caixa 2
Confira os principais pontos do novo Código Eleitoral aprovado na Câmara
Com quase 900 artigos e mais de 370 páginas, a proposta reformula amplamente a legislação partidária e eleitoral
DW Brasil
A Câmara dos Deputados aprovou ontem (9/9) o texto-base do projeto de lei que estabelece um novo Código Eleitoral no país. Foram 378 votos a favor e 80 contra.
Os deputados ainda analisam os destaques à proposta, ou seja, sugestões apresentadas para alterar trechos do texto. Em seguida, o projeto segue para análise do Senado.
Para valer já para as eleições do ano que vem, a legislação precisa ser aprovada tanto pela Câmara como pelo Senado e sancionada pela Presidência da República pelo menos um ano antes do primeiro turno, ou seja, antes de 2 de outubro.
Com quase 900 artigos e mais de 370 páginas, a proposta reformula amplamente a legislação partidária e eleitoral, revogando as leis vigentes e reunindo as regras em um único código. O texto é criticado por enfraquecer a Lei da Ficha Limpa, diminuir a transparência e flexibilizar a prestação de contas e o uso do fundo partidário pelos partidos, entre outras medidas.
Por outro lado, os deputados decidiram derrubar um dos poucos pontos bem-recebidos por analistas: a exigência de uma quarentena de cinco anos para que juízes, membros do Ministério Público, militares e policiais disputem eleições. Esse item impediria, por exemplo, que ex-juízes como Sergio Moro se candidatem a um cargo eletivo logo após deixar a magistratura.
Os únicos partidos que se manifestaram contra o texto foram o Novo, a Rede e o Psol. Confiram os principais pontos da proposta:
Sondagens eleitorais
O projeto de lei proíbe a divulgação de pesquisas eleitorais na véspera e no dia do pleito. No dia da eleição, só poderá haver divulgação de sondagens após o encerramento da votação em todo o país, no caso da disputa pela Presidência, ou a partir das 17h, nos demais casos. Especialistas afirmam que o veto a institutos confiáveis pode levar à divulgação de números falsos na véspera e no dia da votação e confundir eleitores.
Além disso, o texto obriga os institutos de pesquisa a informarem o percentual de acerto nas sondagens feitas nas últimas cinco eleições. Esse item é criticado pelos institutos, que argumentam que pesquisas servem para dar o retrato de um momento, e não prever o resultado.
Ficha Limpa
Um dos pontos mais polêmicos da nova proposta, segundo especialistas, é que o texto afrouxa pontos da Lei da Ficha Limpa. Em vigor desde 2010, a norma, criada a partir de iniciativa popular, serve para impedir a eleição a cargos políticos de candidatos condenados por órgãos colegiados.
O texto aprovado na Câmara altera o prazo de inelegibilidade estabelecido pela Ficha Limpa. O período continua a ser de oito anos, mas agora começa a contar a partir da condenação, e não apenas a partir do fim do cumprimento da pena. Já para o político condenado a perda de mandato, os oito anos de inelegibilidade contarão a partir da decisão, e não mais a partir do término do mandato, como é atualmente.
Havia risco de os deputados acabarem com uma regra importante da Ficha Limpa, que torna inelegível por oito anos os políticos que renunciam ao mandato para fugir de processos de cassação. No final, porém, os deputados retiraram esse item do texto.
Fundo partidário
A proposta enumera uma série de itens que podem ser financiados com recursos públicos do fundo partidário. A legenda poderá ainda usar a verba para "gasto de interesse partidário, conforme deliberação da executiva do partido", sem precisar especificar o fim do gasto. Atualmente, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) expõe esses dados com organização e transparência.
Prestação de contas e multas
Além disso, a proposta estabelece que a prestação de contas dos partidos será feita por meio do sistema da Receita Federal, e não mais pelo sistema personalizado usado atualmente pela Justiça Eleitoral.
As legendas poderão ainda contratar, com verba do fundo partidário, empresas privadas para auditar a prestação de contas, o que analistas veem como uma terceirização do trabalho da Justiça Eleitoral.
O texto ainda reduz de cinco para três anos o prazo para a Justiça Eleitoral julgar as prestações de contas, que passam a ser processos administrativos. Já a multa por irregularidades em prestações passa a ter um teto de R$ 30 mil, e não mais 20% do valor irregular, como é atualmente, podendo chegar a milhões de reais.
Fake news
A proposta estabelece punição para quem compartilhar informações falsas com objetivo de influenciar as eleições. A pena varia de um a quatro anos de reclusão, mais multa.
Se a prática visa "atingir a integridade dos processos de votação, apuração e totalização de votos, com a finalidade de promover a desordem ou estimular a recusa social dos resultados eleitorais", a punição pode ser acrescida de metade a dois terços.
Outro dispositivo prevê mecanismos contra a divulgação de fake news nas eleições ao autorizar a Justiça Eleitoral a suspender perfis identificados como robôs nas redes sociais durante o pleito.
Inclusão
O projeto de lei determina que os votos em mulheres, indígenas e negros valerão por dois para efeitos da distribuição dos recursos do fundo eleitoral. A medida tem o objetivo de aumentar a participação desses segmentos da sociedade no processo eleitoral.
Caixa 2
O novo Código Eleitoral também prevê o crime de caixa 2, descrito como "doar, receber, ter em depósito ou utilizar, de qualquer modo, nas campanhas eleitorais ou para fins de campanha eleitoral, recursos financeiros fora das hipóteses da legislação eleitoral". Contudo, se a irregularidade for de baixo valor, a Justiça poderá deixar de aplicar a pena.
Candidaturas coletivas
O texto prevê a autorização de candidaturas coletivas em cargos de deputado e vereador. Esse tipo de candidatura é caracterizado pela tomada de decisão coletiva nas votações e encaminhamentos legislativos.
O partido deverá autorizar e regulamentar essa candidatura em seu estatuto, mas a candidatura coletiva será representada formalmente por apenas uma pessoa. O texto permite, no entanto, que o nome do coletivo seja registrado na Justiça Eleitoral junto com o nome do candidato, assim como nas propagandas, isso se não criar dúvidas quanto à identidade do candidato registrado.
O partido definirá regras para o uso desse tipo de candidatura, especificando como ocorrerá seu financiamento e a participação da coletividade na tomada de decisão sobre os rumos e estratégias políticas da candidatura.
Transporte de eleitores e comícios
A proposta prevê ainda a descriminalização do transporte ilegal de eleitores, que passa a ser punido na esfera cível com multa de R$ 5 mil a R$ 10 mil.
Os crimes do dia da eleição, como comícios, carreatas, boca de urna e uso de alto-falantes, também se tornam infração cível, com pena de multa de R$ 5 mil a R$ 30 mil.
Fidelidade partidária
O projeto altera também as regras de fidelidade partidária, estendendo para governadores, prefeitos e presidente a obrigação de permanecer na legenda após a eleição. Atualmente, apenas parlamentares devem cumprir fidelidade partidária. Um dos destaques já aprovados pelos parlamentares limitou a mudança de legenda apenas ao final do mandato, antes da eleição seguinte.
Fonte: DW Brasil / Agência Brasil / Agência Câmara
https://www.dw.com/pt-br/os-principais-pontos-do-novo-c%C3%B3digo-eleitoral-aprovado-na-c%C3%A2mara/a-59142585
Sérgio C. Buarque: O legítimo e o criminoso nas doações
Publicado na Revista Será em 17/03/2017
A doação de empresas a partidos e políticos para financiamento de campanha eleitoral é uma prática corrente, amplamente aceita e utilizada por todos, mas que evoluiu para uma grande promiscuidade entre o público e o privado. Entretanto, neste momento em que se multiplicam as denúncias e as investigações de doações e corrupção na política brasileira, é importante distinguir dois aspectos dessa relação, que separam a legalidade do crime: a origem do dinheiro e a forma de registro da doação. A combinação destes dois aspectos permite criar uma tipologia da relação, como mostra o quadro abaixo, para classificar as acusações, avaliando e julgando os políticos e governantes de modo a evitar a generalização e a condenação de todos os homens públicos brasileiros à vala comum da criminalidade:
Na história politica do Brasil tem havido, ao longo dos anos, financiamento legal de empresas (sem superfaturamento e corrupção), que os políticos (ou partidos) registram como doação oficial na sua contabilidade (valor e doador) apresentada à justiça eleitoral.
O chamado “Caixa 1” é uma operação legal e legítima, praticada por vários e respeitáveis políticos. Claro que, embora seja um financiamento voluntário, a empresa tem a expectativa de facilitar acesso e mesmo solicitar eventuais favores futuros do parlamentar ou governante. Mas a doação em si não constitui nenhum ilegalidade. Existe, contudo, uma variante criminosa desta modalidade, quando, mesmo contabilizado pelo político (ou partido), o recurso transferido pela empresa é oriundo de corrupção com superfaturamento. Esta modalidade – “Caixa 3” – envolve um crime de corrupção praticado pela empresa e, principalmente, pelo ordenador da despesa vinculada ao referido contrato.
O registro na contabilidade do partido tenta disfarçar o ato criminoso anterior: a doação condicionada à assinatura de um contrato superfaturado, funcionando como uma propina e uma retribuição pelo privilégio na concorrência. Esta corrupção contabilizada tem sido uma prática amplamente utilizada no esquema do chamado Petrolão, como atestam várias denúncias da Operação Lava Jato.
O “Caixa 2” é o financiamento de campanha eleitoral “não contabilizado”, como dizia o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva. Quando a doação for voluntária e legítima, e não uma propina gerada por corrupção de governo e empresas estatais, o “Caixa 2” constitui apenas um crime eleitoral, pode cassar o mandato do político mas não leva ninguém à prisão. O pior expediente desta promíscua relação de empresas e políticos é uma variante deste “Caixa 2” – chamemos de “Caixa 2.1” – que combina crime de corrupção (fonte ilegal) com crime eleitoral (doação não contabilizada).
Em qualquer dos dois casos, parece muito obscuro para o cidadão comum que um político ou um partido não declare doações de empresários para financiamento da disputa eleitoral. Por que um empresário aceita entregar dinheiro vivo para os políticos? É estranho que no mundo altamente informatizado e com um sistema bancário integrado, a empresa mande alguém sacar milhões de reais no banco, enchendo malas de dinheiro, e transportar pelas ruas cheias de bandidos, para entregar a um intermediário dos políticos. Por que (e de quem) os doadores e os receptores querem esconder esta transação?
Ao doador não interessa. O doador submete-se de bom grado, pelos termos do acordo, para ganhar o contrato, já tendo embutido no valor total a parcela correspondente à propina. Mesmo quando o dinheiro transferido para o político for resultado de corrupção, será contabilizado pela empresa doadora, na medida em que constitui uma parte diluída no faturamento total das obras e serviços prestados.
No seu depoimento ao TSE-Tribunal Superior Eleitoral, Marcelo Odebrecht afirmou que uma parte das doações ao PT e ao PMDB foi entregue em dinheiro vivo e, portanto, não contabilizado. Por que? Se o dinheiro está devidamente “lavado” pela contabilidade da empresa, por que a doação não foi totalmente oficial, com uma simples transferência bancária, que o partido ou o político registraria na sua contabilidade? Seguramente porque os políticos e os partidos pretendem fazer uso ilegal deste recurso: compra direta de adesão e apoio de outros partidos, políticos ou simples cabos eleitorais, compra de parlamentares com mesada direta para apoio a projetos governamentais, além de apropriação pessoal para enriquecimento ilícito que, evidentemente, não podem declarar como renda à Receita Federal.
Mais que um ato criminoso, estas compras de voto e de apoio político são um grave atentado à democracia, levando à completa degradação da vida política brasileira. E quando combinadas com a corrupção (“Caixa 2.1”) – combinação perversa de fonte corrupta e uso ilegal dos recursos – constituem também um saque aos cofres públicos, agravando a crise fiscal e, portanto, a capacidade de investimentos e gastos públicos, para promover o desenvolvimento e atender às necessidades da população.
* Sérgio C. Buarque é economista
Luiz Carlos Azedo: Tapa na cara do cidadão
Políticos que receberam dinheiro de caixa dois da Odebrecht estão à beira de um ataque de nervos e dispostos a pôr um fim à Operação Lava-Jato
O Brasil não é para principiantes, dizia Tom Jobim; ou seja, não é para amadores, ainda mais quando se trata do Congresso Nacional. As Dez Medidas Contra a Corrupção, com mais de dois milhões de assinaturas, são resultado de uma iniciativa dos procuradores da República para endurecer o jogo contra empresários, executivos e políticos corruptos, mas estão servindo de cortina de fumaça para aprovação de uma lei que anistia os envolvidos na Operação Lava-Jato. Por duas vezes, a manobra já foi tentada e fracassou em plenário, mas, na próxima terça-feira, voltará à pauta da Câmara dos Deputados. O presidente da casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), nega a existência do substitutivo e garante que, se for apresentado, o submeterá à votação nominal.
O problema é que desde a Constituição de 1824, outorgada por D. Pedro I, o Brasil mimetiza leis aparentemente progressistas para manter o status quo. Nossa primeira Carta Magna era de inspiração liberal, mas a introdução do direito à propriedade privada como cláusula pétrea não mirava o desenvolvimento do capitalismo, o objetivo era apenas preservar a escravidão, que somente acabou em 1888, com a Lei Áurea. Assinada pela Princesa Isabel, a abolição só chegou quando a monarquia já não se aguentava em pé. É mais ou menos o que se quer fazer agora com aprovação de uma legislação que, ao “criminalizar” o caixa dois eleitoral, absolve todos os crimes praticados no escândalo da Petrobras, isto é, salvar o “capitalismo de laços”, seus oligarcas e nababos da dèbâcle em que se encontram.
Foi muita ingenuidade dos procuradores acreditar na aprovação de uma legislação que apartasse as doações eleitorais das empreiteiras por meio de caixa dois dos crimes conexos, como recebimento de propina, superfaturamento de obras, desvios de recursos públicos, lavagem de dinheiro e enriquecimento ilícito. Essa atribuição é do Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar os processos da Lava-Jato. Os deputados da comissão especial aprovaram o relatório do deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), mas esqueceram de combinar com os políticos já enrolados na Operação Lava-Jato, que jamais aceitarão isso.
Não foi à toa que dois lobbies se digladiaram nos bastidores da Câmara, de quarta para quinta-feira, enquanto a comissão varava a madrugada para aprovar o relatório. De um lado, procuradores de todo o país abordando os deputados de suas relações; de outro, o poderoso lobby das empreiteiras com advogados e assessores de relações institucionais. A votação em plenário foi suspensa, mas a Odebrecht adiou a assinatura do seu acordo de delação premiada, aparentemente porque Marcelo Odebrecht ainda se recusava a fazê-lo. A moeda de troca das empreiteiras na Câmara não é mais a mala cheia de dinheiro, é o medo dos deputados em risco de encerrarem a carreira política na cadeia. Na verdade, trata-se de uma corrida contra o relógio para aprovar a anistia antes da delação.
Efeito Borboleta
A teoria do caos (ou seja, o estudo da desordem organizada) explica melhor a situação. Quando simulou no computador a evolução das condições climáticas, seu autor, o meteorologista Edward Lorentz, acreditava que pequenas modificações nas condições iniciais de ventos e temperaturas acarretariam alterações também pequenas na previsão do tempo. Mas o resultado foi o contrário: pequenas modificações nas condições iniciais provocaram efeitos desproporcionais. Em um ou dois dias, eram insignificantes; em um mês, os efeitos produziam padrões catastróficos.
É mais ou menos o que está acontecendo em relação à criminalização do “caixa dois”. Todos os políticos que receberam dinheiro de caixa dois da Odebrecht estão à beira de um ataque de nervos e dispostos a pôr um fim à Operação Lava-Jato, numa manobra que acabaria também por beneficiar os demais envolvidos: empresários, executivos, lobistas e doleiros. Quem viu o filme Efeito Borboleta pode imaginar outras consequências. “Essa proposta de anistia do caixa dois de campanhas é um tapa na cara do cidadão honesto desse país”, criticou o senador José Antônio Reguffe (sem partido/DF), em pronunciamento no Senado. É mais ou menos o sentimento generalizado da sociedade. Seus colegas, porém, estão chamando o povo de volta às ruas.
* Jornalista, colunista do Correio Braziliense
fonte: http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-tapa-na-cara-do-cidadao/
Sérgio Fausto: Esperando a Odebrecht
Não pode haver sociedade decente fora do império da lei, igual para todos
Ao contrário de Godot, personagem do dramaturgo Samuel Beckett, ela chegará: a delação premiada de aproximadamente 50 executivos da Odebrecht e de membros da família que controla a companhia virá à luz nos próximos meses. Não será o dia do Juízo Final para os cerca de 200 políticos que, diz-se, são mencionados nos depoimentos feitos ao Ministério Público. Haverá situações variadas: quem recebeu recursos de caixa 2 e praticou crime de lavagem de dinheiro e/ou corrupção; quem recebeu esses recursos sem cometer tais crimes; quem os cometeu em benefício de financiamento de campanha própria ou de seu partido e/ou de seu enriquecimento pessoal, etc. Caberá à Justiça individualizar cada caso e as penas respectivas, quando couberem, respeitado o devido processo legal. E à sociedade, formar juízo a respeito da responsabilidade de cada um(a) do(a)s acusados(as).
A despeito da diversidade dos casos, as delações da Odebrecht confirmarão a existência de um sistema de corrupção político-empresarial que se entranhou nos partidos e no Estado. Mais: mostrarão que esse sistema operou em governos de várias colorações partidárias, nos níveis nacional, estadual e municipal, e em favor de políticos de diversas siglas, embora o PT tenha sido seu principal articulador e beneficiário. A confirmação do ecumenismo do sistema terá duas consequências importantes: jogará uma pá de cal na ideia da seletividade partidária da Lava Jato e porá o PSDB e outros partidos que se opunham ao governo anterior na posição de acusados, e não de acusadores. A reação do PT à Lava Jato oferece insuperável exemplo de como não enfrentar essa situação.
Compartilho a preocupação de quem teme os efeitos desse anunciado terremoto político sobre o atual governo, que mal começa a resgatar o País do poço cavado pelo anterior. Temo também a eventual inviabilização jurídica e/ou política de lideranças que farão falta ao País pela experiência, pelo conhecimento e pela competência inegáveis que têm.
Na política, à diferença da economia, nem sempre a destruição dos incumbentes leva ao progresso – o economista austríaco Joseph Schumpeter cunhou a expressão “destruição criativa” para se referir ao avanço do progresso técnico no capitalismo pela emergência “disruptiva” de novas empresas e novos empreendedores. A substituição de uma geração de líderes políticos por outra, principalmente quando os partidos não cuidaram antecipadamente da necessária renovação de seus quadros, será complicada.
O maior risco, porém, é que, em nome da governabilidade do País e da estabilidade do sistema político, prevaleça novamente alguma forma de autoproteção dos “donos do poder”. A democracia depende, em última instância, de o povo acreditar que eleições, partidos e congressos não são um jogo que serve apenas aos interesses dos que jogam e pagam o jogo. Essa crença está por um fio. Se desabar, será difícil reerguê-la e o cenário estará pronto para demagogos e messiânicos.
Diante desse risco os intelectuais se veem diante de um desafio. Enquanto a corrupção era um mal imputável exclusivamente às oligarquias atrasadas (Collor e seu operador PC Farias, para dar um exemplo), a vida era mais fácil. Quando as investigações da Lava Jato começaram a revelar que o PT havia organizado um esquema de corrupção nunca antes visto na História deste país – pela escala e pelo comando superior centralizado –, os intelectuais petistas, com poucas exceções, divorciaram-se definitivamente da realidade para atacar com fé cega o Ministério Público, o Judiciário, a imprensa, ou seja, instituições centrais da democracia brasileira. Todas seriam culpadas. Menos o seu partido, vítima de uma “conspiração das elites”.
Os intelectuais petistas de maior bom senso evitaram abraçar teses estapafúrdias – como a das supostas ligações dos procuradores da Lava Jato e do juiz Sergio Moro com o governo americano, imaginariamente interessado em apear o PT do poder para roubar do Brasil as riquezas do pré-sal. Preferiram denunciar a “criminalização da política”, como se os procuradores e o juiz estivessem atentando contra a democracia ao investigar crimes cometidos por políticos do PT e partidos aliados. Esqueceram-se de que quem pratica a corrupção, sendo agente político, é que criminaliza a política, e não quem investiga ou pune essa prática com base em provas produzidas dentro do devido processo.
O sentido de missão revelado pelo juiz e pelos procuradores de Curitiba foi transformado em atributo negativo: seriam “missioneiros”, imbuídos de um cristianismo conservador, ligados à Opus Dei, evangélicos, etc. A “esquerda” passou a estigmatizar um grupo de servidores públicos concursados, bem preparados tecnicamente, empenhados em deslindar um sistema de corrupção comandado por partidos governistas e um oligopólio de grandes empreiteiras. Que beleza!
Se o PSDB quiser um lugar ao sol no lado mais luminoso da política brasileira terá de mostrar que nem todos são iguais. Na avaliação política das culpas e responsabilidades o tribunal terá duas instâncias: a opinião pública e o grosso do eleitorado. Na primeira haverá algum espaço para um debate nuançado sobre o caráter mais ou menos sistêmico ou o grau mais ou menos profundo de práticas de corrupção. No segundo, a exemplaridade, o cortar na carne, a coragem de se arriscar com novas lideranças farão toda a diferença, a depender da extensão e profundidade dos danos causados pelas delações de Odebrecht.
No Brasil oscilamos entre a impunidade e a violência, desigualmente distribuídas. A punição de crimes pela Justiça, respeitado o devido processo legal, é uma das maiores conquistas da civilização. Só se redime quem paga por seus erros. Isso vale para os indivíduos e vale também para um país. Não pode haver democracia, não pode haver sociedade decente, fora do império da lei, igual para todos. Doa a quem doer.
* Superintendente executivo da Fundação FHC, colaborador do Latin American Program do Baker Institute of Public Policy da Rice University, é membro do Gacint-Usp
fonte: estadao.com.br
Luiz Carlos Azedo: Operação champanhe
A famosa Operação Mãos Limpas, na Itália, foi deflagrada após a prisão, em 1992, de Mario Chiesa, ligado ao PSI, que ocupava a diretoria de uma instituição filantrópica e era acusado de receber propina de uma empresa de limpeza. O PSI tentou isolar Chiesa, mas o político resolveu falar e incriminar colegas. Como aqui no Brasil, empresários pagavam propinas aos políticos para vencer licitações de construção de ferrovias, autoestradas, prédios públicos, estádios e na construção civil em geral. Delações do ex-espião da KGB Vladimir Bukovsky e do ex-mafioso Tommaso Buscetta também revelaram licitações irregulares e o uso do poder público em benefício particular e de partidos políticos.
Sob apoio e pressão da opinião pública, as investigações levaram à prisão industriais, políticos, advogados e magistrados, 12 pessoas se suicidaram e alguns dos envolvidos fugiram da Itália. No curso das investigações, a máfia siciliana matou os juízes Paolo Borsellino e Giovanni Falcone, que obteve a delação de Buscetta. Foram 2.993 mandados de prisão; 6.059 pessoas investigadas, sendo 872 empresários, 1.978 administradores locais e 438 parlamentares, entre os quais quatro ex-primeiros-ministros.
A partir de Milão, a capital mundial da moda, descobriu-se que a Itália havia submergido na corrupção, com o pagamento generalizado de propinas para obtenção de contratos com o governo. Os grandes partidos no governo em 1992, a Democracia Cristã, o Partido Socialista Italiano, o Partido Social-Democrata Italiano desapareceram completamente; o antigo Partido Comunista, então denominado partido democrático de esquerda, e o Movimento Social Italiano mudaram de nome. Somente o antigo Partido Republicano sobreviveu.
Um dos envolvidos na Operação Mãos Limpas era o empresário e então primeiro-ministro da Itália, Sílvio Berlusconi, considerado o maior beneficiado pela corrupção e principal acusado em processos de fraudes, como nos casos All Iberian, SIR (empresa petroquímica privada), IMI (Instituto Mobiliare Italiano) e Lodo Mondadori.Em 2009, porém, senadores governistas aprovaram uma reforma do Judiciário, que beneficiou Berlusconi com a extinção de dois processos, nos quais era acusado de fraude contábil na compra de direitos de TV para seu império de comunicação Mediaset e de ter subornado um advogado britânico para prestar falso testemunho, em 1997.
Anistia
Aqui no Brasil, está em curso no Congresso uma operação semelhante, que foi abortada na segunda-feira, mas ainda não morreu. Trata-se da criminalização do caixa dois de campanha, que é considerado uma infração eleitoral. Numa manobra abortada pelos deputados fluminenses Miro Teixeira e Alexandre Molon, da Rede, parlamentares de diversos partidos tentaram aprovar uma emenda ao projeto anticorrupção do Ministério Público, em discussão na Câmara, para livrar de responsabilidade penal quem praticou caixa dois antes da aprovação da lei, sem embargo da punição por crimes conexos, tipo lavagem de dinheiro, enriquecimento ilícito, desvio de recursos públicos, etc.
A sessão foi presidida pelo primeiro-secretário, Beto Mansur (PRB-SP), porque o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), exercia interinamente a Presidência da República, em razão da viagem de Michel Temer aos Estados Unidos. A nova lei anticorrupção estava sendo negociada com o Ministério Público, por Maia e alguns líderes da Casa, mas entrou na pauta sem prévia comunicação e de forma muito confusa, com uma emenda que anistiava todos os políticos acusados de receber dinheiro de caixa dois, ou seja, não declarado à Justiça Eleitoral. Muitos já tinham até mandado gelar a champanhe para as comemorações.
A razão de tanta pressa é a iminente delação premiada de Marcelo Odebrecht e outros executivos da empresa que leva o nome da família, que está sendo negociada com o Ministério Público Federal. Cerca de 100 senadores e deputados estariam citados na delação, além de ex-presidentes, governadores e prefeitos, tanto pelo recebimento de contribuições legais provenientes de dinheiro público desviado pela empreiteira, quanto de propina e doações não contabilizadas. A cúpula do Congresso e pelo menos oito ministros do governo Temer estariam citados na delação, além dos ex-ministros petistas.
Há duas questões em jogo na operação frustrada. A primeira é o avanço irreversível das investigações da Operação Lava-Jato em direção à elite política do país, em razão das delações premiadas; a segunda, a crise de financiamento das campanhas eleitorais, com o fim das doações de pessoas jurídicas, que coloca em xeque o atual sistema eleitoral. A resposta urdida no Congresso é conter a Lava-Jato, zerando as investigações do caixa dois, e blindar os grandes partidos, com a cláusula de barreira e o monopólio do fundo partidário e do tempo de rádio e televisão. (Correio Braziliense – 22/09/2016)
Fonte: pps.org.br
Roberto Freire: Um novo Brasil irá às urnas
Com o início oficial da campanha para as eleições municipais de 2016, os brasileiros se preparam para participar de um processo que apresenta características muito peculiares, algumas delas jamais experimentadas em pleitos anteriores. As disputas que elegerão prefeitos, vice-prefeitos e vereadores em todo o país serão norteadas pelas novas regras impostas pela legislação eleitoral, entre as quais a proibição do financiamento empresarial e a redução do período de campanha de 90 para apenas 45 dias.
Ao contrário do que muitos imaginam, o novo modelo de financiamento não deve causar nenhum grande temor em relação ao aumento do caixa 2 nas campanhas. Haverá, na realidade, uma fiscalização muito mais eficiente e rigorosa sobre todos os candidatos – até mesmo por parte dos adversários –, e isso se deve à sociedade brasileira, hoje muito mais atenta e atuante, e a instituições como o Ministério Público e a Polícia Federal, que vêm funcionando plenamente no combate à corrupção. A Operação Lava Jato, que desnudou o esquema criminoso montado pelos governos lulopetistas na Petrobras e segue a todo vapor, é a maior prova disso.
Apesar de o pleito ser municipal, é evidente que as eleições de outubro também serão pautadas pela questão nacional. O Brasil vive um momento único em sua história, com intensa participação de uma cidadania mobilizada nas ruas e nas redes como nunca se viu. O processo de impeachment de Dilma Rousseff e o fim do tenebroso ciclo de poder do lulopetismo que levou o país a mergulhar em sua pior recessão econômica, além dos desdobramentos da Lava Jato, serão componentes fundamentais do debate e exercerão forte influência na decisão do eleitor.
Enquanto os partidos que compõem a base de sustentação do governo interino de Michel Temer registram um crescimento no número de candidaturas em todo o Brasil, o PT amarga uma redução de mais de 35% na quantidade de candidatos em relação ao pleito de 2012. Ainda não há dados consolidados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mas estimativas preliminares apontam que o PPS disputará as eleições municipais com 619 candidatos a prefeito, 155 a vice-prefeito e 6.233 a vereador, o que deve representar uma expansão média de 30% em comparação com os números apresentados há quatro anos. O partido crescerá especialmente em São Paulo, estado no qual deve lançar 67 postulantes à Prefeitura em pequenas, médias e grandes cidades.
Entre os nomes do PPS que disputam com chances reais em importantes municípios paulistas com mais de 100 mil eleitores, estão o deputado federal Alex Manente, candidato a prefeito em São Bernardo do Campo; a vereadora Pollyana Gama, em Taubaté; o vereador Marcelo Del Bosco, em Santos; o ex-prefeito Farid Madi, no Guarujá; Fábio Sato, em Presidente Prudente; Ricardo Benassi, em Jundiaí; Myriam Alckmin, em Pindamonhangaba; Cláudio Piteri, em Osasco; Raimundo Salles, em Santo André; Darinho, em Francisco Morato; Aurélio Alegrete, em Ferraz de Vasconcelos, entre outros. Na capital, o partido integra a candidatura de João Doria, do PSDB, e oferece aos paulistanos uma forte chapa para o Legislativo que conta, por exemplo, com as candidaturas dos ex-vereadores Soninha Francine e Cláudio Fonseca, que já exerceram excelentes mandatos na Câmara Municipal em outras legislaturas.
Nas demais capitais brasileiras, o PPS se faz muito bem representado principalmente em Vitória, no Espírito Santo, pelo prefeito e candidato à reeleição Luciano Rezende (responsável por uma administração ousada, moderna e premiada por sua eficiência); em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, com Athayde Nery; e em São Luís, no Maranhão, com a deputada federal Eliziane Gama, líder em todas as pesquisas de intenção de voto. O crescimento do partido em todo o país, se tornando uma força política competitiva nas próximas eleições, certamente se deve à postura altiva do PPS como oposição firme, sem ódio e sem medo ao lulopetismo, tendo sido favorável ao impeachment desde o início do processo.
O Brasil que irá às urnas no dia 2 de outubro é um país bem distinto daquele que escolheu prefeitos e vereadores há quatro anos e também do que votou nas eleições presidenciais de 2014. A participação da cidadania está hoje muito mais presente, a fiscalização é maior e os candidatos precisam estar à altura da responsabilidade que este novo momento exige. A eleição deste ano será diferente de tudo o que já vivenciamos até aqui, e não só pelas novas regras eleitorais. A campanha mudou porque, afinal, o país mudou. É hora de arregaçar as mangas e trabalhar.
Roberto Freire é deputado federal por São Paulo e presidente nacional do PPS
Fonte: pps.org.br