candidatura
Simone Tebet será candidata a presidência em 2026?
Júlio Martins*, Esquerda Democrática
Não necessariamente. De todas as candidaturas de 2022, talvez a de Simone Tebet tenha sido a que expressou mais uma articulação partidária do que uma postulação pessoal.
Sabemos que as direções do PSDB, Cidadania, MDB e União Brasil buscaram construir uma candidatura única do Centro Democrático, capaz de se apresentar como uma alternativa viável às candidaturas de Lula e Jair Bolsonaro.
Inicialmente, o então governador de São Paulo, João Doria, que ganhou as prévias internas do PSDB na disputa com Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul, despontava como o nome da chamada terceira via na eleição presidencial.
Como se sabe, João Doria abriu mão de sua pré-candidatura, dado seu baixo desempenho nas pesquisas, em prol de um nome que tivesse menos rejeição e mais possibilidade de agregar aqueles quatro diferentes partidos.
Assim, surgiu o nome da senadora Simone Tebet, do MDB, que havia se destacado na CPI da Covid no Senado.
Para selar essa aliança partidária, o PSDB indicou a também senadora Mara Gabrilli para a vice, compondo a chapa da terceira via.
O União Brasil, resultante da fusão do DEM, liderado pelo então prefeito de Salvador Antônio Carlos Magalhães Neto, com o PSL, liderado pelo deputado Luciano Bivar, saiu daquela articulação da terceira via e lançou para presidência a candidatura da senadora Soraya Thronicke.
Na época, especulou-se que essa posição do União Brasil havia sido articulada por Lula que teria prometido a Luciano Bivar um ministério para o partido. A Lula interessava evitar o fortalecimento de uma candidatura de terceira via, pois o PT contava desde o início da campanha com a possibilidade de ganhar a eleição já no primeiro turno. Para tanto, sabemos, a propaganda de Lula, especialmente nas redes sociais, lançou a campanha pelo voto útil na candidatura petista.
Na sequência, o Podemos se juntou ao PSDB, Cidadania e MDB na coligação de Simone Tebet, que manteve sua candidatura não só por seu esforço pessoal, como também pelo apoio determinado das direções daqueles partidos, apesar de dissidências em vários lugares, principalmente do MDB em estados do Nordeste.
Uma candidatura de Simone Tebet em 2026 à presidência da República dependerá de uma articulação dos partidos que organizaram a terceira via. Não é certo que esses partidos estarão juntos. O MDB, que deverá participar do governo Lula, poderá lançar candidato próprio em 2026, eventualmente Simone Tebet, como também compor uma aliança com o PT, a exemplo de 2010 e 2014, ou ainda apoiar uma possível candidatura do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, do PSDB.
A preocupação da cúpula do PT em evitar que Simone Tebet ocupe um ministério que lhe dê projeção eleitoral para 2026 revela incompreensão da importância de um governo de ampla coalizão democrática capaz de isolar a extrema-direita.
* Jornalista. Coautor, com Francisco Almeida, de "O reencontro da esquerda democrática e a nova política" (Fundação Astrojildo Pereira, 2014)
René Magritte (1898-1967), A traição das imagens (1929)
Texto publicado originalmente no Facebook Esquerda Democrática.
Revista online | Cotas de gênero na política: como avançar para garantir a participação das mulheres
Raquel Nascimento Dias*, especial para a revista Política Democrática online (48ª edição: outubro/2022)
Embora eu tenha uma linha político-ideológica que se aproxima da ativista feminista Bertha Luz, darei início a este artigo saudando Carlota Pereira de Queirós, a primeira mulher eleita deputada federal do Brasil pelo Estado de São Paulo. Seu discurso demonstrou a importância deste primeiro passo: “Além de representante feminina única nesta Assembleia, sou, como todos os que aqui se encontram, uma brasileira integrada nos destinos do seu país e identificada para sempre com os seus problemas”. (...). (TRE. 1934)
De lá para cá, são 88 anos de luta contínua para que nós mulheres possamos garantir a participação e equidade no exercício da cidadania. Inserida nisso está a Política de Ações Afirmativas - Cotas para Mulheres na Política - prevista na Emenda Constitucional nº 97/2017, também conhecida como Lei dos Partidos e que hoje conta com artigos que garantem vagas nas chapas montadas pelas agremiações, espaço proporcional nos tempo de tv, campanhas de incentivo à participação feminina na política e o fundo especial de campanha, formando uma rede de medidas que busca trazer diversidade e representatividade para o cenário do país.
Veja todos os artigos da edição 48 da revista Política Democrática online
A cota para mulheres na política é usada pela maioria dos países para reforçar a participação feminina nos espaços de poder. De 124 países, apenas 39 não têm essa ação afirmativa, o que demonstra que a busca por mais mulheres na política tem sido uma preocupação do mundo todo, reforçando a ideia de que o direito à participação política se constitui em um direito fundamental.
No Brasil, somos 52,65% da parcela votante e, apesar de sermos maioria, ainda temos um caminho duro para percorrer e, por isso mesmo, temos no país algumas políticas afirmativas que promovem o avanço da participação feminina.
Para vencer a sub-representatividade, a Justiça Eleitoral tem sido cada vez mais dura com os que descumprem ou tentam burlar as regras. Exemplo disso foi o caso em que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cassou por fraude na cota de gênero uma chapa inteira de vereadores do Partido Republicanos de Itambé (PE). Casos assim já ocorreram por todo o país e tem sido importante para que as legendas compreendam a importância pela busca por lideranças femininas para a disputa eleitoral
O caminho para avançar na participação feminina efetiva é mudança de comportamento social, e isso leva tempo. Segundo a Agência Senado, dados do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) nas eleições de 2022 informam: “As candidaturas femininas bateram recorde este ano, com 33,3% dos registros nas esferas federal, estadual e distrital. As mulheres representam 53% do eleitorado do país, o que corresponde a 82 milhões de votantes. Apesar disso, elas ocupam apenas 17,28% das cadeiras no Senado. Especialistas defendem o aperfeiçoamento da legislação para garantir a participação feminina na política”.
Abaixo, confira galeria de fotos:
Apesar do avanço, estudos apontam que a tendência é que o crescimento diminua, e um dos principais fatores seria a dificuldade de financiamento. Candidaturas masculinas têm maior facilidade de financiamento fora do fundo especial, demonstrando que não há uma priorização de candidaturas femininas dentro dos partidos. Porém, temos um mecanismo fundamental e pouco visualizado na luta pela participação das mulheres na política, que são as Secretarias de Mulheres mantidas pelas agremiações partidárias para promover, incentivar e, principalmente, preparar essa parcela da população para sua efetiva participação.
Contudo, essa mudança de paradigmas requer também uma mudança na cultura política que ainda vê as mulheres apenas como complemento e não como construtoras dos projetos políticos. Ainda se reserva a nós o papel de vices, ainda atuamos pouco na hora da construção das chapas eleitorais. Muitas de nós ainda figuram no papel de mãe ou esposa de políticos inelegíveis que usam nossa imagem para manter seus eleitores. Ainda levamos a alcunha de sermos laranjas, apesar de os homens laranja existirem no sistema político de forma naturalizada.
Estamos avançando em todo o mundo, mas ainda temos muito a fazer como sociedade para que a equidade seja alcançada quando o assunto é nossa participação efetiva na política.
Sobre a autora
*Raquel Nascimento Dias é ativista social e Gestora Pública. Atualmente Secretária de Desenvolvimento Econômico e Turismo do Município de Cascavel/Ceará e Diretora Pedagógica e de Articulação Social da Plataforma Àwúre Educa e Membra do Comitê Técnico do GT Povos Tradicionais do MPT.
** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de outubro de 2022 (48ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.
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Nas entrelinhas: A disputa pela direção intelectual e moral da sociedade
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Um dos organizadores da edição brasileira dos Cadernos do Cárcere, de Antônio Gramsci, sob a liderança de Carlos Nelson Coutinho e a participação de Luiz Sérgio Henriques (obra que acaba de ser reeditada pela Editora Civilização Brasileira), o cientista político e professor livre docente da Universidade Estadual Paulista (UNESP) Marco Aurélio Nogueira, a propósito da coluna publicada ontem, intitulada Guerra de posições, fez observações muito pertinentes sobre a disputa pela direção intelectual e moral da sociedade.
Transcrevo a seguir seus comentários sobre a disputa entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL) nesse terreno: “Você usa o conceito de direção intelectual e moral, que é utilíssimo na formulação da hegemonia. Mas acho que não está certo falar que ‘o segundo turno das eleições opõe, de um lado, o domínio político do governo Bolsonaro e, de outro, a direção intelectual e moral da sociedade protagonizada pela oposição liderada por Lula’. Você acrescenta que ‘Quem conseguir juntar domínio, pela via eleitoral, e direção, exercendo o poder, governará o país pelos próximos quatro anos’. E mais: ‘O chefe do Executivo já tem o domínio, mas perdeu a direção moral, que tenta recuperar'”.
Depois desse resumo, Nogueira comenta: “Duas coisas me vieram à mente. (1) Bolsonaro não perdeu a direção intelectual e moral: 50% dos eleitores estão com ele e o seguem justamente como ‘dirigente’. (2) Lula está disputando essa direção, mas ainda não a tem. Numa eleição, vence quem dirige, não quem domina. E o poder é uma situação típica de domínio, não necessariamente de direção. Quem exercer o poder pode dirigir também, mas desde que busque fazer isso, não automaticamente. Por isso, Gramsci fala que antes de se chegar ao poder, seria conveniente que se tratasse de conquistar a direção”.
São observações que ilustram a complexidade do cenário eleitoral, no qual Bolsonaro, neste segundo turno, estabeleceu como eixo de campanha exatamente a disputa pela “direção moral” da sociedade, com uma estratégia na qual empunha as bandeiras da ética, da família unicelular patriarcal, da fé em Deus e da liberdade individual. Com isso, conseguiu reduzir a vantagem de Lula no primeiro turno, que mantinha uma liderança folgada até às vésperas da votação.
Senso comum
Bolsonaro estruturou sua campanha em torno dessas bandeiras e organizou uma base política orgânica nas redes sociais, que tem revelado grande poder de mobilização e protagoniza a radicalização política e ideológica na sociedade desde as eleições de 2018. O uso de fake news para aumentar a rejeição de Lula e reduzir a sua própria vem sendo recorrente na campanha do presidente, mas isso não elimina, e até reforça, o fato de que ancora seus ataques ao petista no senso comum da população, que é majoritariamente conservador.
Conversando sobre isso, Nogueira chamou-me a atenção para o fato de que a campanha de Lula está focada, principalmente, na comparação dos resultados econômicos de seus dois mandatos com os de Bolsonaro, que pleiteia a reeleição. Ou seja: o petista privilegia o terreno das questões econômicas. Até agora, vem tendo sucesso ao escolher esse terreno de batalha, porém, é inegável que as ações do governo para melhorar o ambiente econômico estão influenciando os eleitores, como comprovam as pesquisas, que mostram redução da rejeição de Bolsonaro e da desaprovação de seu governo. Isso limita o peso da economia na decisão de voto.
É bom lembrar que o governo é a forma mais concentrada de poder e Bolsonaro não tem o menor pudor em utilizar a máquina federal para alavancar sua candidatura. O fato de estar no poder, ou seja, numa situação de domínio, é uma vantagem estratégica na campanha eleitoral dos que concorrem à reeleição, porque controla estruturas capazes de mudar a correlação de forças eleitorais. Mas, no caso de Bolsonaro, isso ocorre de forma sem precedentes, devido à aprovação do “estado de emergência” pelo Congresso, que possibilita a realização de gastos e outras ações governamentais em plena campanha eleitoral.
Nesse cenário, o que pode fazer a diferença é a tal capacidade de liderança intelectual e moral da sociedade. Lula chegou a exercê-la, em razão da alta rejeição de Bolsonaro, até o resultado das urnas em 2 de outubro. Já no primeiro turno, revelou dificuldades nos debates para lidar com as agendas negativas do mensalão e do petrolão. Juridicamente, a Operação Lava-Jato morreu de morte matada, mas a questão ética está vivíssima em termos eleitorais, como comprova a eleição do ex-juiz Sergio Moro ao Senado, pelo Paraná. Esse é o maior obstáculo a ser enfrentado por Lula no segundo turno contra Bolsonaro.
Revista online | Por que eu voto em Simone?
Roberto Freire*
Há muito mais do que apenas 15 razões para votar em Simone Tebet para a Presidência da República no dia 2 de outubro. Mas o voto não é uma decisão puramente racional. Na solidão da cabine, só perturbada pelo som característico da confirmação do voto na urna eletrônica, valem mais a emoção e a esperança, embora muitos nos queiram movidos pelo ódio.
É na esperança de abrir caminho para a superação do clima de divisão instalado no seio das famílias brasileiras que deposito a confiança do meu voto em Simone. E, na esperança de que mais e mais brasileiros e brasileiras façam o mesmo, aqui vão algumas das minhas “razões” de voto.
- Simone é a mais preparada. E não tenha dúvida. Se há algo de que o próximo presidente vai precisar para reerguer o Brasil após 5 anos e meio de Dilma/PT e 4 anos de Jair Bolsonaro, é de preparo. Simone é doutora em Direito Constitucional, professora, foi prefeita, vice-governadora, é senadora, presidiu a Comissão de Constituição e Justiça, a mais importante do Senado, e foi a primeira mulher candidata à Presidência do Senado.
- É mulher. Mas não apenas por isso e não qualquer mulher. O Brasil precisa do coração de uma mãe, que tenha o olhar para o todo e para os detalhes, mas não se perca neles; e da cabeça de uma gestora, que tenha espírito de liderança, mas valorize a escuta e saiba o momento de fazer e de delegar.
- A força do interior: Simone é o Brasil do Agro, mas o Agro moderno, que defende o uso intensivo de tecnologia, que melhora a produtividade sem avançar sobre áreas de proteção ambiental, que sabe que o diferencial do país que alimenta o mundo é a manutenção da floresta em pé, gerando renda para as comunidades e inovação para toda a cadeia produtiva.
- Vai fazer as concessões e privatizações de que o Brasil precisa, porque não tem as amarras ideológicas de Lula e Dilma e tem a competência que falta a Bolsonaro e sua equipe, abrindo um novo ciclo de investimentos e crescimento econômico.
- Defensora da ciência. Demonstrou na CPI da Covid porque é tão importante acreditar na ciência: salvou vidas e agilizou a chegada das vacinas ao impedir que o governo, seja por interesses escusos, seja por interesses político-ideológicos, se guiasse exclusivamente pelo negacionismo do presidente.
- É democrata convicta. Simone é herdeira do MDB histórico, simbolizado na figura de seu pai Ramez Tebet e no apoio de nomes como Pedro Simon. A raiz política de Simone é a democracia, são os valores republicanos, que professa e defende, como professora de Direito e como parlamentar. Agirá para que as instituições voltem à normalidade funcional.
- Economia verde: Lula e Bolsonaro tiveram a oportunidade de demonstrar compromisso com a nova economia, uma economia limpa, carbono zero, inovadora, na fronteira do conhecimento. Lula é o olhar da década de 1980 para esse processo. Bolsonaro, então, nem se fala: é a visão militar ultrapassada das décadas de 60 e 70. Simone é a única que pode aliar liberais, ambientalistas e centro-esquerda em um projeto contemporâneo do futuro.
- É progressista. Nesses tempos em que Lula se sente à vontade para dizer que “se vai bater em mulher, não bata dentro de casa”, não dá pra dizer que a esquerda tradicional tenha o monopólio da virtude. Não tem. Na verdade, essa esquerda que faz vista grossa para o lulismo se converteu em força reacionária. Simone pode nos empurrar para a frente.
- É corajosa. Já deu várias demonstrações de que não foge à luta. Simone enfrenta. E, sem enfrentar os interesses terceiros que tomaram conta do Orçamento nos anos Bolsonaro, não seremos capazes de mudar o país e melhorar a realidade das pessoas.
- Olhar social. Em um país com 33 milhões de brasileiros passando fome, a prioridade tem de ser o investimento social.
- Tolerância. Simone é católica, mas respeita todas as religiões. Não mistura fé e política.
- Transparência. Simone não tem o que esconder. Sua vida pública é pública. E ela já assumiu o compromisso de revogar todos os sigilos de 100 anos impostos pela gestão Bolsonaro.
- Está com Mara Gabrilli, também senadora, e com ela teremos pela primeira vez na história um governo realmente comprometido com mais de 17 milhões de brasileiros que têm algum tipo de deficiência.
- É reformista. O Brasil precisa de reformas. A começar pela reforma tributária. Bolsonaro não entregou. Nem Lula nos anos que presidiu ou na gestão Dilma.
- É a única capaz de unir o Brasil e pacificar as famílias. Simone não baseia sua campanha no ódio, na desinformação ou nos seus adversários, mas nas propostas pra mudar o Brasil.
Confira, abaixo, galeria de imagens:
Por fim, a polarização sempre esteve presente nas eleições, mas não o clima de ódio. Não se trata de analisar quem é mais ou menos radical ou como essa divisão se acirrou. Mas de buscar os meios para superá-la.
E não será com nenhum dois que estão nos polos dessa disputa. Ao contrário. A vitória de um ou de outro levará o Brasil a caminhos ainda mais sombrios, de acentuação da violência e da divisão.
Sobre o autor
*Roberto Freire é presidente nacional do Cidadania.
** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de maio de 2022 (47ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.
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Nas entrelinhas: Voto útil não leva ninguém a votar puxado pelo nariz
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Um card petista em forma de versos destila veneno nas redes sociais. A primeira frase não tem nada demais numa campanha de voto útil: “Se você votar no Lula,/ Lula vence no primeiro turno”. Logo a seguir aparece um gráfico ilustrado com a foto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e uma barra vermelha, representando 52% dos votos. Ao lado, uma barra amarela, com as fotos, lado a lado, de Simone Tebet (MDB), Ciro Gomes (PDT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL), que corresponderiam a 48% dos votos. Essa é a meta da campanha de voto útil iniciada, nesta semana, pelo próprio Lula, com apoio de artistas e formadores de opinião engajados na sua campanha, para vencer no primeiro turno.
A colagem das fotos já é mal-intencionada, mas o veneno mesmo vem logo a seguir: “Mas se votar em Ciro ou em Simone Tebet, quem vai para o segundo turno é ele”, diz o texto, seguido da imagem de uma mão com o indicador apontando para Bolsonaro, com cara de buldogue e faixa presidencial. Como assim? Quem está votando em Ciro ou em Simone não está votando em Bolsonaro, tem uma preferência legítima numa eleição em dois turnos, que foi bandeira de Lula e do PT durante a votação da Constituição de 1988. Porque isso garantiria a possibilidade, como ocorreu, de que o partido de base operária surgido no ABC paulista se tornasse uma alternativa de poder.
O card é munição de baixo custo e alto impacto da campanha de Lula nas redes sociais, nas quais um vídeo do petista orienta seus apoiadores a intensificar a campanha, com aquele estilo inconfundível de líder sindical acostumado a agitar assembleia de trabalhadores com palavras de ordens e tiradas irônicas. “Quem gosta muito de telefone celular, quem fica agarrado o dia inteiro no celular, quem fica usando ‘zap’, fazendo tuíte, quem fica no Tik Tok, no Toc Toc, quem fica… sabe… é utilizar essa ferramenta para a gente conversar com as pessoas indecisas neste país, e pra gente mostrar a responsabilidade de mudar este país.”
Trecho de um discurso de palanque, o vídeo não é dos mais sedutores, mas funciona. A ordem é reproduzir cards, depoimentos, vídeos, tudo que possa de alguma forma esvaziar as candidaturas de Ciro e Simone. O problema é que o cidadão comum não vai votar levado pelo nariz por nenhum candidato. Não adianta terceirizar a responsabilidade. Não são as candidaturas de Ciro e Simone que vão inviabilizar uma vitória de Lula no primeiro turno.
Se o raciocínio for tão simples assim, Ciro e Simone também estão inviabilizando a vitória de Bolsonaro no primeiro turno, no pressuposto de que os eleitores da chamada terceira via não têm preferência pelo petista. Essa é uma matemática que simplifica, mas não resolve, o problema eleitoral.
Lula queimou os navios com Ciro e vice-versa. O resultado prático pode ser o deslocamento do eleitor não-ideológico do pedetista para os braços de Bolsonaro. Simone está mais ao centro e vem fazendo uma campanha claramente anti-Bolsonaro. Seus eleitores poderiam derivar por gravidade para Lula no segundo turno. Mas como reagirão a esse tipo de ataque petista?
Para vencer no primeiro turno, tanto Lula como Bolsonaro teriam que seduzir os eleitores de centro. O presidente começa a se movimentar nessa direção, empurrado pelo fracasso da estratégia de confrontação ideológica, pelo resultado das pesquisas, pela orientação de seus marqueteiros e pelas pressões do Centrão, cujos políticos não são de pular na cova com o caixão.
Compromissos
Lula não quer conversa antes do segundo turno. Acredita que vencerá no primeiro sem ter que assumir compromissos políticos com essas forças, nos mesmos termos que assumiu com o ex-governador Geraldo Alckmin, seu vice, e com Marina Silva. Qual a razão?
O Brasil é uma democracia de massas, com uma Constituição democrática de viés social liberal, e não social-democrata. Seu gesto em direção ao centro seria assumir compromisso com a democracia representativa e suas instituições de caráter liberal, não apenas abrir espaço para barganhas de natureza fisiológica, que serão inevitáveis quando precisar dos votos do Centrão, se for eleito.
Ciro tem um projeto neonacionalista, de viés desenvolvimentista, que estaria mais próximo do governo de Dilma Rousseff, que fracassou na política e na economia, do que do próprio governo Lula. A proposta mais populista de Ciro — renegociar as dívidas da população de baixa renda e “limpar” o nome no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) — foi encampada por Lula, antecipando-se a qualquer acordo que justificasse uma aliança entre ambos no segundo turno. Dificilmente haverá uma reaproximação entre ambos.
Simone tem um programa liberal social e um compromisso claro com o combate às desigualdades e à defesa dos direitos humanos. Sua agenda social é plenamente coincidente com a de Lula, mas a política econômica, não. O petista faz disso um mistério, mas todo mundo sabe que só há duas maneiras de enfrentar a crise fiscal: reduzindo gastos ou aumentando os impostos.
O que é violência política de gênero e saiba como denunciá-la
Geledés*
O crime de violência política de gênero foi criado em agosto de 2021 na Lei 14.192, uma vitória da bancada feminina no Congresso. A legislação estabelece regras para prevenir, reprimir e combater a violência política contra mulheres, alterando o Código Eleitoral, a Lei dos Partidos Políticos e a das Eleições.
A eleição de outubro 2022 é a primeira em que é considerado crime assédio, constrangimento, humilhação, perseguição e ameaça de uma candidata ou a uma política já eleita. Ainda estabelece que é ilegal atuar com menosprezo ou discriminação à condição de mulher, sua cor, raça ou etnia.
A punição é de até quatro anos de prisão e multa. Se a violência ocorrer pela internet, a pena é mais dura, podendo chegar a seis anos.
O que é violência política de gênero? Qualquer candidato ou político pode ser vítima de violência política, um ato que tenta minar uma candidatura com ameaça e intimidação, de forma organizada ou não. A segmentação do gênero, entretanto, foi resultado dos debates sobre igualdade de gênero na política e os efeitos da violência em candidaturas femininas, bem como nas da população LGBTQIA+, de negros e indígenas.
A lei brasileira considera a violência política contra a mulher “toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos da mulher”.
Ela garante, também, que sejam cumpridos os direitos de participação política da mulher, “vedadas a discriminação e a desigualdade de tratamento em virtude de sexo ou de raça”.
A lei se enseja a movimentos internacionais como a Declaração sobre a Violência e o Assédio Político contra as Mulheres, assinada em 2015 pela Organização dos Estados Americanos.
Esse documento diz que a violência política contra as mulheres inclui ação, conduta ou omissão baseada em gênero que venha “minar, anular, impedir, dificultar ou restringir seus direitos políticos, violar o direito a uma vida livre de violência e de participar na vida política em condições de igualdade com os homens”.
Quais os tipos de violência política? Segundo o Observatório de Violência Política Contra a Mulher, que dispõe de cartilha sobre o tema, há a violência física e a não física, que pode ser simbólica, moral, econômica e psicológica.
Nesse caso, podem configurar atos que ameacem, amedrontem ou intimidem mulheres e seus familiares, e “que tenham por propósito ou resultado a anulação dos seus direitos políticos, incluindo a renúncia ao cargo ou função que exercem ou postulam”.
Também são considerados atos de violência crimes já previstos, como difamação, calúnia, injúria ou qualquer expressão “que rebaixe a mulher no exercício de suas funções políticas, com base no estereótipo de gênero, com o propósito ou o resultado de minar a sua imagem pública”.
A cartilha ainda cita casos específicos, como a “não destinação de recursos públicos destinados às campanhas femininas de acordo com o regramento em vigor, por parte do partido”, bem como “apresentação de candidaturas de mulheres somente para fins de preenchimento da cota prevista em lei, com o sem consentimento delas”.
O Ministério Público Eleitoral acrescenta que representam formas de violência política de gênero a ofensa da dignidade de mulheres “por meio de palavras, gestos ou outras formas, imputando-lhes crimes ou fatos que ofendam a sua reputação, bem como violar a sua intimidade, divulgando fotos íntimas ou dados pessoais, e questionar suas vidas privadas”.
A quem se aplica? Apesar de não estar explícito na lei, especialistas entendem que será levado em conta o gênero, não o sexo biológico, a fim de incluir mulheres trans, as mais ameaçadas e desqualificadas no debate público. A jurisprudência, nesse caso, deve seguir exemplo da determinação do STJ (Superior Tribunal de Justiça) em relação à aplicação da Lei Maria da Penha.
Qual a diferença entre o crime de violência política, também criado em 2021, e o de gênero? O crime de violência política, levado ao Código Penal pela Lei 14.197, em setembro do ano passado, é considerado um dos crimes contra o Estado Democrático de Direito —lei que revogou a antiga Lei de Segurança Nacional.
Ele considera violência política “restringir, impedir ou dificultar, com emprego de violência física, sexual ou psicológica, o exercício de direitos políticos a qualquer pessoa em razão de seu sexo, raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”.
A pena, assim como o crime ligado à Justiça Eleitoral, pode ser de reclusão de até seis anos.
A principal diferença é que o crime de gênero diz respeito à Justiça Eleitoral e o mais genérico, que também pode ser aplicado em casos de vítimas mulheres, na Justiça comum.
“Se uma mulher sofrer ataques que dificultem sua campanha será possível, eventualmente, inferir dois crimes ao agressor. Não temos como antever como a jurisprudência vai lidar com isso. Um crime será julgado pela Justiça Eleitoral e o outro pela justiça comum”, avalia o advogado Fernando Neisser, especialista em direito eleitoral.
COMO DENUNCIAR
- É possível denunciar no site do Ministério Público Federal e nas páginas das Procuradorias Regionais Eleitorais
- O Fale Conosco da Câmara dos Deputados é um canal para mulheres já eleitas. Outra alternativa é Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados
- É mais importante que as vítimas coletem e guardem a URL da ofensa nas redes sociais, como prova, do que os prints (que são importantes em casos que ocorrem em aplicativos de mensagem)
- As plataformas digitais também têm canais de denúncia contra racismo, preconceito e discurso de ódio
*Texto publicado originalmente no Geledés.
Em meio a disputas internas, MDB oficializa candidatura de Simone Tebet à Presidência
Luiz Felipe Barbiéri e Paloma Rodrigues*, G1 e TV Globo
Em convenção virtual, o MDB oficializou nesta quarta-feira (27) a candidatura da senadora Simone Tebet (MS) à Presidência da República nas eleições deste ano. O placar na votação interna do partido foi de 262 votos favoráveis e 9 contrários.
As convenções nacionais marcam a confirmação de um candidato. Conforme calendário fixado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o período vai de 20 de julho a 5 de agosto. Após a convenção, o partido fica apto a registrar a candidatura — o prazo é o dia 15 de agosto.
"A candidatura da futura Presidente da República do Brasil teve aprovação de 97% da nossa convenção. Hoje, anunciamos esse resultado, com muita alegria. Não percorremos o caminho mais fácil da velha política, do toma lá dá cá, das negociações não republicanas", afirmou o presidente nacional do partido, Baleia Rossi (SP).
"Apresentamos hoje ao povo brasileiro uma alternativa equilibrada, moderada, uma alternativa aos polos que são colocados e que infelizmente não dão respostas ao nosso país. A candidatura da Simone Tebet é uma candidatura da pacificação nacional. O povo brasileiro quer paz".
Delegados de Amazonas, Ceará, Piauí e Bahia, representantes de estados considerados “lulistas” , participaram da votação. Apenas Alagoas e Paraíba não registraram votos. No total, 182 dos 279 delegados aptos a votar participaram. O número de votos é maior do que os votantes porque alguns delegados têm direito a mais de um voto.
Também nesta quarta, em convenção em Brasília, a federação formada por PSDB e Cidadania formalizou o apoio à candidatura de Simone Tebet.
Pesquisa Datafolha divulgada em junho deste ano mostrou Simone Tebet em quinto lugar, com 1% das intenções de voto, atrás do ex-presidente Lula (PT), com 47%; do presidente Jair Bolsonaro (PL), com 28%; do ex-ministro Ciro Gomes (PDT), com 8%; e do deputado André Janones (Avante), com 2%.
Apesar de oficializar a candidatura de Simone Tebet, o MDB está dividido. Isso porque parte das lideranças do partido defende apoio a Lula (leia detalhes mais abaixo).
Simone Tebet, porém, conta com o apoio do presidente nacional do MDB, Baleia Rossi (SP). E após investidas de Lula sobre setores do MDB, o partido divulgou uma nota assinada por dirigentes em 19 estados reiterando o apoio à senadora.
*Texto publicado originalmente no g1
MDB rachado e presidenciável com pouco voto: uma história recorrente
Glauco Faria*, Brasil de Fato
Caso não haja nenhuma surpresa, o MDB deve confirmar hoje a candidatura à Presidência da República da senadora do Mato Grosso do Sul Simone Tebet. Mas, de saída, a legenda já sai rachada. Líderes emedebistas de onze estados manifestaram apoio à candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e, embora o presidente nacional da sigla, Baleia Rossi, tenha declarado que a candidatura da parlamentar tem o apoio de 19 diretórios estaduais, a divisão já é evidente.
Não que isso seja novidade na história da legenda. Partido que antagonizava com a Arena no período da ditadura civil-militar, o PMDB da pós-democratização chegou a eleger todos os governadores do país, exceção ao de Sergipe, em 1986, fazendo ainda 38 dos 49 senadores e 261 dos 487 deputados federais naquele ano. Mesmo com tamanho poderio, não chegou forte e tampouco unido nas primeiras eleições presidenciais diretas após o fim do regime autoritário, em 1989.
Àquela altura, o "Senhor Diretas", presidente da Assembleia Constituinte e figura histórica da luta contra a ditadura, Ulysses Guimarães, foi o candidato de uma legenda castigada pela impopularidade do governo Sarney e pelo papel dúbio que exercia frente à opinião pública. No ano da eleição, a sigla havia se retirado do governo, mas mantinha alguns ministérios e cargos importantes.
E se Ulysses seria o nome certo da legenda em uma eventual eleição direta em 1985, a história foi bem diferente em 1989. Em 29 de abril daquele ano, o PMDB realizou sua convenção nacional com quatro candidatos. No primeiro turno da escolha, Ulysses Guimarães foi o mais votado com 302 votos, seguido pelo então governador da Bahia Waldyr Pires, com 272, vindo em seguida Iris Rezende (251) e Álvaro Dias (72). Para evitar um segundo turno, Ulysses e Waldir formaram uma chapa única, que na prática não representou a unidade esperada, ainda mais por conta de uma parte significativa da sigla sonhar com a candidatura do governador paulista Orestes Quércia.
O presidenciável peemedebista foi "cristianizado" e viu muitos daqueles que deveriam ser seus correligionários aderirem a outras candidaturas, em especial a de Fernando Collor (PRN). Ao fim, terminou a eleição com parcos 4,6%, ficando em sétimo lugar. Ao menos o jingle de sua campanha, "Bote fé no velhinho", entrou para a história como um dos mais bem marcantes das campanhas eleitorais.
Em 1994, um novo revés do PMDB
Se Ulysses seria um nome natural para uma eleição direta que não aconteceu em 1985, a candidatura mais forte da legenda em 1989 talvez fosse a de Orestes Quércia. Mas quando ele se tornou de fato presidenciável em 1994, seu tempo tinha passado. Àquela altura já havia sofrido com inúmeras denúncias de irregularidades que abalaram sua popularidade, tendo ainda problemas internos em São Paulo e desavenças com seu ex-afilhado político, o então governador Luiz Antônio Fleury.
Disputou a prévia com o ex-governador do Paraná Roberto Requião e saiu vitorioso. A declaração de seu rival após o resultado já dava o tom que iria imperar nas hostes da sigla dali em diante. "Com Quércia concorrendo à Presidência, o PMDB mostra sua face horrível e corrupta", disse Requião.
O CPDOC da Fundação Getulio Vargas relembra a divisão naquele momento, apontando o alto índice de abstenção daquela prévia, sobretudo no Rio Grande do Sul, foco da dissidência comandada por Antônio Brito e Pedro Simon, e no Maranhão, reduto do ex-presidente José Sarney. "O senador José Fogaça, dissidente da bancada gaúcha, lamentou que o ex-presidente do PMDB não tivesse compreendido, antes da convenção, o 'desajuste' provocado por sua candidatura e afirmou que Quércia era 'sinônimo de inadequação ao pensamento político do partido, uma dificuldade de contexto'."
Seu último comício, na Praça da Sé, em São Paulo, marcou o fim de uma campanha melancólica em 30 de setembro. Na ocasião, atacou o candidato tucano Fernando Henrique Cardoso afirmando que "o PSDB é um partido fraco, sem tradição, sem estrutura. Com Fernando Henrique, quem vai comandar? O governo vai ser como um monstro, com várias cabeças e vários braços". E não poupou seu colega de legenda José Sarney, que apoiava FHC, chamando-o de "canalha".
Quércia terminou a eleição com 4,38%, atrás de Enéas Carneiro, do Prona. Talvez um dos fatos mais lembrados daquela disputa presidencial tenha sido seu embate com o jornalista Rui Xavier no programa Roda Viva, da TV Cultura, com um desfile de xingamentos, ofensas e ameaças nada usual na grade televisiva.
Sem candidatos do PMDB
A candidatura presidencial de Quércia foi a última do PMDB durante um bom período. Em 1998, a base da legenda aliada a FHC conseguiu barrar a candidatura própria na convenção realizada em março daquele ano. O placar de 389 contrários com 303 a favor já deixava à vista o diagnóstico recorrente de desunião. "Houve uma descortesia. Humilharam o Itamar Franco. Vai ser difícil reconstruir a unidade do partido", disse o senador Ronaldo Cunha Lima, defensor da candidatura própria, em referência ao ex-presidente que acabou candidato vitorioso ao governo de Minas Gerais. O partido não fechou apoio formal à reeleição do tucano, mas a maioria seguiu esse caminho.
Já em 2002, com a implosão da aliança dentre o então PFL, hoje DEM, e o PSDB, os peemedebistas indicaram a deputada federal capixaba Rita Camata como vice na chapa de José Serra. Mais uma vez a tese da candidatura própria foi vencida, assim como a pretensão renovada de Itamar Franco de ser o candidato peemedebista. Em 2002, nova derrota para os defensores de um presidenciável da sigla: a disputa teve a ala governista (agora pró-Lula) com 351 votos contra 303, mas não houve a formalização da aliança.
Em 2010, a vitória dos governistas foi expressiva, com 560 dos 660 votos apurados na convenção nacional optando pela coalizão com o PT e a indicação de Michel Temer para vice de Dilma Rousseff. O ex-governador do Paraná, Roberto Requião, e Antônio Pedreira, do PMDB do Distrito Federal, que buscavam a vaga para disputar a Presidência, conseguiram 95 e 4 votos, respectivamente. Em junho de 2014 a manutenção da aliança foi aprovada com 69,7% dos votos dos convencionais. Ali, Temer fez um discurso profético por vias tortas ao seus correligionários pedindo unidade (que efetivamente não ocorreu).
"Uma maior presença do PMDB na área social, assim como teve no passado. São ações relativas à saúde, à educação, à integração nacional, entre outras”, prometeu o vice.
A falta de um projeto nacional
"O atual MDB já há algumas eleições tem mostrado que não tem um projeto nacional. Ou ele embarca numa candidatura a vice ou em uma candidatura como a do Henrique Meirelles que não chegava a ser sequer uma aventura, com números insignificantes para um partido que ainda tem uma bancada de senadores e deputados federais expressiva", explica a cientista política e professora da PUC-SP Rosemary Segurado, em entrevista ao Jornal Brasil Atual. "Fica sempre numa negociação ou de uma candidatura à vice-presidência ou numa composição governamental em que possa ter alguns ministérios. Parece que isso lhe é suficiente. Um partido que tem uma história importante, desde antes da democratização."
Rosemary faz referência à candidatura do ex-ministro do impopular governo Temer às eleições de 2018, que cumpriu o rito de candidatos pouco expressivos ao Planalto por parte da sigla, marcando então o pior desempenho de um presidenciável do partido. Henrique Meirelles, mesmo tendo investido R$ 54 milhões em sua própria campanha, teve somente 1,2% dos votos válidos, finalizando sua participação atrás do Cabo Daciolo (Patriotas).
Henrique Meirelles investiu pesado, mas ganhou poucos votos em 2018 / Antonio Cruz/Agência Brasil
Com a candidatura de Simone Tebet, o desempenho deve ser pouco melhor que o da última eleição, mas nada que inspire possibilidade de vitória. "Uma das perguntas é como o MDB vai fazer para manter essa candidatura, até porque tem questões relacionadas ao recebimento do fundo eleitoral, que são importantes para o partido, mas certamente esse desembarque da candidatura da Simone Tebet é anterior ao embarque porque parte expressiva do MDB atual não vê essa candidatura com nenhuma possibilidade de representar o partido nacionalmente", aponta Segurado, destacando que a política local também se torna determinante para o apoio ou não a um presidenciável.
"O que um candidato do MDB em determinado estado olha: quem vai alavancar minha candidatura? É Simone Tebet ou o ex-presidente Lula? E as pesquisas estão mostrando que a influência de Lula em algumas regiões pode ser decisiva para os candidatos a governador. Obviamente aquele candidato do MDB e aqueles acordos locais estão olhando para sua própria sobrevivência", pontua.
A questão local é vital para a sobrevivência não apenas de políticos em determinadas regiões, mas do próprio poderio da legenda. O partido continua sendo o líder no ranking de prefeituras comandadas no Brasil, mas viveu um recuo expressivo em 2020, passando de 1044 em 2016 para 784. Isso pode ser um indicativo de redução de bancadas, com a perda de espaço para outras agremiações, em especial do chamado Centrão. No Senado, os emedebistas ainda são a maior sigla com 12 parlamentares, mas na Câmara ocupam um hoje modesto sétimo lugar, com 37 deputados.
O que pode ser dado como certo, independentemente dos resultados de 2022, é que parte do MDB deve buscar compor com um novo governo. Como lembra o professor de História do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa) Cássio Augusto Guilherme, sem contar a gestão de Fernando Collor e o período inicial do primeiro governo Lula, até 2017 o PMDB permaneceu por 28 anos em coalizões governistas. Nisso, a história também pode se repetir.
*Texto publicado originalmente no Brasil de Fato. Título editado
Nas entrelinhas: Resiliência mantém Ciro na disputa do primeiro turno
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
O perfil político do ex-governador do Ceará Ciro Gomes pode ser sintetizado numa palavra da moda: resiliência. Ontem, o PDT aprovou em convenção nacional, por aclamação e sem votos contrários, a escolha do seu nome como candidato à Presidência da República. Ele resistiu a todas as investidas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para desestabilizar sua candidatura. O petista comeu pelas beiradas as alianças do PDT nos estados, mas o político cearense, intempestivo e destemperado, duas palavras que também constituem o seu perfil, resistiu bravamente. Manteve-se em cena com uma fatia de 8% do eleitorado, que segue firme e forte apoiando sua candidatura.
Esta será a quarta vez que Ciro disputará a Presidência, que é a sua grande obsessão política. Nunca chegou ao segundo turno, mas sempre deu trabalho aos adversários, nos pleitos de 1998 e 2002, pelo antigo PPS, e 2018, pelo PDT, quando obteve seu melhor desempenho, com 13,3% dos votos.
Ex-ministro da Fazenda do governo Itamar Franco, foi responsável pela implementação do Plano Real, quando Fernando Henrique Cardoso (PSDB) deixou o cargo para concorrer e vencer as eleições de 1994, derrotando Lula. Ciro tem uma trajetória bem-sucedida de gestor público, como prefeito de Sobral e Fortaleza e governador do Ceará, que hoje se destaca por ter uma das melhores redes de ensino público e gratuito do país.
Ciro é um caso raro de resiliência porque trafega numa faixa muito estreita do eleitorado, mantendo-se sempre em torno dos 8% de intenções de votos, conforme o último levantamento do Instituto DataFolha. Sua campanha eleitoral está a cargo de João Santana, o ex-marqueteiro das campanhas vitoriosas de Lula, em 2006, e Dilma Rousseff, em 2010 e 2014.
Santana está entre aqueles que foram flagrados recebendo dinheiro de caixa dois pela Lava-jato, mas fechou delação premiada e, assim, saiu da prisão. Conhece como ninguém as relações de Lula com seus velhos aliados e o eleitorado, principalmente o nordestino.
“Vote em um e se livre de dois” é o bordão criado por Santana para abrir caminho na polarização eleitoral protagonizada por Lula e o presidente Jair Bolsonaro (PL). Ao contrário dos demais, que ainda não apresentaram suas plataformas, Ciro tem um programa de governo com princípio, meio e fim, no qual busca uma espécie de aggiornamento do velho trabalhismo brizolista, que é o DNA do PDT. A chave é o modelo nacional-desenvolvimentista, considerado esgotado pela maioria dos economistas. Suas propostas estão publicadas no livro Projeto Nacional: O Dever da Esperança.
Programa
Ciro quer revogar o “teto de gastos”, rever a autonomia do Banco Central, abandonar o tripé da política monetária (meta de inflação, câmbio flutuante e equilíbrio fiscal), criar 5 milhões de empregos nos dois primeiros anos de governo com uma canetada, mudar a política de preços da Petrobras, adotar o programa de renda mínima universal do ex-senador petista Eduardo Suplicy, investir pesadamente em escolas federais em tempo integral e criar um complexo industrial de saúde, focado na produção de medicamentos.
Velhas propostas de campanhas anteriores foram exumadas pelo programa, como a regulamentação do imposto sobre grandes fortunas, com alíquota progressiva para patrimônios acima de R$ 20 milhões; a tributação de lucros e dividendos; e um imposto progressivo sobre heranças e doações, além de dois impostos gerais: um para pessoa física e outro para a jurídica. Também pretende promover uma nova reforma da Previdência, atingindo o setor público, com adoção do regime de capitalização. Seu guru é o economista Mangabeira Unger, professor da Harvard, de quem foi aluno.
O político cearense é um osso duro de roer numa campanha. Não tem medo das agruras da corpo a corpo na rua, onde enfrenta os desafetos petistas e bolsonaristas. Nos debates, é contundente e preparado para defender seus pontos de vista. Esses atributos, porém, também são seu ponto fraco, porque é destemperado e disposto até a resolver no braço as diferenças, quando é agredido verbalmente. Nada disso, porém, abala a fatia do eleitorado que lhe permanece fiel. O seu problema é de outra natureza: sair dessa bolha.
Ciro se coloca como uma alternativa ao PT. Nas eleições passadas, quando ficou fora do segundo turno, viajou para Paris, com o propósito de não votar nem em Bolsonaro nem em Fernando Haddad, o candidato do PT. Busca ser uma alternativa para os eleitores e as forças políticas de centro, mas seu programa político acabou se tornando um obstáculo para isso. Quem conseguiu ampliar as alianças ao centro foi Lula, ao atrair o ex-governador tucano Geraldo Alckmin, que se filiou ao PSB, para ocupar a posição de candidato a vice.
As forças de centro que se mantiveram distante de Lula sempre apostaram numa terceira via, mas nunca aceitaram que fosse liderada por Ciro. O PSDB e o Cidadania, que fizeram uma federação, optaram por apoiar a candidatura de Simone Tebet (MDB), que agora também sofre um ataque especulativo do petista. Mesmo isolado e sem coligação, a candidatura de Ciro foi bancada pelo presidente do PDT, Carlos Lupi, que deixou em aberto a vice. Caso o MDB, cuja convenção será 27 de julho, resolva defenestrar a candidatura de Tebet, o jogo fica zerado na terceira via. E Ciro pode voltar a ser uma alternativa a algumas das forças que compõem esse campo, como o Cidadania.
Quem é Francia Márquez, primeira negra a ocupar a vice-presidência da Colômbia
Victor Cinzento*, g1
Ativista em defesa dos direitos humanos e do meio ambiente, a advogada Francia Márquez foi eleita neste domingo (19) vice-presidente da Colômbia, a primeira mulher negra a ocupar o cargo. Ela e o candidato à presidência Gustavo Petro, um ex-combatente da guerrilha M-19 e, hoje, senador da Colômbia, venceram as eleições presidenciais no país. Petro se tornou o primeiro presidente de esquerda a ser escolhido pelos colombianos ao vencer o candidato Rodolfo Hernández.
Quem é Francia Márquez
Nascida no distrito de La Toma, no oeste do país, Francia foi a líder de um movimento popular contra a exploração mineral na região, luta que concedeu a ela o reconhecimento com o prêmio Goldman (considerado o "Nobel do Meio Ambiente") em 2018.
Depois de passar mais de 10 anos trabalhando em movimentos sociais, Francia havia lançado sua pré-candidatura à presidência da Colômbia em 2021. Entretanto, com o avanço da campanha, ela passou a ser parte da chapa de Gustavo Petro, candidato da esquerda.
Mulher de 40 anos, formada pela Universidade Santiago de Cali em direito, Francia é mãe solo de dois filhos e tem uma história de vida muito ligada ao ativismo social.
Quando jovem, ela trabalhou como garimpeira de ouro e como empregada doméstica, função que exerceu para pagar seus estudos.
Quando maior de idade, liderou movimentos contra a expansão da mineração na região e foi crescendo dentro do cenário político colombiano.
Durante a campanha, ela prometeu, se eleita, ajudar na criação e manutenção de direitos para mulheres, negros, indígenas, camponeses e para a população LGBTQIA+.
Carreira política
"Para mim, ocupar um cargo no Estado não é o fim da trajetória. O fim pra mim é dignificar a vida, é cuidar da vida, é viver em um lugar mais justo e digno para todos. O fim é diminuir a mortalidade negra. Chegar à presidência da Colômbia é um meio, ocupar o Estado é um meio para seguir movendo essa luta que queremos como povo e como humanidade", disse Francia Márquez antes de se unir à chapa de Petro.
Em 2014, como presidente da Associação de Mulheres Afrodescendentes de Yolombó, ela organizou a "Mobilização das mulheres negras pelo cuidado da vida e dos territórios ancestrais", movimento que reuniu pessoas do norte de Cauca e avançou até Bogotá (capital) para exigir seus direitos.
Em 2018, após receber o prêmio Goldman pelo Meio Ambiente, Francia se lançou como candidata a comandar a Câmara das Comunidades Afrodescendentes.
Em 2021, antes de apresentar a pré-candidatura à presidência da república foi líder do comitê nacional de paz, reconciliação e convivência do Conselho Nacional de Paz.
*Texto publicado originalmente em g1. Título editado.
Desarrumando o tabuleiro
Sérgio C. Buarque*
A definição da candidatura de Simone Tebet à presidência da República (Tasso Jereissati de Vice) pela coligação MDB, PSDB e Cidadania pode provocar uma desarrumação geral no tabuleiro eleitoral até agora dominado pela polarização entre Lula e Bolsonaro. Simone surge como uma novidade num cenário poluído por candidatos que brilham pelos elevados índices de rejeição, cada um alimentando a votação do outro. As pesquisas mostram que a polarização está consolidada, mas também que 42% dos eleitores definiram o voto na ausência de uma candidatura alternativa consistente e viável. Simone pode ser esta alternativa, frente a uma polarização que empobrece o debate da campanha eleitoral, os dois candidatos destilando ódio e ressentimento, o presente destruindo o país (Bolsonaro) e o passado ameaçando o futuro (Lula).
Não há dúvida que, a poucos meses das eleições, será difícil quebrar a polarização eleitoral a ponto de levar Simone Tebet para o segundo turno. Entretanto, a emergência de um nome novo, pouco conhecido, mas com história e experiência política e administrativa, pode sensibilizar parte importante do eleitorado, que se inclina a votar em Lula porque não vê outra forma de derrotar Bolsonaro, ou opta pelo atual presidente porque repudia o ex-presidente petista. Simone Tebet pode capitalizar este eleitorado da rejeição? Difícil, mas possível.
A simples apresentação da sua candidatura como alternativa do centro-democrático provocará, de imediato, uma rearrumação do tabuleiro eleitoral. Além disso, deve introduzir um fator novo e um tom diferente na campanha, oferecendo aos eleitores a possibilidade de escapar da armadilha de uma desastrosa escolha entre o populismo do demolidor de direita e o populismo da esquerda naftalina. Simone pode ser a energia que quebre a polarização, com um projeto de defesa da democracia e de reconstrução nacional que combina inclusão social, reformas estruturais e gestão responsável das finanças públicas.
A entrada em cena de Simone Tebet na disputa eleitoral pode elevar o nível político da campanha, na medida em que apresente e discuta com o eleitorado novas ideias e propostas para a reconstrução do Brasil. A candidata do MDB pode ainda trazer à campanha uma serenidade totalmente ausente do ambiente político brasileiro, contaminado pelos gritos ameaçadores de Bolsonaro, pelos discursos raivosos de Lula, e pelas agressões verbais de Ciro Gomes. Quem sabe, ela consegue mostrar que é possível convencer o eleitor das suas propostas sem recorrer aos gritos e gestuais populistas, lembrando a lição do bispo Desmond: “Meu pai sempre dizia: não levanpolíticate a sua voz, melhore os seus argumentos”.
Se a polarização eleitoral consolidar-se, o acirramento da disputa entre Lula e Bolsonaro provocará uma profunda fragmentação política no Brasil, amplificando as tensões e acirrando os ânimos para além do pleito e dificultando a governabilidade. A alternativa do centro-democrático que Tebet representa pode, ao contrário, com serenidade e capacidade de negociação, esvaziar os dois polos deste confronto, isolar os grupos fanáticos dos dois lados, contribuindo para a pacificação do Brasil. Desta forma, pode avançar na formação de um governo de união nacional, fundamental para a reconstrução do país para lidar com a grave crise econômica, social e fiscal, e preparar o país para os desafios do futuro.
*Texto publicado originalmente em Revista Será? Penso, logo duvido
Aldo Rebelo: ‘Brasil tem governo fraco e uma oposição desorientada’
Ex-presidente da Câmara dos Deputados lança pré-candidatura e diz que sua agenda 'não é identitarismo nem da guerra cultural'
Marcelo Godoy e Pedro Venceslau, O Estado de S.Paulo
O que unifica o País não é a agenda identitária ou guerra cultural, mas a necessidade de retomar o desenvolvimento, combater a desigualdade e valorizar a democracia. Com essa bandeira, o ex-presidente da Câmara dos Deputados Aldo Rebelo (sem partido) decidiu lançar sua pré-candidatura à Presidência da República. Ex-integrante do PCdoB e do Solidariedade, ele lançou o livro O Quinto Movimento, onde expõe suas ideias para o País. Eis trechos da entrevista.
O sr. lançou a candidatura mesmo sem estar em um partido. Pode explicar esse projeto?
Atendi um apelo de amigos que me acompanham na vida política, que me pediram para participar do debate nacional em função do livro que escrevi. A ideia é lançar uma pré-candidatura independente. Depois, pensamos no partido. Essa agenda se volta para três questões decisivas: a volta do desenvolvimento, combater as desigualdades e valorizar a democracia, que eu respondo três, quatro vezes por dia se vai ter golpe, se não vai ter golpe. São esses os grandes desafios.
O que o sr. responde às pessoas quando elas perguntam se vai ter golpe?
Que não, evidentemente. Só alucinados imaginam que podem instalar uma ditadura para chamar de sua no Brasil. Qual a corporação que vai reunir forças, energias políticas e materiais para impor uma ditadura no Brasil? Não estamos em 1964. Em 1964 o golpe reuniu um amplo apoio social, econômico, diplomático e militar.
O sr. apoia a PEC Pazuello?
É preciso separar as funções técnicas que são próprias dos militares de funções que são de confiança do presidente da República. Você primeiro tem de ter uma quarentena, para não fazer a campanha usando a farda e a sua função de militar. O que o Eduardo Pazuello fez no Rio? Um comício. Na ativa isso não pode. Você quer correr o risco e concorrer? Tudo bem, mas depois você não volta, pois vai voltar pensando na próxima eleição. E aí não tem inocente. Quem começou com a politização das PMs foi o PT porque queria usar a influência política nas Polícias Militares contra os governos nos anos 1990. Isso depois foi se transferindo para todos os partidos. E a PEC também não pode tratar só dos militares. Tem de tratar de todo mundo.
O sr. acha que essa quarentena deve servir também para magistrados e procuradores?
Principalmente eles. Você tem corporações de Judiciário, Ministério Público e Polícia Federal em que o sujeito fica ali e já transforma o uso da toga e da procuradoria e das prerrogativas de Policial Federal para fazer campanha. Não pode. O indivíduo tem o poder de prender e soltar como candidato.
O sr. é muito crítico da ação de ONGs na Amazônia e da política indigenista. Como o sr. acredita ser possível fazer a ocupação sem devastar a Amazônia?
A Amazônia é ao mesmo tempo a região mais rica do Brasil em biodiversidade, em recursos naturais e em minérios. Isso é uma promessa de riqueza e ao mesmo tempo ela é uma promessa de confusão. Porque o mundo resolveu tratar a Amazônia como se fosse uma espécie de Antártida verde submetida a considerações de interesses comerciais, econômicos e geopolíticos que são antigos. É preciso ter um programa que reúna em primeiro lugar a soberania brasileira. Isso não está em negociação. Segundo: o direito ao desenvolvimento econômico da agricultura, da indústria da biotecnologia. Terceiro: a proteção das populações indígenas. Elas devem receber a assistência do Estado brasileiro. Elas vivem hoje manipuladas por essas ONGs. E quarto, a proteção da biodiversidade, da floresta, das águas.
Como as ONGs manipulam a questão indígena?
Chega uma ONG europeia e abre um escritório na Faria Lima e começa a vender para o exterior que a Amazônia vai ser destruída em breve e que precisa de dinheiro para protegê-la. Esse é um tipo de manipulação explícita e mais clara. Deixa eu fazer um reparo: há também ONGs humanitárias.
De que forma atacando as ONGs, o governo Bolsonaro fortalece essas ONGs?
Evidente que fortaleceu e deu protagonismo que elas não tinham mais. O Brasil é um país isolado, sem aliados no mundo e nem nos vizinhos. Não é protagonista nem na América do Sul. Vai desembarcar por esses dias uma autodenominada internacional progressista, dirigida por celebridades americanas e europeias, ao qual está vinculada o ex-candidato à presidência do Partido Democrata Bernie Sanders e recebeu apoio de intelectuais e líderes progressistas? Tem coisa mais desorientada do que isso? Você acolher para barrar a Ferrogrão. Eles nem sabem o que é a Ferrogrão. Você imagina os EUA, a China, a Rússia, a França permitir que personalidades estrangeiras entrassem no país para dizer que ferrovia pode ser construída ou deixar de ser construída? A China que construiu 30 mil quilômetros de ferrovias nos últimos dez anos? Não. Isso é uma fragilidade do Brasil e mostra um governo fraco e uma oposição desorientada. O Brasil virou palco de disputa entre a agenda do Partido Republicano e a agenda do partido Democrata.
A oposição Bolsonaro está desorientada?
Completamente e essa caravana da internacional progressista é exemplo disso. O documento que enviaram aos EUA pedindo sanções comerciais contra o Brasil. Então porque eu sou contra o Bolsonaro eu vou pedir sanções comerciais contra o Brasil. Esse pessoal perdeu o juízo.
O senhor quer ser uma candidatura de terceira via?
Não. Terceira via não tem mais vaga. Minha pré-candidatura é de uma agenda que pode unir amplamente o País. Não é da esquerda nem da direita. Não é identitarismo nem da guerra cultural.
O sr. diz que o momento atual deve marcar uma nova época no País. Por quê?
Porque ainda dispomos dos recursos materiais e do conhecimento para retomar a reconstrução do país interrompida recentemente O Brasil voltou as suas energias para construir seu território, sua base física, mas hoje nós nos voltamos contra os principais responsáveis por isso, que foram os bandeirantes e alguns se dedicam em queimar as suas estátuas e vilipendiar a sua memória. Nós nos perdemos. Vivemos da guerra identitária – abandonamos a ideologia pela biologia – e da guerra cultural. E o que o País necessita, que é voltar a crescer e ser mais socialmente equilibrado e valorizar a democracia, ficou à margem do País. Você terá gente conservador nessa agenda? Não tenho dúvida nenhuma. Muita gente conservadora quer isso e muita gente progressista, de esquerda também quer. O que unifica o País e atrai as energias materiais e espirituais para remover os obstáculos ao nosso desenvolvimento não é a agenda identitária e nem da guerra cultural.
Por que não estar com Lula, que foi seu aliado?
Tenho um grande apreço pelo presidente Lula e gratidão pela confiança que recebi. Mas eu também tive alianças com o PT e disputas. O problema que eu vejo no PT é outro. Os pobres elegem os governos do PT para melhorar a vida, a educação, saúde e segurança e a classe média petista da Vila Madalena acha que o presidente foi eleito para fazer a agenda identitária, que é minoria na sociedade. Esses grupos organizados e articulados dentro do partido acham que devem governar o País com a agenda identitária e com a agenda das ONGs na Amazônia. Essa é a questão. Como é o caso do Bolsonaro também. Como é que Bolsonaro foi eleito? Naturalmente porque o povo queria uma renovação, alguém que não fosse acusado de corrupção, que tivesse a imagem do militar e aí ele se elege presidente. E ele pensa que foi eleito para fazer a guerra cultural, para brigar com os chineses, com os americanos, com os franceses, com os argentinos, com os venezuelanos, com bolivianos e peruanos. Esse é o problema. Um grupo mais articulado na grande frente que elege os governos acha que a agenda que foi eleita foi a dele, que geralmente é minoritária na sociedade. Bolsonaro não foi eleito para fazer guerra cultural. Essa é a questão. E acho que a agenda do PT não vai mudar. É a ideia de que pode governar o Brasil com o programa econômico da Faria Lima, com o programa social do Banco Mundial e a agenda do meio Ambiente das ONGs e da embaixada da Noruega. Isso pode até ganhar a eleição, mas isso não tira o País do lugar.
O sr. fala sobre pauta identitária. Como o sr. avalia o incêndio da estátua do Borba Gato?
Isso é resultado da nossa desorientação. A impotência para construir o futuro leva os desesperados a tentar o passado. Você não sabe como construir o futuro, então você se volta para o passado, que deve ter alguma responsabilidade pela sua desorientação, pelas suas frustrações, pelo seu fracasso. Outros procuram no passado a inspiração no que foi feito de bom. Não existe um passado apenas coberto de defeitos, de mazelas e de morbidez ou somente de virtudes.
Fonte: O Estado de S. Paulo