carnaval
Henrique Brandão: Grupo Especial de 2020 se destaca pela qualidade dos desfiles no Sambódromo
Independente de qual escola vencer o desfile do Grupo Especial de 2020 - cada um com sua preferida, que nem sempre é a que o júri escolhe -, salta aos olhos a qualidade dos enredos apresentados e, consequentemente, dos sambas cantados na avenida.
Uma mudança significativa em relação ate poucos anos atrás , quando muitas sambas, por conta dos temas que deveriam descrever, eram meros sambas de “exaltação”, na pior acepção que o termo pode ter, com quase descrições burocráticas das sinopses negociadas com eventuais patrocinadores.
O que se viu e ouviu no Sambódromo neste carnaval foram enredos criativos e, uma boa parte, autorreferentes. Mangueira, Tuiuti, Ilha e Tijuca usaram as comunidades de origem para contar suas histórias. Outras, falaram de personalidades com forte identificação com as localidades de onde surgiram as escolas, como Joãozinho da Gomeia ( Grande Rio) e Elza Soares (Mocidade). O Salgueiro exaltou o primeiro palhaço negro do Brasil. Os indígenas que habitavam o Rio antes da chegada dos portugueses foram cantados pela Portela. As Ganhadeiras de Itapuã, negras de ganho que compravam suas alforrias em Salvador, foi tema da Viradouro.
A criatividade destes enredos se refletiu nos sambas, com uma safra de alto nível.
Enfim, mesmo lutando contra a má vontade do poder público - principalmente do prefeito-bispo que demoniza o carnaval - as escolas saíram de suas zonas de conforto e foram buscar em suas raízes a chave para renovarem seus desfiles. Há muito não via um carnaval tão bom na Sapucaí.
A renovação que está acontecendo nas escolas, com o surgimento de uma nova geração de competentes carnavalescos antenados aos anseios da sociedade, infelizmente não é acompanhado pela forma como acontece hoje o acesso ao Sambódromo. Se as escolas se voltaram para suas histórias, valorizando sua gente , o público que frequenta hoje a Passarela do Samba está longe dessa identificação. Ao contrário, ano a ano os espaços se elitizam, os preços se tornam mais caros, e, pasmem, os cada vez mais comuns mega-camarotes têm entre suas atrações shows de vários gêneros musicais e DJs internacionais, com espaço menor para o samba em seu território de excelência.
É por isso que muitos sambas excelentes, como o da Mangueira este ano, o mais cantado dentre todos nos ensaios do pré-carnaval, têm uma recepção “fria”, abaixo do que merecia o lindo hino mangueirense. Se verificarmos a origem social da plateia, não é surpreendente que muitos não tenham cantado com a devida intensidade que o samba merece.
Se as escolas estão sabendo mudar -porque disto depende a sua própria sobrevivência- é importante que percebam também que o aceso ao Sambódromo precisa mudar. Como é um espaço público, cabe não somente às escolas, mas também à sociedade, pressionar o pode público no sentido de democratizar o ingresso para os desfiles. O espetáculo, e a sociedade, só têm a ganhar.
Henrique Brandão, fundador do bloco Simpatia é quase amor.
Ricardo Noblat: No Sambódromo e nas ruas, o carnaval do “cala a boca já morreu”
Censura nunca mais
Melhor que os seguidores fieis da família Bolsonaro deixem para lá, não estrilem e nada comentem. Melhor já irem se acostumando. Porque nem na ditadura militar os governantes conseguiram tapar a boca dos que gritavam nas ruas durante o carnaval.
O medo em diversas fases da ditadura inibiu o que muitos brasileiros pareciam dispostos a expressar – e por medo não o fizeram. Mas a crônica da época não guarda lembrança de censura bem-sucedida, ou de prisões, ou de cancelamentos.
“Abra a porta desse armário
Que não tem censura pra me segurar
Abra a porta desse armário
Que alegria cura, venha me beijar” (Daniela Mercury)
Os episódios mais notáveis de tentativa malsucedida de intervenção no carnaval aconteceram no final do século XIX e no início do seguinte. Em 1892, por causa de um surto de febre amarela, o carnaval foi proibido. Aconteceu assim mesmo.
Em 1912, um gênio do governo teve a ideia de adiar o carnaval devido à morte do Barão do Rio Branco, o papa da diplomacia brasileira. Os cariocas pularam o carnaval na data prevista e, meses depois, também na data marcada pelo governo.
Carnaval é irreverência, anarquia, liberdade. E tais coisas nunca são a favor de tudo o que está aí. Sempre foi assim e assim será. Tanto mais quando o país atravessa “tempos estranhos”, segundo o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo.
“Cala a boca já morreu”, decretou a ministra Cármen Lúcia, também ministra do Supremo, no julgamento da ação sobre a inconstitucionalidade de autorização prévia para biografias. Morreu, embora muitos não se conformem com isso.
Outra vez morreu quando as escolas de samba abriram, ontem à noite, o desfile na Marques de Sapucaí, no Rio. A primeira, a Estácio de Sá, criticou a destruição do meio ambiente para extrair minérios, tema sensível ao governo.
“Favela, pega a visão
Não tem futuro sem partilha
Nem Messias de arma na mão
Favela, pega a visão
Eu faço fé na minha gente
Que é semente do seu chão” (Samba da Mangueira)
A segunda, Unidos do Viradouro, empolgou as arquibancadas ao exaltar o empoderamento feminino e homenagear as mulheres que lutaram para construir o Brasil. Seu samba enredo foi o mais bonito e o mais cantado nas arquibancadas.
A Mangueira, a terceira a desfilar, apresentou o enredo mais politizado até aqui. Pode ter feito pensar. Pelos critérios do politicamente correto, até seria capaz de ter deixado a Sapucaí aos gritos de “campeã”, como ocorreu no ano passado.
Mas foram poucos os gritos. O samba-enredo contou a história de Jesus, ora homem, ora mulher, ora branco, ora negro, ora menino de rua vítima de muitos tiros, o Jesus que ressuscitaria depois na favela que cobre o morro da Mangueira.
A foto da menina Ágatha Félix, de 8 anos, morta no ano passado durante uma ação policial no Complexo do Alemão, estampou o manto do Dom Sebastião dos Pobres do figurinista Leonardo Diniz levado à avenida para Paraíso do Tuiuti.
O último carro da escola homenageou vítimas da violência e do descaso do governo do Rio com a segurança pública. A Acadêmicos da Grande Rio cantou: “Pelo amor de Deus, pelo amor que há na fé, eu respeito seu amém, você o meu axé”.
A União da Ilha do Governador foi no mesmo embalo: “A voz do rancor não cala meu povo, não! Sou mãe! Dignidade é meu destino”. E a Portela, a maior colecionadora de títulos, amanheceu advertindo:
“Índio pede paz mas é de guerra
Nossa aldeia é sem partido ou facção
Não tem “bispo”, nem se curva a “capitão”
Quando a vida nos ensina
Não devemos mais errar
Com a ira de Monã
Aprendi a respeitar a natureza, o bem viver
Pro imenso azul do céu
Nunca mais escurecer”.
Hoje tem mais.
Ruy Castro: Três dias de incorreção
O Carnaval tem suas leis. Convém não contrariá-las
Se o politicamente correto acha que vai se impor no Carnaval, proibindo fantasias de índio, piranha, freira, homem vestido de mulher e chinês com coronavírus, arrisca-se a levar a maior goleada de sua história. Ninguém até hoje conseguiu regular o Carnaval. Pelo menos, o Carnaval carioca.
O entrudo, por exemplo —o costume de esguichar água com limão e outros líquidos nos passantes—, foi proibido pelo menos sete vezes pelas autoridades do Rio, em 1604, 1605, 1680, 1691, 1734, 1808 e 1810. E só saiu de moda, em fins do século 19, porque os foliões descobriram coisa melhor. A birra com o entrudo era até justificável. As pessoas levavam baldes de água ao passar sob uma varanda e, como o banho ainda não era um hábito dos mais arraigados, podiam se constipar. Uma vítima do entrudo foi o pai da arquitetura no Brasil, o francês Grandjean de Montigny, no Rio desde 1816 e morto de uma “molhança” em 1850.
Outra tentativa da administração colonial foi a de proibir máscaras e capuzes, pela possibilidade de eles encobrirem malfeitores —o que era verdade. Podiam encobrir também justiceiros, como os que, em 1711, assassinaram na prisão o corsário Jean-François Duclerc, comandante das tropas francesas na frustrada invasão do Rio no ano anterior, e, em 1720, na rua, o ouvidor Martinho Vieira, odiado pela população. Pois nem assim as máscaras deixaram de ser usadas, a ponto de, em 1834, já serem vendidas nas lojas da rua do Ouvidor e anunciadas pelos jornais.
E, por duas vezes, o governo decretou o adiamento do Carnaval: em 1892, por causa de um surto de febre amarela, e em 1912, pela morte do Barão do Rio Branco às vésperas do tríduo. Nos dois casos, o carioca se impôs: brincou normalmente o Carnaval em fevereiro e, meses depois, brincou-o de novo, na data ordenada pelo governo. Nunca mais o poder se meteu com o Carnaval.
O Carnaval tem suas leis. Convém não contrariá-las.
*Ruy Castro, jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.
Luiz Carlos Azedo: Tempos do coronavírus
“O grande problema para o Congresso entrar em velocidade máxima são as eleições municipais, cujas articulações já estão começando e deverão se acelerar a partir de abril, com abertura do prazo de filiações”
O governo já iniciou a operação para repatriar 29 brasileiros que estão na região de Wuhan, na China, e deverão chegar à Base Aérea de Anápolis (GO) no sábado. Os que tiverem sintomas da doença serão conduzidos diretamente para o Hospital das Forças Armadas, em Brasília. Essa operação é um prenúncio de tempos que poderão ser difíceis para o Brasil, não necessariamente por causa dessas pessoas, ou mesmo dos 14 casos suspeitos em observação no país, mas em razão do impacto que a epidemia em curso na China terá na economia mundial, caso não seja debelada rapidamente.
O acordo comercial dos Estados Unidos com a China, que estabelece relações especiais fora das regras do jogo da Organização Mundial de Comércio (OMC), deve impactar as exportações brasileiras para a China, numa escala que ainda não é mensurável. A redução da atividade econômica chinesa, em razão da epidemia, pode agravar o impacto do acordo no agronegócio e na mineração, que são atividades nas quais a parceria com a China é estratégica. A queda na produção industrial brasileira, no ano passado, por outro lado, refletiu a crise em países da América Latina que tradicionalmente importavam produtos industrializados do Brasil, sobretudo a Argentina.
Essas externalidades precisam ser compensadas para que a economia brasileira volte a crescer. São duas as variáveis necessárias. Uma é o aporte de investimentos estrangeiros, o que depende da aprovação do marco regulatório das concessões e parcerias público privadas. Sem esse marco, o programa de privatizações e concessões do governo não terá a segurança jurídica necessária para atrair esses recursos. A outra é a ampliação do poder de compra da população, que depende da oferta de crédito, uma vez que não haverá aumento da renda de imediato. Não é uma equação fácil.
O governo aposta todas as fichas na agenda econômica do ministro da Economia, Paulo Guedes, que depende da aprovação do Congresso. Em tese, não existe grande objeção dos parlamentares à agenda, mas o tempo é exíguo. O começo da legislatura na segunda-feira e ontem foi meio melancólico, com o Congresso esvaziado. O clima é de pré-carnaval. O governo também não tem capacidade de articulação política suficiente para impor um ritmo diferente aos trabalhos do Congresso, que funciona no seu próprio diapasão.
O grande problema para o Congresso entrar em velocidade máxima são as eleições municipais, cujas articulações já estão começando e deverão se acelerar a partir de abril, com abertura do prazo de filiações partidárias. O que está antecipando essas articulações é a mudança das regras eleitorais, pois todos os partidos estão sendo obrigados a montar chapas proporcionais e a lançar o maior número possível de candidatos a prefeito, com o fim das coligações.
Quarentena
Existe também um certo nível de imponderabilidade em razão do próprio governo Bolsonaro, que fabrica crises de combustão espontânea, a mais recente na Casa Civil, onde o ministro Onyx Lorenzoni passa por um processo de contínua fritura, sem falar na estratégia de confronto adotada em algumas áreas, na qual pontifica o ministro da Educação, Abraham Weintraub, que é foco permanente de fricção política com o Congresso. Para muitos analistas, as diatribes políticas da ala ideológica do governo e até do presidente Jair Bolsonaro são fatores perturbadores do ambiente econômico.
Esse comportamento contrasta com a atuação de outros ministros que têm amplo trânsito no Congresso, como Tereza Cristina, da Agricultura; Tarcísio de Freitas, da Infraestrutura; e Luiz Henrique Mandetta, da Saúde, que rapidamente mobilizou seus aliados no Congresso para aprovar a medida provisória com normas de emergência para enfrentar a ameaça de epidemia de coronavírus, relatada pela deputada Carmem Zanotto (Cidadania-SC) e aprovada ontem à noite pela Câmara, numa tramitação relâmpago. A MP autoriza a realização de quarentenas e outras medidas compulsórias para evitar que a epidemia se instale no Brasil.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-tempos-do-coronavirus/
Luiz Carlos Azedo: O amanhã
“A incerteza está na economia. Apesar da iminente aprovação da reforma da Previdência e de um robusto programa de concessões e privatizações, ainda não reagiu como deveria”
O conhecido samba-enredo da União da Ilha do Governador, campeão do carnaval carioca de 1978, que intitula a coluna, é de autoria de Paulo Amargoso e João Sérgio, nome desconhecido até da maioria dos sambistas, pois, na verdade, se trata do falecido procurador da República Gustavo Adolfo de Carvalho Baeta Neves, o Didi, também fundador da escola e autor de outros sambas antológicos. Não há carnaval em que suas músicas não sejam cantadas por foliões de todo o país. Naquele ano, na voz de Aroldo Melodia, O Amanhã empolgou as arquibancadas na Marquês de Sapucaí: A cigana leu o meu destino/ Eu sonhei/ Bola de cristal, jogo de búzios, cartomante/ Eu sempre perguntei/ O que será o amanhã?/ Como vai ser o meu destino?”
Era o primeiro desfile de regras rigorosas, o que gerou protestos do compositor mangueirense Angenor do Nascimento, o famoso Cartola: “Isso não é carnaval, é parada de militar”. Mas foi um desfile memorável, principalmente para a União da Ilha, cuja carnavalesca Maria Augusta não imaginava que o samba seria eternizado pelo gosto popular: “Já desfolhei o malmequer/ Primeiro amor de um menino/ E vai chegando o amanhecer/ Leio a mensagem zodiacal/ E o realejo diz/ Que eu serei feliz”. O refrão todo mundo canta até hoje: “Como será o amanhã/ Responda quem puder (bis)/ O que irá me acontecer/ O meu destino será como Deus quiser.”
Nem só de letra e melodia vive uma samba antológico, o contexto é fundamental para que o povo se identifique com a canção. O país vivia uma transição lenta e gradual, o projeto de Brasil potência dos militares havia naufragado. O general Ernesto Geisel amargava o fim do milagre econômico e muita insatisfação popular. A crise do petróleo e a recessão mundial interferiam fortemente na economia brasileira, os créditos e empréstimos internacionais minguavam. Nas eleições de 1974, o MDB havia conquistado 59% dos votos para o Senado, 48% da Câmara dos Deputados e a maioria das prefeituras das grandes cidades. Não havia eleição de prefeitos nas capitais.
Era um ambiente de incertezas. Logo depois do carnaval, eclodiram as greves operárias do ABC. No ano em que União da Ilha do Governador foi campeã, a oposição voltou a vencer as eleições, Geisel acabou com o AI-5, restaurou o habeas-corpus e abriu caminho para a volta da democracia, num processo de retirada em ordem dos militares da política que foi muito bem-sucedido. Era um momento de muitas incertezas e também de esperança. Mais ou menos como estamos vivendo agora, com sinal trocado, pois os militares voltaram ao poder com a eleição do presidente Jair Bolsonaro.
Embora o atual governo mal tenha completado 9 meses, ninguém sabe o que vai acontecer. Há uma tensão permanente entre as instituições. O presidente Bolsonaro protagoniza a radicalização política com uma retórica ultraconservadora. Entretanto, há um calendário e regras eleitorais claras, tudo vai desaguar nas eleições municipais do próximo ano e, depois, em 2022, quando teremos novas eleições gerais. Esse é o leito do processo político democrático. A incerteza maior está na economia. Apesar da iminente aprovação da reforma da Previdência e de um robusto programa de concessões e privatizações, a economia ainda não reagiu como deveria
Estagnação
A receita liberal do ministro da Economia, Paulo Guedes, até agora, resultou num cenário de estagnação, com desindustrialização, altas taxas de desemprego e baixa atividade econômica, apesar da inflação baixíssima e da queda dos juros, que devem baixar ainda mais, para 4,5%, segundo previsões do mercado. A especificidade da economia brasileira não foi bem-equacionada pela equipe de Guedes, formada por especialistas financeiros e técnicos que conhecem bem as finanças públicas, mas não dão conta das relações do governo com o setor produtivo e têm ojeriza à política industrial.
No momento, o governo prepara uma emenda constitucional, chamada PEC Emergencial, com uma lista de medidas duras para serem adotadas por um prazo de dois anos. Não deve mexer no teto de gastos (que limita as despesas à inflação) e deve fazer um ajuste na chamada regra de ouro, mecanismo que impede que o governo faça dívidas para pagar despesas correntes, como salários. O governo também pretende, no próximo ano, aprovar outras mudanças, que chama de PEC DDD: desvincular (retirar os “carimbos”), desindexar (remover a necessidade de conceder automaticamente reajustes) e desobrigar o pagamento de despesas.
Muitos economistas têm dúvidas quanto ao êxito de Guedes, mas nem por isso o presidente Jair Bolsonaro tem um plano B para economia. Ele já disse que vai continuar com o Posto Ipiranga. É uma situação meio inédita, com o real desvalorizado frente ao dólar e a economia quase em deflação. Há sinais de que o modelo liberal clássico não dá conta do recado nesses novos tempos de globalização e revolução tecnológica, assim como havia fracassado o modelo desenvolvimentista social-democrata. No fundo, ao lado do rentismo, o não-trabalho e o não-emprego na nova economia aprofundam as desigualdades, reduzem nosso mercado interno e ampliam as demandas sociais, sem que o governo tenha recursos para cuidar dos mais pobres, investir na educação e e modernizar a infra-estrutura. No atual modelo, além do empreendedorismo, só o capital estrangeiro salva, mas ele ainda prefere outros destinos.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-amanha/
O Globo: Ao lado de generais, Bolsonaro defende fala sobre militares e democracia
Presidente realizou transmissão ao vivo com ministro do GSI e porta-voz da Presidência
Daniel Gullino, o Globo
BRASÍLIA — O presidente Jair Bolsonaro recorreu nesta quinta-feira ao ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, para defender sua fala de que a democracia e a liberdade "só existem quando as Forças Armadas querem". Bolsonaro realizou uma transmissão ao vivo em uma rede social, ao lado de Heleno e do porta-voz da Presidência, Otávio do Rêgo Barros. Tanto Heleno como Rêgo Barros são generais do Exército.
Bolsonaro disse que sua declaração, feita durante cerimônia da Marinha no Rio de Janeiro, está dando origem às "mais variadas interpretações possíveis", e perguntou a Heleno, descrito como alguém "mais antigo, mais idoso, mais experiente", se ele considerou a frase polêmica.
— É claro que não. Isso não tem nada de polêmico, ao contrário. Suas palavras foram ditas de improviso, para uma tropa qualificada, e foram colocadas exatamente para aqueles que amam a sua pátria, aqueles que vivem diariamente o problema da manutenção da democracia e da liberdade, e exortando para que continuem a fazer o papel que vem fazendo, de serem os guardiões da democracia e da liberdade — afirmou Heleno.
O ministro do GSI disse que houve uma tentativa de distorcer a frase de Bolsonaro e ressaltou que a democracia não é um "presente" das Forças Armadas:
— Tentaram distorcer isso como se fosse um presente das Forças Armadas para os civis. Não é nada disso. As Forças Armadas são, por determinação constitucional e legal, os detentores do emprego legal da violência.
Heleno usou a situação da Venezuela para exemplificar seu ponto de vista e afirmou que o presidente Nicolás Maduro apenas continua no poder porque os militares do país "estão segurando" ele.
Rêgo Barros citou o cientista político americano Samuel Huntington para também defender a atuação dos militares brasileiros:
— O controle civil objetivo, propugnado por Samuel Huntington, advoga que as Forças Armadas devem ser a fortaleza desse controle civil. Naturalmente, as Forças Armadas brasileiras já o são, por defenderem veementemente a democracia.
Segundo o presidente, os militares passarão a ser tratados com "dignidade e respeito", o que, de acordo com ele, não acontecia nos governos anteriores:
— Os militares, diferentemente do que aconteceu nos últimos 20 anos, serão tratados com dignidade e com respeito. Afinal de contas, em todas as pesquisas, geralmente, as Forças Armadas estão em primeiro lugar na aceitação da opinião pública.
Bolsonaro anunciou que pretende fazer transmissões ao vivo todas as quinta-feiras, às 18h30. Duranta a campanha eleitoral, ele também costumava fazer transmissões semanais. A prática foi reduzida durante a transição de governo e havia sido abandonada após a posse. O presidente pediu para a população enviar dúvidas e sugestões:
— Gostaríamos muito que vocês apresentassem propostas, ideias, do que nós poderíamos fazer para atender a população e também, obviamente, deixar a vida de vocês mais fácil.
Ascânio Seleme: Carnaval de Itamar e Bolsonaro
(“Tô no meio da rua, tô louca. Tô no meio da rua sem roupa. Tô no meio da rua com água na boca, vestida de rebeldia, provocando a fantasia”) Caetano Veloso
A história é quase inacreditável. Experimente contar seus detalhes para um jovem na casa dos 20, 25 anos. Ele vai dizer que é carnaval, e você bebeu demais. Um presidente da República dançando num camarote da Sapucaí com uma modelo sem calcinha? Conta outra. E pior, fotografado de um ângulo em que toda a intimidade da moça ficou exposta ao lado de um presidente em êxtase. Mentira? Claro que não. Você sabe que não. Era assim o carnaval do Sambódromo dos anos 80, 90 e início dos 2000. Uma alegria devassa insuperável.
No dia seguinte, os jornais estamparam a foto do presidente Itamar Franco com a modelo Lilian Ramos, alguns nas suas primeiras páginas. O que fez o presidente? Nada. Não acusou a moça, não ficou irado, não veio a público atacar a permissividade do carnaval. Ao contrário, à noite ligou para Lilian e tentou iniciar um romance com a moça. Não colou. A modelo queria apenas a publicidade da companhia presidencial num desfile da Sapucaí.
Outra história inacreditável vimos na noite de terça-feira, no Twitter do presidente Bolsonaro. A cena escatológica distribuída por ele entre seus 3,6 milhões de seguidores mostra como Bolsonaro pensa, ou como pensa pequeno. Imaginar que aquelas imagens representam os blocos do carnaval é não enxergar um palmo à frente de seu nariz. Não precisava ir às ruas para entender como funcionam os blocos, bastava ficar meia hora assistindo à GloboNews.
A nudez dos tempos de Itamar era dona absoluta do espetáculo das escolas de samba. Havia até um adereço chamado tapa-sexo, que era uma peça minúscula que se encaixava não sei bem onde e que deixava protegida de olhos alheios apenas a genitália da mulher que o portava. Além das bundas totalmente desnudas, os seios também eram livres para se manifestar como bem entendessem. O Brasil inteiro assistia àquela desabusada nudez desfilando nas telas da TV.
Hoje, não. Dois ou três pares de seios nus foram tudo o que se viu nos dois dias de desfile da Sapucaí. A nudez na Avenida era absolutamente aceitável, como hoje é aceitável a seminudez da garotada nos blocos. O discurso é o da liberdade, do meu corpo, minhas regras, do não é não. E, portanto, tudo é saudavelmente possível. Cada um sai como quer e, com algumas raras exceções, todos e todas são respeitados por todos.
A nudez nas escolas aos poucos desapareceu devido a críticas de que as mulheres eram exploradas. As mesmas vozes que no passado criticavam a nudez das passistas e rainhas das baterias hoje apoiam a liberdade individual de cada mulher se vestir ou se despir como bem entender nos blocos ou fora deles. Nada contra, pelo contrário. Impossível discordar ou não apoiar incondicionalmente todas as campanhas de afirmação e valorização da mulher.
Ontem, as meninas das escolas de samba estavam sendo usadas pela indústria do carnaval, e sua nudez era gratuita e permissiva. Hoje, com um importante gap geracional, a nudez das meninas dos blocos ou do uso do corpo feminino pela mulher de acordo com as suas regras é uma questão de afirmação de gênero.
As duas lógicas devem ser entendidas como expressão de sua época. Se no passado a nudez podia ser chamada de vulgar e machista, hoje pode ser considerada rebelde, libertadora e feminista. Com objetivo igual, os dois movimentos percorreram ou percorrem caminhos inteiramente distintos para alcançá-lo. Portanto, é justo afirmar que o vista-se de 20 anos atrás tem o mesmo significado do dispa-se de hoje em dia.
Da mesma maneira, a homossexualidade se expressa e se reafirma nos blocos. Normal e saudável. Uma festa como o carnaval serve para todo tipo de exaltação. Tente se lembrar de um só carnaval em que você não viu manifestações de afeto gay despudoradamente livres. Foi sempre assim. E continuará sendo assim, quer o presidente do Brasil queira ou não. Hoje, aliás, o amor LGBTQIA+ não precisa do carnaval para se mostrar. O que Bolsonaro fez foi explorar um detalhe tão pornográfico quanto mínimo e insignificante da festa, escancarando mais uma vez suas limitações sociais e cognitivas.
Míriam Leitão: Este carnaval foi das críticas
Carnaval é festa tradicional, movimenta a economia e permite críticas e sátiras. Não se resume ao vídeo que o presidente postou
Este foi um carnaval de críticas ao governo, nos blocos, nas avenidas, nas letras, nos enredos e nas fantasias, nas alegorias e nos bordões. Normal. O carnaval é irreverente, ácido, inclemente. As autoridades são sempre alvo. Era assim no período autoritário, quando em plena Brasília nasceu o bloco “pacotão”, parodiando o pacote de abril do Geisel. E tem sido assim no período democrático. Houve enredos de protesto e sátiras, nas últimas décadas, que se tornaram clássicos. O certo é o governo seguir com seu trabalho nos dias úteis, após as cinzas, e ponto final.
O presidente Jair Bolsonaro iniciou uma nova polêmica desnecessária quando postou seu vídeo criticando o carnaval, e depois fazendo postagem contra artistas, misturando isso com a lei de incentivos à cultura. A cena é escatológica, mais do que obscena. Um perfil com 3,4 milhões de seguidores pode transformar um fato pouco visto numa viralização. O presidente da República dar exposição a uma situação como aquela é um completo nonsense. E a nota divulgada ontem à noite pela Presidência não anula o erro da postagem.
O carnaval é festa tradicional, e no Brasil movimenta a economia, atrai turistas e produz formas variadas de manifestações culturais. Por isso ele é tão diverso. Obviamente não se resume a uma cena. O presidente particularmente pode não gostar do carnaval. Há o grupo, no qual me incluo, que prefere o momento para se recolher e descansar com a família. Mas os que não gostam da folia certamente não ficam procurando motivos para impedir que os foliões façam seu carnaval. É uma escolha, cada um faz a sua. O presidente quer o que ao postar o tal vídeo? Dizer que aquilo foi o carnaval?
Ele pode, como governante, não gostar de uma lei e propor sua revogação ou sua alteração. Todo incentivo, ou política que envolva dinheiro público, deve estar sob constante fiscalização para aperfeiçoamento, atualização, comprovação de que cumpre seu objetivo. Há inúmeros tipos de incentivo no Brasil, o ministro Paulo Guedes prometeu durante a campanha que iria reduzir essas renúncias fiscais. Até agora nada evoluiu. Exceto as declarações contra a Lei Rouanet, o que indica que não é a renúncia fiscal que preocupa o governo, mas as críticas que eventualmente tem recebido de artistas.
O presidente da República, em vez de abrir polêmicas, deveria simplesmente sugerir a mudança que queira fazer nessa ou em qualquer lei. Um governante sério só propõe o fim de uma legislação como essa, que atravessou já vários governos, após o cálculo do custo-benefício, principalmente porque a economia criativa tem também valor intangível e retornos indiretos. Benefícios fiscais para incentivar a arte, em cada uma de suas manifestações, existem em qualquer país do mundo.
Aqui no Rio, no mais tradicional carnaval do Brasil, vive-se o dilema de um prefeito que não gosta de carnaval e não entendeu que administrar a cidade é diferente de impor as suas escolhas pessoais aos munícipes. Marcelo Crivella também tem o direito de propor o fim de qualquer subvenção pública às escolas de samba, mas que isso não seja por motivos da religião que professa, e sim por algum cálculo que tenha feito sobre o retorno ou não desse dinheiro investido. Governar é fazer escolhas, mas que elas não sejam determinadas pelos interesses ou rejeições pessoais do governante.
Mesmo quem se recolheu e viu o carnaval de longe, não pisou em avenida, nem se integrou a bloco percebeu que o tom desse carnaval foi de críticas ao governo Bolsonaro em todos os estilos, sons e cores. E houve também queixas contra dores bem mais antigas, algumas ancestrais. O majestoso desfile da Mangueira com o seu samba-enredo que certamente ficará na história, a mesma que ela se propõe a corrigir incluindo as visões dos que têm sido excluídos da história oficial, é apenas um exemplo.
O da Mancha Verde também foi um recontar da história, colocando a centralidade nos negros e na saga da luta contra escravidão. As guerreiras da comissão de frente da Portela falaram com seus rostos. Outros enredos de escolas também trouxeram o tom da crítica como não podia deixar de ser. Primeiro, porque carnaval é carnaval. É a hora de protestar cantando e dançando contra o que se quiser. Segundo, porque o país está com as sequelas de uma campanha eleitoral extremamente polarizada. E terceiro porque, desde que assumiu, o governo tem produzido notícias que se prestam a todo o tipo de paródia.
Ricardo Noblat: O desfile histórico da Mangueira
Carnaval
Está para se ver no Rio ou fora dali desfile de uma escola de samba mais politizado, crítico e polêmico do que foi o da Mangueira que terminou nesta terça-feira quando o dia começava a raiar.
Embalado pelo mais feliz samba-enredo deste ano, a escola exaltou personagens com pouco ou nenhum lugar na história do país, e afrontou outros tratados como heróis pela história oficial.
Sobrou para Luís Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, chamado de O Pacificador, patrono do Exército. Para a Princesa Isabel, a Redentora, que assinou a lei que acabou com a escravidão.
Sem falar do padre jesuíta espanhol José de Anchieta, o Apóstolo do Brasil e suposto protetor dos índios, fundador da cidade de São Paulo, feito santo pela Igreja Católica em 2004.
“Brasil, meu nego/ Deixa eu te contar/ A história que a história não conta/ O avesso do mesmo lugar/ Na luta é que a gente se encontra”, cantou Mangueira, e a partir daí reescreveu a história do país.
Duque de Caxias, Anchieta e o marechal Floriano Peixoto foram apresentados dançando sobre corpos de índios e de escravos mortos e ainda ensanguentados.
A escola debochou do marechal Deodoro da Fonseca, o monarquista que derrubou o Império e proclamou a República enquanto o povo, bestificado, a tudo assistiu sem nada entender.
Debochou também de Pedro Álvares Cabral, que a história consagrou como o descobridor do Brasil, e de Dom Pedro II, que declarou o Brasil independente de Portugal às margens do rio Ipiranga.
A bandeira brasileira trocou de cores. O verde cedeu lugar à rosa e ocupou o lugar do azul. O dístico Ordem e Progresso foi substituído por Índios, Negros e Pobres.
Um carro alegórico, manchado de sangue e pichado com a palavra “assassinos”, reproduziu o monumento que em São Paulo homenageia os bandeirantes, caçadores de índios e de escravos.
O carro que fechou o desfile trouxe a pichação “Ditadura assassina” e como destaque a jornalista Hildegard Angel, filha da estilista carioca Zuzul Angel, morta pela ditadura militar de 64.
A saída da escola da avenida foi marcada pelo acenar de gigantescas bandeiras com o rosto da vereadora Marielle Franco, do PSOL, executada no centro do Rio vai fazer um ano.
Está bom ou quer mais? Se perdeu o desfile, pode vê-lo aqui.
Julianna Sofia: Cara de palhaço
Deputados se esbaldam em Carnaval prolongado às custas da Viúva
Embora a mais autêntica pândega brasileira, o Carnaval nem feriado nacional é. À exceção de estados e municípios onde lei local assim o designa, o período equivale a dias regulares de trabalho, em que órgãos públicos e empresas privadas podem exigir atividade normal de seus funcionários, e faltas podem ser descontadas dos salários. Dispensa é questão de liberalidade.
Isso vale para um cidadão ordinário —aquele com cara de palhaço.
Na quarta-feira (27), a Folha flagrou o início da patuscada na Câmara dos Deputados. Eram seis da manhã, quando o painel de presença da Casa foi aberto para que os congressistas pudessem marcar seus nomes para a sessão que só começaria três horas mais tarde.
Antes das 8h, 11 deputados já tinham se registrado. O interesse nas votações que se seguiriam (acordos internacionais) era próximo de zero. O motivo real para a madrugada no plenário era garantir presença, embarcar para o estado de origem e deleitar-se num feriado prolongado.
O salário de um deputado é de R$ 33.763, fora outras benesses, e o comparecimento a sessões de votação é condição para não haver desconto. Há muito trabalho pendente nos escaninhos da Câmara, que tem adiante toda a tramitação de uma reforma da Previdência urgente.
Os congressistas fazem parte da infinitesimal parcela da população no topo da pirâmide de renda no Brasil. Nesta quinta (28), o Ministério da Economia alertou sobre a necessidade de aprovação da reforma para evitar que o PIB per capita do país entre em trajetória de queda.
“Para que o PIB per capita volte a crescer de maneira sustentável, é necessário que as reformas estruturais ocorram”, diz o documento. No ano passado, a economia do país avançou decepcionante 1,1%, e a renda por brasileiro ainda ficou 8% abaixo do patamar de 2013.
Na galhofa parlamentar brasileira, houve a tal renovação, mas tudo continua como dantes. E você, cidadão ordinário, já está com o feitio apropriado até a Quarta-Feira de Cinzas.
Ascânio Seleme: Carnaval azul e rosa
O primeiro carnaval da era Bolsonaro vai desafiar a pauta de costumes conservadora do novo governo. Não resta dúvida de que a bagunça organizada prevalecerá nos milhares de blocos que vão entupir as ruas das cidades. E nela, nem sempre meninos vão usar azul e meninas tampouco vestirão apenas rosa. Vai ser o de sempre, mas um pouco mais abusado, até como forma de responder à nova ordem.
No Rio, 509 blocos vão sair ao longo desta e da próxima semana. Em São Paulo, serão 516 blocos. O PIB do carnaval paulista será de R$ 1,9 bilhão contra R$ 2,1 bilhões do Rio. Quer dizer, ninguém fará economia na folia, embora no Rio a prefeitura do bispo Crivella se afaste cada vez mais dos foliões. Dá para antecipar que a irreverência não vai poupar Bolsonaro, Witzel, Doria ou quem quer que seja. Vai sobrar para todo mundo.
Essa é a grandeza do Brasil. Não importa quem está no comando, o país segue seu destino com seu jeito debochado. Foi assim sob FH, Lula, Dilma e Temer. Foi assim durante a ditadura. Seguirá assim com Bolsonaro. O Brasil é muito grande, é difícil encontrar um buraco que o engula. E, quando dá, faz pouco caso de quem acha que pode tudo. No carnaval é sempre assim.
E aí, muita gente aproveita a onda para tirar uma casquinha, posicionando-se contra o conservadorismo da nova turma. A campanha publicitária de carnaval da rede de fast-food Burger King é muito eficiente na comunicação, embora use argumentos que devem escandalizar a ministra Damares. Na peça que está no ar e é chamada de “Poliamor”, a menina Bá come dois sanduíches ao lado de seus dois namorados, Gui e Vini. E pergunta por que escolher um se ela pode ficar com os dois.
Há também quem credite ao novo governo o resultado comercial positivo do carnaval deste ano. Para o inventor do Camarote Número 1, o empresário José Victor Oliva, que está investindo R$ 10 milhões na Sapucaí este ano, a mudança do clima político no Brasil e no Rio vai ajudar o carnaval.
Para Oliva, o sucesso é maior ou menor se o Rio e o Brasil estiverem mais confiantes. “A receita do camarote vem a reboque do que acontece na cidade e no país, e este ano já dá para ver que está muito melhor”. Do ponto de vista de Oliva, que aposta em Bolsonaro, o Brasil estava “muito largado; perdemos muito tempo com besteira e bobagem, com o politicamente correto, enquanto a bandidagem ria e agia”.
Ter a casa em ordem é importante, sem dúvida, sobretudo em grandes eventos. Embora no carnaval, como no réveillon de Copacabana, a segurança nunca tenha sido um problema —“há uma comunhão espiritual em torno da festa que reduz a violência”, na visão de Oliva —, quem vem de fora não sabe disso. Por essa razão, sinais em favor da segurança, segundo ele, são eficientes e estimulam o turismo.
Mesmo sendo berço de irreverência quase juvenil, o carnaval não tem idade nem nacionalidade. Para a Sapucaí vem gente de todos os estados do Brasil. Do exterior vêm principalmente os que gostam de Ibiza e outros destinos que conjugam sol e balada. Para eles, o carnaval do Rio é “perfeito”, diz José Victor Oliva. “Trata-se da maior festa do mundo realizada no verão da cidade mais bonita do planeta”.
É assim que a banda toca. O carnaval deste ano vai atender a todos os gostos.
Fernando Gabeira: Rios da indiferença
Um governador que não se prepara para o carnaval é uma figura inútil
Durante o carnaval, consegui tempo para ler o último livro de Oliver Sachs, o brilhante psiquiatra que morreu em 2015. Tinha uma doença terminal e enfrentou a morte com coragem e bom humor, escrevendo e revendo ensaios, no leito, com a ajuda de amigos. O livro se chama “Rio da consciência”, mas o ensaio que me chamou atenção, de início, foi o “Uma sensação generalizada de desordem”. O título, na verdade, é a descrição que um paciente faz da enxaqueca, doença que Sachs muitas vezes, como psiquiatra, enfrentou. A enxaqueca não me fascinou tanto quanto a descrição do sistema nervoso autônomo, um conjunto — células, hormônios, redes neurais — que monitora o equilíbrio de nosso organismo. Diferente do sistema nervoso central, o autônomo não coordena o que fazemos, mas é uma indicação de como estamos.
Escrevo a caminho de Pacaraima, na fronteira do Brasil com a Venezuela. Saí diretamente do Rio para cá. Suponho que a sociedade também tenha essa tendência ao equilíbrio, uma espécie de sistema nervoso autônomo. Se é assim, creio que já deu sinais de que algo vai mal tanto no organismo nacional como no sul-americano.
O Rio foi tomado por inúmeros casos de violência e assalto. Apesar de tantos avisos, o governador Pezão confessou que o estado não se preparou para o carnaval. Como se uma festa tão antiga e previsível fosse um raio em céu azul. O prefeito do Rio, Marcelo Crivella, disse que iria aproveitar a folga do carnaval e viajar para a Europa, em busca de experiências “inovativas”. Folga, como assim? Trabalhei no carnaval por escolha, se quisesse poderia estar fantasiado em qualquer esquina. Mas um prefeito não tem folga no carnaval. É precisamente o período em que tem de cuidar de tudo, para evitar o pior. Pezão ainda não conseguiu ler o plano de segurança. Crivella se elegeu dizendo que iria cuidar das pessoas. Será que foliões, fantasiados, seminus e alegres, não são pessoas?
Essas coisas nos colocam próximos de uma desordem generalizada. As principais autoridades parecem não entender o que está se passando. A tarefa do equilíbrio, a homeostase, torna-se cada vez mais complicada.
Aqui na fronteira, as coisas não são diferentes. Estive em Pacaraima duas vezes, e uma em Santa Helena, já na Venezuela. Previ que a situação iria se agravar, o que não é nenhuma vantagem, apenas o óbvio. Por aqui já passaram mais de 40 mil. Na Colômbia, um milhão de refugiados cruzaram a fronteira. As ferramentas diplomáticas, Mercosul, Unasul e mesmo a OEA, são incapazes de achar uma saída. Talvez o único caminho seja internacionalizar uma crise que transcende a capacidade sul-americana. Mas o que pode fazer a ONU? A Europa está sobrecarregada pelo fluxo de refugiados no Mediterrâneo. E os Estados Unidos, com a escolha de Donald Trump, fecham-se cada vez mais para as tragédias do mundo.
Como um sistema nervoso autônomo, os mecanismos de monitoramento continuam funcionando. Eles registram os desequilíbrios, indicam as desordens. No entanto, não se encontra remédio. A tarefa do sistema nervoso central está atrofiada, não há antecipação planejada , apenas uma espera na crise para intervir quando for tarde demais. O colapso do governo no Rio, por corrupção e incompetência, já era um sinal de que a crise de segurança se agravaria. A escalada repressiva de Maduro, uma certeza do êxodo em massa para Colômbia e Brasil.
Assim como no corpo, o sistema nervoso autônomo na sociedade precisa de mais atenção. No corpo, é ele que nos desestimula, por exemplo, a disputar uma corrida depois de um farto almoço.
Embora isso não explique tudo, creio que os governantes em Brasília e no Rio não se importam tanto com esses desequilíbrios porque estão atentos a outros sinais. Ambos têm problemas com a polícia, ambos se esforçam para escapar dela. Não creio que uma antecipação conseguiria resolver as crises em Pacaraima ou Copacabana. Mas, certamente, ajudaria.
Um governador que não se prepara para o carnaval, um prefeito que vê nele uma folga para buscar soluções na Áustria, na Alemanha e na Suécia, são figuras inúteis.
No caso da Venezuela, Temer pode dizer que o governo anterior não só apoiou como se tornou cúmplice da tragédia produzida por Maduro. Mas Temer era vice-presidente. Não é possível que só tenha percebido agora como o Brasil errou.
E, agora, as coisas são bem mais difíceis. Em Roraima, segundo as pesquisas, a população, majoritariamente, rejeita os imigrantes. Em termos regionais, nas eleições, pode acontecer ali algo que aconteceu na Europa: um avanço da xenofobia.
Nesse caso, como aliás em tantos outros, é preciso preparar o corpo para pancadas de todos os lados. A direita gostaria de ver a fronteira fechada. E a esquerda, assim como Crivella, que não vê pessoas na multidão carnavalesca, dificilmente enxerga direitos humanos nas milhares de famílias que fogem do socialismo do século XXI, como se autoproclama a aventura bolivariana.