carnaval
Luiz Carlos Azedo: O enredo esquecido
A Beija-flor, a grande campeã do carnaval, criticou sem “fulanizar” os descalabros da política nacional e as mazelas sociais do estado, mas pouco falou da Lava-Jato
O carnaval no Rio de Janeiro teve dois vilões, o prefeito Marcelo Crivela, o que era bola cantada, porque o alcaide da cidade fez tudo o que poderia para agradar aos evangélicos e contrariar os foliões, e o presidente Michel Temer, cuja imagem desgastada pela crise ética e política foi demonizada no desfile da escola de samba Paraíso do Tuiuti. Os grandes responsáveis pela situação calamitosa em que o estado se encontra, porém, foram esquecidos pelos carnavalescos. Nem o ex-governador Sérgio Cabral, que está preso em Curitiba, nem a ex-presidente Dilma Rousseff, afastada do poder pelo impeachment, muito menos o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, agora um “ficha suja” condenado a 12 anos e 1 mês de prisão, foram objetos de alegorias.
Talvez haja um misto de gratidão e malandragem dos chefões do jogo do bicho, que mandam na Liga das Escolas de Samba (Liesa), a dona dos desfiles da Sapucaí, em relação a isso. Mas a verdade precisa ser dita: a situação em que se encontra o Rio de Janeiro é fruto da lambança feita nos tempos de bonança dos grandes patrocínios de estatais e das “campeãs nacionais” anabolizadas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), ou seja, dos anos de gastança generalizada e de muitos desvios de recursos públicos, particularmente da Petrobras e dos grandes eventos e projetos dos governos federal e fluminense. Falou-se de quase tudo nos enredos das escolas de samba, muito pouco dos grandes personagens da Operação Lava-Jato, sejam os políticos, executivos, doleiros e empreiteiros envolvidos no escândalo da Petrobras, sejam juízes, procuradores e delegados que há quatro anos vêm protagonizando a maior devassa na roubalheira dos políticos e empresários que mamam nas tetas dos cofres públicos.
Entretanto, os cariocas que glamorizam as malandragens também pagam o preço da violência nas ruas. O outro lado das áreas conflagradas é o medo do morador do asfalto. Nos bairros mais nobres, como Ipanema e Leblon, é um risco sair às ruas com qualquer objeto que possa chamar a atenção dos assaltantes; os turistas, menos precavidos, são vítimas ainda mais fáceis de roubos e furtos. A polícia não dá conta do recado, uma parte está comprometida com o crime organizado; outra não dá conta da escala das ocorrências policiais. Enquanto o “Fora, Temer!” e o “Fora, Crivela!” são entoados nos blocos de rua mais politizados, como se isso fosse solução para tudo, a maioria da população paga o preço do descalabro administrativo e do colapso econômico do estado.
Ouro negro
Com exceção da Beija-flor, a grande campeã do carnaval, que criticou sem “fulanizar” os descalabros da política nacional e as mazelas sociais do estado (seu grande patrono é o “banqueiro” de bicho Anísio Abraão), pouco se falou de bandidos e mocinhos da Lava-Jato. Muito menos da Petrobras e do colapso da economia do pré-sal. Há certa hipocrisia em tudo isso. Mas funciona quando se trata de pôr a culpa nos outros. Os cariocas, com perdão da generalização, gostam de falar mal de Brasília e cantar as belezas naturais do Rio de Janeiro, mas precisam também assumir a sua parcela de culpa na situação em que se encontram o estado e o país.
A maioria despejou milhões de votos na reeleição de Lula, após o mensalão, e na eleição e reeleição de Dilma Rousseff, nas quais endossou por duas vezes a presença de Michel Temer como vice da chapa. Sérgio Cabral foi eleito, reeleito e ainda fez o seu sucessor, o atual governador, Luiz Fernando Pezão, que passou o carnaval na cidade onde foi prefeito, Piraí, no interior fluminense. Agora, muitos entram na onda do PT e põem a culpa de tudo no Temer e no Crivela.
O colapso da economia fluminense foi provocado por duas exigências que interromperam o fluxo de investimentos no estado: os 51% de componentes nacionais, para adensar a cadeia produtiva nacional; e a obrigatoriedade de participação da Petrobras na exploração de todos os poços de petróleo, o que provocou a interrupção dos leilões, porque a estatal não tinha mais recursos para bancar sua participação nos investimentos. A mudança do regime de concessão para o regime de partilha, com essas exigências, foi um desastre anunciado. Houve ainda a corrupção monstruosa, que provocou enormes prejuízos à empresa, para financiar e perpetuar o projeto de poder e enriquecer seus operadores. E o inchaço da máquina pública, que presta péssimos serviços.
Qual será o futuro do Rio de Janeiro? Em parte dependerá de seu ajuste fiscal, que está sendo feito a fórceps; em parte, da retomada da economia do pré-sal, que se inicia graças a medidas recentemente aprovadas pelo Congresso e que são criticadas como se fossem ações de lesa-pátria. O estado, porém, caminha para eleições nas quais ninguém sabe o que vai acontecer, exceto que, depois da Lava-Jato, nada será como antes.
El País: Assim o Carnaval 2018 recuperou o espírito crítico com a classe política no Brasil
As críticas à situação do país passam das ruas aos sambódromos, com enredos que atacam diretamente figuras políticas e medidas do Governo
A crise política brasileira não deu trégua neste Carnaval. Não apenas na rua, como era mais comum nos outros anos, mas também nos sambódromos do Rio e de São Paulo. As escolas de samba levaram para a avenida neste ano críticas sociais contundentes e muito diretas. O caso mais marcante foi o da Paraíso do Tuiuti, agremiação nascida no morro de mesmo nome, em São Cristovão, no Rio, que surpreendeu o público durante o desfile de domingo à noite e conseguiu enorme repercussão nas redes sociais. Com o samba enredo Meu Deus, Meu Deus, Está Extinta a Escravidão? a escola criticou as condições de trabalho no país e, de quebra, o atual Governo, responsável pela reforma trabalhista aprovada no ano passado.
Thiago Monteiro, diretor de Carnaval da escola, explica ao EL PAÍS que o enredo foi escolhido por concurso. “O objetivo era tratar da exploração do homem pelo homem. Não só da escravidão negreira, mas dessa exploração que se estende por séculos, passando pelos egípcios, celtas, romanos e que continua nos dias atuais. Fazer uma pessoa trabalhar uma jornada de 12 horas, como as costureiras, por um salário às vezes abaixo do mínimo e com direitos mitigados, é perpetuar esse sistema”, diz.
Se a comissão de frente da escola trouxe O grito da liberdade, mostrando escravos saídos da senzala açoitados, o último carro veio com um vampiro vestido com a faixa presidencial, que lembrava Michel Temer. Ele estava em cima do carro chamado neo tumbeiro, ou seja, um navio negreiro dos tempos atuais. Na avenida foram ouvidos gritos de "Fora, Temer", relatou o jornal O Globo. Entre o último e o primeiro carro, o desfile de 29 alas e 3.100 componentes ainda trouxe os manifestoches, integrantes vestidos de verde e amarelo, cor que marcou os protestos a favor do impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, sendo manipulados por uma mão invisível e encaixados em patos amarelos, símbolo das reclamações contra o antigo Governo feitas pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP). Eles carregavam nas mãos panelas, outro símbolo dos protestos.
“Como falávamos da exploração do homem pelo homem queríamos incluir a mitigação dos direitos sociais. Através dos patinhos você representa uma situação anterior na qual os direitos eram bem protegidos e a partir do momento em que uma nova ordem política toma o país você tem novas reformas que, na ótica da escola, tiram direitos sociais de uma parcela da população. A escola quis questionar se quem pediu essa mudança não é também vítima. Essa pessoa que foi para a rua não tem esses direitos cortados também?”, explicou Monteiro.
As críticas explícitas da Paraíso do Tuiuti deixaram em silêncio os comentaristas da TV Globo, que transmite ao vivo os desfiles de Carnaval. Enquanto as alas anteriores eram explicadas em detalhes, a dos manifestoches recebeu um rápido e único comentário de "manipulados, fantoches", logo cortado para um "Jú, 120 [centímetros] de quadril", em referência à passista mostrada em seguida na imagem. Nas redes sociais, a escola foi louvada pela "coragem" das críticas. “No pré-Carnaval, quando foi divulgado o tema do enredo, já tivemos uma repercussão interessante, mas esta repercussão muito grande após o desfile nos surpreendeu. Estamos muito felizes”, destacou o diretor de Carnaval. Mas houve também quem, na Internet, considerasse o desfile um "desserviço" digno de rebaixamento.
Mais críticas
A Mangueira também trouxe, nesta primeira noite de desfiles do Grupo Especial carioca, uma crítica direta ao atual prefeito do Rio, Marcelo Crivella, que apareceu representado em um dos carros alegóricos como um boneco de Judas, do tipo que é malhado no Sábado de Aleluia. O boneco do político evangélico era acompanhado da frase: "Prefeito, pecado é não brincar o Carnaval". A escola fazia críticas ao corte, por parte da Prefeitura, da metade da verba destinada às escolas de samba e tinha como enredo "Com dinheiro ou sem dinheiro, eu brinco". A Beija-Flor, que desfila na noite desta segunda, também trará um Carnaval político para a Sapucaí. Com o enredo Monstro é aquele que não sabe amar. Os filhos abandonados da pátria que os pariu deve abordar o descaso com crianças e adolescentes pobres, fazendo uma conexão com a corrupção. Em São Paulo, também houve crítica política, com a volta da X-9 Paulistana ao Grupo Especial, no sábado —o carro A Casa da Mãe Joana trouxe políticos, alguns com a faixa presidencial, e juízes representados sujos de lama e com malas de dinheiro e notas na cueca.
Leonardo Bruno, colunista do jornal Extra e jurado do Estandarte de Ouro, prêmio extraoficial do Carnaval do Rio, acredita que as escolas de samba nunca tiveram muito esse papel de serem tão criticas à sociedade, algo, para ele, mais incorporado pelo Carnaval de rua. "As escolas sempre tiveram uma característica diferente, tanto é que o samba enredo é considerado uma música de gênero épico, que narra os grandes acontecimentos, as grandes conquistas, as grandes realizações", destaca ele. "Agora, por outro lado, o que a gente observa é que nos momentos de maior convulsão, quando a sociedade está mais necessitada de dar um grito contra alguma coisa, elas aparecem representando esse papel de crítica social e política", acredita ele.
Ele destaca que isso foi visto em outros dois momentos na história das escolas. Um, na virada dos anos 60 para 70, auge da ditadura militar no Brasil. Três enredos marcantes, nesta ocasião, falavam sobre a liberdade. O primeiro, em 1967, quando a Salgueiro desfilou A história da liberdade no Brasil. Dois anos depois, em 1969, a Império Serrano falou sobre os Heróis da Liberdade. E, no Carnaval de 1972, a Vila Isabel levou o enredo Onde o Brasil aprendeu a liberdade. Era um momento em que a censura estava no auge e as escolas deram vazão a esse grito represado pela liberdade.
Em meados dos anos 80, destaca ele, a Caprichosos de Pilares e a São Clemente também falaram sobre o momento conturbado da abertura política no Brasil, quando o povo ainda não votava. Elas levaram para a avenida o grito de Direitas Já! e usavam faixas falando sobre a Constituinte. "Eram enredos muito críticos para a época", relembra Bruno. Houve também, em 1989, o célebre desfile da Beija-Flor, em que Joãosinho Trinta produziu um Cristo mendigo, para criticar a pobreza, mas a alegoria acabou proibida pela Justiça, a pedido da Igreja. Já no final da década de 90 e nos anos 2000, quando o país viveu mais estabilidade política e econômica, os enredos críticos foram mais deixados de lado, ressalta o jornalista. "Temos que pensar como sociedade em que momento estamos como país, porque as escolas refletem o que se passa nas ruas. Para essas críticas terem chegado à Sapucaí é porque o momento é de uma crise muito grande. As escolas de samba, em geral, são o último ponto onde chega essa voz crítica, elas resistem muito. É um momento de convulsão em todos os níveis de Governo."
Fernando Gabeira: Meditando no Carnaval
Se for a única opção, teremos o carnaval apesar de tudo
Andei por Salvador visitando mosteiros, templos e terreiros para um programa de tevê. Encontrei o carnaval duas vezes, em Ondina e no Rio Vermelho. Entrei na multidão para documentá-lo, mas não podia deixar de refletir. Não sou especialista em carnaval, nem mesmo fui um observador atento da festa nos últimos anos. Meditei um pouco sobre ele não no sentido que os budistas dão à meditação: um processo que esvazia a mente. Aliás, tenho dificuldade de alcançar esse estado de concentração e o mais perto que consigo chegar dele é quando estou boiando de costas. Meditação no meu caso é dar voltas sobre o tema.
Os entendidos dizem que o carnaval libera sentimentos reprimidos durante o ano de trabalho. Pensei: mas o que falta mais ser liberado? Na medida em que os costumes tornam-se mais ousados, o que restará aos foliões nos dias de festa?
Homem vestido de mulher, por exemplo, pode ser considerado um tipo de liberação num tempo em que isto é feito com profissionalismo e sucesso pelos artistas? Já vi poucos homens vestidos de mulher, mas prevejo uma certa decadência dessa fantasia de carnaval. Com o feminismo em ofensiva, as mulheres podem duvidar se certo modo de travestir é mais uma zombaria do que propriamente imitação.
No que me parecia um bem policiado carnaval, com PMs e guardas municipais em movimento entre os foliões, pensei no carnaval do Rio. Um motorista de táxi me disse: um estrangeiro deve achar estranho que num país em crise e o Rio em guerra civil, tanta gente saia para o carnaval. Mas um estrangeiro não sabe da força que impulsiona as pessoas, uma alegria que precisa sobreviver nas mais duras circunstâncias.
Mas há algo que me preocupa no carnaval em nosso esforço de fazer uma grande festa, apesar de tudo. No meio da semana, três vias importantes foram interditadas: Avenida Brasil, Linha Vermelha e Linha Amarela. De repente, minha reação foi pensar que alternativas teria caso tivesse de entrar ou sair da cidade. É assim que a gente começa a se acostumar.
Muitos já consultam o aplicativo Onde tem Tiroteio antes de se deslocar. Certos lugares, certas horas tornam-se proibidos. E a gente se adaptando.
Com o tempo, descobrimos que a vida está mudada e nosso comportamento é o mais ou menos clássico das populações que vivem em longos conflitos: tocar a vida com alguma normalidade apesar do caos em torno.
Há uma sabedoria nisso, mas também uma certa resignação. E se for a única opção, continuamos com o carnaval apesar de tudo, com nossa vida “normal” apesar de tudo, e as coisas podem piorar.
Claro que a situação e os movimentos do governo, o principal responsável pela segurança pública, são desalentadores. Falou-se num plano de segurança no ano passado e até agora não só saiu do papel como sequer o próprio papel saiu. O governador Pezão disse que o recebeu no meio da semana e não teve tempo de lê-lo. É de se esperar pelo menos que o leia nesse feriado de quatro dias.
Tecnicamente, com um método adequado, suponho que seja um tempo suficiente até para se aprender a ler, quanto mais folhear algumas páginas. Apenas uma fração dessa exuberante energia popular no carnaval seria suficiente para forçar os governos a buscar algo menos reativo, a parar de enxugar gelo.
No momento, as autoridades estão meditando em público sobre a crise. O ministro da Defesa, Raul Jungmann, afirma, com razão, que o sistema de segurança está falido. O governador, por sua vez, diz que na Rocinha os policiais são mortos como se mata galinha. O problema é que estão na linha de frente. Quem mói no aspro não fantaseia, dizia Riobaldo, personagem de Guimarães Rosa.
Comentários a gente ouve no rádio, lê nos jornais e na rede. O que se espera deles é ação. O sistema está falido, os policiais são assassinados, e daí? O que vão fazer, o que podemos fazer para ajudá-los?, esse é foco. A lentidão com que o plano de segurança para o Rio andou é um sintoma de que há algo errado. O governo não pode ficar chorando, embora a situação seja mesmo de chorar, sobretudo com a morte de crianças.
Muitas coisas, espero, serão resolvidas nas eleições de 2018. Mas há algumas que não podem esperar. A crise de segurança pública é uma delas. Por favor, um plano, articulação entre as forças de segurança, foco, aliança com a sociedade — essa é a forma um pouco mais elaborada que tenho para escrever SOS.
A situação das Forças Armadas é diferente da do governo do Rio, composto por um partido que arruinou o estado e cujos líderes estão na cadeia.É dela que pode vir um nível de organização maior, aproveitando o que ainda há de combativo na polícia local.
É um abacaxi para quem se preparou para guerras entre países? Talvez. Mas é de onde pode surgir a capacidade de reação. Não se trata nem de achar a solução para o problema, mas trazê-lo apenas a um nível suportável, para que outras dimensões, como a política social, o crescimento econômico e a própria educação entrem com sua parte.
Luiz Carlos Azedo: Tristeza também faz parte
O ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou um pedido de habeas corpus preventivo de Lula, que pode ser preso
Domingo de carnaval não é um dia muito apropriado para falar de política, embora o tema mais badalado no carnaval deste ano, obviamente, seja exatamente a mixórdia da política nacional, cujos personagens mais ilustres são alvos sistemáticos da troça popular. Foi-se o tempo em que a apologia dos políticos vivos era enredo de escola de samba. Agora, o melhor para os políticos é passar o carnaval recolhido, porque a maré não está boa para a maioria deles.
No Rio de Janeiro, por exemplo, o prefeito Marcelo Crivela (PRB) faz o que pode para desfazer a imagem de que é o inimigo público número 1 dos foliões cariocas. Visitou o Sambódromo, recebeu o Rei Momo, Milton Junior, no Palácio da Cidade e até gravou vídeo falando que tudo está às mil maravilhas na cidade, cujo hino começa como abertura de sinfonia e acaba como marchinha de carnaval.
O vídeo de Crivela viralizou nas redes porque diz que as ruas amanhecem limpas depois da passagem dos blocos, os hospitais funcionam a pleno vapor, a guarda municipal garante a segurança dos blocos e não faltará transporte para quem quiser assistir aos desfiles no Sambódromo. Arriscou até a previsão do tempo, prometendo sol em abundância nos dias de folia. De gozação, os cariocas dizem que o prefeito estava doidão quando fez a gravação. Alegria, alegria, apesar dos tiroteios na Rocinha e em outras “comunidades”.
Não se fazem fantasias como antigamente. Boa parte vem embalada da China e lembra os super-heróis hollywoodianos. Na velho Saara, o tradicional comércio popular do Centro do Rio de Janeiro, no qual árabes e judeus vivem em plena harmonia, um adereço não custava mais do que R$ 5; uma fantasia do Batman ou da Mulher-Maravilha, R$ 49. O controle da inflação e a baixa taxa de juros ajudaram os foliões.
Já as fantasias das escolas de samba são outra história, estão cotadas em euros e dólar, porque desfilar na Sapucaí virou pacote turístico. Para sair numa das alas da Mangueira, uma fantasia não fica por menos de R$ 1.600; na Império Serrano, a Ala das Feras cobra R$ 1.000. Na São Clemente, Paraíso do Tuiuti e na Unidos da Tijuca, era possível pagar R$ 700 para desfilar no primeiro grupo.
Habeas corpus
Carnaval tem de tudo. Por exemplo, depois da morte do Jamelão, não existe ninguém mais rabugento no mundo musical carioca do que o Alfredinho, dono do Bip-Bip, na Almirante Gonçalves, em Copacabana, que abriga uma das mais tradicionais rodas de samba da cidade. Seu bloco sai à meia-noite e um minuto do sábado de carnaval e às 23h59 da terça-feira Gorda. Para evitar superlotação, ele sempre diz aos desconhecidos que não pretende abrir o único boteco self-service carioca durante o carnaval e diz que não sabe se o bloco vai sair. É sempre mentira!
Tristeza também faz parte do carnaval, que nos diga a belíssima Máscara Negra, samba de Zé Kéti, eternizado na voz de Dalva de Oliveira. E o habeas corpus do folião de raça, aquele descrito em prosa e verso por Ary Barroso e Elizeth Cardoso, em Camisa Amarela, que mergulha no turbilhão carnaval com um reco-reco na mão e só reaparece na Quarta-feira de Cinzas cantando A Jardineira.
Mas eis que chegamos à política. O ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou um pedido de habeas corpus preventivo da defesa de Luiz Inácio Lula da Silva, que pretende evitar a prisão do ex-presidente. Além disso, Fachin submeteu a decisão final ao plenário do STF, formado por 11 ministros. Lula está condenado a 12 anos e 1 mês em regime semiaberto pelo Tribunal Regional Federal da Quarta Região (TRF-4), em um processo da Lava-Jato. Pela decisão dos desembargadores, a pena deverá ser cumprida quando não couber mais recurso na 2ª instância da Justiça.
A defesa de Lula, que agora tem à frente o ex-presidente do STF Sepúlveda Pertence, apresentou habeas corpus ao STF pedindo que o ex-presidente não seja preso até o processo transitar em julgado. Pleiteava que o caso fosse analisado pela Segunda Turma, formada pelos ministros Fachin, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e Dias Toffoli. A datada decisão será definida pela presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia. Não foi uma boa notícia para o petista, que luta na Justiça para não ser preso, nem enquadrado na Lei da Ficha Lima, que o torna inelegível, ou seja, deixa-o fora da disputa eleitoral de 2018.
Eliane Cantanhêde: O País do carnaval
Os milhões que não vão às ruas por Lula e pela política se esbaldam no carnaval
Dois milhões de brasileiros foram às ruas de São Paulo no sábado e, no domingo, um milhão invadiu a Rua da Consolação, no centro da capital paulista. As fotos são impressionantes e dão muito o que falar e o que pensar. O “povo” não quer só desgraça, o “povo” quer festa e carnaval!
Eles protestavam contra ou a favor da condenação do ex-presidente Lula na Justiça? Ou da ameaça de prisão do maior líder popular do Brasil? Ou seria contra ou a favor do governo Michel Temer? Da reforma da Previdência? Da reforma trabalhista? Da privatização da Eletrobrás ou da combinação da Embraer com a Boeing dos Estados Unidos?
Seria então contra ou a favor da posse da deputada Cristiane Brasil no Ministério do Trabalho? Do auxílio-moradia de juízes, procuradores e parlamentares? Ou da falta de julgamento dos políticos com mandato pelo Supremo?
Ah! Foi por causa do aquecimento global, da crise hídrica, das peripécias de Donald Trump, da implosão da Venezuela? Senão, foi contra o Aedes aegypti, que continua dando um banho nas autoridades brasileiras? Ou diretamente contra as doenças transmissíveis? Num ano, zika, chikungunya, H1N1. No outro, febre amarela. Febre amarela, que se combate com vacina???
Não, nada disso. Milhões de pessoas estão indo às ruas de São Paulo, do Rio, de Salvador, do Recife... para pular o carnaval e mostrar que o Brasil é muito maior do que sua corrupção e seus poderosos. Aliás, uma semana antes de o carnaval começar, como os deputados e senadores, que abriram o Ano Legislativo ontem já com um pé no avião para a folia nos seus Estados ou para uma “folga” numa cidade bem bacana ou em praias paradisíacas.
O fato é que, como a gente sempre fala aqui neste espaço, tem sempre alguém prevendo protestos, quebra-quebras, incêndios e mortes se Dilma Rousseff cair, se mudarem as regras do pré-sal, se o Congresso derrubar as denúncias da PGR contra Temer, se a reforma isso ou aquilo passar, se...
Nada disso aconteceu, nem mesmo quando o TRF-4, de Porto Alegre, não apenas manteve a condenação de Lula como aumentou a pena imposta pelo juiz Sérgio Moro, de 9 anos e meio para 12 anos e 1 mês, pedindo cumprimento de pena após tramitação dos recursos no próprio tribunal. Um punhado de militantes desfilava com suas bandeiras vermelhas, enquanto a Bovespa batia recorde e o dólar caía. Tudo dentro dos conformes.
O presidente do TRF-4 circulou por gabinetes de Brasília, o ministro da Justiça foi a Porto Alegre, o centro da capital gaúcha foi isolado, atiradores de elite foram acionados. Muito ruído por nada. Nem os apoiadores de Lula nem os críticos de Lula queriam guerra nem “mortes”.
O povo brasileiro está cansado de escândalos, de roubos, de crises, de cortes, de todos os partidos embolados numa grande nuvem de confusões. Mas o povo brasileiro nunca se cansa de carnaval.
Aliás, não apenas nos tradicionais Rio, Salvador, Recife, porque o carnaval de rua cresce, ano a ano, em São Paulo e as fotos do Estado de ontem mostram a força não só dos blocos de rua, mas também da alegria e da disposição do brasileiro para a folia, para as festas populares.
Se houve fotos impactantes assim na política foi nas Diretas-Já e em junho de 2013, quando um aumento de centavos nas passagens urbanas detonou um protesto gigantesco, surpreendente, sem lideranças, partidos, alvos diretos. Mas que continua provocando efeito.
Aquela manifestação foi apartidária e um alerta geral aos poderosos. E é altamente improvável que se repita contra a prisão de condenados por corrupção, mesmo que esse condenado seja Lula. O “povo” é anticorrupção e pró-carnaval!
Marchinhas de Carnaval: Gilmar Mendes supera Temer, Lula, Doria, Cunha e Bolsonaro para se tornar o novo "muso" da baixaria nacional em ano eleitoral
O Carnaval é um prato cheio para a crítica social, a ironia, o deboche e a irreverência. Neste ano, como não poderia deixar de ser, a política e os políticos são personagens recorrentes das tradicionais marchinhas carnavalescas.
Mas, além de figurinhas carimbadas como Michel Temer, Lula, Bolsonaro, Eduardo Cunha e João Doria, é o ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, quem desponta como alvo principal dos foliões politizados de 2018.
O #ProgramaDiferente reúne os melhores hits do momento neste clima de tamanha polarização, abrindo com muito bom humor o ano de eleição, e apresenta o novo "muso" da baixaria nacional. Assista.
Os 100 anos do Cordão da Bola Preta no #ProgramaDiferente
O Cordão da Bola Preta, o bloco carnavalesco mais antigo e tradicional do Rio de Janeiro, completa 100 anos em 2018. Fundado em 1918, desfila duas vezes por ano e arrasta multidões pela Avenida Rio Branco: no sábado de carnaval e na sexta-feira anterior à semana que abre a folia.