caso queiroz

Bruno Boghossian: Flávio Bolsonaro se enrola cada vez que tenta explicar o caso Queiroz

Filho do presidente tenta se defender de suspeitas, mas se destaca pelo que não diz

Quando o país conheceu os rolos de Fabrício Queiroz, o então senador eleito Flávio Bolsonaro disse que o ex-auxiliar tinha uma “história bastante plausível” para justificar as movimentações suspeitas em suas contas bancárias. Meses depois, ele passou a insistir que não tinha “nada a ver” com a investigação sobre o PM aposentado. Até hoje, o filho do presidente se enrola a cada vez que tenta explicar o caso.

Flávio deu um presente aos promotores que apuram a existência de um esquema de desvio de salários em seu gabinete na Assembleia do Rio. Em entrevista ao jornal O Globo, o senador confirmou fatos que estão sob investigação, mas se destacou pelo que não conseguiu esclarecer.

Primeiro, o filho do presidente admitiu: “Pode ser que, porventura, eu tenha mandado o Queiroz pagar uma conta minha”. Flávio falava como se aquele fosse um caso isolado, mas o Ministério Público encontrou 63 boletos quitados em dinheiro, com “origem alheia aos rendimentos lícitos” do senador e de sua mulher.

Ele ainda tentou dizer que sacava aqueles valores e repassava ao auxiliar para bancar as faturas. Flávio poderia ajudar os promotores a encontrar os registros dessas operações. Em outubro de 2018, Queiroz pagou em espécie as mensalidades escolares das filhas do senador. Nos 15 meses anteriores, não houve nenhuma retirada das contas do casal.

O filho do presidente repetiu a versão segundo a qual Queiroz apenas recolhia parte dos salários do gabinete para subcontratar militantes. Flávio afirmou que não sabia dessa prática, embora isso queira dizer que o esquema ajudou a comprar apoio político em suas bases eleitorais.

Também ficou pela metade a explicação sobre o pagamento de uma parcela de um apartamento da família, em 2016, feito por um PM. O senador disse que estava num churrasco e pediu ao policial para quitar o boleto pelo celular porque não queria ir ao banco. Segundo o amigo, Flávio devolveu os R$ 16,5 mil em dinheiro vivo —o que significa que não há registros bancários do reembolso.


El País: Wassef, o fiel advogado que virou uma bomba prestes a explodir

Após a prisão do ex-assessor, investigado em suposto esquema de rachadinha, o advogado e dono do esconderijo em Atibaia deu sucessivas entrevistas à imprensa que se contradizem

Felipe Betim, do El País

Frederick Wassef está uma pilha de nervos. Com livre trânsito nos bastidores do poder, ele se comporta ―ou se comportava― como o Sancho Pança de Jair Bolsonaro. Enquanto na frente das câmeras o presidente segue em sua luta quixotesca contra os moinhos de vento ―a “histeria” do coronavírus, os governadores, o PT, o comunismo e toda sorte de delírio―, o advogado agia fora dos holofotes para manter o controle das batalhas reais que acontecem nos tribunais. Até que a polícia bateu na porta de seu imóvel em Atibaia (SP), às seis da manhã da quinta-feira 18 de junho, e encontrou Fabrício Queiroz. O ex-policial movimentou cerca de três milhões de reais entre 2007 e 2018, segundo o Ministério Público do Rio, sob o comando do então deputado Flávio Bolsonaro, recolhendo parte dos salários de outros assessores ―fantasmas― e repassando o dinheiro para o chefe.

Wassef representava formalmente o senador no inquérito até o último domingo. Após umas primeiras declarações no dia da detenção, manteve um breve silêncio. Até que começou a dar sucessivas entrevistas no final de semana para alguns jornalistas. “Todos estão convictos hoje de que o Fred virou o alvo. Se bater no Fred atinge o presidente, eu e o presidente viramos uma pessoa só”, afirmou à CNN, sem explicar por que Queiroz estava na sua casa. Fez ilações, simulou mistério, falou em não antecipar estratégia de defesa. Disse que nunca falou com Queiroz, embora investigadores tenham constatado que ele estava escondido em sua casa há um ano. “Nunca telefonei para Queiroz, nunca troquei mensagem com Queiroz nem com ninguém de sua família. Isso é uma armação para incriminar o presidente”, assegurou ele ao jornal Folha de S. Paulo.Virou piada a pergunta por telefone da repórter Andrea Sadi, da TV Globo, no último sábado: “O Queiroz pulou o muro? Apareceu voando para casa do senhor?”.

Durante suas entrevistas ao vivo, as câmeras revelavam um homem agitado, como uma bomba prestes a explodir, apresentando versões desencontradas e confusas sobre os motivos de ter abrigado o ex-policial. Disse, por exemplo, que não sabia que Queiroz estava em sua casa no dia de sua detenção. “Soube algumas vezes que estava lá. É óbvio que tem risco [em abrigar Queiroz], mas essa é uma questão de natureza de saúde (...). Se eu permito que ali se acomodasse por proximidade ao local, por preservação, para que não ficasse exposto, não quer dizer que eu tenha tido contato ou qualquer irregularidade”, afirmou mais uma vez à CNN no domingo.

Depois de inúmeros rodeios, ainda tentou descolar o presidente do assunto. “Nunca, jamais, o presidente Jair Bolsonaro soube ou teve conhecimento desses atos, desses fatos. Essa é minha inteira responsabilidade. Eu omiti essas informações do presidente da República e do senador Flávio Bolsonaro”. Passou a dizer, então, que abrigou o ex-assessor por razões “humanitárias”, para que ele pudesse realizar um tratamento de saúde na região. E avisou que deixava o cargo de advogado de Flavio, informação depois confirmada pelo próprio senador, filho do presidente, em seu Twitter.

Se aos olhos do país Wassef se tornou mais um personagem surreal de uma surreal novela, o fato é que suas contradições podem acabar respingando no inquérito que tanto atormenta o presidente Jair Bolsonaro. Há evidências e registros de sobra da proximidade do advogado com o presidente. Um dia antes da operação policial que encontrou Queiroz em sua casa, Wassef se encontrava no Palácio do Planalto para a cerimônia de posse do novo ministro da Comunicação. Ele é conhecido por sua atuação discreta, nos bastidores, dos assuntos ligados ao presidente. Entre os mais importantes, era ele quem representava Bolsonaro nas investigações sobre o atentado a faca contra o então candidato às vésperas das eleições de 2018. Nos dias de apuração das urnas, se encontrava ao lado do atual presidente no sofá de sua casa. Fiel ao clã, acabou ganhando apelido de Anjo, que deu nome à operação da última quinta.

De acordo com a decisão do juiz Flávio Itabaiana Nicolau, havia uma ”rotina de ocultação do paradeiro de Queiroz que envolvia restrições em sua movimentação e em suas comunicações”. Ele era monitorado por “uma terceira pessoa” que, por sua vez, se reportava a um superior hierárquico referido como “Anjo” ―ou seja, Wassef. Chamou a atenção dos investigadores o fato de que o ex-policial recebia dinheiro de terceiros para se manter. O EL PAÍS tentou sem sucesso contactar o advogado.

Caso a versão do Ministério Público se confirme, Wassef mentiu em uma entrevista que concedeu em setembro de 2019 para a jornalista Andreia Sadi na Globo News. Ao ser questionado sobre o paradeiro de Queiroz, foi assertivo: “Não existe a frase o sumiço de Fabrício Queiroz. Eu não sei [onde ele se encontra], não sou advogado dele”. Depois, enfatizou que o ex-assessor havia, sim, comparecido ao Ministério Público. “Jamais deixou de comparecer a qualquer intimação ou chamada do poder público no Rio de Janeiro. Ele disse que jamais, que nunca, repassou um único centavo a Flávio Bolsonaro”, explicou.

No dia da detenção de Queiroz, na quinta-feira, 18, em sua live semanal no Facebook, o presidente Bolsonaro, que não é investigado no inquérito, opinou que a operação policial havia sido “espetaculosa” e tratou de explicar a presença na casa de seu advogado: “E por que estava naquela região de São Paulo? Porque é perto do hospital onde faz tratamento de câncer. Então, esse é o quadro. Da minha parte, está encerrado aí o caso Queiroz”. Wassef também adotou esse argumento, ao afirmar que Queiroz estava no local por causa da proximidade da Santa Casa de Bragança Paulista, onde o ex-policial faria o tratamento para um câncer de próstata.

De acordo com o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, conhecido por defender várias pessoas do universo político em processos criminais, todas essas declarações desencontradas podem trazer mais “complicações” no âmbito do inquérito. “Há uma pergunta óbvia. Por que Queiroz estava lá [na casa de Atibaia], quem efetivamente o protegeu e quem pagou por aquilo. A partir do momento que ele diz que não conhecia e que agora ele diz que escondeu por razões humanitárias, isso evidentemente pode trazer algumas complicações”, disse ao EL PAÍS.

Suas declarações já começam a causar estragos aos olhos do Planalto. Segundo publicou a jornalista Mônica Bergamo na Folha de S. Paulo, o presidente Bolsonaro já teria afirmado a interlocutores estar irritado com Wassef. Ainda na quinta-feira da operação policial a advogada Karina Kufa divulgou uma nota afirmando que seu escritório de advocacia é o único representante do mandatário. “Wassef não presta serviço advocatício em nenhuma ação que seja parte de Bolsonaro e não faz parte do referido escritório”. De acordo com a coluna de Bela Megale, agora o advogado pressiona o presidente para que Kufa seja demitida. Irritado ou não, Bolsonaro vem se apresentando abatido diante das câmeras e com pouco fôlego para travar suas lutas diárias. No dia que Wassef deixou de representar Flávio, o senador destacou o trabalho e a lealdade do advogado. Não há sinais, por ora, de que será jogado aos leões.


Folha de S. Paulo: Coaf aponta 48 depósitos suspeitos na conta de Flávio Bolsonaro, diz TV

Segundo reportagem, filho do presidente teria recebido R$ 96 mil em cinco dias; valor depositado era sempre de R$ 2.000

Um relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) aponta movimentações suspeitas de Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), deputado estadual e senador eleito. O filho do presidente da República, Jair Bolsonaro, recebeu em sua conta bancária 48 depósitos em dinheiro, que foram considerados suspeitos pelo órgão que investiga lavagem de dinheiro.

O documento, obtido pelo Jornal Nacional, traz informações sobre movimentações financeiras de Flávio Bolsonaro entre junho e julho de 2017. Os 48 depósitos em espécie na conta do senador eleito foram feitos no autoatendimento da agência bancária que fica dentro da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio) sempre no valor de R$ 2 mil.

No total, foram R$ 96 mil, depositados em cinco dias. Em 9 de junho de 2017 foram 10 depósitos no intervalo de 5 minutos, entre 11h02 e 11h07. No dia 15 de junho, mais 5 depósitos, feitos em 2 minutos, das 16h58 às 17h. Em 27 de junho outros 10 depósitos, em 3 minutos, das 12h21 às 12h24. No seguinte mais 8 depósitos, em 4 minutos, entre 10h52 e 10h56. E no dia 13 de julho 15 depósitos, em 6 minutos.

Segundo a reportagem, o relatório diz que não foi possível identificar quem fez os depósitos e afirma que o fato de terem sido feitos de forma fracionada desperta suspeita de ocultação da origem do dinheiro.

O Coaf classifica que tipo de ocorrência pode ter havido com base numa circular do Banco Central que trata da lavagem de dinheiro. A realização de operações que por sua habitualidade, valor e forma configuram artifício para burla da identificação dos responsáveis ou dos beneficiários finais.

O documento está identificado como “item 4” e faz parte de um relatório de inteligência financeira (RIF).

Segundo o Jornal Nacional, esse novo relatório de inteligência foi pedido pelo Ministério Público do Rio a partir da investigação de movimentação financeira atípica de assessores parlamentares da Alerj.

No primeiro relatório o alvo eram as movimentações financeiras dos funcionários da Assembleia. O Ministério Público pediu ao Coaf pra ampliar o levantamento. A suspeita é que funcionários dos gabinetes devolviam parte dos salários, numa operação conhecida como “rachadinha”.

A Promotoria pediu o novo relatório ao Coaf em 14 de dezembro e foi atendido no dia 17, um dia antes de Flavio Bolsonaro ser diplomado senador. Segundo o Ministério Público, ele não tinha foro privilegiado na ocasião.

Flávio Bolsonaro questionou a competência do Ministério Público e pediu ao STF (Supremo Tribunal Federal) a suspensão temporária da investigação e a anulação das provas. Ele foi citado no procedimento aberto pelo Ministério Público do Rio contra Fabrício Queiroz.

O ex-assessor de Flávio Bolsonaro é investigado por movimentação suspeita de R$ 1,2 milhão durante um ano. Na reclamação ao STF, Flávio Bolsonaro argumentou que o Ministério Público do Rio se utilizou do Coaf para “criar atalho e se furtar ao controle do Poder Judiciário, realizando verdadeira burla às regras constitucionais de quebra de sigilo bancário e fiscal”.

Flávio argumentou também que "depois de confirmada sua eleição para o cargo de senador, o Ministério Público requereu ao Coaf informações sobre dados sigilosos de sua titularidade” e que as informações do procedimento investigatório foram obtidas de forma ilegal, sem consultar a Justiça.

A primeira turma do STF, no entanto, tomou ao menos duas decisões de validar que o Ministério Público obtenha informações do Coaf sem autorização judicial.

O Ministério Público do Rio se baseia em norma do Conselho Nacional do Ministério Público que permite a solicitação de relatório de inteligência do Coaf e tem convicção de que não configura quebra de sigilo.

Segundo a reportagem, o Ministério Público nega que tenha havido quebra do sigilo e diz que as investigações decorrentes de movimentações financeiras atípicas de agentes políticos e servidores podem desdobrar-se em procedimentos cíveis pra apurar a prática de atos de improbidade administrativa e procedimentos criminais.

A Promotoria declarou também que Flávio Bolsonaro não era investigado. Afirmou que o relatório do Coaf noticia movimentações atípicas tanto de agentes políticos como de servidores públicos, e que, por cautela, não se indicou de imediato os nomes dos parlamentares supostamente envolvidos em atividades ilícitas. Acrescentou também que a “dinâmica das investigações e a análise das provas colhidas podem acrescentar, a qualquer momento, agentes políticos como formalmente investigados”.

Procurada, a defesa de Flávio Bolsonaro disse que irá se pronunciar em momento apropriado.