo.

“O novo nome deve resistir à tentação do protagonismo, ser garantista e ter alergia a judicializar a política”

Onde estará então a virtude? Um critério importante é o nome não enfrentar obstáculos intransponíveis no Senado, que é quem aprova. E o Senado é composto de políticos, mesmo quando fantasiados de “anti”. Sugerir alguém publicamente identificado com a caça a suas excelências seria oferecer muita sopa para o azar.

O que de melhor um presidente da República deve esperar do STF? Que não se meta, ou meta-se pouco, na atividade de exercer o Poder Executivo. Um presidente que ajude a fazer o STF retornar ao tamanho previsto na Constituição estará prestando um serviço inestimável ao que se convencionou chamar de democracia.

Mas não basta. O desejável, do ângulo do Executivo, e mesmo do Legislativo, seria um STF que praticasse a autocontenção como regra em relação ao mundo político, e que começasse a expurgar a tentação permanente de enveredar pelo ativismo judicial. E que propagasse isso pelo conjunto do sistema.

Seria uma revolução.

A conclusão é óbvia: espera-se que o novo nome a substituir o decano que sai consiga resistir à tentação do protagonismo, seja rigorosamente garantista e tenha alergia à judicialização da política.

E que seja um fanático do respeito à Carta. Coisa que anda deveras em falta entre os nossos juízes.

Seria um favor que o ocupante do momento do Palácio do Planalto teria prestado a si mesmo, ao seu governo e ao país.

E um favor, antes de tudo, ao próprio Supremo Tribunal Federal.


Merval Pereira: "Autofagia" no STF

Não há dúvida de que o presidente Bolsonaro se acha acima das leis, não gosta desse sistema republicano de pesos e contrapesos que dá limitações a seus poderes pelo Legislativo e Judiciário. Mas nesse caso do depoimento presencial que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello obrigou-o a fazer na investigação sobre interferência na Polícia Federal, ele tem razão de reclamar.

Não há por que não lhe conceder o mesmo privilégio dado, nas mesmas circunstâncias, ao então presidente Michel Temer. O presidente Bolsonaro e seus assessores veem na decisão do decano a confirmação de que ele não gosta do presidente. A decisão do ministro Marco Aurélio Mello de levar a questão ao plenário é a melhor solução para pacificar o entendimento do STF a respeito dessa situação, que não é definida na lei. Os presidentes dos Poderes têm direito de depor por escrito quando participam de um processo na qualidade de vítima ou testemunha, mas a lei nada fala sobre o caso de serem investigados. Como se presidentes brasileiros não se encontrassem nessa situação, o que a realidade política vem desmentindo sistematicamente.

Os ministros Luiz Roberto Barroso e Edson Fachin entenderam que, como a lei não proíbe, é possível inferir que o depoimento por escrito pode ser concedido mesmo quando investigados. O ministro Celso de Mello, ao contrário, acredita que, como a lei nada diz sobre o caso, deve ser dado ao presidente da República o mesmo tratamento dado a qualquer cidadão.

Com sua decisão, o decano do STF criticou indiretamente seus colegas que deram a regalia a Temer. Ontem, ao enviar ao plenário a decisão, o ministro Marco Aurélio se disse contra o que classificou de “autofagia” no Tribunal, com um ministro anulando a decisão de outro. Com isso, já adiantou sua posição, pois se coincidisse com a de Celso de Mello, ele não cometeria nenhuma “autofagia”, apenas referendaria a posição do decano.

A interpretação de cada juiz depende também do ambiente em que a decisão for tomada. A de Celso de Mello é fruto da necessidade do STF de mostrar independência, pois a gestão anterior de Dias Toffoli estava muito atrelada ao Palácio do Planalto, assim como a da Procuradoria-Geral da República continua sendo.

Tomar decisões de independência em relação ao governo é importante para manter a imagem pública do STF. Uma vez decidida pela maioria a interpretação a ser dada, uma decisão monocrática deixará de existir.

A preocupação de seus seguidores tem razão de ser, pois Bolsonaro pode cometer atos falhos ou escorregões e contradições que por escrito não aconteceriam. Mas o presidente está numa fase boa de relacionamento institucional com o Judiciário, como ele mesmo ressaltou dias atrás, e deporia num ambiente mais favorável e controlado.

Na época da denúncia, o ambiente político era completamente contra ele. Se for obrigado a depor presencialmente, terá tempo suficiente para se preparar, e só um destempero, que lhe é comum, pode causar algum incômodo. Bolsonaro já pode contar com três votos, os de Barroso, Fachin e Marco Aurélio, mas nada indica que terá uma vitória tranquila no plenário.

Há a convicção de cada um, mas há também o peso da palavra do decano Celso de Mello, que está se despedindo em outubro do STF. Ontem o presidente Bolsonaro cometeu um desses atos falhos ao saudar, nas redes sociais, a decisão de Marco Aurélio de suspender o processo enquanto o plenário não decidir de que forma se dará o depoimento. “O Moro não tem nada que perguntar para mim” rejeitou Bolsonaro, mostrando qual é, na verdade, sua preocupação.

O impacto político de questionar a decisão de Celso de Mello é negativo para o presidente, que já está sendo chamado de “fujão” nas redes sociais. Mas pode evitar um dano maior no depoimento presencial.


Merval Pereira: Sinal de independência

A sugestão para que o presidente Bolsonaro deixe para marcar o depoimento na Polícia Federal exigido pela decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello apenas quando o decano da Corte já tiver se aposentado, em novembro, denota insegurança, e só faz enfraquecê-lo.

Cogitar que a Polícia Federal terá comportamento diferente depois da aposentadoria de Celso de Mello revela a mente conturbada de quem acredita em teorias da conspiração. Ou a certeza de que a PF, sem uma autoridade a vigiá-la, lhe será dócil, o que confirma a vontade de controlá-la.

A lei permite que o presidente da República preste testemunho por escrito, quando é testemunha, mas não cita como deve ser tomado um depoimento se ele for o alvo da investigação. O Procurador-Geral da República, Augusto Aras, foi favorável a que o presidente Bolsonaro escolhesse a forma do depoimento: “Dada a estatura constitucional da Presidência da República e a envergadura das relevantes atribuições atinentes ao cargo, há de ser aplicada a mesma regra em qualquer fase da investigação ou do processo penal”, disse, alegando que o presidente poderia depor presencialmente ou por escrito.

Como a lei não especifica a situação em que o presidente da República está sendo investigado, o ministro Luis Roberto Barroso autorizou que o então presidente Michel Temer, também investigado na ocasião, depusesse por escrito.

Já o ministro Celso de Mello entendeu que "o Senhor Presidente da República, por ostentar a condição de investigado, não dispõe de qualquer das prerrogativas (próprias e exclusivas de quem apenas figure como testemunha ou vítima) a que se refere o art. 221, “caput” e § 1º, do CPP, a significar que a inquirição do Chefe de Estado, no caso ora em exame, deverá observar o procedimento normal de interrogatório (CPP, art. 6º, inciso V, c/c o art. 185 e seguintes)".

Outro detalhe da decisão do ministro Celso de Mello que provocou comentários de aliados de Bolsonaro foi a permissão para que os advogados de Moro participem, e façam perguntas, ao presidente Bolsonaro. O que, para esses assessores, é demonstração de que o decano do Supremo não gosta do presidente, significa apenas a equiparação dos dois investigados na ação.

O Procurador-Geral Augusto Aras deu salto mortal na decisão inicial para colocar o ex-ministro Sérgio Moro, que fez a acusação de interferência do presidente da República na Polícia Federal, no mesmo nível de investigado que Bolsonaro.

Deste modo, quando Moro foi depor na Polícia Federal logo no início da ação, Aras enviou três procuradores para participarem do interrogatório. Agora, a mesma condição será dada a Moro.

A alegação de Aras de que houve um precedente no caso de Temer não se sustenta à luz da lei, pois a interpretação de cada juiz dependerá também do ambiente em que a decisão for tomada. A de ontem é fruto da necessidade do STF de mostrar independência, pois a gestão anterior de Dias Toffoli estava muito atrelada ao Palácio do Planalto, assim como a da Procuradoria-Geral da República continua sendo.

Tomar decisões de independência em relação ao governo é importante para pelo menos manter a imagem pública do STF. A preocupação de seus seguidores tem razão de ser, pois Bolsonaro pode cometer atos falhos ou escorregões e contradições que por escrito não aconteceriam.

Mas o presidente está numa fase boa de relacionamento institucional com o Judiciário, como ele mesmo ressaltou dias atrás, e vai depor num ambiente mais favorável e controlado. Na época da denúncia, o ambiente político era completamente contra ele. Bolsonaro terá tempo suficiente para se preparar, e só um destempero, que lhe é comum, pode causar algum incômodo.

O impacto político para Bolsonaro é forte, sem dúvida. Mas a decisão só demonstra uma fragilidade dele como presidente porque seu entendimento dos poderes do Executivo é mais amplo que a lei permite supor. A independência entre os Poderes da República, ressaltada pelo novo presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, é a linha seguida pela decisão de Celso de Mello.


Míriam Leitão: A igualdade perante a lei

A decisão de Celso de Mello tem um lado. O da República. República é o sonho da sociedade de pessoas iguais. Até que ponto as prerrogativas da Presidência podem ir sem infringir o dogma da igualdade? O que o ministro Celso de Mello respondeu ontem em sua decisão, longa e sólida, foi que se o governante é investigado não pode mandar por escrito o seu depoimento para a autoridade policial. Precisa se submeter, como qualquer um, às perguntas, ao contraditório, às “reperguntas”.

“Afinal, nunca é demasiado reafirmá-lo, a ideia da República traduz um valor essencial, exprime um dogma fundamental: o do primado da igualdade de todos perante as leis do Estado. Ninguém, absolutamente ninguém, tem legitimidade para transgredir e vilipendiar as leis e a Constituição de nosso país. Ninguém, absolutamente ninguém, está acima da autoridade do ordenamento jurídico do Estado”, escreveu o ministro.

Ele deixou avisos prévios. Em decisões anteriores, foi deixando claro que a prerrogativa para um chefe de Poder entregar depoimento escrito só existe quando a autoridade está no processo como testemunha. Se for investigado ou réu, não tem esse direito. Foi o que escrevi aqui na coluna “O presidente terá que falar”, de 7 de maio. Certamente a AGU sabia disso, mas o entorno do presidente está preferindo a interpretação de que a decisão do decano é pessoal. É o oposto. É impessoal.

Ele continuou em sua decisão: “Não custa insistir, neste ponto, por isso mesmo, na asserção de que o postulado republicano repele privilégios e não tolera discriminações”, diz ele, em razão de “condição social, de nascimento, de parentesco, de gênero, de amizade, de origem étnica, de orientação sexual ou posição estamental”, e isto porque “nada pode autorizar o desequilíbrio entre os cidadãos da República” sob pena de se transgredir “a ideia da República”.

Segundo Celso de Mello, apesar da “posição hegemônica que detém na estrutura político institucional”, o presidente da República é também “súdito das leis” e portanto não tem esse direito de depor por escrito quando for “pessoa sob investigação criminal”. O pedido para que o presidente deponha por escrito foi feito pelo procurador-geral da República. Augusto Aras sempre mostra sua vocação para defensor do presidente.

A República é sonho que vem sendo sonhado desde a colônia, como conta a historiadora Heloisa Starling no “Ser republicano no Brasil Colônia”. Esteve em cada levante, em cada manifesto de sublevados, esteve com os conjurados de Minas, Rio e Bahia. Foi sendo expropriada do seu sentido mais profundo até ser proclamada com o povo excluído da festa, como conta o historiador José Murilo de Carvalho no clássico “Os Bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi”.

Para não sermos eternamente a “República que não foi”, o país precisar se mover sempre. O passo de ontem foi esse, dado pelo ministro que em breve deixará a cadeira do Supremo Tribunal Federal. Como sempre, ele buscou vozes antigas. Citou João Barbalho, membro da primeira Assembleia Constituinte (1890-1891). “Não há, perante a lei republicana, grandes nem pequenos, senhores nem vassalos, patrícios nem plebeus, ricos nem pobres, fortes nem fracos, porque a todos irmana e nivela o direito.” Não seguir esse princípio seria aceitar privilégios “próprios de uma sociedade aristocrática”.

Pela decisão de Celso de Mello o depoimento do presidente será presencial, e os advogados de quem o acusou, o ex-juiz Sergio Moro, poderão estar presentes e fazer perguntas. O ex-presidente Temer recebeu dos ministros Luis Roberto Barroso e Edson Fachin o direito de depor por escrito. Celso de Mello os elogia, mas discorda. E relaciona votos dele e de outros ministros negando essa prerrogativa. E ademais, ensina, o interrogatório é um “ato de defesa”, é direito do acusado no devido processo legal.

O parágrafo primeiro do artigo 221 do Código de Processo Penal dá a prerrogativa aos chefes dos Poderes de “optar pela prestação do depoimento por escrito” quando forem testemunhas ou vítimas. Quisesse o legislador que isso fosse estendido ao investigado, teria dito. O Planalto vai esperar o ministro se aposentar. Acredita que quem herdar o caso dará a Bolsonaro o direito de ser mais igual que os outros cidadãos da nossa República inacabada.


Ricardo Noblat: Nas mãos de Celso de Mello, mais um campeão de audiência

Decisão sobre sigilo de vídeo pode sair ainda hoje

O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, acabou de retocar, ontem, seu voto sobre o sigilo do vídeo com a gravação da reunião ministerial de 22 de abril último onde, segundo o ex-ministro Sérgio Moro, o presidente Jair Bolsonaro ameaçou intervir politicamente na Polícia Federal. Foi por isso que Moro se demitiu.

Celso ficou chocado com o que viu. Ele disse que anunciaria sua decisão amanhã, mas fez a ressalva de que poderia antecipá-la. Hoje ou amanhã, não importa. O ministro já reuniu argumentos de sobra para justificar o voto a favor da liberação do vídeo na íntegra. Se assim for, vem por aí mais um campeão de audiência.

Quando o Procurador-Geral da República pediu a abertura do inquérito, Celso decidiu de pronto que tudo deveria correr a céu aberto. Sob reserva, apenas o que pudesse a certa altura prejudicar investigações ainda em curso. O distinto público tem o direito de saber se procede ou não o que Moro imputa a Jair Bolsonaro.

Os dois não são pessoas comuns. Um, além de ministro da Justiça, foi juiz durante mais de 20 anos e comandou a maior operação de caça a corruptos da história do país. O outro é simplesmente o presidente da República. Não poderão restar dúvidas sobre o comportamento de um ou de outro. Transparência mata dúvidas no nascedouro.

De resto, como um ministro do Supremo pode eventualmente tomar conhecimento de um ou mais crimes cometidos e preferir ocultá-los? A ser verdade que o ministro da Educação defendeu diante do presidente a prisão dos 11 ministros do Supremo, isso por si só já configura um crime que não pode ser ignorado.

É fato que a ministra da Mulher e dos Direitos Humanos defendeu a prisão de governadores e de prefeitos, mas somente daqueles envolvidos com corrupção. Em manifestações de rua, pode-se pregar o fechamento do Congresso e da Justiça. Mas em uma reunião de governo, ministro não pode sugerir impunemente a prisão de juízes.

É possível que Celso não se limite a examinar no seu voto a questão da quebra do sigilo do vídeo. Deverá ir adiante, dissertando sobre atos de Bolsonaro que, ao seu ver, podem ser encarados como crimes de responsabilidade. Caso o faça, dará sustentação para novos pedidos de impeachment contra ele.

Regina Duarte se despede do pior papel da sua carreira

De um emprego que não teve para outro que não existe

De namoradinha do Brasil à namoradinha da extrema direita. De viúva de Roque Santeiro, a que foi sem nunca ter sido, à Secretária de Cultura do governo do ex-capitão afastado do Exército por planejar atentados à bomba a contra quartéis. Secretária que, assim como a viúva, foi só de nome. Que triste fim de carreira, a de Regina Duarte.

Sabe-se lá por que aceitou o convite do presidente Jair Bolsonaro contra a opinião dos próprios filhos. Nenhum deles compareceu à sua posse no Palácio do Planalto. Queriam distância do novo chefe da mãe. E por mais que ela tenha explicado seu gesto, não engoliram o fato de vê-la misturada com essa gente triste e má.

Quem sempre viveu sob os holofotes não suporta ficar longe deles. Fazia anos que Regina não era escalada para estrelar uma novela. Até seria capaz de aceitar um papel secundário desde que pudesse voltar a ser reconhecida nas ruas, dar autógrafos e posar para selfies. Seu público envelheceu. Os jovens não sabiam de quem se tratava.

Claro que havia também uma forte identidade dela com Bolsonaro. Pedira votos para ele em comícios na Avenida Paulista. Votara nele não só por que sua vitória impediria o retorno do PT ao poder, mas porque compartilhava suas ideias. Nada mais compreensível, pois, que se oferecesse para ajudá-lo em hora de necessidade.

Entrou mal no governo e saiu pior. Não pôde sequer montar sua própria equipe. Foi sabotada desde o primeiro momento pelos devotos do autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho, o guru dos Bolsonaro. Socorreu-se dos ministros militares, mas eles a abandonaram ao concluírem que não poderiam salvá-la.

A última ponta que fez na novela que durou menos de três meses foi humilhante e mal roteirizada. Em vídeo despedida, perguntou se estava sendo fritada – ele negou com um sorriso de velho canastrão. Ela deu uma piscadinha para a câmera como se duvidasse. E em seguida anunciou que ganhara um prêmio de consolação.

Qual? A de diretora da Cinemateca Brasileira. Vai cuidar de mais de 250 mil rolos de filmes e de um milhão de documentos. Com a vantagem, segundo ela, do novo emprego ser perto de sua casa, em São Paulo. O cargo, por ora, não existe. Há entraves burocráticos que emperram sua criação. E a Cinemateca está sem dinheiro.

Amiga da atriz, a deputada Carla Zambelli (PSL-SP), mais amiga ainda de Bolsonaro, garantiu que Regina não ficará ao desamparo. Pano rápido.


Bernardo Mello Franco: Conhecereis a verdade

A mando de Bolsonaro, a AGU tenta esconder seu exame de coronavírus e a fita de uma reunião explosiva. Agora o STF pode fazer valer o versículo que ele adora citar

Desde a campanha, Jair Bolsonaro martela uma passagem do Novo Testamento: “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (João 8:32). O presidente levou pouco tempo para mostrar que não leva o versículo a sério. Agora ele usa a Advocacia-Geral da União para travar uma guerra contra a transparência.

A mando de Bolsonaro, a AGU tenta esconder os exames que atestam se ele contraiu ou não o coronavírus. O capitão já havia perdido em duas instâncias judiciais. Na sexta-feira, foi salvo por uma canetada do presidente do Superior Tribunal de Justiça, João Otávio de Noronha.

O ministro opinou sobre o caso antes de julgá-lo. Mesmo assim, ignorou pedido do jornal “O Estado de S. Paulo” e não quis se declarar impedido. Não seria o único motivo para isso. Em discurso recente, Bolsonaro se referiu a ele como “um amor à primeira vista”.

Ontem o “Valor Econômico” revelou que uma articulação do governo incluiu na pauta da Câmara projeto que cria um tribunal federal em Minas Gerais. O autor da ideia é o ministro Noronha, mineiro de Três Corações. O amor e a vida são feitos de coincidências.

Em outra frente, Bolsonaro tenta manter em sigilo o teor da reunião ministerial de 22 de abril. O encontro foi citado por Sergio Moro como prova de interferência indevida na Polícia Federal. A AGU já apresentou três recursos para barrar a entrega e a divulgação do vídeo.

A ameaça relatada por Moro não é o único trecho explosivo da fita. Segundo participantes da reunião, o presidente atacou uma nota da Polícia Rodoviária Federal que lamentava a morte de um agente pela Covid-19.

Ainda de acordo com os relatos, o chanceler Ernesto Araújo teria feito novos ataques à China. E Abraham Weintraub, o ministro sem educação, teria xingado as mães dos onze juízes do Supremo. Tudo poderá ser esclarecido se o ministro Celso de Mello liberar a divulgação do vídeo, que será exibido hoje em sessão reservada.

Na semana passada, o decano lembrou que “os estatutos do poder, em uma república fundada em bases democráticas, não podem privilegiar o mistério nem legitimar o culto ao sigilo”. Agora ele pode apresentar ao público as verdades que Bolsonaro tenta esconder.


Conjur: Bolsonaro pode ter incorrido em crime de responsabilidade, diz Celso

Para o ministro Celso de Mello, Bolsonaro pode ter incorrido em crime previsto pela "lei do impeachment"

O movimento do presidente da República para radicalizar o conflito com o Parlamento não passa despercebido pelo Judiciário. Diante das notícias de que o próprio Jair Bolsonaro compartilhou convocação para um ato hostil ao Congresso, o decano do Supremo Tribunal Federal, ministro Celso de Mello, cogitou, na manhã desta quarta-feira (26/2), de possível enquadramento do presidente em crime de responsabilidade.

Leia a nota do decano do STF:

Essa gravíssima conclamação, se realmente confirmada, revela a face sombria de um presidente da República que desconhece o valor da ordem constitucional, que ignora o sentido fundamental da separação de poderes, que demonstra uma visão indigna de quem não está à altura do altíssimo cargo que exerce e cujo ato, de inequívoca hostilidade aos demais Poderes da República, traduz gesto de ominoso desapreço e de inaceitável degradação do princípio democrático!!! O presidente da República, qualquer que ele seja, embora possa muito, não pode tudo, pois lhe é vedado, sob pena de incidir em crime de responsabilidade, transgredir a supremacia político-jurídica da Constituição e das leis da República!

Preparando terreno
A leitura política dos movimentos de Bolsonaro é que ele quer insuflar parte da população para pretensa justificativa de radicalizar com medidas excepcionais para neutralizar o Congresso e o STF, vistos como "estorvos" pelo bolsonarismo.

A manifestação de apoio a Bolsonaro, contra "os inimigos do Brasil", marcada para o dia 15, destina-se a, segundo a convocação, "mostrar a força da família brasileira". Os termos evocam a "Marcha da Família com Deus pela Liberdade", promovida em março de 1964, véspera do golpe militar que seria deflagrado dia 1º de abril. Veja o primeiro vídeo compartilhado pelo presidente:

"Lei do impeachment"
Os crimes de responsabilidade que podem ser cometidos por Presidente da República — e resultar em sua deposição — constam da lei 1.079/50. Entre outras disposições, seu artigo 4º prevê ser crime atentar contra "o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e dos poderes constitucionais dos Estados".