Catarina Rochamonte

Catarina Rochamonte: PEC 5 - A ira vingativa dos corruptos

A resistência dos que defendem o MP será testada ante o projeto indecoroso de Paulo Teixeira

Catarina Rochamonte / Folha de S. Paulo

A tentativa de submeter o Ministério Público ao controle de políticos, aleivosia posta em curso na Câmara Federal, mostra o grau de confiança a que chegaram no Brasil aqueles que combatem o combate à corrupção.

Apelidada de “PEC da vingança —devido à evidente intenção de retaliação nela contida—, a PEC 5/2021 fere a independência e a autonomia institucional ao aumentar a ingerência política no CNMP. O corregedor, responsável pela condução de processos disciplinares contra promotores e procuradores, passaria a ter fortes vínculos políticos, consolidando com isso a cultura de impunidade dos poderosos que sempre vigorou no Brasil, embora tenha sido excepcionalmente confrontada pela Operação Lava Jato.

O autor do indecoroso projeto é o deputado petista Paulo Teixeira, com aval monolítico do seu partido. O centrão, através do presidente da Câmara, Arthur Lira, está no comando, dando as cartas num jogo sujo combinado com o presidente Bolsonaro. Nessa combinação, o relator da PEC, deputado Paulo Magalhães, conseguiu piorar o que já era ruim.

Mais uma vez, bolsonaristas e petistas convergem com o habilidoso oportunismo do centrão, que tem demonstrado grande força, mas não tem projeto de poder próprio; só um plano de domínio parasitário. Com Bolsonaro reeleito ou com Lula eleito, tal parasitismo continuará a ser praticado com mais conforto e tranquilidade, caso a PEC 5 seja aprovada.

A vitória dessa excrescência nas duas Casas do Congresso não é certa. Apesar do despudor com que conduz o processo —havendo, inclusive, mentido sobre um acordo com procuradores—, Arthur Lira não conseguiu liquidar logo a fatura na Câmara, tendo sido obrigado a adiar a votação para esta terça-feira (19).

O recuo no tratoraço vingativo deveu-se à resistência tanto no conjunto da sociedade civil quanto entre parlamentares que defendem a integridade do Ministério Público. Que tal resistência persista até a vitória final, que é rejeição integral dessa PEC abusiva.

*Doutora em filosofia, pós-doutoranda em direito internacional e autora do livro 'Um Olhar Liberal Conservador sobre os Dias Atuais'


As quatro linhas da Constituição

Se reação do TSE e STF aos desvarios do presidente não o demover da aventura autoritária, talvez demova oportunistas mais cautelosos

Catarina Rochamonte / Folha de S. Paulo

Há tempos o presidente Bolsonaro vem atravessando o que ele chama de “quatro linhas da Constituição” para cometer crimes de responsabilidade; crimes pelos quais já deveria ter sofrido processo de impeachment. Até agora, cooptando parlamentares com cargos e verbas, tem conseguido se blindar. Contudo, sua insana reincidência criminosa vai tornando toda blindagem precária.

Na live anunciada com estardalhaço e feita para provar fraude em eleições com urna eletrônica, Bolsonaro não provou nada; mas fez da questão do voto impresso mais uma bandeira manipulada para fomentar mobilização fanática capaz de sustentar uma aventura autoritária personalista.

Muitos entendem que a adoção do voto impresso é um atraso, retrocesso; outros entendem que é um avanço para a transparência das eleições. Quem tem poderes para decidir a questão é o Congresso; a ameaça de que não haverá eleições em 2022 se não for adotado o sistema do gosto do presidente da República é, pois, antes de tudo, uma afronta ao Poder Legislativo.

Arthur Lira e parlamentares do centrão, aliados circunstanciais de Bolsonaro, talvez estejam revendo o cálculo de vantagens, pois a guerra do bolsonarismo visa à liquidação ou sujeição não apenas do TSE e do STF, mas de todas as instituições democráticas.

Sobre o propósito autoritário de Bolsonaro já é passado o tempo das especulações. Suas falas sobre isso são abertas e enfáticas, como nesta tosca declaração: “meu jogo é dentro das quatro linhas, mas se sair das quatro linhas, sou obrigado a sair das quatro linhas”.

Bolsonaro acha que é simples agir fora das “quatro linhas da Constituição”. Não é, embora, às vezes, devido à tibieza de uns e venalidade de outros, assim lhe possa parecer.

Se a dura reação do TSE e do STF aos seus desvarios de poder personalista não o demover da aventura autoritária em curso, talvez demova, ao menos, os oportunistas mais cautelosos. Com Bolsonaro restará apenas sua seita de radicais.


Catarina Rochamonte: A confortável pandemia

A questão humanitária torna muito infeliz a frase do deputado Ricardo Barros e faz do impeachment de Bolsonaro uma urgência nacional

Na semana passada, com o número de mortes por Covid no Brasil se aproximando de 300 mil, morrendo mais de 2.000 pessoas por dia, com o sistema de saúde entrando em colapso por todo o país, com milhões de pessoas angustiadas por providências de quem as pudesse tomar; diante da realidade de horrores que invade lares e despedaça as famílias, o deputado Ricardo Barros, líder do governo na Câmara, veio a público dizer que tal tragédia “é uma situação até confortável”.

Talvez por isso o novo ministro da Saúde, o médico Marcelo Queiroga, esclareceu, de imediato, que sua administração será de continuidade e servilismo. Com efeito, se a situação é confortável, por que não deixar como está? A situação é tão confortável e tranquila que, para quebrar a monotonia, Bolsonaro veio, mais uma vez, tumultuar e confundir: lançou suspeita sobre vacinas, pôs em dúvida os números de mortes por Covid registrados pelos órgãos competentes, ameaçou medida dura contra quem tomar medidas contra a pandemia, insinuou estado de sítio e acionou o STF para impedir medidas de proteção sanitária adotadas no Rio Grande do Sul, Bahia e Distrito Federal.

Antes de Queiroga ser convidado para o Ministério da Saúde, a médica Ludhmila Hajjar, que não queria continuidade, expôs seu desconforto com o avanço célere da pandemia, num quadro que chamou de “sombrio”. Em resposta, as trevas do bolsonarismo investiram contra ela com a vileza costumeira e emplacaram o nome escolhido por Flávio Bolsonaro.

A fala infeliz do deputado Barros acerca da situação “até confortável” que vivemos foi proferida um dia antes da morte, por Covid, do senador Major Olímpio. Estão dizendo que essa morte abalou o Congresso. Abalo salutar, mas que traz uma nota de desalento: toda a República já deveria estar maximamente abalada com as anteriores mortes de milhares de cidadãos, compreendendo que o impeachment de Bolsonaro é uma urgência nacional por questão humanitária e de sobrevivência.


Catarina Rochamonte: Danilo Gentili e o autoritarismo da Câmara

Imputar saudosismo de ditadura a Gentili é assombrosa aleivosia

Em atitude abusiva, covarde e persecutória, o presidente da Câmara e sua turma acionaram o STF com um pedido de prisão em flagrante contra o humorista Danilo Gentili. O motivo da estapafúrdia peça jurídica, enviada pelo ministro Alexandre de Moraes para apreciação da PGR, foi uma postagem de Twitter na qual o apresentador vale-se de expressão hiperbólica para tecer sua crítica aos deputados que apoiavam aquela que ficou conhecida como "PEC da impunidade."

Augusto Aras se manifestou junto ao STF dizendo não existir, "por ora", motivos para a prisão, mas propôs incluí-lo no inquérito dos atos antidemocráticos e recomendou seu banimento do Twitter. Outras medidas de cerceamento contra as liberdades de Gentili foram propostas, como a proibição de sair da cidade onde vive ou se aproximar a menos de um quilômetro da Câmara.

A Câmara justificou seu arroubo autoritário com a necessidade de "tolher a seiva autoritária" dos "saudosistas da nossa assombrosa experiência ditatorial". Ora, imputar saudosismo de ditadura a Gentili é assombrosa aleivosia. A mensagem que motivou tal empenho retaliatório quis antes atacar a trama autoritária dirigida pela Mesa da Câmara, que, com urgência oportunista, tentou fazer passar a indecorosa PEC que tornava os parlamentares praticamente inimputáveis.

O comediante já foi às redes sociais para se justificar e dizer que sempre defendeu as instituições democráticas. O que, apesar de suas ácidas críticas disparadas a torto e a direito, é substancialmente verdade. O humor de Danilo é fundamentalmente antiautoritário.

A frase que gerou a celeuma é inconveniente, merecendo um pito. Que por causa dela tenha a Câmara pedido a prisão do autor e que a PGR queira que um humorista seja censurado e banido das redes sociais é uma piada que nem o talentoso Danilo faria igual. Entretanto, é preciso que os cidadãos fiquem alertas para não permitir que tal piada se transforme em jurisprudência.


Catarina Rochamonte: STF - Autoritarismo contra boçalidade

O deputado se excedeu em palavras e o ministro se excedeu em ato: tentou combater a boçalidade com autoritarismo.

A verborragia do deputado Daniel Silveira que deu azo ao mandado de prisão em flagrante expedido pelo ministro Alexandre de Moraes é de estarrecer pela sua vileza, violência, chulice e boçalidade. Essa boçalidade tem degradado a política brasileira, mas, convenhamos, ela não é exclusividade do deputado que serviu de boi de piranha para o Supremo mandar seu recado ao bolsonarismo.

Que a fala do deputado foi criminosa, parece consenso; todavia, a prisão em flagrante teve sua legalidade amplamente questionada no meio jurídico. O deputado se excedeu em palavras, e o ministro se excedeu em ato: tentou combater a boçalidade com autoritarismo e defender o Estado de Direito corroendo seus alicerces. A punição deveria ter sido pleiteada segundo o rigor das normas constitucionais.

O STF merece muitas críticas, que podem ser feitas sem excessos criminosos. Não apenas pode ser criticado como deve ser investigado, inclusive pela já de há muito proposta CPI da Lava Toga, que está barrada no Senado pelo acordo de impunidade entre os Três Poderes. CPI essa, aliás, que sofreu ativa resistência do senador Flávio Bolsonaro.

Mesmo sendo legalmente questionável, a prisão do deputado foi referendada pela unanimidade do STF e corroborada pela Câmara. O presidente Bolsonaro, por sua vez, silenciou, como já o fizera em relação às prisões de Sara Winter e Oswaldo Eustáquio. É que a turma radical não lhe é útil nesse momento: tornou-se um ruído a perturbar a paz que uniu Planalto, ala anti-Lava Jato do STF e políticos de rabo preso que não se podem indispor com o Supremo.

Se a Câmara optou por não oferecer resistência aos arroubos autoritários dos que se julgam intocáveis, cabe agora ao Senado fazê-lo, abrindo os processos de impeachment protocolados contra ministros do Supremo e instalando a CPI da Lava Toga. Se a independência e harmonia dos poderes é pilar do Estado de Direito, é preciso agora que o Senado exerça algum protagonismo republicano.


Catarina Rochamonte: A alta nata do que não presta

Bolsonaro não só abraçou o centrão como se tornou seu chefe

O mau conceito do centrão —ajuntamento fisiológico mais descarado da política brasileira, com vários dirigentes envolvidos em corrupção— é quase unanimidade, e, por isso, falar mal dele rende votos. Na campanha de 2018, o candidato Jair Bolsonaro referiu-se a esse agrupamento político como "a alta nata de tudo o que não presta no Brasil" e disse que "essa forma de governar" (o "toma lá dá cá", o loteamento dos órgão públicos) "é que levou o Brasil a essa ineficiência e a essa corrupção não encontrada em nenhum lugar do mundo".

No mesmo ano, em convenção nacional do PSL, o general Augusto Heleno parodiou um samba, substituindo a palavra "ladrão" e cantarolando para a plateia: "se gritar pega centrão, não fica um meu irmão...".

Águas passadas e samba velho. Agora, o centrão foi promovido pelo governo ao centro das decisões da República. Bolsonaro não só o abraçou: tornou-se seu chefe, tendo agido com despudor no caso da disputa pela Presidência da Câmara, quando, com verbas bilionárias e oferta de cargos, comprou a eleição de Arthur Lira, um réu por corrupção.

Logo em seguida, veio outra vitória da acomodação de interesses ou do acordão da impunidade: a extinção da Lava Jato (decidida pelo PGR indicado sob encomenda para atingir esse fim). Bolsonaro entregou aos novos presidentes da Câmara e do Senado uma lista de prioridades que não contempla nada da agenda anticorrupção. Nenhuma menção à PEC da prisão em segunda instância (que, segundo o líder do governo na Câmara, foi criada "só para prender o Lula e tirá-lo da eleição").

A "nata do que não presta" está eufórica: varou a madrugada da vitória de Lira comemorando na mansão de um empresário denunciado pelo MPF e réu por fraude tributária. Convivas aglomerados esbaldaram-se em atitude indecorosa pela ostentação e despropósito em um contexto no qual a pandemia já ceifou mais de 230 mil vidas. Muitas das quais poderiam ter sido salvas não fosse a incúria das autoridades.


Catarina Rochamonte: Eleições e cooptação do Congresso

Bolsonaro tenta sujeitar o Congresso para viabilizar um projeto autocrático

O presidente da República não tem disfarçado o indecoroso empenho em favor dos seus candidatos a presidente da Câmara (Arthur Lira) e do Senado (Rodrigo Pacheco), chegando até a invocar o nome de Deus para ajudá-lo na flagrante indecência de eleger, à custa de liberação de verbas bilionárias, quem esteja disposto a se subordinar. Nas eleições desta segunda-feira ver-se-á até onde o Congresso está disposto a ir na cumplicidade com um projeto autoritário.

Na Câmara, apesar de todas as negociatas que sustentam o favoritismo do candidato de Bolsonaro, que é réu por corrupção, há chance de a disputa ir para o segundo turno. No Senado, o quadro é mais difícil; desolador. Lá, de forma oportunista e desavergonhada, quase toda a esquerda —PT, PDT, Rede— uniu-se a Bolsonaro em favor do candidato chapa-branca, e o MDB, que havia lançado a candidatura de Simone Tebet, acovardou-se e resolveu rifá-la.

Bolsonaro tenta sujeitar o Congresso não apenas para barrar um processo de impeachment, mas também para viabilizar um projeto autocrático, aprofundando a erosão democrática já iniciada com as interferências indevidas na PF, na Receita, no Coaf...; e ainda a utilização para fins privados de órgãos como a Abin.

Na Procuradoria Geral da República, ele já colocou um cavalo de Troia. O atual PGR, lembremos, vem combatendo quem combate a corrupção, tendo como prioridade a destruição da força-tarefa da Lava Jato. No STF, Bolsonaro conseguiu emplacar alguém de notório não saber jurídico —plagiário de dissertação e falsificador de títulos— mas com a virtude da gratidão e o dom de adivinhar as intenções de quem o indicou.

As candidaturas governistas no Congresso são parte da estratégia de cooptação e aparelhamento das instituições que avança sob o olhar reticente dos que advogam a tese de que um novo impeachment debilitaria a democracia. Ao contrário, o impeachment é precisamente o instrumento democrático para frear o uso leviano do poder.

*Catarina Rochamonte é doutora em filosofia, autora do livro 'Um olhar liberal conservador sobre os dias atuais' e presidente do Instituto Liberal do Nordeste (ILIN).


Catarina Rochamonte: Direita sem Bolsonaro

Liberais e conservadores precisam avançar pelo caminho da racionalidade que exige o respeito às instituições

O campo liberal-conservador engajou-se outrora na campanha pelo impeachment de uma presidente de esquerda. Agora, não faltam razões para se posicionar contra um presidente de direita que fez retroceder as pautas anticorrupção e que —em momento de clamor nacional devido à pandemia— após ter demitido dois ministros da Saúde que não se curvaram às suas idiossincrasias, ocupa-se em questionar a eficácia das vacinas, atrasar sua compra, reforçar narrativas conspiratórias que põem em xeque as instituições, alimentar a histeria nas redes sociais e bajular com oferta de cargos a ala fisiológica e podre da política (o tal do establishment que prometeu combater).

Ainda pior que Bolsonaro é o bolsonarismo, ideologia que, à semelhança do lulismo, mantém-se com base no culto à personalidade do líder. Esse fanatismo bizarro —que foi a estranha resposta dos brasileiros à hipocrisia da esquerda, aos excessos do progressismo e à avassaladora corrupção da era petista— tem se expressado pela incivilidade, boçalidade, selvageria e intolerância.

Os liberais e os conservadores precisam se afastar dessa ideologia malsã e avançar pelo caminho da racionalidade que exige o respeito às instituições e a preservação da saúde coletiva, ameaçada pela incúria presidencial. Caso contrário, a centro-direita deixará a esquerda oportunista confortável na prática da sua política nebulosa, que levanta a bandeira do impeachment ao mesmo tempo em que PT e PDT fazem o jogo de Bolsonaro, apoiando seu candidato a presidente do Senado.

Felizmente cresce o engajamento nesse sentido, como se pode notar pelo abaixo-assinado lançado por João Amoêdo, Vem pra Rua e MBL e pela carreata realizada domingo (24), em prol do impeachment. É lamentável, porém, que nomes respeitáveis, fortes e promissores do espectro político mais à direita permaneçam reticentes. A direita liberal humanista não pode restar ao lado de Bolsonaro com os sectários de sempre e os cúmplices de ocasião.


Catarina Rochamonte: Trump - A insanidade populista

O inimigo interno, que se beneficia da sociedade livre e plural, está à espreita

Capitólio foi invadido por americanos tomados de furor fanático, o que mostra o estrago causado pelos inimigos internos das democracias, subjugadas em seus próprios territórios por extremismos ideológicos que se tocam e se correspondem na presunção de verdade e na intolerância que vê na sua visão de mundo a única digna de ser defendida, esquecendo-se que a virtude das democracias liberais é o triunfo do pluralismo de ideias e da busca do consenso por argumentação; não por violência ou intimidação.

A aventura autoritária insuflada por Trump não se deveu ao fato de ser ele um político de direita. À direita ou à esquerda, os governantes, quando imbuídos de algum zelo democrático, permitem a alternância de poder sem sabotá-la com narrativas fantasiosas que incitam ódio e revolta. A atitude de Trump deveu-se, antes, a uma loucura ambidestra: o desvario do poder. Tomado por essa loucura, o líder populista constrói narrativas conspiratórias e, sustentado pela massa, vai com ela até onde der.

Após conclamar seus apoiadores para o protesto e incitá-los a avançar sobre o Capitólio —instrumento e símbolo da democracia americana—, o presidente os abandonou e atacou covardemente, declarando que não representavam o país. Essa é uma lição que deveria ficar para todos os tipos de fanáticos: seus chefes idolatrados não hesitam em sacrificá-los.

Os EUA vencerão a insanidade populista, pois a história tem demonstrado o vigor de suas instituições. Aquele inimigo interno, porém, que se beneficia da sociedade livre e plural enquanto constrói narrativas para derrotá-la, está à espreita. O futuro do mundo livre dependerá cada vez mais de um entendimento na diversidade —E Pluribus Unum—, de uma política de dissolução de conflitos capaz de congregar as forças mais diversas no intuito de construir uma sociedade mais justa.

O que se entende por isso não é consensual, mas é algo que possui pontos comuns entre os dotados de boa-fé e boa vontade.


Catarina Rochamonte: Centrão acima de tudo, Flávio acima de todos

A preocupação de Bolsonaro tem sido evitar o impeachment e blindar seu filho, duas coisas que se complicaram após a denúncia de que a Abin produziu relatórios com orientações para que o caso Queiroz fosse anulado

O envolvimento de Bolsonaro na campanha de Arthur Lira (líder do Centrão e réu por corrupção) para a presidência da Câmara Federal é grande. Tão grande quanto o preço com que a sua eleição está sendo negociada. Para eleger o candidato que coleciona processos judiciais e denúncias que vão de violência doméstica à cobrança de propina, passando por operação de “rachadinha”, a máquina governista trabalha a todo vapor, oferecendo liberação bilionária de emendas parlamentares e generosa distribuição de cargos, com promessa de descartar alguns ministros para acomodar nomes do Centrão.1 8

Como a ideologia fraqueja diante das infindáveis benesses que o poder proporciona, até parte da esquerda flerta com o candidato de Bolsonaro, que procurou José Dirceu e se dispôs a procurar Lula prometendo, em troca do apoio do PT, pautar a criação de um novo imposto sindical, revisar a Lei da Ficha Limpa e combater o “lavajatismo”. Tudo em acordo tácito com o presidente, cuja preocupação maior tem sido evitar o seu impeachment e blindar o filho Flávio, duas coisas que se complicaram após a denúncia de que integrantes da cúpula da Abin produziram relatórios com orientações de como os advogados do senador deveriam proceder para que o caso Queiroz fosse anulado.

A orientação visava sustentar a narrativa de supostas irregularidades na obtenção dos dados de Flávio a fim de invalidar as provas contra ele. Com o objetivo de “defender FB no caso Alerj”, o relatório traça linha de ação que passa por acessar dados da Receita e demitir servidores do Fisco e da Controladoria-Geral da União (CGU) que fossem um obstáculo a isso.

À frente da Abin está Alexandre Ramagem, cuja tentativa de indicação para o comando da PF (frustrada pelo STF) foi o pivô da saída de Sérgio Moro do governo. Comprova-se, portanto, o que Moro denunciou ao sair: a interferência de Bolsonaro nas instituições com o objetivo de proteger o seu filho das investigações de que é alvo.Catarina Rochamonte

*Doutora em filosofia, autora do livro 'Um olhar liberal conservador sobre os dias atuais' e presidente do Instituto Liberal do Nordeste (ILIN).


Catarina Rochamonte: A Constituinte do centrão

Em uma de suas frases acerbas a respeito da nossa Carta de 1988, Roberto Campos a descreve como "saudavelmente libertária no político, cruelmente liberticida no econômico, comoventemente utópica no social." Essa é, de modo geral, a visão liberal acerca da atual Constituição. Reavaliá-la deve estar no horizonte político, e o Congresso guarda poder para modificá-la através de emendas.

Embora seja possível uma nova Constituinte, ela configura uma ruptura com a ordem em vigor e normalmente resulta de lutas sociais, revoluções ou golpes de Estado. Pode resultar também de um descarado oportunismo político, como é o caso do projeto que o líder do governo, Ricardo Barros, pretende submeter ao Congresso no sentido de viabilizar um plebiscito para uma nova Constituinte. Felizmente a proposta está sendo amplamente repudiada.

Tentando evitar desgastes ao governo, o general Mourão disse que a ideia de Barros foi um "voo solo". Não convence. O líder de Bolsonaro é um dos ases do fisiologismo político e sempre vai por onde sopra o vento coletivo do centrão. Em seguida, veio o próprio Barros dizer que errou "em não consultar o governo antes". Convence menos ainda. Até porque ele continua a tocar o projeto sem nenhum óbice por parte do presidente.

O interesse da Constituinte disparatada é a impunidade. A questão crucial dos políticos fisiológicos que controlam o Congresso é impedir que políticos corruptos sejam investigados e presos: "estancar a sangria", como revelou lá atrás Romero Jucá.

A construção da impunidade dos grandes, coisa que chamam de "governabilidade", é a razão de ser do centrão, tão bem representado pelo líder Ricardo Barros. Tal estratégia é uma questão de sobrevivência, pois o centrão abriga uma variada gama de políticos sob investigação judicial, denunciados, réus; alguns presos.

Mas eles nem precisavam se arriscar em uma proposta tão ousada quando a impunidade já vai indo tão bem na atual conjuntura política.

*Catarina Rochamonte, doutora em filosofia, autora do livro 'Um olhar liberal conservador sobre os dias atuais' e presidente do Instituto Liberal do Nordeste (ILIN)


Catarina Rochamonte: Reeleição e rebaixamento da República

Alcolumbre move-se às claras pela reeleição

Os três Poderes se acumpliciam, mais uma vez, rebaixando o princípio constitucional de independência e harmonia ao nível da dependência e mútua proteção. Nessa República do compadrio, antes do interesse público vêm os interesses particulares dos mandatários, e as práticas do tipo "uma mão lava outra" dos ilustres políticos sequer são camufladas. O senador Davi Alcolumbre, por exemplo, move-se às claras e com desembaraço para garantir sua pretensão de continuar no cargo de presidente do Senado por meio de uma reeleição flagrantemente inconstitucional.

Já avança no Senado, elaborada às pressas pela senadora Rose de Freitas, uma PEC para a reeleição de Alcolumbre. O presidente do Senado, todavia, tendo muitos favores prestados a seus aliados nos outros Poderes, não quis confiar apenas na PEC da Rose, tratando logo de manobrar para que o STF o autorize a atropelar a Constituição. Atropelo esse que, aliás, já conta com o aval da PGR e da AGU, sob a alegação de que se trata de questão regimental, e não constitucional.

Questionada por membros do Muda Senado sobre eventual reeleição do atual presidente, a Consultoria Legislativa da casa deu o seguinte parecer: "reeleição dentro da mesma legislatura é inconstitucional". Alcolumbre não deu a mínima; mandou a consultoria às favas e aproveitou para atacar o grupo Muda Senado, que tenta defender a Constituição.

O rebaixamento da República foi selado em elegante jantar oferecido pela senadora Kátia Abreu, que recebeu os senadores Alcolumbre, Eduardo Braga e Renan Calheiros e o ministro Gilmar Mendes, relator de uma ação que poderá resultar na autorização do projeto continuísta.

O que esses convivas têm em comum além do cuidado com a reeleição de Alcolumbre? São contrários à Lava Jato; estão em campanha —aberta ou sorrateira— para destruí-la e, com isso, trazer de volta a garantia de impunidade dos poderosos, no espírito da velha política de acomodação de interesses.

*Catarina Rochamonte, Doutora em filosofia, autora do livro 'Um olhar liberal conservador sobre os dias atuais' e presidente do Instituto Liberal do Nordeste (ILIN).