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Bruno Boghossian: Bolsonaro adia medidas para os mais pobres, mas corteja classes C e D

Crítico de programas contra a pobreza, presidente tenta proteger caminhoneiros e comerciantes

Jair Bolsonaro quer dar "uma mexidinha" no Imposto de Renda. Na campanha, o presidente prometeu aumentar de R$ 2 mil para R$ 5 mil a faixa de renda que fica isenta do tributo. Agora, ele fala no valor de R$ 3 mil. O presidente nunca teve capacidade de implantar a ideia, mas a insistência reforça seu flerte com um nicho das classes C e D.

A sociedade de Bolsonaro tem uma linha de corte peculiar. Em sua carreira política, ele atacou programas que atendem a população miserável. Nos últimos meses, o presidente criticou a proposta de renovar o auxílio emergencial pago aos mais pobres. Seu instinto de proteção, porém, aflorou para outros grupos.

Na pandemia, Bolsonaro demonstra preocupação especial com caminhoneiros, taxistas e comerciantes. Todos enfrentam dificuldades, mas a atenção presidencial é notável –e tem cores políticas. Em janeiro, ele divulgou o protesto de uma lojista contra medidas de restrição tomadas pelo governo paulista. "Se coloque no lugar dessa senhora", escreveu.

No caso dos motoristas de caminhão, o governo incluiu o grupo na fila prioritária de vacinação, zerou a tarifa de importação de pneus e, agora, quer reduzir tributos sobre o diesel. O presidente avisou que deve anunciar uma medida para baratear os combustíveis e fez um aceno a sua base: "Tem a ver com os caminhoneiros, com os taxistas, Uber, vocês que têm carro particular".

A renda de motoristas de caminhão varia de R$ 3.720 a R$ 5.011 por mês, segundo a CNT. Bolsonaro escutou as reclamações desses profissionais sobre o custo crescente do trabalho. Poderia ouvir também os beneficiários do Bolsa Família, que têm renda per capita abaixo de R$ 178.

O presidente adia planos para quem está na base da pirâmide social, mas tenta fidelizar grupos que já fazem parte de seu eleitorado, como os caminhoneiros, e corteja grupos das classes média e média baixa que se sentiram desamparados em governos de esquerda. Só a mudança no IR, por exemplo, pode dar um alívio para 20% das famílias do país.


Ruy Castro: A teia armada de Bolsonaro

Aos poucos, ele agrupa gente embalada capaz de perpetuá-lo no poder

Jair Bolsonaro foi chamado de genocida e fascista em plena Câmara dos Deputados e reagiu com um alegre "Nos vemos em 22!". É o seu estilo. Não só nenhum conceito o abala —uma zebra se abala ao ser chamada de zebra?—, como está convicto de sua reeleição em 2022. Talvez com razão, porque vive em campanha desde a posse, a 1º de janeiro de 2019 —o que inclui apunhalar aliados, corromper as instituições e tapear os que, bovinamente, acreditam nele. Enquanto isso, e sem que se perceba, tece uma vasta urdidura armada para, de um jeito ou de outro, se perpetuar no poder.

Sua atração por oficiais de baixa patente, PMs, bombeiros, delegados e investigadores, por exemplo, não é um desvio suspeito como parece. Bolsonaro os vê como sua tropa de choque numa eventualidade. A cada formatura de cadetes ou baile de sargentos a que comparece, planta a sedição —os milicos sabem bem o que é isso. E não descansará enquanto não minar a autoridade estadual sobre as polícias Civil e Militar, drenando-as para si, com o que, no caso de um possível confronto, elas atirarão a seu favor.

A obsessão em promover a compra e o porte de armas pela população também não se refere à nossa segurança pessoal —você se vê reagindo a um arrastão em seu prédio?—, nem é um mimo aos "colecionadores" de fuzis e matadores de jacarés. É para armar os seus 30% de seguidores.

Seria um acaso que ele e seus filhos tivessem tantos milicianos, pistoleiros e armazenadores de munição como funcionários, vizinhos de condomínio ou parças de churrasco? Getulio Vargas, por razões higiênicas, deixava esse contato a cargo de Gregorio Fortunato. Os Bolsonaros dispensam intermediários.

E ele já tem gente infiltrada em todas as repartições federais, monitorando decisões, medidas, contratações. Se você trabalha numa delas, o home office tem pelo menos esta vantagem —poupa-o do mau cheiro.


Paulo Baía: Frente de perfil progressista definida

As peças do jogo eleitoral para presidência da república, renovação da Câmara dos Deputados e de um terço do Senado Federal já se movimentam.

Os governadores também se mexem, mas o foco está no atual Congresso Nacional e na lei orçamentária de 2022.

O jogo político eleitoral não é semelhante a um "jogo de xadrez", como de maneira vulgar alguns chamam ou até acreditam.

O carteado do poquer é o que mais se aproxima.

Temos delineados hoje, pelas narrativas mais midiáticas, os cenários de uma sólida frente de Jair Bolsonaro com "bolsonaristas" das seguranças públicas estaduais e municipais, conservadores, ultradireistas, o "Centrão" com os seus fisiológicos e negocistas, militares da ativa e da reserva, religiosos fundamentalistas e moderados de todas as religiões, o mundo do pessoal do direito e do judiciário, pela reeleição do presidente.

Uma "Frente de Esquerda independente", com epicentro no estado de São Paulo, com o PSOL, intelectuais, acadêmicos, artistas e movimentos identitários.

Uma "Frente de Esquerda institucional", liderada pelo PT, com sindicalistas, "movimentos sociais" clássicos, "esquerda acadêmica" e burocracias das instituições públicas.

Uma "Frente de Centro Esquerda" com Ciro Gomes, PDT, o PSB e talvez a Rede.

Uma "Frente Neoliberal", que se autodenominará de "Democrática" , com João Dória, Luciano Huck, Cidadania, PSDB, "Lavajatistas" e pedaços do DEM e do MDB.

O jogo já está sendo jogado na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.

Jair Bolsonaro, "bolsonaristas" e negocistas nesse início de jogo estão dando as cartas do poquer eleitoral.

Não creio que as demais "Frentes" tenham cacife para bancar as apostas.

A "Frente Neoliberal" apelidada de "Democrática" tende a apoiar os negocistas e Jair Bolsonaro, como "menos pior", até setembro de 2022, como fizeram no setembro de 2018.

As "Frentes de Esquerda independente", a do "PT e esquerda burocrática institucional sindicalista" e a de "Centro Esquerda" , do Ciro Gomes, PDT, PSB e adereços, ficarão disputando o espólio e as saudades de uma imaginação, acusando-se entre si.

Eu gostaria de ver se formar uma "Tendência eleitoral" e um nome que espelhe essa "Tendência", que não é Marina Silva, que nunca expressou ou expressará essas ideias, com um programa progressista bem definido, com eixos em redes de proteção social amplas , renda mínima universal, sustentabilidade, uma economia em plataformas digitais, Tecnologias da Informação e Inteligências Artificiais, com cidades inteligentes, includentes.

Gostaria de ter essa "Tendência eleitoral" já, agora, como ariete estruturador de um futuro a médio prazo, pós 2026.

O presente e o futuro próximo estão carimbados, com Jair Bolsonaro, liberais, neoliberais, negocistas e bolsonaristas.

Que as juventudes arrojadas e criativas de nossas periferias nos inventem essa "Tendência".

*Sociólogo e cientista político em 05/02/2021.


Bernardo de Mello Franco: O centrão na janelinha

O centrão mal entrou no ônibus e já quer sentar na janelinha, assumir o volante e se apossar do bagageiro. Recém-instalado no comando da Câmara, o bloco não está disposto a aceitar migalhas. Vai cobrar caro pelo apoio que prometeu ao governo.

Ontem a turma começou a mostrar a que veio. O deputado Ricardo Barros, um dos principais escudeiros de Arthur Lira, ameaçou “enquadrar” o almirante Antonio Barra Torres, presidente da Anvisa. Esbravejou contra as exigências para o registro da vacina Sputnik V, de origem russa. “Estão achando que eu sou trouxa?”, desafiou, em entrevista ao “Estadão”.

A pressa de Barros não parece ser motivada pelo avanço do vírus. A Sputnik V será produzida no Brasil pelo laboratório União Química, ligado a políticos do centrão. Um dos diretores da empresa é o ex-deputado Rogério Rosso, que disputou a presidência da Câmara em 2016. Ele era o candidato de Eduardo Cunha, que festejou a vitória de Lira na segunda-feira. 

Em outra frente, o centrão jogou na fritura a deputada Bia Kicis, porta-voz da ala mais radical do bolsonarismo. O novo chefão da Câmara havia prometido a Bolsonaro que ela assumiria a Comissão de Constituição e Justiça. Ontem seus aliados começaram a sabotar o acordo.

Investigada no inquérito das fake news, Kicis poderia usar o cargo para ajudar o Planalto a conspirar contra a democracia. No entanto, Lira tem preocupações mais urgentes. Quer evitar conflito com os ministros do Supremo, onde é réu por corrupção e organização criminosa.

As cotoveladas em Torres e Kicis anunciam uma fase mais agressiva na disputa por poder em Brasília. Na semana passada, Bolsonaro declarou que poderia recriar três ministérios para acomodar os novos parceiros. Ontem Barros debochou da oferta. “Quem está correndo atrás de ministério da Cultura, do Esporte e da Pesca?”, questionou.

O centrão não vai se contentar com cargos decorativos. Exigirá pastas de alto orçamento e com potencial para turbinar candidatos em 2022, como Saúde, Cidadania e Desenvolvimento Regional.

Na primeira metade do governo, Bolsonaro suou para mediar crises entre militares e olavistas. Em pouco tempo, essas disputas deverão ser lembradas com saudade no Planalto. Agora o capitão terá que lidar com profissionais.


Rogério L. Furquim Werneck: Bolsonaro pediu 'blindagem' e agora está sob a proteção do Centrão

Porém, vulnerável como está, presidente terá pouca margem de manobra para endurecer o jogo com o Centrão, caso seja necessário

O que terá levado Jair Bolsonaro a dobrar a aposta que já fizera no Centrão? Levará algum tempo até que os múltiplos determinantes desse jogo tão pesado sejam entendidos em toda sua complexidade. Mas a razão primordial já salta aos olhos: o pânico do presidente com a possibilidade de ser levado a impeachment por seus desmandos no enfrentamento da pandemia.

É bem verdade que a disponibilidade de vacinas vem permitindo, afinal, vislumbrar o fim da pandemia. Mas, por aqui, o quadro se afigura bem mais complicado que em países mais afortunados. Na esteira da “segunda onda”, do surgimento de novas cepas do vírus e da gritante ineficácia das ações do governo na Saúde, o Brasil parece fadado a continuar enredado no combate à covid-19 por muitos meses mais.

Em artigo recente, intitulado O tsnunami que se aproxima, o renomado biólogo Fernando Reinach não poderia ter sido mais contundente: “Desculpem o pessimismo, mas é melhor apertar os cintos e nos prepararmos para o pior” (Estado, 30/1). A conta de quase 230 mil mortes parece estar longe do fim.

Tudo indica que as cenas macabras de Manaus fizeram soar o alarme definitivo no Planalto. Bolsonaro, afinal, se deu conta de como um novo e sério agravamento da pandemia poderá lhe ser desastroso. Percebeu, enfim, a real extensão de sua vulnerabilidade ao crescendo de indignação da opinião pública que tal cenário traria, tendo em vista a acintosa inconsequência com que se permitiu lidar com a pandemia desde seu início.

Por não dispor de mecanismos de correção de erros e pela própria personalidade peculiar do presidente, o governo se recusa a reconhecer seus equívocos no combate à covid-19. O que se teme, no Planalto, é que o reconhecimento de tais equívocos, com imediata demissão do ministro da Saúde, dê força redobrada às alegações de que os desacertos de Bolsonaro nessa área já seriam razão mais que suficiente para justificar seu impeachment.

Estalado nessa situação, o Planalto decidiu partir para nova fuga para a frente. Dobrou a aposta que já fizera, em maio do ano passado, quando negociou, às pressas, com o que havia de pior no Centrão, a montagem de uma coalizão governista na Câmara que ao menos lhe assegurasse os votos necessários para bloquear o avanço de um impeachment na Casa. A ideia, agora, foi comprar do Centrão um novo seguro contra impeachment, bem mais caro que o anterior, que efetivamente garanta a “blindagem” do presidente, mesmo nos cenários mais adversos de evolução da pandemia.

Não se trata propriamente de uma adesão tardia de Bolsonaro ao presidencialismo de coalizão, mas da contratação de uma guarda pretoriana supostamente mais confiável do que a que já fora contratada em maio. O Centrão pode dificultar o impeachment, mas não dará maioria ao governo para aprovar o que queira no Congresso.

A proteção, claro, não saiu barata. E deverá ficar mais cara a cada dia. Bolsonaro terá, agora, de arcar com os custos de cumprir o contratado e, de fato, trazer o Centrão para dentro do governo. Um caminho sem volta. E o que se espera é que ministérios inteiros sejam entregues de “porteira fechada”. Arranjos desse tipo envolvem riscos que poderão se mostrar proibitivos, tendo em conta as vulnerabilidades com que o presidente e seu entorno já vêm tendo de lidar.

São, sabidamente, políticos com arraigada propensão a extrair benesses do Estado, à custa do Tesouro, para atendimento dos interesses que representam. Em que medida a voraz “agenda extrativa” do Centrão conflitará com a agenda de Paulo Guedes? Vulnerável como está, o presidente se verá com pouca margem de manobra para endurecer o jogo com o Centrão, caso isso se faça necessário. Já não tem como se expor ao risco de retaliação. Tornou-se refém de seus supostos aliados.

O pior é que, se a epidemia de fato se agravar tanto como se teme, a recuperação da economia for comprometida e a proteção a Bolsonaro ficar pouco promissora, o Centrão não hesitará em abandoná-lo à própria sorte. Até as pedras sabem.

*Economista, doutor pela Universidade Harvard, é professor titular do departamento de economia da PUC-Rio


Claudia Safatle: Vacinação é o que vai determinar a retomada

Quem tem 35 prioridades não tem nenhuma

O mercado financeiro já absorveu a ideia de que o governo terá que voltar com o auxílio emergencial. Os analistas do mercado acreditam que o auxílio será concedido de forma mais restrita, em menor valor e por alguns meses. Pouca importância se atribuiu à lista de 35 prioridades enviada pelo Palácio do Planalto aos presidentes da Câmara e do Senado - até porque quem tem 35 prioridades não tem nenhuma.

O foco está mais no processo de vacinação. É a vacina que vai definir quando as mortes cairão de patamar e, portanto, o país poderá voltar à normalidade e a atividade econômica será retomada. Nesse cenário, o governo poderá retirar o auxílio emergencial, porque as pessoas vão encontrar emprego ou retomar suas atividades no mercado informal.

Se toda a população com mais de 60 anos estiver vacinada nos próximos três meses, idade em que se concentram cerca de 80% dos óbitos ocorridos (ver acima gráfico produzido pela equipe de economistas do Banco Safra), o país estará com parte importante do problema equacionada. E é isso que vai dar conforto para as empresas voltarem a produzir, contratar mão de obra; e os consumidores vão dar alento à demanda por bens e serviços. Para que isso ocorra, porém, é preciso que o governo se mobilize e dê celeridade à vacinação.

Da lista de 35 medidas que a Presidência da República considera prioritárias e que estão travadas seja na Câmara, seja no Senado, 26 são relacionadas à economia. O restante refere-se à pauta de costumes. O trabalho do governo junto ao novo comando das duas casas será o de destravá-las.

Na agenda da economia se encontram a autonomia do Banco Central, lei do gás, reformas tributária e administrativa, mineração em terras indígenas assim como a proposta de dar cumprimento ao teto remuneratório no setor público. Do rol constam ainda a privatização da Eletrobras, a criação das debêntures de infraestrutura, mudança no regime de partilha do petróleo e aprovação do marco legal do mercado de câmbio, dentre outras.

É uma verdadeira lista de supermercado, que inclui, também, as três PEC enviadas pelo governo no fim de 2019: a Emergencial, do Pacto Federativo e dos Fundos. Segundo fontes da área econômica do governo, porém, nas negociações na Câmara e no Senado, os temas vão se afunilando e ficará para efetiva tramitação e votação o que for de interesse comum das duas casas e do Executivo.

As conversas em torno da pauta de votação devem começar na próxima semana, depois de escolhidos, referendados e empossados os demais componentes das mesas diretoras de ambas as casas.

É difícil alguém se opor ao retorno do auxílio emergencial, mas é forçoso reconhecer que a situação hoje é diferente da de abril do ano passado, quando ele foi criado. Naquela ocasião, não dava para estabelecer critérios rigorosos de acesso aos então R$ 600. Sabe-se que houve pessoas da classe média que conseguiram obter essa ajuda.

Agora, o governo tem informações suficientes para fazer um desenho mais adequado desse instrumento de emergência para atender aos que realmente precisam dele para não passar fome.

Não está claro se o governo vai propor uma ajuda estrutural que melhore a distribuição da renda ou se vai optar mesmo pelo auxílio emergencial e de curta duração (uns três a quatro meses).

É importante, porém, que o tema da desigualdade não seja esquecido quando a pandemia deixar de ocupar o primeiro lugar nas preocupações do país. Afinal, se havia alguns milhões de brasileiros desconhecidos das estatísticas oficiais, os invisíveis sociais, agora não há mais.

É uma pena que da extensa lista de medidas prioritárias do governo não conste nenhuma que faça uma boa faxina em algumas excrescências tributárias mediante, por exemplo, uma varredura nas deduções e isenções do Imposto de Renda das pessoas físicas.

A renda do capital é subtributada. E nesse aspecto também não há uma única iniciativa seja para inclusão dos dividendos na renda tributável ou para taxar os fundos fechados (onde os ricos aplicam seus recursos). Fontes oficiais garantem que esses são temas para a tão falada e sempre adiada reforma tributária.


Ricardo Noblat: Vidas importam pouco para o governo de Jair Bolsonaro

Mais armas, menos radares, remédios que não curam

Há mais mortes em países onde armas de fogo estão ao alcance da maioria dos cidadãos. Pois o presidente Jair Bolsonaro quer facilitar ainda mais o acesso dos brasileiros a armas. Por aqui, cerca de um milhão de pessoas dispõem de armas legalizadas.

Não há comprovação científica de que a cloroquina e outras drogas curem as vítimas do coronavírus. Pois Bolsonaro insiste em defender “o tratamento precoce” que em nenhuma parte do mundo foi adotado por ser claramente ineficaz.

Só vacinas funcionam contra o vírus. Mas em sua live semanal no Facebook, Bolsonaro voltou a duvidar da eficiência delas, riu quando o diretor-geral da Agência Nacional de Vigilância Sanitária disse que se vacinará, e negou que fará o mesmo.

Por temer que os vídeos onde ele recomenda o uso da cloroquina sejam apagados, e outras provas destruídas, o Ministério Público Federal providenciou o download deles. Bolsonaro e o ministro Eduardo Pazuello, da Saúde, estão sendo investigados por isso.

Levantamento feito em 2019 pelo jornal Folha de S. Paulo mostrou que a média de mortes nas estradas brasileiras caiu aproximadamente 22% nos trechos em que há radares de velocidade após a instalação dos equipamentos.

Naquele ano, o primeiro de Bolsonaro na presidência da República, ele tentou acabar com os radares, mas esbarrou na Justiça. Ontem, prometeu:

“Era uma festa no Brasil. Tínhamos mais de 8 mil pontos [de radares], conseguimos passar para 2 mil. Eu quero zerar isso daí, porque não deu certo”.

É ou não é o governo da morte?


Eliane Cantanhêde: Líder do governo contra a Anvisa e Bia Kicis para a CCJ refletem a ‘nova Câmara’ bolsonarista

Só num ambiente contaminado pelo bolsonarismo seria possível o PSL indicar deputada extremista para a principal comissão da Casa

Alguma dúvida de que está tudo dominado pelo presidente Jair Bolsonaro e o bolsonarismo na Câmara? O deputado Arthur Lira (PP-AL), líder do Centrão e da “velha política”, apadrinhado de Bolsonaro e do governo, já assumiu a presidência da Casa com festança de 300 pessoas sem máscara, implodindo o bloco oposicionista e atacando o antecessor Rodrigo Maia, enquanto lia discursos sobre “harmonia” e “pacificação”. Parece alguém, não é?

Se há alguma esperança de bom senso é com o novo presidente do SenadoRodrigo Pacheco (DEM-MG), que não fez festança, não atacou ninguém e, lado a lado com Bolsonaro, condenou os “extremismos dos dois lados”, defendeu a “altivez” do Parlamento, se solidarizou com as famílias dos mortos da covid-19 e defendeu igualdade, justiça, democracia, República, federação, reformas e auxílio emergencial. O oposto do que prega Bolsonaro.

Só num ambiente tão contaminado pelo bolsonarismo seria possível o impossível: o PSL, partido que elegeu Bolsonaro em 2018, hoje rachado ao meio, indicou a deputada Bia Kicis para a mãe de todas as comissões da Câmara, a de Constituição e Justiça (CCJ). A rejeição a Kicis uniu o Supremo, toda a esquerda, parte do centro e até líderes do Centrão. Ou o PSL retira, ou vão lançar uma candidatura independente, como os deputados Lafaiette Andrada (Republicanos-MG) e Margarete Coelho (PP-PI). De direita, sim, mas não extremistas nem investigados pelo STF como Kicis.

Procuradora aposentada no DF, ativista das manifestações golpistas contra o Supremo e o próprio Congresso, divulgadora de fake news absurdas a favor de Trump e Bolsonaro e contra todos os demais, ela é também negacionista na pandemia e desfilou com uma placa replicando a reação de Bolsonaro à marca de 20 mil mortos pela covid-19: “E daí?”. Pacheco condenou extremistas. Alguém pode ser mais extremista do que isso?

E só nesse ambiente é possível uma guerra Barros versus Barra. Ricardo Barros (PP-PR) é o líder do governo na Câmara. Antonio Barra Torres, diretor-presidente da Anvisa, contra-almirante e amigo de Bolsonaro. Em entrevista bombástica ao Estadão, o líder ameaçou “enquadrar a Anvisa”, que “está fora da casinha” e “não está nem aí para a pandemia”. Um escândalo. É o líder do governo quem agora lidera as suspeitas que a oposição fazia de ingerência política na Anvisa. Viva-se com um barulho desses.

À coluna, depois da primeira reunião de líderes, Barros disse que seu ataque foi aplaudido por todos: “Só me deram parabéns. Ninguém falou ‘coitadinha da Anvisa’”. Oficialmente, ele quer que a agência, que é técnica, científica, apresse o rito de autorização das vacinas Sputnik V, da Rússia, e Covaxin, da Índia. Mas, como mostra a reportagem do Estadão, o imbróglio vem do governo Temer, quando ele era ministro da Saúde e comprou grande quantidade de um remédio que não foi autorizado pela Anvisa. Vingança?

Também à coluna, Barra Torres disse que o ataque do líder do governo é “estranho, desconcertante, desagradável, numa hora péssima” e, assim, “abriu um rastilho de pólvora na agência, onde todos estão se matando para fazer o melhor e o mais correto para o Brasil”. Convidado para a live de ontem com Bolsonaro, ele disse que “todos têm amigos, mas relação pessoal não interfere no trabalho” e avisou que vai continuar esse trabalho “até a hora que for possível”.

Bolsonaro assume o comando da Câmara e se prepara para aprovar todas as suas “boiadas”, armas, excludente de ilicitude, escola em casa, mineração em área indígena... Mas não pense que vai ficar barato. O Centrão está muito dono de si e, além de falar grosso com a Anvisa e atacar amigos do presidente, vai cobrar a conta em moedas mais objetivas: cargos, verbas, poder.


Vera Magalhães: Síndrome do cunhado

Muito se falou no chavão “criminalização da política” como uma das justificativas para a sucessão de fatos que levou à eleição de Jair Bolsonaro em 2018.

Trata-se de uma leitura bastante rasa e condescendente com a roubalheira que os políticos promoveram como se não houvesse amanhã, ao longo de sucessivos mandatos e que, quando foi descoberta, gerou, sim, uma onda de compreensível indignação com a classe política.

Acontece que os políticos não só não perceberam isso a tempo, como menosprezaram os efeitos que isso teria. Cansei de ouvir de próceres de vários partidos, da esquerda à direita, em 2018, as seguintes avaliações:

1) corrupção nunca foi fator decisivo para eleição, bastava ver que Lula tinha sido reeleito em 2006 mesmo com o mensalão;

2) redes sociais nunca elegeram ninguém;

3) Bolsonaro desidrataria quando começasse o horário eleitoral, pois as eleições ainda seriam definidas pela equação clássica: tempo de TV, coligação forte e grana.

Bolsonaro fez um rocambole de tudo isso, regou com leite condensado, e a política, além de criminalizada, ficou humilhada no cantinho do pensamento.

Eis que, mais de dois anos e quase 230 mil mortos pela pandemia depois, os políticos do autoproclamado centro democrático estão marchando docemente para o cadafalso, atrelando seu destino ao de Bolsonaro.

Para o presidente do DEM, ACM Neto, Bolsonaro não é um extremista. Como chamar alguém que desdenha uma pandemia, que frequenta e incentiva atos pelo fechamento do Supremo e do Congresso, que aparelha instituições como a Polícia Federal e o Coaf, que investe por meio de decretos contra a pauta de direitos humanos e de defesa do meio ambiente, que acusa fraude eleitoral sem provas e insinua dois anos antes que isso pode ocorrer se não houver voto impresso?

O que precisará acontecer para que o presidente brasileiro seja reconhecido como o que é: um expoente de uma cepa de políticos de corte neopopulista que usa de expedientes como a propagação de fake news, o enfraquecimento deliberado da imprensa e do sistema de freios e contrapesos da democracia e a difusão do ódio para se manter no poder?

Diante do cálculo de curtíssimo prazo de líderes como ACM Neto, que priorizam a aproximação a um presidente mal avaliado e mal-intencionado à construção de uma alternativa sólida e viável de poder que tire o país dessa encalacrada social, econômica e institucional em que está enfiado, Bolsonaro vai ganhando, justamente dos políticos a quem desprezou em 2018, um passaporte de vida fácil para 2022.

Acontece que, como escrevi aqui na quarta-feira, a vida real caminha de forma bem diferente do minueto desconjuntado da política. Na Bahia de ACM Neto, faltam vacinas, faltam leitos de UTI, falta comida, falta auxílio emergencial e falta base social para o bolsonarismo. Em nome de que, então, o presidente do DEM opta por implodir a própria legenda, depois de um sucesso nas urnas? O tempo vai responder em nome de quê.

Enquanto isso, graças a análises equivocadas como essa, Bolsonaro, o “não extremista”, vai se comportando depois das vitórias congressuais que lhe foram dadas de bandeja como o cunhado folgado que chega na casa do outro e tira o sapato com chulé, coloca o pé em cima do pufe, faz uma piada homofóbica com o sobrinho e assalta a geladeira para acabar com a cerveja.

Quando a classe política resolver reagir, pode ser tarde, como viram os atônitos integrantes do Partido Republicano, que não contiveram o também extremista Donald Trump e o deixaram questionar as eleições, incentivar a invasão do Capitólio e desgastar uma democracia sólida como a americana.

Por aqui, o centro com vocação para cunhado bonachão não aprendeu absolutamente nada nos últimos anos.


Fernando Gabeira: O estreito caminho pela frente

A democracia brasileira ficou mais vulnerável, o negacionismo tem agora uma base parlamentar

As eleições no Congresso nos remetem a uma situação relativamente familiar: o mecanismo do “toma lá da cá”, que muitos supunham estar esgotado na política, voltou ao centro da cena. E desta vez com poucos esforços para disfarçar. O governo destinou mais de R$ 3 bilhões de verbas aos parlamentares e Bolsonaro confessou que iria influenciar a escolha num Poder que deveria ser independente.

Para quem vive há muitos anos o processo político brasileiro, é como se um ciclo se encerrasse. As relações fisiológicas degradam a política nacional e criam condições para que surja alguém prometendo tudo mudar e trazer consigo uma “nova forma de fazer política”.

Ao cair de cabeça no velho fisiologismo, Bolsonaro não somente reconstrói uma cena política que estamos cansados de ver. Há diferenças agora. Como ele e outras figuras, como Wilson Witzel, eram os arautos de uma “nova política”, é possível esperar que a própria ideia de novidade radical entre em decadência, o que, aliás, de certa forma já foi revelado em algumas cidades nas eleições de 2020.

Um dos subprodutos da vitória de Bolsonaro no Congresso foi desmantelar o centro. Em política, talvez isso não signifique um mundo que desmorona, como no verso de Yeats – “the center will not hold”. Significa apenas que aumentam as possibilidades de polarização.

Afinal, o centro, que foi implodido por Bolsonaro, acabaria se rompendo de qualquer forma. Não há consistência nesses partidos e, estrategicamente, o melhor seria um racha, com o lado da oposição democrática tentando se viabilizar na própria sociedade.

Quando Bolsonaro se elegeu, as barreiras de contenção de suas tendências autoritárias seriam o Congresso e o STF. Agora seu candidato obteve 302 votos, seis a menos que o necessário para aprovar uma emenda constitucional. Por essa e muitas razões, a democracia brasileira ficou mais vulnerável. Dificilmente serão considerados os crimes de responsabilidade que se sucedem na condução da pandemia. O negacionismo de Bolsonaro tem agora uma base parlamentar.

Aliás, uma demonstração disso foi a festa para 300 pessoas na comemoração da vitória de Arthur Lira, em Brasília. Horas depois de dizer em discurso que era preciso vacinar, vacinar, vacinar, o novo presidente comemorava com grande número de pessoas sem máscara.

Isso não é um detalhe. A posição negacionista se estende também ao combate ao uso de máscaras, consideradas por alguns “mordaças ideológicas”. É algo tão característico de escolhas políticas que nos Estados Unidos Joe Biden decretou o uso obrigatório de máscara em propriedades federais.

É necessário concluir que a mudança no Congresso, apesar da retórica, pode fortalecer a política negacionista. Nesse caso, não se trata mais de ameaça à democracia, mas do avanço de uma política que mata.

É evidente, hoje, que dois tipos de contenção foram necessários. Um para evitar a ruptura democrática, que se tornou menos viável para Bolsonaro após a prisão de Fabrício Queiroz. Mas continua sendo necessária a contenção da política que contribui para a morte de milhares de pessoas.

O STF avançou nisso, sobretudo no momento em que definiu a responsabilidade conjunta de União, Estados e municípios. Tentou avançar em alguns outros pontos, como a exigência de uma política de proteção às populações indígenas, e solicitou também um plano nacional de vacinação. Onde foi necessário investigar diretamente a responsabilidade pelas mortes de Manaus, determinou uma investigação policial.

Mas o Congresso, disperso, agiu pouco. Aqui e ali entrou com denúncias no Supremo, mas não considerou uma tarefa coletiva deter a política de Bolsonaro e oferecer uma alternativa que pudesse salvar vidas, e não exterminá-las.

O que será agora da ação do Congresso na pandemia, com o poder nas mãos de aliados de Bolsonaro? Uma das saídas é a oposição reconhecer suas dificuldades e tentar viver este novo momento com habilidade para unir e coragem para combater os erros do governo.

Neste momento em que o poder no Congresso se concentra nas mãos de aliados de Bolsonaro, um caminho é buscar o equilíbrio por meio do encontro com a sociedade. Há pelo menos três temas que podem fortalecer esse encontro: a luta contra a pandemia, um processo organizado de vacinação e uma renovada ajuda emergencial aos milhões que ainda precisam dela.

No caso da ajuda emergencial, pode até haver uma convergência com o governo, mas é possível deixar claro que a oposição pressionou. Da mesma forma, o governo pode se convencer a vacinar, sob intensa pressão. No tratamento da pandemia as diferenças são abissais, intransponíveis. O governo nega sua importância, investe em remédios ineficazes, subestima testes e deixa que se estraguem, não sequencia nem rastreia novas variantes. E quando são descobertas, como no caso de Manaus, não existe um esboço de plano nacional para conter seu impacto.

É preciso simultaneamente evitar o sacrifício produzido pelo negacionismo e coletar provas de sua ineficácia, para ser responsabilizado adiante. Se o Congresso o blindar, existe o Supremo, se o STF não o punir, há o Tribunal Internacional.

A perda de espaço num Congresso fisiológico é menos importante do que o encontro da política com o sofrimento humano. Basta olhar para fora.


Folha de S. Paulo: Com Bolsonaro, centrão tenta voltar ao comando da Câmara seis anos após vitória de Cunha

Líder do bloco é o favorito para vencer, nesta segunda, disputa marcada por promessas de emendas e cargos

Danielle Brant , Julia Chaib , Gustavo Uribe e Ranier Bragon, Folha de S. Paulo

As eleições desta segunda (1º) no Congresso podem levar de volta ao comando da Câmara dos Deputados o grupo de siglas conhecido como centrão, montado por Eduardo Cunha (MDB-RJ) em 2014 e, atualmente, responsável pela base de sustentação do governo de Jair Bolsonaro (sem partido).

Apoiado pelo presidente da República, Arthur Lira (PP-AL) é o favorito na disputa e tem hoje o papel de líder inconteste do centrão, posto que foi de Cunha —presidente da Câmara de fevereiro de 2015 a maio de 2016, quando foi afastado do cargo pelo Supremo Tribunal Federal e acabou, depois, sendo cassado e preso em decorrência da Operação Lava Jato.

Seu principal concorrente é Baleia Rossi (MDB-SP), candidato de Rodrigo Maia (DEM-RJ), atual presidente da Câmara e hoje um dos principais adversários de Bolsonaro.

No Senado, o favoritismo é de Rodrigo Pacheco (DEM-RJ), que não integra o centrão, mas teve a candidatura costurada pelo atual presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e também tem a simpatia e o apoio de Bolsonaro e do centrão. Ele tem como principal rival a emedebista Simone Tebet (MS).

flerte entre o centrão e o governo virou relacionamento sério no ano passado, no início da pandemia, quando Bolsonaro precisou negociar cargos com partidos como PP, PL e Republicanos para barrar a possibilidade de um impeachment.

Independentemente do resultado, a aliança Bolsonaro-centrão já enterrou de vez o discurso do presidente da República, explorado à exaustão durante a campanha eleitoral, de que não se renderia ao que chamava de a velha política do “toma lá, dá cá”.

"Qualquer presidente que, porventura, distribua ministério, estatais, ou diretorias de banco para apoio dentro do Parlamento está infringindo o artigo 85, inciso II da Constituição”, disse Bolsonaro, por exemplo, no dia 27 de outubro de 2018, um dia antes do segundo turno das eleições.

O trecho citado pelo então candidato define como crime de responsabilidade atos do presidente da República que atentem contra a o livre exercício do Poder Legislativo.

“Se eu, por exemplo, apresento o ministério para um partido com objetivo de comprar voto, qualquer um pode então me questionar que estou interferindo no exercício do Poder Legislativo", disse à época.

Também em 2018, o hoje ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), general Augusto Heleno, chegou a cantarolar “se gritar pega centrão, não fica um meu irmão” em um encontro do PSL.Agora, tudo isso mudou. Para atender o centrão, o governo faz promessas de liberação de bilhões em emendas parlamentares e chegou a cogitar até a recriação de ministérios, contrariando outro discurso da campanha, o do enxugamento da máquina pública.

Uma das danças das cadeiras que estão praticamente sacramentada é a saída de Onyx Lorenzoni do Ministério da Cidadania e a ida para a Secretaria-Geral, hoje ocupada pelo interino Pedro Marques de Souza.

O governo acertou que a Cidadania, responsável pelo Bolsa Família, ficará com um nome indicado pelo Republicanos. São cotados os deputados João Roma (BA) e Márcio Marinho (BA), ambos do partido.

"Se tiver um clima no Parlamento, pelo o que tudo indica as duas pessoas que nós temos simpatia devem se eleger, não vamos ter mais uma pauta travada, a gente pode levar muita coisa avante, quem sabe até ressurgir os ministérios, esses ministérios"​, declarou Bolsonaro na última sexta-feira (29). No sábado (30), ele recuou.

A expectativa do centrão é que, até o final do ano, o presidente entregue ao bloco partidário cargos de destaque no primeiro e segundo escalões, o que enfrenta forte oposição tanto do núcleo militar como do ideológico do Palácio do Planalto. Os dois grupos prometem resistir à ofensiva das siglas.

Apesar da resistência, integrantes do centrão vislumbram a possibilidade de ficarem com o comando do Ministério da Saúde e ainda torcem pela recriação de pelo menos duas pastas: Trabalho e Cidades.

O governo também tem prometido emendas para parlamentares que apoiarem seus candidatos na disputa de segunda-feira. Segundo as informações do governo, já foram cadastrados os pedidos de cerca de 600 municípios, que registraram demandas que giram em torno de R$ 650 milhões.

Essa verba, que sai do cofre do governo e vai para as prefeituras, leva o carimbo dos parlamentares, que usam a notícia parta se cacifar eleitoralmente em seus redutos. São pedidos relativos ao Ministério do Desenvolvimento Regional, ao Ministério do Turismo e ao Ministério da Agricultura.

Para o centrão, além dos cargos no Executivo, é importante deter comando na Mesa diretora da Câmara, que é formada pela presidência, duas vices e quatro secretarias.

Pelo acordo firmado no bloco de Lira, o PL deverá disputar a primeira vice-presidência, com o deputado federal Marcelo Ramos (AM). As demais candidaturas seriam distribuídas entre Republicanos, PSD e PROS.

O PSL, que de última hora trocou de lado na disputa legislativa e vinha negociando a primeira-vice-presidência, deve ficar com um posto menor. Isso se não houver uma reviravolta que coloque o partido novamente no bloco de Baleia Rossi. A expectativa, inclusive, é que haja uma guerra de listas nesta segunda entre os grupos do PSL que apoiam Lira e Baleia.

Bolsonaro tem dito ainda que acredita que, com Lira, a chamada pauta de costumes deve avançar na Câmara, otimismo que não é compartilhado por assessores presidenciais. No passado, Lira já disse que ela não é prioridade para o país e, em conversa reservada na semana passada, reafirmou a opinião.

Por causa disso, o líder do centrão não deve receber o voto, pelo menos no primeiro turno, de todos os deputados bolsonaristas. Alguns deles têm afirmado em caráter reservado que votarão em candidatos avulsos, como Fábio Ramalho (MDB-MG).

Nos encontros das últimas semanas, Lira tem afirmado ainda que não será submisso ao presidente e ressaltado que não é de seu perfil acatar ordens, apesar de ter observado que pretende evitar embates públicos, como os protagonizados por Maia e Bolsonaro.

A opinião de alguns aliados do deputado é que, caso eleito, a tendência é que haja uma relação harmônica no começo, mas que dificilmente ela se manterá estável a partir do segundo semestre.

Já a equipe econômica espera que antes de 2022, ano eleitoral, o Poder Legislativo aprove as reformas administrativa e tributária. A primeira, como tem salientado Lira, é a sua prioridade. A segunda, contudo, enfrenta dificuldades.

Para aliados de Lira, o ideal é que ela seja reiniciada, com a mudança do atual relator, o deputado federal Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), que apoia a candidatura de Baleia. E que novos mecanismos sejam discutidos, o que deve inviabilizar uma votação neste ano.

Integrantes de partidos de centro traçam prognóstico negativo com relação à pauta da Câmara. Líderes ouvidos pela Folha avaliam que não haverá clima para votar nenhuma matéria econômica de relevância. Assim, nem a tributária e nem a reforma administrativa devem ser aprovadas até o ano que vem.

Outro ponto de possível desgaste, na opinião de assessores do governo, é a relação entre Lira e o ministro da Economia, Paulo Guedes. Apesar de ambos terem afinado o discurso recentemente, Lira já defendeu mais de uma vez medidas que aumentam os gastos públicos.

Apesar da mácula no discurso, a opção de Bolsonaro de negociar com o centrão é pragmática. O bom relacionamento com os novos presidentes da Câmara e do Senado ajudaria a manter afastados o risco de abertura de um processo de impeachment —Maia deixa o cargo com cerca de 60 em análise, por exemplo.

Também reduz as chances de abertura de CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar, por exemplo, a conduta do governo na pandemia de Covid-19.

Essa blindagem foi importante em governos anteriores, como no primeiro mandato do petista Luiz Inácio Lula da Silva.

Hoje, o centrão ocupa a diretoria de importantes órgãos na máquina federal. O FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), tem como presidente e diretores indicados de partidos como PL, PP e Republicanos. A Funasa (Fundação Nacional da Saúde), por sua vez, é ocupada por um aliado do PSD. Há ainda indicados do centrão em secretárias estratégicas dos Ministérios da Saúde e do Desenvolvimento Regional, entre outros.

O papel da oposição na disputa também foi colocado em xeque, em especial após a decisão de partidos de esquerda de apoiar Pacheco no Senado. Ao tomar a decisão, o PT argumentou que a questão era circunstancial e afirmou que o candidato não estaria “comprometido com a necropolítica do atual governo”, nas palavras do senador Humberto Costa (PE).

Na Câmara, formalmente os partidos de oposição se alinharam a Baleia Rossi, mas alguns deputados, reservadamente, já confidenciaram a seus pares que votarão em Lira, mesmo sendo o candidato de Bolsonaro. A dissidência é grande em partidos como PSB, no qual parlamentares já declararam intenção em votar no líder do centrão.

A campanha do presidente do MDB, no entanto, ainda conta com a possibilidade de reverter algumas dessas baixas e levar a disputa para segundo turno. Se isso ocorrer, afirmam, o jogo muda.

A expectativa de aliados de Rossi é a de que haja muitas traições do grupo que apoia Lira. A diferença, dizem, é que o líder do PP não sabe quais são esses votos porque, diferentemente dos membros do bloco de Rossi, os parlamentares não se manifestam publicamente contra o candidato de Bolsonaro, por medo de retaliação.

COMO SERÁ A ELEIÇÃO NO CONGRESSO

CÂMARA

  • Os blocos de apoio dos candidatos deverão ser formados até meio-dia de segunda (1°)
  • 17h é o prazo máximo para registro das candidaturas dos deputados que querem disputar a eleição
  • A sessão em que ocorrerá a eleição está prevista para começar às 19h. Cada candidato a presidente —são oito— terá dez
  • minutos para discursar
  • A votação ocorre em urna eletrônica. Serão 21 espalhadas pelos salões Verde e Nobre —historicamente, eram 14
  • Por causa da pandemia, foram adotados cuidados. A votação ocorrerá em blocos de cinco deputados por urna. Cada um terá três minutos para votar
  • Haverá higienização após cada votação
  • Se nenhum nome obtiver pelo menos 257 votos, haverá segundo turno

Candidatos

  • Arthur Lira (PP-AL)
  • Baleia Rossi (MDB-SP)
  • Alexandre Frota (PSDB-SP)
  • André Janones (Avante-MG)
  • Fábio Ramalho (MDB-MG)
  • Luiza Erundina (PSOL-SP)
  • Marcel V. Hattem (Novo-RS)
  • General Peternelli (PSL-SP)

SENADO

  • Não há prazo para formação de blocos.
  • Às 14h, começa a chamada sessão preparatória (em que ocorre eleição). O presidente do Senado então pergunta se há novas candidaturas, além das cinco já protocoladas
  • Candidatos terão dez minutos para discursar, antes da votação
  • Serão quatro urnas: duas no plenário e duas fora, para senadores considerados de grupo de risco. A votação será em cédulas de papel
  • Será eleito o candidato que tiver 41 votos. A expectativa é que a sessão termine às 17h

Candidatos

  • Rodrigo Pacheco (DEM-MG)
  • Simone Tebet (MDB-MS)
  • Jorge Kajuru (Cidadania-GO)
  • Lasier Martins (Podemos-RS)
  • Major Olimpio (PSL-SP)

Eliane Cantanhêde: Maricas, covardes, picaretas

Bolsonaro faz escola e até desembargador e enfermeira aderem ao baile funk na pandemia

O presidente Jair Bolsonaro cai nas pesquisas pelo negacionismo diante da pandemia e do desdém pelas vacinas. A Procuradoria-Geral da República pede e o Supremo autoriza a investigação do general da ativa Eduardo Pazuello pela falta de oxigênio e as mortes em Manaus. O deputado Rodrigo Maia aproveita sua última semana na presidência da Câmara para dizer que não há dúvida de que Pazuello cometeu crime e defender a criação da CPI da Saúde.

Falta, porém, responsabilizar autoridades e cidadãos que negam a pandemia, fazem campanha contra o isolamento social e a própria vacina, que são as únicas armas para salvar vidas, conter o vírus, aliviar a pressão sobre o sistema de saúde e, assim, normalizar a economia e o próprio País. Eles também têm culpa.

São magistrados, parlamentares, empresários e irresponsáveis em geral, até da área de saúde, movidos pelo negacionismo, a ideologia irracional, a falta de respeito e empatia com os quase 220 mil brasileiros mortos. Esse mau exemplo, que começa com o presidente da República e decanta pelos seguidores da sua seita, induz jovens, idosos, homens e mulheres a relaxar os cuidados na pior hora. Tome baile funk nas periferias! E barzinho cheio dos bairros chiques!

Ao assumir ontem a presidência do Tribunal de Justiça (TJ) de Mato Grosso do Sul, o desembargador Carlos Eduardo Contar pediu “o fim da esquizofrenia e palhaçada midiática fúnebre” e propôs que “desprezemos o irresponsável, o covarde e picareta da ocasião que afirma “fiquem em casa’”. Para Bolsonaro, o cidadão que se cuida e cuida do outro na pandemia é “maricas”. Para Contar, é “irresponsável, covarde e picareta”.

O desembargador não pronunciou uma palavra sobre os escândalos do Judiciário, onde pululam “penduricalhos”, enquanto milhões de brasileiros estão sem emprego, renda, até comida. Reportagem de Patrik Camporez, do Estadão, informa que ali do lado, em Mato Grosso, os 29 magistrados do TJ receberam, em média, R$ 262,8 mil em dezembro. Contar preferiu reclamar das “restrições orçamentárias” e o “exaurimento da capacidade humana” da corporação.

Pôs-se a criticar aqueles que creem na ciência, nas entidades de saúde, nas recomendações médicas como “rebanho indo para o matadouro”. E a atacar “a histeria coletiva, a mentira global, a exploração política, o louvor ao morticínio, a inadmissível violação dos direitos e garantias individuais, o combate leviano e indiscriminado a medicamentos”. A pandemia é uma “mentira global”?! Quem ele está papagaiando?

Isso lembra a comemoração de parlamentares bolsonaristas quando o governador do Amazonas, Wilson Lima, cedeu à pressão e recuou do lockdown. Mas, depois, não escreveram uma só linha sobre o resultado macabro: falta de UTI e oxigênio, pacientes morrendo asfixiados e transportados para outros estados às pressas. Nem o sistema funerário resistiu ao caos, que está sendo exportado para o Pará e Rondônia.Se o isolamento social tivesse sido levado a sério pelo presidente e todos os governadores, o Brasil não precisaria ter afundado tão dramaticamente em mortes e contaminações. E a dúvida, agora, é quanto às vacinas. A quantidade, a logística, a seriedade e o exemplo de cima – particularmente de Bolsonaro –, vão definir a luz no fim do túnel.

Por isso, dói na alma a enfermeira Nathanna Ceschim, do Espírito Santo, divulgar vídeos sem máscara no hospital e desdenhando: “Não acredito na vacina (...). Tomei foi água”. E por que tomou? Para se cuidar, preservar seus pacientes, pais, avós e amigos e em respeito aos colegas do Brasil inteiro que se arriscam para salvar vidas? Não. “A intenção era só viajar...” Com presidente, desembargador, parlamentares e gente assim, é difícil ser otimista.