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Ricardo Noblat: O plano de Bolsonaro para chegar politicamente vivo em 2022
Evitar o impeachment é a prioridade número 1
Mesmo quando meia dúzia de pesquisas de opinião, aplicadas por institutos diferentes, coincidem em apontar na mesma semana determinado resultado, o entendimento dos especialistas no assunto aconselha esperar as próximas para conferir se isso indica uma tendência ou o registro apenas de um soluço.
Os institutos Paraná, Ipesp, IDEIA, Datafolha e Atlas atestaram nos últimos cinco dias a queda de popularidade do presidente Jair Bolsonaro. A reprovação a ele saltou de 32% para 40%, segundo o Datafolha. Mas só futuras pesquisas, respeitando o mesmo intervalo de tempo, confirmarão se Bolsonaro está ladeira abaixo.
Nem por isso o governo pode esperar para ver o que acontece. Bolsonaro não teve um plano para combater a pandemia da Covid-19. Ou melhor: seu plano era deixar que o vírus contaminasse mais de 70% dos brasileiros para que a partir daí a pandemia começasse a ceder. Resultado até agora: quase 220 mil mortos.
Mas plano para manter-se no poder e – quem sabe? – reeleger-se daqui a um ano, ele tem, e começa a ser executado. Primeiro ponto do plano: emplacar nomes de sua inteira confiança nas presidências da Câmara dos Deputados e do Senado. Os nomes: Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG).
O mais importante dos dois é Lira. Cabe ao presidente da Câmara aceitar a abertura de processo de impeachment contra o presidente da República. Há 56 pedidos na Câmara. Se eleito, Lira não aceitará nenhum. A não ser que Bolsonaro se enfraqueça ao ponto de tornar impossível a tarefa de sustentá-lo.
O segundo ponto do plano de Bolsonaro para continuar vivo: uma reforma ministerial de grande ou de médio porte. Servirá para que ele amplie sua base de apoio no Congresso mediante a entrega de mais cargos do governo a deputados e senadores, além de livrar-se de companhias consideradas hoje incômodas.
Uma das companhias: o general Eduardo Pazuello, ministro da Saúde, despachado para Manaus no fim da última semana sem bilhete de volta. Augusto Aras, Procurador-Geral da República, obteve junto ao Supremo Tribunal Federal a abertura de inquérito para apurar se Pazuello falhou na crise de Manaus.
Com isso, Aras ajuda a desimpedir o caminho para que Bolsonaro agradeça ao general pelos inestimáveis serviços prestados ao país e o devolva à caserna. Aras deixou Bolsonaro de fora do inquérito, é claro. Uma vez que deve a nomeação a ele e que sonha com uma vaga no Supremo… Sabe como são essas coisas.
O terceiro ponto do plano de Bolsonaro: aprovar no Congresso a recriação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Se com esse ou outro nome, em nova versão, não importa. O novo/velho imposto sobre todas as transações financeiras abarrotaria de grana os cofres públicos.
Bolsonaro resistiu a comprar a ideia, mas o ministro Paulo Guedes, da Economia, o convenceu. O governo precisa de dinheiro para fazer face ao fim do pagamento do auxílio emergencial. Entre os brasileiros com renda de até dois salários mínimos mensais, a reprovação ao governo passou de 26% para 41%. Alerta vermelho!
Míriam Leitão: O projeto que foi sem nunca ter sido
O presidente Bolsonaro apoiou o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) para a presidência do Senado e esse foi o detonador da saída de Wilson Ferreira da Eletrobras. Pacheco é velho adversário do processo pelo qual o governo venderia o controle da estatal de energia. Numa de suas entrevistas, ele avisou que a aprovação do projeto de lei que permitirá a privatização não é prioridade. Ferreira fez os cálculos e concluiu que, se não vender este ano, não venderá em ano eleitoral e resolveu sair. É isso que se conta nos bastidores da empresa.
Oficialmente, Wilson Ferreira falou de forma mais vaga. Citou “candidatos” à presidência do Congresso. Pacheco já fez parte de frentes antiprivatização do setor elétrico.
O anúncio da renúncia de Wilson Ferreira foi visto como algo maior no mercado. “É o fim do projeto liberal”, me disse ontem cedo um economista de banco. Isso se refletiu em Nova York. A ADR da Eletrobras, que já havia caído 5% na sexta-feira, abriu em queda de 5%, aprofundou para 10% e terminou o dia com desvalorização de quase 12%.
É um espanto que ainda se acredite que Bolsonaro seguirá algum projeto liberal. Neste espaço escrevi sobre meu ceticismo antes de o governo tomar posse. Um intervencionista não privatiza. E pode ser ainda pior, no caso da Eletrobras. Na companhia se acredita que o sucessor será escolhido entre executivos que estão lá e que são de carreira, ou entre os selecionados por um head hunter que será contratado pelo conselho de administração. O problema é que o cargo pode ser colocado no balcão, onde Bolsonaro tem posto muitas mercadorias. Para evitar, por exemplo, que surja algo como o impeachment do qual se fala no país.
O projeto da Eletrobras vem do governo Temer. A empresa estava em situação dramática. Na conversa com investidores e jornalistas, Ferreira contou que entrou na companhia em julho de 2016, no início do governo Michel Temer, e o quadro era assustador: o nível de alavancagem da Eletrobras era de quase nove vezes a sua geração anual de caixa. Um patamar altíssimo e que só não levou a empresa ao colapso porque ela era controlada pela União. Depois de cinco anos de reestruturação, o endividamento caiu para 2,5 vezes e a Eletrobras terminou 2019 com um lucro de quase R$ 11 bilhões, o segundo maior de sua história. Ele admitiu que não acredita mais que a empresa seja vendida no governo Bolsonaro.
O projeto arquitetado no governo Temer era de transformar a companhia numa corporação, como as grandes empresas elétricas. A EDP, Energia de Portugal, era estatal, foi sendo vendida aos poucos e agora o governo tem apenas uma golden share. A Enel, que é dona da Eletropaulo, tem 23% na mão do governo italiano, mas o resto está em mercado. A Engie, dona de Jirau, tem ações dos governos francês e belga.
A ideia era fazer uma chamada de capital, o governo não acompanharia, e sua participação cairia de 63% para 49%. Ele perderia o controle, mas continuaria sendo o maior acionista. O caminho da preparação foi longo. Primeiro foi preciso no governo Temer vender sete distribuidoras estaduais que haviam sido federalizadas. Foi preciso preparar um projeto de lei, e depois refazê-lo no governo Bolsonaro, com alguns aperfeiçoamentos. A Eletrobras pagaria R$ 15 bilhões pela outorga ao governo, depositaria R$ 3,5 bi num fundo para revitalizar o São Francisco e ainda faria depósitos na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), para atenuar os reajustes da tarifa de energia.
A mudança feita pelo governo Dilma no setor elétrico provocou um aumento grande no preço da energia. Para se ter ideia, de 2013 a 2019, o IPCA subiu 37%, o preço da energia foi de 111%, três vezes mais.
Depois, eventualmente, se o governo quisesse vender mais ações poderia inclusive ganhar com a valorização da empresa. Mas o fato é que nada andou. No Congresso, o projeto de lei não teve nem relator. Por outro lado, no governo todo dia Bolsonaro dá mais um sinal de populismo econômico. Ameaçou demitir o presidente do Banco do Brasil porque ele queria fechar agências, na quinta-feira reduziu a tarifa de importação de pneus a pedido dos caminhoneiros, os preços do óleo diesel e do GLP acumulam defasagem.
Enfim, o projeto liberal no governo Bolsonaro é como a viúva Porcina. Foi, sem nunca ter sido. Mas isso estava na cara. Acreditou quem quis.
Carlos Andreazza: Plano nacional pró-pandemia
Governo trabalha para que a peste permaneça
O fenômeno reacionário que Bolsonaro encarna precisa de imprevisibilidade para prosperar. Nada melhor do que uma pandemia artificialmente prolongada. O governo trabalha para que a peste permaneça. Isto é verificável.
Por exemplo: o caso do consórcio Covax, de abril de 2020. O Brasil tinha a opção de adquirir doses para cobrir até 50% de sua gente. Optaria, contudo, pela cota mínima — 10% de alcance. A justificativa foi que montara estratégia dedicada a acordos bilaterais, com os quais teria melhores condições para preço e transferência de tecnologia. Ok.
O mundo real, entretanto, impôs-se. E chegamos a 2021 com apenas uma parceria bilateral firmada — para a vacina de Oxford. Só em 22 de janeiro as primeiras duas milhões de doses decorrentes desse contrato pousaram no país. Volume modesto fabricado na Índia, pelo qual se pagou duas vezes mais que membros da União Europeia pelo mesmo imunizante. Um acordo bilateral que — até aqui — custou caro e entregou pouco. E que não pôde ainda honrar a parte do pacto relativa à transferência de tecnologia; impossibilidade prática derivada da inexistência de insumos para o trabalho da Fiocruz.
Estamos no fim da fila de vacinação por ação deliberada do governo; por gestão do presidente. Não temos vacinas a contento hoje, nem sequer contratos que projetem no futuro a cobertura vacinal da população, porque Bolsonaro não quis.
Pazuello, cavalo do presidente, não camufla a instrumentalização da incompetência. “Em janeiro, começo de fevereiro, vai ser uma avalanche de laboratórios apresentando propostas”, declarou no último dia 21. Que tal? Este é o cultor do atraso cujo ministério receitou cloroquina até para bebês. Aquele que, já sabedor da escassez de oxigênio em Manaus, visitou a cidade apregoando feitiçaria a título de tratamento preventivo. Um militar, general da ativa, que preferiu propagandear uma modalidade de prevenção que garantiria a propagação da peste. Este é o cultor do atraso que insiste na mentira mercadológica de que o Brasil será assediado por ofertas de vacinas; algo que não ocorreu nem sequer aos EUA.
O governo opera para que o país não apenas não tenha carga de vacinas suficiente para imunizar os brasileiros, como só tenha sua cota de mixaria o mais tarde possível. A sustentação do estado de calamidade informal — a preservação da pandemia como solo competitivo — forja dificuldades que atraem as respostas populistas. A ver o auxílio emergencial. Deixou-se que acabasse, mesmo com o vírus recrudescente e o acirramento da miséria. Sob pressão que ele próprio induz, Bolsonaro fará a derrama de dinheiros, sem planejamento, sem revisão de benefícios ineficazes, sem o mais mínimo estudo para flexibilizar o teto de gastos. Em vez de um debate para reformá-lo à luz da realidade, o improviso voluntarioso que o aterrará.
O improviso voluntarioso — semeador de demoras e gerador de urgências e oportunidades — com vista a 2022. A propósito, o caso da importação da vacina de Oxford desde a Índia merece reconstituição. Em novembro de 2020, em reunião com o chanceler indiano, Ernesto Araújo, mesmo tendo o combate à doença na agenda, e ciente de que falava com um país grande produtor de imunizantes, não tocou no assunto. Preferiu criticar o governador de São Paulo, por considerar eleitoreira a atividade daquele sem cujo empenho ainda não haveria brasileiro vacinado.
Em 13 de janeiro último, porém, o governo anunciou o envio de um avião à Índia para buscar as doses. A meta era fazer Bolsonaro vacinar antes de João Doria. Não daria certo. (Como certo não dará um programa de imunização que dependa de só dois fabricantes; tudo o que ora temos: AstraZeneca/Fiocruz e Sinovac/Butantan, incapazes de oferecer o que se demanda.) Armou-se um avião publicitário pronto a decolar para recolher um imunizante indisponível. O Brasil passaria vergonha ministrada pela Índia, então com outras prioridades. (No mundo real, antes viriam as necessidades do vizinho Butão.) E diga-se que fora o próprio governo a divulgar a fantasia de que teríamos a primazia. As doses só chegaram quase dez dias depois.
O episódio com a Pfizer não deixa dúvida sobre a existência de um plano nacional de sustentação da pandemia. Data de setembro de 2020, a carta do CEO do laboratório a Bolsonaro. A missiva, nunca respondida, pedia ao presidente que fechasse logo um acordo com a farmacêutica, conforme já haviam feito EUA, União Europeia, Reino Unido, Canadá e Japão. A demanda seria grande — e poderíamos ficar para trás. Ficamos. Escolha do Brasil. O governo criou empecilhos e tentou desacreditar a vacina. E todas as suas manifestações posteriores sobre por que assim procedera, inclusive em nota oficial, configuram provas em que se confessa um crime.
Bolsonaro não é somente um mentiroso; o maior influenciador antivacinação do mundo. É o líder de um governo que optou por não enfrentar o coronavírus. É o responsável — agente direto — pelo atraso do Brasil em vacinar a população; e nisto vai colecionando delitos. Crimes comuns; não somente os de responsabilidade. Bolsonaro tem lugar no Código Penal. Ocorre que, de novo, o mundo real se impõe — e nem sempre para prejudicá-lo. Afinal, tem também Augusto Aras e — cada vez mais forte para presidir a Câmara — Arthur Lira.
Será difícil, sobretudo para os pobres.
Merval Pereira: Punição simbólica
Para que o impeachment de um presidente ganhe condições políticas para ser desencadeado, é preciso o povo nas ruas, como vários de nossos líderes têm apontado. Mas, se esta é uma condição necessária, não é suficiente por si só. No seu hoje já clássico estudo "Repensando o presidencialismo: contestações e quedas presidenciais na América do Sul", a professora Kathryn Hochstetler, hoje na London School of Economics (LSE) , aponta três razões para um presidente não terminar seu mandato na América do Sul: ausência de uma maioria parlamentar de apoio ao presidente; envolvimento pessoal do chefe de governo com escândalos de corrupção; e mobilização popular.
Com a adesão do Centrão a seu governo, o presidente Bolsonaro está se blindando contra um eventual pedido de impeachment, e por isso também se empenha para ter na presidência da Câmara e do Senado políticos ligados a essa base parlamentar. Políticos de oposição que apoiam os candidatos do Palácio do Planalto, principalmente na Câmara, que é quem dá inicio ao processo, estão ajudando Bolsonaro nesse intuito.
Estudo do Observatório do Legislativo Brasileiro, Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) mostra que o índice de aprovação das iniciativas do governo no Congresso tem ficado em 72,5%, abaixo dos outros presidentes recentes nesse período de mandato, só superior ao índice da ex-presidente Dilma Rousseff, que era de 58,2% perto de seu impeachment.
Essa adesão basicamente reflete a presença do Centrão, mas também um tipo de chantagem política. O Centrão sempre cobra mais. Agora mesmo pode fazer os presidentes da Câmara e do Senado, e vai controlar o processo legislativo. Esse controle vai exigir do governo uma negociação muito mais aprofundada.
Seus líderes já estão querendo tirar os militares do Palácio do Planalto, nomear o Chefe do Gabinete Civil, hoje ocupado pelo General Braga Neto, o ministro responsável pela Secretaria de Governo, General Luis Eduardo Ramos, desmembrar o ministério da Economia para fazer outros, e cada vez mais, Bolsonaro vai ficar nas mãos deles. Quando o debate sobre impeachment aumenta, aumenta também a necessidade de apoio do Centrão e do futuro presidente da Câmara.
Bolsonaro está entrando numa fase muito perigosa, porque, caindo a popularidade dele como está caindo, e ficando refém do Centrão, vai entregar todos os anéis até não conseguir mais. Se a economia, como tudo indica, for perdida novamente, a crise social vai se agravar. Não é à toa que os dois candidatos do governo, na Câmara e no Senado, estão defendendo a volta do auxílio emergencial.
É esse auxílio que fez a popularidade de Bolsonaro, e pode vir a servir novamente. Corremos o risco de uma crise social grande, o governo rompendo o teto de gastos, sem compromisso com o equilíbrio fiscal, para manter a popularidade. A sorte dele é que não há possibilidade de fazer grandes manifestações populares nas ruas, por causa da pandemia de Covid-19. Não há aglomerações populares, como um jogo de futebol, onde os torcedores xingavam Dilma - ele que tem mania de aparecer nos campos de futebol. Não há carnaval, momento em que as pessoas extravasam suas emoções - e certamente Bolsonaro seria o “grande homenageado”, porque a crise da vacina é brutal.
Ele está caminhando para um 2021 muito difícil, e se a coisa se normalizar, em 2022, durante a campanha, corre o risco de ser impedido. Kathryn Hochstetler mostra que presidentes com minoria no Congresso são alvo mais comum de contestações. "De modo geral, os presidentes cujos partidos tinham minoria no Congresso apresentavam uma tendência maior tanto para serem contestados por atores civis, quanto para caírem”.
Os protestos de rua “são decisivos nos estágios finais de um processo contra um presidente". A professora Kathryn Hochstetler diz que a os protestos de rua em larga escala, "clamando pela saída do presidente, convenceram os legisladores a se inclinarem a agir contra eles". Os protestos têm também a capacidade de "transferir antigos partidários do presidente para a oposição, mesmo contra seus colegas de partido".
Há, no entanto, uma nova visão do impeachment, que está em curso nos Estados Unidos, e já foi usado aqui contra o ex-presidente Michel Temer: uma punição simbólica, para impor desgaste político e limites aos acusados. Nenhum presidente sai fortalecido de um processo de impeachment.
O Estado de S. Paulo: Juristas já veem motivos para abertura de impeachment de Bolsonaro
Para advogados e professores ouvidos pelo ‘Estadão’, presidente pode ser enquadrado em crime por violar direito à saúde
Breno Pires, O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA – Diante do agravamento da pandemia de covid-19, os entraves à vacinação e a insistência em tratamentos sem comprovação científica são apontados por juristas como fatores que podem levar ao impeachment do presidente Jair Bolsonaro. Advogados e professores ouvidos pelo Estadão citam diversos trechos da lei federal que trata de crimes de responsabilidade, entre eles a violação ao direito e à garantia à saúde, como motivos para o Congresso remover o presidente do cargo.
Os pedidos de impeachment contra Bolsonaro se multiplicaram desde o início da pandemia de coronavírus. Na terça-feira, 26, o PT, PDT, PSB, Rede e PCdoB também vão protocolar uma ação que pede a saída do chefe do Executivo, tendo como um dos argumentos o fato de que ele não agiu para conter a tragédia no Amazonas e no Pará, onde pacientes morreram em hospitais por falta de oxigênio.
Desde o início do mandato de Bolsonaro, 61 pedidos de impeachment contra ele foram protocolados na Câmara. Cabe ao presidente da Casa dar andamento ou arquivar as solicitações. Esse é um dos motivos pelos quais Bolsonaro está empenhado em eleger o novo presidente da Câmara, já que o atual, Rodrigo Maia (DEM-RJ), deixa o cargo em 1.º de fevereiro. PARA ENTENDERVeja o placar da eleição para presidente da Câmara dos DeputadosBaleia Rossi, candidato de Rodrigo Maia, e Arthur Lira, apoiado por Bolsonaro, lideram corrida pela presidência da Casa; siga distribuição de votos por deputado, partidos e Estados
A Lei dos Crimes de Responsabilidade, de 1950, também prevê outras condutas que podem levar ao impeachment, como “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo” e “intervir em negócios peculiares aos Estados ou aos Municípios com desobediência às normas constitucionais”. A Constituição também descreve como crime de responsabilidade atos que atentem contra o texto constitucional e o exercício dos direitos sociais da população, entre os quais está incluído o da saúde.
O professor Rafael Mafei, da Faculdade de Direito da USP, disse que Bolsonaro violou o direito à saúde, quebrou o decoro e agiu para intervir na atuação dos Estados e municípios contra a covid-19. Na sua avaliação, o presidente transformou as medidas recomendáveis para o enfrentamento da pandemia, como distanciamento social, uso de máscara e vacinação, em tema de disputa com adversários políticos.
“O presidente deixou claro preferir que pessoas morram sem vacina a dar o braço a torcer e dar um prêmio a adversários, que poderão dizer que, desde o começo, estavam certos. É um cálculo político que ele (Bolsonaro) faz: oferecer a vida dos brasileiros ao perecimento e ao risco por razões políticas suas”, afirmou Mafei ao Estadão.
De acordo com o professor, Bolsonaro quebra o decoro ao propagar desinformação sobre o tratamento contra covid-19 e fazer propaganda de remédios sem eficácia comprovada. “Ele mente e tem consciência disso”, disse. Além disso, Mafei disse que o presidente sabotou uma tentativa de campanha nacional de vacinação. Citou como exemplo as idas e vindas do governo federal em relação à compra de imunizantes de vários países.
“Não é só o abuso do poder retórico, mas abuso do poder legal de proibir o Ministério da Saúde de tomar medidas”, observou Mafei. “Como vai fazer campanha nacional de vacinação com um governo que sabota compra de vacina, faz campanha antivacina, engana a população sobre tratamento precoce?”, indagou. PARA ENTENDERVeja o placar da eleição para presidente do SenadoRodrigo Pacheco (DEM), Simone Tebet (MDB), Major Olímpio (PSL) e Jorge Kajuru (Cidadania) são os candidatos à presidência da Casa; saiba como estão distribuídos os votos para a sucessão de Davi Alcolumbre por Estado e por partido
O professor de Direito Ivar Hartmann, do Insper, disse ao Estadão que o impeachment de Bolsonaro é “questão de urgência” em função do número de mortes no País. No seu entender, o presidente faz uso da administração pública para promover tratamento que, sabidamente, não é eficiente, provocando até mesmo riscos de efeitos colaterais.
“Embora as práticas e os ilícitos que ele está cometendo não tenham começado só agora, pois esse crime está sendo cometido há diversos meses, apenas agora os efeitos estão mais fortes”, destacou Hartmann, um dos mais de 60 ex-alunos da Universidade de Harvard que assinaram um manifesto a favor do impeachment de Bolsonaro.
Além de apontar a violação ao direito à saúde, a advogada constitucionalista Vera Chemim afirmou que Bolsonaro retardou intencionalmente as ações do Executivo no combate à pandemia, “primeiro em relação às medidas médicas adequadas e agora no tema da vacinação”.
Para Chemin, a prática pode ser enquadrada no artigo 9, inciso I, da Lei de Crimes de Responsabilidade. Na sua opinião, o presidente também cometeu o crime de “servir-se de autoridades sob sua subordinação imediata para praticar abuso do poder ou tolerar que essas autoridades o pratiquem sem repressão sua” (Art. 7º da Lei de Crimes de Responsabilidade).
Os crimes de responsabilidade de Bolsonaro, segundo a constitucionalista, vão além da pandemia. “Há que se reconhecer igualmente condutas e atos que remetem, por exemplo, ao artigo 9.º, inciso 5, da Lei de Crimes de Responsabilidade, que é ‘infringir, no provimento de cargos públicos, as normas legais’. Não se pode olvidar as tentativas de nomeação e nomeações de pessoas para determinados cargos, que foram flagrantemente inconstitucionais. As referidas nomeações foram efetivadas de acordo com interesses e objetivos pessoais e políticos, afrontando os princípios constitucionais elencados no caput do artigo 37 da Carta Magna”, disse ela, citando, como exemplo, a nomeação de diretor da Polícia Federal, Alexandre Ramagem.
Com ela concorda o professor Diogo R. Coutinho, da USP, para quem Bolsonaro cometeu uma série de crimes de responsabilidade que não se limitam ao comportamento adotado na pandemia. No seu diagnóstico, porém, foi durante a crise sanitária que Bolsonaro violou mais claramente direitos e garantias, bem como direitos sociais, previstos no art. 7 da Lei dos Crimes de Responsabilidade.
“A política de saúde, um direito social, foi vilipendiada e sabotada constantemente pelo negacionismo e pelo obscurantismo. Os efeitos disso já podem ser vistos e a responsabilidade direta do Planalto será apurada e registrada pela história. Não se pode dizer, a não ser com muita desfaçatez, que não há razões para o impeachment. As condições jurídicas para o impeachment de Bolsonaro estão sendo dadas em abundância e de forma inequívoca”, disse Coutinho.
Rafael Mafei, por sua vez, avalia que um eventual processo de impeachment deveria se centrar na atuação de Bolsonaro na pandemia, para que não se perca o foco. Mesmo assim, ele enxerga outras infrações à Lei de Crimes de Responsabilidade. “Seria possível até fazer um bingo da Lei 1.079 com cada crime de responsabilidade cometido”, disse.
Professor da FGV Direito SP, Carlos Ari Sundfeld afirmou que as omissões e ações diretas de Bolsonaro, bem como de seu governo, para sabotar medidas de prevenção e tratamento têm sido sistemáticas. “É um comportamento continuado, que atenta contra o direito social à saúde, garantido pelo art. 196 da Constituição. É possível ao Congresso Nacional enquadrá-lo como crime de responsabilidade, por atentado contra o direito social à saúde. A punição é o impeachment”, declarou.
No entender de Sundfeld, a abertura de um processo assim pode ser importante mesmo que não resulte no afastamento. “A passividade do Congresso está fazendo mal ao próprio governo porque, de certa forma, o Congresso está estimulando as condutas inadequadas do presidente da República, que não encontram barreiras políticas”, argumentou ele. “Abrir o processo permite que o presidente receba uma mensagem jurídica forte. Existem fundamentos jurídicos e o presidente está precisando de um cutucão político”.
Bolsonaro também poderia ser acusado de crimes comuns, dizem juristas
Além dos crimes de responsabilidade, há no meio jurídico a visão de que o presidente também poderia ser acusado de crimes comuns. Enquanto a análise de crimes de responsabilidade é de atribuição do Congresso, a investigação e eventual denúncia de crimes comuns de presidentes são atribuição do procurador-geral da República. Também caberia ao Congresso, no entanto, autorizar a abertura de eventual ação penal, o que levaria ao afastamento do presidente.
Nesta terça-feira, o procurador-geral Augusto Aras — indicado ao cargo por Jair Bolsonaro — emitiu uma nota dizendo que todas as medidas cabíveis, com relação ao combate à pandemia de covid-19, vêm sendo tomadas. A manifestação de Aras foi vista como desastrosa por integrantes do Supremo e interpretada no meio político como um sinal de que ele não pretende investigar Bolsonaro por crimes comuns.
Para juristas ouvidos pelo Estadão, no entanto, há indícios de que Bolsonaro também cometeu crimes comuns na condução da pandemia. Um dos artigos do Código Penal citados é o que criminaliza expor a vida ou a saúde de pessoas a perigo direto e iminente. Outro é “infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”, na medida em que o presidente desencorajou as medidas de isolamento determinadas por Estados e municípios e recomendadas pela Organização Mundial de Saúde. Um terceiro crime seria o de prevaricação: “retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”.
O que diz a legislação
Crimes de responsabilidade
Na Constituição:
Art. 85. “Atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: (...) III. O exercício dos direitos (...) sociais.”
NA LEI DOS CRIMES DE RESPONSABILIDADE:
Art. 4º. “Atos do Presidente da República que atentarem contra a Constituição Federal, e, especialmente, contra: (...) IV - A probidade na administração.”
Art. 6º. “São crimes de responsabilidade contra o livre exercício dos poderes legislativo e judiciário e dos poderes constitucionais dos Estados: (...) nº 8 - Intervir em negócios peculiares aos Estados ou aos Municípios com desobediência às normas constitucionais.”
Art. 7º. nº 9. “São crimes de responsabilidade contra o livre exercício dos direitos políticos, individuais e sociais (...) violar patentemente qualquer direito ou garantia individual constante do art. 141 e bem assim os direitos sociais assegurados no artigo 157 da Constituição.”
Art. 9º. “São crimes de responsabilidade contra a probidade na administração: (...) 3 - não tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados, quando manifesta em delitos funcionais ou na prática de atos contrários à Constituição; (...) 4 - expedir ordens ou fazer requisição de forma contrária às disposições expressas da Constituição; (...) 7 - proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo.”
Crimes comuns
Código Penal:
Art. 131. “Praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.”
Art. 132. “Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente.”
Art. 268. “Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa.”
Art. 319. Prevaricação. “Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal.”
O Estado de S. Paulo: Planalto faz investida contra pressão por impeachment
Governo lança campanha na TV em defesa das vacinas aprovadas após aumento dos pedidos de impedimento, queda de popularidade e protestos pela atuação na pandemia
Felipe Frazão, O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - O Palácio do Planalto montou uma ofensiva de comunicação para reagir à pressão pelo impeachment do presidente Jair Bolsonaro. Após pesquisas indicarem queda de popularidade do presidente associada à forma como ele tem enfrentado a pandemia do coronavírus, o governo colocou na praça uma campanha publicitária dizendo que, com a união de todas as forças, “as vacinas aprovadas pela Anvisa” já estão sendo distribuídas em todo o Brasil.
Embora auxiliares de Bolsonaro sustentem que não há apoio popular nem político para a abertura de um processo de impeachment, aliados do governo avaliam que o presidente paga o preço de suas idas e vindas sobre a vacinação e que é preciso mostrar todas as medidas tomadas para o combate à pandemia. Bolsonaro tenta se desvencilhar do colapso da saúde no Amazonas e voltou a dar entrevistas.
Ainda na sexta-feira, 22, escalou três ministros para ir pessoalmente a São Paulo receber a vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford em parceria com o laboratório AstraZeneca e fabricada na Índia. Além do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, e do chanceler Ernesto Araújo, lá estava também o titular das Comunicações, Fabio Faria.
A nova campanha publicitária do governo para TV, rádio, meios digitais e impressos destoa da versão anterior, em que a vacina era sugerida para quem quisesse “exercer o direito” de vacinar se tivesse “indicação”. Sob o mote “Brasil Imunizado – Somos uma só Nação”, o comercial exibe pessoas com máscaras de proteção e não fala em vacina facultativa, algo que Bolsonaro insiste em repetir. Diz apenas que a vacinação é uma questão “humana e econômica”.
Pesquisa Datafolha divulgada ontem mostrou a queda na aprovação de Bolsonaro, já registrada nas redes sociais. O presidente foi avaliado como ruim ou péssimo por 40% dos entrevistados. Em dezembro, esse grupo representava 32%. O índice de ótimo ou bom caiu de 37% para 31%.
“Sem povo na rua e sem apoio parlamentar não se faz impeachment”, disse Marco Feliciano (Republicanos-SP), vice-líder do governo e integrante da bancada evangélica. “Para derrubar Dilma tivemos que botar um milhão de pessoas na Avenida Paulista. Não vi ainda 5 mil pessoas em um protesto contra o governo. E o resultado disso é o baixo apoio parlamentar a essa aventura.”
Atos
Após organizarem panelaços, movimentos de esquerda e de direita, além de representantes da sociedade civil, convocaram para sábado e domingo, 24, atos em ao menos 19 capitais, e no Distrito Federal, para pedir o impeachment de Bolsonaro. Os protestos ganharam a adesão de organizações que estiveram em lados opostos durante o afastamento da então presidente Dilma Rousseff, em 2016.
Apesar da pauta conjunta, as manifestações com o mote “Fora Bolsonaro” estão previstas para dias diferentes. A Frente Brasil Popular e a Frente Povo Sem Medo, que apoiaram a petista, estão convocando carreatas anti-Bolsonaro para hoje, enquanto o MBL e o Vem Pra Rua, que defenderam a queda de Dilma em 2016, convocaram atos para amanhã.
Os pedidos de impeachment contra o presidente se multiplicaram desde o início da pandemia. Na próxima terça-feira, partidos de oposição, como PT, PDT, PSB, Rede e PCdoB também vão protocolar uma ação que pede a saída de Bolsonaro, sob o argumento de que ele não agiu para conter a tragédia no Amazonas e no Pará, onde pacientes morreram em hospitais por falta de oxigênio.
Desde o início do mandato de Bolsonaro, 61 pedidos de afastamento foram protocolados na Câmara. Cabe ao presidente da Casa dar andamento ou arquivar as solicitações. Esse é um dos motivos pelos quais o Planalto está empenhado em eleger o novo presidente da Câmara, já que o atual, Rodrigo Maia (DEM-RJ), deixa o cargo em 1.º de fevereiro.
O governo associa o crescente apoio à tese do impeachment à antecipação da disputa presidencial de 2022 e também à briga pelo comando da Câmara e do Senado. Nos bastidores, ministros dizem que Maia trabalha para desestabilizar o governo, em sintonia com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que derrotou o presidente ao sair na frente na guerra das vacinas, com a aquisição de doses da Coronavac.
Doria é adversário de Bolsonaro e quer ser candidato ao Planalto, no ano que vem. O presidente pretende concorrer à reeleição e aposta na chegada das vacinas da Índia ao Brasil para reverter o clima desfavorável. Na outra ponta, no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista, há a certeza de que os imunizantes acabarão em pouco tempo, a partir de abril. Adversários do Planalto dizem que, com o fim do auxílio emergencial e sem vacinas, Bolsonaro despencará.
Prestes a deixar o cargo, Maia apoia o deputado Baleia Rossi (MDB-SP) para a sua sucessão e construiu uma frente de centro-esquerda, incluindo o PSDB e até o PT, que pode ser o embrião de uma chapa para a disputa de 2022 contra Bolsonaro. O chefe do Executivo, por sua vez, avaliza a campanha de Arthur Lira, líder do Centrão. Está convencido de que Lira ganhará a presidência da Câmara e engavetará todos os pedidos de impeachment. / COLABOROU PAULA REVERBEL
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Mario Sergio Conti: O Brasil tem um problema. Tirar Jair Bolsonaro da presidência da República
A pandemia não poderá ser debelada se ele continuar à frente do Estado, e isso não é profecia, é constatação empírica
O Brasil tem um problema: tirar Bolsonaro do Planalto. Eis a proposição.
“Um problema” é licença poética. O país tem dúzias de encrencas. Que existem há séculos ou surgiram ontem. De abacaxis indescascáveis a questiúnculas. Exemplo de um probleminha: não se diz destituição, mas impeachment.
Embora a palavra inglesa não figure na Constituição, a casta política não vive sem ela, mesmo se dizendo constitucionalista. O trejeito idiomático, signo do complexo de vira-lata, não é um problema urgente.
O problemaço é destituir Bolsonaro, "impichá-lo". Porque ele virou um empecilho à solução de todo e qualquer problema nacional. A peste não poderá ser debelada se continuar à frente do Estado —e isso não é profecia, é constatação empírica.
Ele sempre desdenhou o corona. Disse que a China provocou a gripezinha. É contra máscaras e confinamento. Oferece cloroquina a avestruzes. Aglomera. Lotou o Ministério da Saúde de milicos. Despreza vacinas. Promoveu a mortandade em Manaus.
A perspectiva é que as coisas piorem. Novas variantes do vírus se alastram. Faltam insumos, oxigênio, UTIs. Fura-se a fila da vacinação. Um confinamento mais doloroso parece inevitável.
Há quem ache que o risco de perder apoio fará com que Bolsonaro saia do negacionismo. Dá-se como exemplo sua louca cavalgada atrás de vacinas nos últimos dias. De fato, não lhe falta cara de pau para fingir e enganar. Para dizer simultaneamente uma coisa e seu contrário. É seu método de governo.
Com a peste, tal método o fez errar na mosca —sempre. Admita-se que demita o ministro da Saúde, energúmeno que só lhe segue as ordens. Convidará um Drauzio Varella para o cargo? Óbvio que não. E essa é outra constatação empírica.
Dado seu prontuário, chamará um sabujo, um incompetente, um carreirista para o cargo. Foram esses os requisitos inegociáveis que usou na montagem do ministério. Não há nele ninguém que preste. São pessoas que, sem luz própria, medram na treva fétida do pântano.
Eis a segunda proposição: o centrão é o pântano.
Esquerda e direita são categorias surgidas na Revolução Francesa. Os conservadores sentavam-se à direita na Assembleia Constituinte e os revolucionários, à esquerda. A maioria dos deputados não era nem uma coisa nem outra. Pertenciam ao pântano, ou planície, como também se dizia.
O pântano oscilava entre direita e esquerda conforme a pressão popular. Mas seus traços definidores eram outros: a ausência de princípios, o oportunismo e, sobretudo, a venalidade. Igualzinho o centrão.
Com a diferença que o centrão não é de centro. É de direita sempre, doa a quem doer. Desde o fim da ditadura ele é maioria no Congresso. Foram do pântano Sarney, Collor, Temer e, como pinto no lixo, Bolsonaro.
Veio a pororoca de crises. A pandemia roncou, o desemprego explodiu, os filhos se emporcalharam e o auxílio emergencial foi para o beleléu. Bolsonaro voltou ao aconchego do velho pântano. Foi recebido de braços abertos, o que era esperado.
O que não se esperava é que a oposição não se opusesse. O PT primeiro aprovou o plagiador que Bolsonaro indicou para o Supremo. E agora, como o PSOL, disse que votará em Baleia Rossi para presidir a Câmara. Este garantiu em alto e bom som: nem pensar em impeachment.
As duas proposições levam a uma terceira: o problema Bolsonaro existe e persiste porque o centrão assim quer.
Sua destituição é uma quimera? Não. Tanto que setores da direita —Novo, MBL, Vem pra Rua— passaram a propugná-la. Ouviram tambores, perceberam que, como se diz nos filmes de Tarzan, “os nativos estão inquietos”.
A queda de Bolsonaro não será uma missa negra no Congresso, com beijinhos à tia Maricota nos cafundós da Paraíba. Será um árduo embate de forças.
O presidente conta com a força bruta propriamente dita: generais com e sem pijama, milícias e meliantes, polícias e porra-loucas. Aumentou-lhes o soldo e os armou até os dentes.
Do outro lado estará a força da política militante, a auto-organização popular e da sociedade civil. Nos locais de trabalho, nos bairros, nas escolas —em praça pública.
No meio do bangue-bangue estará o pântano. Ele não é imóvel. Dá para ouvir um rato sussurrando para um réptil: “Parece que esse negócio de impeachment está dando um dinheirão”.
Mas o presidente não deixará o Planalto como Collor ou Dilma. Terá de ser tirado. Sua queda estará mais para derrubada que para impeachment. Só sairá se houver revolta. Se continuar, continuará o bololô. Até que tente o golpe.
*Mario Sergio Conti é jornalista, é autor de "Notícias do Planalto".
Cláudio de Oliveira: Frente ampla na Câmara e no Senado
Os partidos democráticos e progressistas deveriam se unir todos aos candidatos da Frente Ampla às presidências da Câmara e do Senado, respectivamente o deputado Baleia Rossi e a senadora Simone Tebet, ambos do MDB.
Os candidatos governistas Arthur Lira, deputado do PP, e Rodrigo Pacheco, senador do DEM, certamente assumiram compromissos para receber o apoio do presidente Jair Bolsonaro e da máquina federal. E presumo que um deles seja não colocar em votação os muitos pedidos de impeachment.
Ainda que o senador Rodrigo Pacheco possa não endossar as tentativas de golpe aberto ou de minar por dentro as instituições democráticas, sua vitória fortalecerá o bolsonarismo e o seu projeto autoritário e retrógrado, cujas consequências dramáticas estamos vivendo com o negacionismo na pandemia do coronavírus, a interrupção do auxílio emergencial e a inação para estimular a economia.
A ação do governo em favor de grileiros, madeireiros e garimpeiros atenta contra o meio-ambiente e populações vulneráveis, como grupos indígenas. No governo de Bolsonaro, a diplomacia capitaneada pela extrema direita tem jogado o Brasil no isolamento internacional e enfraquecido os interesses nacionais.
A vitória dos nomes da Frente Ampla, Baleia Rossi e Simone Tebet, não significa necessariamente desengavetar automaticamente o impeachment. Mas, sobre a pressão crescente da sociedade, os emedebistas estarão mais livres de maiores compromissos e assim poderão colocar os pedidos em votação.
A Câmara dos Deputados, sob a presidência de Rodrigo Maia, do DEM, tem sido uma importante fortaleza contra as investidas golpistas de Jair Bolsonaro e sua pauta mais reacionária.
Sob David Alcolumbre, também do DEM, o Senado igualmente agiu na defesa da autonomia do Legislativo. Porém, é preciso avançar e dar um passo adiante. O parlamento brasileiro deve sair da posição reativa e reforçar sua capacidade de iniciativa. Uma das iniciativas necessárias e urgentes é a criação de CPIs para apurar os possíveis crimes de responsabilidade do atual presidente da República na crise da covid-19, suas ações para impedir investigações da rachadinha, bem como sua participação na disseminação de fake news contra o STF e o Congresso e nos atos por intervenção militar.
A Câmara e o Senado foram palcos de momentos altos da resistência democrática ao regime ditatorial de 1964, conduzidos por líderes da grande política, como o deputado Ulysses Guimarães. Esta tradição deve ser mantida com a vitória dos candidatos da Frente Ampla.
Este bloco pela independência do Legislativo deve ser reforçado por todos os partidos democráticos e progressistas, elevando seu patamar de atuação na nova conjuntura que se inicia neste 2021.
* Cláudio de Oliveira, jornalista e cartunista e autor dos livros Era uma vez em Praga – Um brasileiro na Revolução de Veludo e Lênin, Martov, a Revolução Russa e o Brasil, entre outros
Reinaldo Azevedo: É preciso parar os golpistas. Se não agora, quando?
É preciso romper o círculo vicioso e perverso a que estamos presos; Bolsonaro está começando a nos tornar dependentes de sua estupidez
O abismo em que se meteu o Brasil é tal que, no momento, estamos mais perto da eleição de Arthur Lira (PP-AL) para a presidência da Câmara do que de obter dois terços na Casa —e depois no Senado— para impichar Jair Bolsonaro. Mesmo a investigação por crime comum, caso a PGR se movesse, só poderia avançar no STF com a autorização de ao menos 342 deputados. Não há.
A mobilização popular, eu sei, submete a história a acelerações em princípio improváveis. Mas se reconheçam as dificuldades. O país não pode ficar à espera. A degradação tem de parar. O Congresso precisa, por exemplo, aprovar a Lei de Defesa do Estado Democrático —PL 3.864, de autoria do deputado Paulo Teixeira (PT-SP).
A proposta foi elaborada por uma comissão de juristas liderada por Pedro Serrano e substitui a Lei de Segurança Nacional —que este inacreditável ministro André Mendonça, da Justiça, usa como arma para perseguir críticos de Bolsonaro. A democracia não pode ser tolerante com aqueles que recorrem a suas licenças para solapá-la. A lição é antiga. E, para a surpresa dos tontos, não tem origem na esquerda.
É preciso ainda —e há caminhos; deixarei de lado as minudências— alterar a lei 1.079, a do impeachment. Que se mantenham os dois terços para efeitos de impedimento, mas que baste a maioria absoluta em cada Casa para definir a inelegibilidade do presidente denunciado por crime de responsabilidade.
Nesse particular, não podemos ficar entre o tudo —a queda do mandatário— e o desastroso nada: a permanência no cargo de um sabotador impune. É preciso romper o círculo vicioso e perverso a que estamos presos. Bolsonaro está começando a nos tornar dependentes de sua estupidez. A cada dia, há um despropósito novo, que respondemos com justa indignação exclamativa. E a reação lhe assanha a sede de produzir indignidades novas.
Olhem para este mundo cada vez menor, como cantou Gilberto Gil na bela “Parabolicamará”. Depois da posse de Joe Biden, um capitão golpista da reserva comanda, se cabe o verbo, o governo mais isolado da Terra. Realizou o prodígio de se colocar como antípoda dos dois gigantes em confronto: EUA e China.
Também em razão das insanidades de sua política externa, brasileiros vão morrer por falta de vacina. O atraso nos insumos vai retardar a imunização. E a consequência é óbvia. É preciso ser fanaticamente incompetente para chegar a esse ponto. E sobram fanatismo e incompetência.
Nunca tantos morreram em tão pouco tempo por uma única causa no país. E, como é notório, nada é capaz de tocar o coração do nosso Faraó da Zona Oeste do Rio. A exemplo daquele da Bíblia, responde às evidências que rejeita —científicas hoje; miraculosas naquele caso— com os truques de seus magos vulgares da cloroquina. Ocorre que não será sua milícia a ser tragada pelo mar em razão de uma determinação do Altíssimo. Brasileiros morrem sufocados por falta de oxigênio em hospitais em colapso.
Hoje, a minha contabilidade bate com a da Folha. Consideradas as agressões à Constituição e à lei 1.079, o presidente já cometeu 23 crimes de responsabilidade. Antes de completar 90 dias de mandato, apontei então neste espaço, já eram quatro.
Como avançar além da indignação exclamativa? Apesar dos rosnados aqui e ali, não há risco de um golpe no país, coisa fácil de desfechar e impossível de sustentar —especialmente depois da posse de Biden. A degradação permanente da democracia, que hoje mata aos milhares, já é desastrosa o que chega. Impeachment? A história, reitero, pode tornar possível o improvável. Que se tente. A questão é saber se podemos esperar.
Lembro que a extrema direita não aplica no Brasil um receituário inédito. A tática, mundo afora, tem sido a manipulação das licenças que a democracia oferece para destruir os seus valores. Donald Trump —ora defunto, mas ainda insepulto politicamente— chamou a invasão do Capitólio de direito à mobilização e de liberdade de expressão.
É o tipo de licença que homicidas em massa reivindicam no Brasil. É preciso pará-los com mobilização e com leis. Se não agora, quando
Paulo Fábio Dantas Neto: Meio de campo já!
“Prezado amigo Afonsinho
Eu continuo aqui mesmo
Aperfeiçoando o imperfeito
Dando um tempo, dando um jeito
Desprezando a perfeição
Que a perfeição é uma meta
Defendida pelo goleiro
Que joga na seleção
E eu não sou Pelé nem nada
Se muito for, eu sou um Tostão
Fazer um gol nessa partida não é fácil, meu irmão
(Gilberto Gil, “Meio de campo”)
Devo a Luiz Sergio Henriques, amigo, parceiro, botafoguense roxo, acostumado a remar contra a maré, a dica poético-musical para inspirar um artigo sobre política brasileira em semana tão áspera. Parte da aspereza é notar como é difícil, a qualquer bom meia armador, fazer trabalho de costura e ligação quando a tática da moda confia mais em zagueiros e virtuais artilheiros.
Este texto destoa da lógica que orienta pedidos, de boa-fé ou não, para que o Presidente da Câmara dos Deputados se imponha ao tempo e à experiência e aja como senhor da razão, disparando um processo de impeachment contra um Presidente da República aprovado por um terço dos brasileiros e apoiado, no momento, por parte considerável da própria Câmara. Apesar dessas más notícias, acham que o gesto não importaria tanto por suas consequências práticas, mas por despertar a sensação de não se estar parado. Ela parece vital, para esses cidadãos mobilizados, como oxigênio para os pacientes objetivamente exasperados de Manaus
Certamente essa consciência cívica foi atiçada, de alguns dias para cá, por aquilo que muitos pensam ter sido uma boa lição da vitória que a sociedade norte-americana e seu sistema político acabam de lograr contra Donald Trump. O gosto de imitar o que vem “de lá”, faz louvar o uso político que ali fazem de um processo de impeachment como se devêssemos aprender a fazê-lo, sem considerar que lá, ao contrário de aqui, o processo não implica em afastamento imediato do presidente do cargo, até o julgamento pelo Senado. E como se essa medida simbólica, ao “enodoar” Trump, pela segunda vez, fosse parte da vitória e sintoma do seu merecimento.
Desculpem, mas a meu ver, ela expressa uma prodigalidade de democratas exaltados e embriagados pelo sucesso eleitoral. Confundiram o espaço aberto pela vitória de Biden com senha para abolir o trumpismo por voluntarismo institucional. O que se diria de um processo de impeachment de um presidente em rito sumário - sem ferir a letra da Constituição, mas ignorando a tradição de formar uma Comissão de Justiça para instruir o processo antes da decisão - caso a proeza fosse cometida no Paraguai? Certamente algo diferente do reconhecimento da “robustez” do sistema norte-americano e das virtudes cívicas (leia-se coragem) de seus líderes e cidadãos. Por outro lado, analistas que apontam, compenetrada e burocraticamente, diferenças entre Brasil e EUA, conseguem, em geral, ver duas. Lá tem cadeia pra valer; lá não se baixa a cabeça. Óbvio que a comparação desfavorece o Brasil na linha de criticar "jeitinho" e conciliação como marcas de atraso.
Além de incidir no cacoete que Nelson Rodrigues nomeou - e Eduardo Gianetti traduziu em sociologia política - como “complexo de vira-lata”, essa sentença incorre em distração quanto ao fato de Biden ter sido eleito empunhando enfaticamente a bandeira da conciliação do país, não a da confrontação com um extremista tão criminoso como o daqui. E de ter sido essa também a sinalização firme e serena das instituições quando o crime invadiu o Capitólio. Em vez de se acusar sumariamente o criminoso, ele foi primeiro instado a recuar e a desfazer o que tinha feito. A justiça republicana é um prato servido frio, Trump e os arruaceiros não perdem por esperar, mas perigos emergenciais têm prioridade temporal sobre a sede de justiça. Já o gesto pelo impeachment sumário, antes da posse de Biden, vai em direção oposta a essa orientação e à mensagem das urnas. Colocou uma bola na marca do pênalti para que Trump chutasse. Ele fez isso com uma fala de pomba, tentando roubar o discurso pacificador de quem o venceu. Quem não sabe perder pode se aproveitar de gente afoita, que não sabe ganhar. Há república na América para moderar, não para consagrar excessos de apetite político de vencedores, nem justificar ressentimentos de perdedores. Essa a sua robustez, a lição que vale aprender.
A elite política brasileira, depois de patinar e se fragmentar, até 2018, perante a blitz da Lava Jato e outras operações conexas, usa sua expertise histórica em conciliação política (que deve ter raros rivais no mundo) para resistir a ataques do bolsonarismo. A partir da pandemia, a cada sensação de perigo fabricado pela aliança entre governo e vírus, tem-se o alivio de ver que o capitão não pode tudo e, embora tenha voltado a veicular imprecações contra a democracia, manda cada vez menos. Desde o começo da pandemia, Bolsonaro ameaça, desgoverna, adia, transtorna, sabota, mas não impede que .coisas importantes andem. Como bem lembra a jornalista Dora Kramer, os fatos mostram que além de nas últimas eleições ter prevalecido o valor do comedimento sobre a exacerbação, o presidente da República e companhia só fazem perder uma atrás da outra para as instituições.
O Brasil chega também a dar outras lições, como a do massivo, plural, transparente e seguro sistema eleitoral aqui instituído, no qual os norte-americanos não fariam mal em se inspirar. Desculpem de novo, mas não é a democracia ou a república que agoniza entre nós e sim concidadãos de carne e osso que precisam delas em modo normal, para salvar suas vidas. Sob perigo iminente estamos todos. Precisamos de vacina e também, para que ela não tarde ainda mais, de um reforço do meio de campo político, para unir a república à sociedade e isolar o adversário comum, inclusive privá-lo, judicialmente, se preciso, de condições de orquestrar a sabotagem da máquina pública. Ela é parte da conciliação.
Escrevi semanas atrás sobre a eficácia do que chamei de “estratégia maricas”, atitude de conciliação política que tem criado pontes entre sociedade política e sociedade civil, cooperação administrativa entre governos subnacionais adversários, alianças eleitorais entre partidos de campos ideológicos distintos. Claro que nada disso afasta os perigos inerentes ao fato de haver um extremista no topo, mas tem mantido o país com alguma governabilidade e o governo com um mínimo de atividade, apesar do ânimo destrutivo a paralisante do capitão. A trancos e barrancos, a vacinação começará na próxima semana, na seguinte ou no final do mês. Supunha-se isso em dezembro? O horizonte, há um mês, era as calendas e o governo ainda escolhia que vacinas deviam ou não ser aceitas. Isso mudou porque a pressão contínua funciona. A conciliação é atitude e também resultado. Não evita a tragédia, mas que tamanho teria com o adendo de uma conflagração política aberta por um impeachment? A batata de Bolsonaro está assando, mas só lhe deve ser servida se e quando ele não mais puder ser vencedor e se houver evidências claras de que não se trocará um autocrata desgastado por outro, seu vice, que chegue com gás, achando-se digno de crédito de confiança e de carta branca para nos salvar, em razão de uma farda que um dia usou. As contas serão acertadas com Bolsonaro quando for menor o risco de sermos infectados pelo vírus e devorados por ele e/ou por seus áulicos. Somos reféns? Sim. Essa é uma fatalidade para além da pandemia? Temos motivos para pensar que não.
Comecei este texto com a arte de Gilberto Gil, refinada e popular, como a política precisa ser, sem se reduzir ou retroagir ao elitismo e ao populismo. Terminarei oferecendo, à ansiedade nobre de quem se vê em dificuldade para suportar Bolsonaro, o pensamento não menos nobre de Joaquim Nabuco, que assegura e anima, com a mesma nobreza da arte de Gil: Há duas espécies de movimento em política: um, de que fazemos parte supondo estar parados, como o movimento da terra que não sentimos; outro, o movimento que parte de nós mesmos. Na política são poucos os que têm consciência do primeiro, no entanto esse é, talvez, o único que não é uma pura agitação (Joaquim Nabuco – Minha Formação).
*Cientista político e professor da UFBa.
Folha de S. Paulo: Apoiadores de Bolsonaro convocam caravanas pelo país a favor de Arthur Lira e voto impresso
Bolsonaristas querem eleição do líder do centrão na Câmara e esperam que ele paute discussão sobre sistema eleitoral
Julia Chaib e Gustavo Uribe, Folha de S. Paulo
Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) inicialmente unidos para levantar bandeiras de direita e a favor do voto impresso decidiram ampliar a pauta de reivindicações e agora pedem a eleição de Arthur Lira (PP-AL) à presidência da Câmara dos Deputados.
Espalhados pelo Brasil, diversos integrantes de movimentos de direita se preparam para fazer caravanas em direção a Brasília no dia 1º de fevereiro para apoiar o candidato de Bolsonaro e já tentar sensibilizá-lo para que discuta o sistema eleitoral.
Apontado como organizador dos atos, o pastor evangélico Marlan Gustavo diz que há caravanas de 25 cidades programadas para ir à capital federal na data da eleição no Congresso. A previsão dele é que mais de 2.000 pessoas viajem a Brasília. Os atos, afirma, são “pacíficos e superpatrióticos”.
“A gente quer a eleição do Lira porque não é o presidente da Câmara que pauta os assuntos? Então, não adianta nada o Brasil querer o voto impresso e ter um presidente que não paute o assunto. E a gente tem só um ano para isso”, diz Marlan, que é coordenador do movimento Deus, Pátria e Família.
Segundo ele, o deputado do PP já se mostrou simpático ao voto impresso. “A gente quer o Lira porque ele já falou do voto impresso, saiu na frente, a gente gosta dele”, diz.[ x ]
Em declarações públicas, o líder do centrão disse que pautaria o assunto caso houvesse manifestação da maioria dos líderes da Câmara, mas afirmou confiar no sistema atual, que evitaria fraudes.
Apesar disso, Lira é a favor de que a Justiça Eleitoral faça um piloto em um local específico para avaliar as vantagens e desvantagens de um novo sistema.
O movimento que apoia o parlamentar defende que o futuro presidente da Câmara paute uma PEC (proposta de emenda à Constituição) apresentada pela deputada Bia Kicis (PSL-DF) que trata do assunto.
“A gente entende com tudo que aconteceu no Brasil que precisamos ter um voto impresso. Está tudo muito solto. Nosso sistema eleitoral está na nuvem, você não tem nenhum tipo de comprovante.”
Para Marlan, não há problema que o deputado seja líder de um grupo de partidos que já foi criticado pelo próprio Bolsonaro sob o argumento de ser adepto a fisiologismos e políticas de toma lá da cá. “O que é centrão? O que é esquerda? O que é direita? Tá tudo misturado, uma confusão maluca”, afirma o pastor.
Na avaliação de Marlan, o atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), “paralisou o país”.
Já Lira é "simpático a Bolsonaro” enquanto o outro candidato, Baleia Rossi (MDB-SP), teria se comprometido a abrir processos de impeachment contra o chefe do Executivo, o que o emedebista já negou publicamente.
O grupo é o mesmo que organizou um ato no último dia 6 de dezembro a favor do voto impresso. Kicis e o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) participaram do protesto, que reuniu cerca de 100 pessoas na Esplanada dos Ministérios.
Marlan afirma, porém, que as viagens não são bancadas por parlamentares e que o organização do movimento é dele junto a apoiadores pelo país. Embora seja pastor, ele preferiu não revelar a qual igreja está vinculado.
Panfletos que têm circulado em grupos de redes sociais convocam para viagens no dia 31 de janeiro com volta programada no dia 2. Os valores das caravanas variam de R$ 200 a R$ 380.
Semelhantes, alguns flyers têm frases como "O dia mais importante para o Brasil. 1º de fevereiro vamos exigir Arthur Lira para presidente da Câmara dos Deputados". Em outros está escrito "O dia mais importante para o Brasil. 1º de fevereiro vamos exigir nossa vontade na votação para presidente da Câmara dos Deputados".
Apesar de os grupos concordarem com a eleição de Lira na Câmara, o mesmo não ocorre com a disputa no Senado.
“Para senador estamos indefinidos. Aqui em Minas a gente não gosta do [Rodrigo] Pacheco (DEM-MG) [candidato apoiado por Bolsonaro]. Ele se aliou ao Kalil [prefeito de Belo Horizonte], que é contra o Bolsonaro e o Zema [governador]”, diz José Antônio, que organiza o movimento em Belo Horizonte.
“Aqui em BH, somos 22 movimentos de direita. Segunda-feira a gente vai fazer manifestação contra o lockdown do Kalil”, conta. Segundo ele, a ideia é sair de Minas com 40 caravanas rumo a Brasília. "A ideia é ter muita gente lá no dia, para mais de 100 mil", afirma.
Alguns panfletos contêm o nome de partidos, como o Republicanos. Um deles é referente ao Rio de Janeiro. O organizador das caravanas cariocas, Joel Machado, no entanto, nega que o ato tenha relação com a direção da sigla.
“Sou um membro do partido e estou convocando quem se identifica com o Republicanos e a pauta para que façam parte”, diz. Machado já foi candidato no Rio pelo Republicanos.
A caravana do Rio Grande do Sul também é organizada pelo movimento de direita Deus, Pátria e Família, que promoveu no ano passado a Marcha Cristã em Brasília. O ativista Marcelo Buhler, organizador da caravana, disse que o movimento é espontâneo e não tem o financiamento de políticos.
"Nenhuma caravana é bancada por nenhum político. Nós acreditamos que, mostrando para os deputados e senadores que estamos ao lado do presidente Jair Bolsonaro, em um número importante de manifestantes, talvez consigamos virar dois, três ou quatro votos", disse.
César Felício: A ditadura dos fatos
Presidente da Câmara pode muito, mas não tudo
Presidente da Câmara entre 2005 e 2007, o ex-deputado Aldo Rebelo jogou um papel importante na sobrevivência do governo Lula ao mensalão. Em dois meses de crise, a administração petista estava nas cordas, até que Severino Cavalcante, que comandava a casa legislativa dos deputados, foi denunciado por receber propina de um cantineiro. Ele renunciou e Aldo bateu o oposicionista José Thomaz Nonô em uma disputa apertadíssima. Não se falou mais em impeachment de Lula.
O impeachment de Dilma Rousseff tornou-se um assunto no país assim que Eduardo Cunha foi eleito presidente da Câmara por 367 votos, derrotando Arlindo Chinaglia, em fevereiro de 2015. A correlação entre os fatos de 2005 e 2015 é irresistível. Muito mais que garantir avanço de agenda de governo, que na realidade não existe, o presidente da Câmara dá ou tira blindagem.
Distante hoje do calor dos fatos, Aldo é reverente a eles. O ex-deputado, por muitos anos integrante do Partido Comunista do Brasil, reconhece o protagonismo da presidência da Câmara como escudo ou espada, mas lembra dos limites nesta ação. “O presidente da Câmara pode muita coisa, mas muito mais podem os fatos. O avanço de um impeachment ou o seu bloqueio depende de circunstâncias políticas. Não acho que o presidente Jair Bolsonaro obterá proteção absoluta.”
O presidente da República está envolvido até o tutano dos ossos na operação para eleger ao comando da Câmara o deputado Arthur Lira (PP-AL). Presidente nacional do MDB, partido que foi um artífice tanto do impeachment de Collor em 1992 quanto do de Dilma em 2016, Baleia Rossi (SP) concorre com apoio da oposição.
Aldo respeita a capacidade de articulação política de ambos e não se arrisca a nenhum prognóstico, mas ressalta: “Um impeachment não se cria, ele aparece quando o sistema quer se livrar de um governante. Quando se unem a classe política, a mídia, o mercado, contra um governante, acabou. Nem o Lira e nem ninguém segura. Se arquivar o pedido, a pressão vêm por outros meios.” Do mesmo modo, Aldo não acredita que Baleia represente ameaça a Bolsonaro se estes fatores não estiverem postos.
O ex-deputado vê alguns trincamentos na sustentação de Bolsonaro, mas não enxerga impeachment no horizonte. “Ele não é mais o homem que permite uma agenda de mercado; Bolsonaro por onde anda diz que essa não é mais a agenda dele e não há outra para por no lugar. Mas quando olham para o Mourão, não vêem uma alternativa. No Temer, viam.”
O importante nesse momento para quem faz oposição, segundo Aldo, é desideologizar a disputa pelas mesas diretoras. “Não há corte ideológico. A questão a responder é se querem derrotar o governo ou não. Lira vencendo fortalece Bolsonaro, mesmo se viesse do Sendero Luminoso. Baleia ganhando enfraquece, mesmo se viesse da TFP. Em 2005, MDB, DEM e PSDB estavam divididos sobre Lula. Em 2015, estavam unidos em relação a Dilma. Agora podem se unir de novo. É importante observar esse movimento.”
Não há como deixar de notar nas eleições da Câmara um fenômeno: desde a vitória de Cunha, portanto há seis anos, a esquerda deixou de ser competitiva na disputa pela Mesa Diretora, mesmo com a fragmentação da centro-direita e com o PT se mantendo como a maior ou a segunda maior bancada desde então. O isolamento da esquerda no debate político brasileiro é inegável.
Quando um país tem uma vacina do governo e outra da oposição, é porque está perdido, no sentido literal e figurado. O duelo político entre o governador de São Paulo, João Doria, e o presidente Jair Bolsonaro rondou perigosamente o abismo, ao potencializar um questionamento indevido à Coronavac. O negacionismo do presidente e a ânsia do governo paulista ao divulgar os resultados da vacina, apenas em coletivas de imprensa atropeladas e com dados parciais, estimulou o erro que pode ser corrigido este domingo, com a análise da Anvisa do uso emergencial da Coronavac e da AstraZeneca.
Uma vacina com 50% de eficácia geral, aplicada de forma massiva, pode reduzir a pressão sobre o sistema de saúde e consequentemente o número de mortes? Retardar o início da vacinação, para se ter disponibilidade de uma vacina mais eficaz é uma opção? Há um relativo consenso científico de que a primeira alternativa é a correta.
A discussão é observada com perplexidade pelo médico Ricardo Parolin Schnekenberg, que reside em Londres e integra o grupo do Imperial College que acompanha os dados do Brasil. “Uma decisão de vacinação é coletiva, jamais individual. Jamais a população deve opinar sobre a vacina que vai tomar. Como ninguém questiona que vacina está tomando para qualquer outra doença”, diz.
No Reino Unido, com 66 milhões de habitantes, já foram aplicadas 3 milhões de doses de três tipos de vacinas, distribuídas pelo país conforme questões logísticas. A da Pfizer, por exemplo, tem um descarte alto, por ser muito perecível. Só é fornecida em grandes hospitais. A da AstraZeneca, que está entrando agora, mais resistente, está nos pontos de vacinação com menor fluxo.
O mesmo modelo deve ser aplicado no Brasil, mas com o desgaste de um debate desnecessário que derivou para uma absurda discussão sobre a obrigatoriedade da vacina, sem que ela estivesse assegurada.
Parolin relata que os erros do primeiro-ministro Boris Johnson no combate à pandemia foram muitos. O Reino Unido acumula 84,9 mil mortos, o maior número da Europa, sobretudo por resistir ao isolamento social, segundo o médico.
Em março, ainda se apostava em uma forma mitigada de restrição de atividades. A quantidade de testes era mínima. O próprio Parolin contraiu covid-19 e não foi testado. Quando Johnson fez o lockdown, procurou sair dele de forma prematura. O verão britânico foi quase de vida normal, relata.
A fatura chegou em setembro, com uma explosão de casos. A reação do governo foi a de fazer abordagens regionalizadas. Não funcionou.
O que Boris Johnson nunca fez foi correr atrás de uma ema com uma caixa de cloroquina, como lembra Parolin. Houve erro de estratégia, mas não mistificação.