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O Estado de S. Paulo: 'Já sou contra privatizar Eletrobrás pelo custo ao governo, melhor vender a Caixa', diz Elena Landau

Economista critica a insistência do governo em atropelar o Congresso e propor uma Medida Provisória para vender as ações da companhia no mercado; segundo ela, privatização perdeu a importância e se tornou 'mero simbolismo'

Anne Warth, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O governo vai acabar tendo que pagar para privatizar a Eletrobrás, diz a economista Elena Landau. Ex-diretora da área de privatizações do BNDES durante o governo Fernando Henrique Cardoso e colunista do Estadão, Landau critica a insistência do governo em propor, mais uma vez, uma Medida Provisória para capitalizar (vender ações no mercado) a companhia. Para ela, será uma tentativa de atropelar o Congresso, já usada no passado sem sucesso, e que vai trazer mais insegurança jurídica ao processo, já que a tendência é que o texto caduque antes de ser aprovado.

Landau afirma ainda que a privatização da Eletrobrás perdeu relevância e se tornou mero simbolismo. “O setor elétrico anda bem sem a Eletrobrás, e o governo vai acabar pagando para privatizar. Eu já sou contra a privatização nesses termos. Isso não me mobiliza mais”, afirmou, ao Estadão/Broadcast. Confira os principais trechos.

O que a sra. achou da ideia do governo de enviar, novamente, uma Medida Provisória para privatizar a Eletrobrás?

Qualquer proposta dentro do programa de privatizações demanda enorme segurança jurídica e aceitação por parte dos investidores e do mundo político. Não pode ser feito por MP, que só tem força de lei enquanto não caducou, e depois que caduca, perde validade e cria uma enorme insegurança jurídica. Se for para simplesmente repetir o que já está no projeto de lei que enviaram ao Congresso, que respeitem e não atropelem o Congresso Nacional. Não podem mandar MP para cortar o caminho. E se for para autorizar a contratação de estudos para a privatização, cai no requisito da inconstitucionalidade, pois uma MP dessa natureza não teria nem urgência, nem relevância. Não tem sentido nenhum. Isso já foi tentado no governo Temer e a MP 814 caducou. Todo mundo viu que ia dar errado e mandaram um projeto de lei. Estão repetindo o erro. Ainda que fosse aprovado, daria uma rigidez muito grande ao processo todo. Se precisasse mudar qualquer item da lei, teria que voltar ao Congresso para ajustar. O projeto de lei deve ser votado apenas depois dos estudos e ter apenas aquilo que realmente precisa de lei, como a descotização. Mas aí dá pra fazer uma lei apenas sobre descotização.

O governo considera que precisa dar uma sinalização positiva ao mercado com a renúncia de Wilson Ferreira Jr. A sra. considera que a MP seria esse sinal?

Não sei como o mercado comprou, em algum momento, que a privatização da Eletrobras iria andar no governo Bolsonaro. No governo Temer até tudo bem, porque privatizaram sete distribuidoras e era uma gestão com agenda claramente liberal e reformista. Era crível acreditar na privatização da Eletrobrás no governo Temer, mas no governo Bolsonaro não tem abertura comercial, não tem reforma administrativa. Como vão acreditar na privatização da Eletrobrás? Por isso a saída de Ferreira Jr é tão significativa, porque era o único empenhado na privatização. A MP é uma resposta atabalhoada a isso.

Na sua opinião, qual seria a melhor alternativa para privatizar a Eletrobrás?

Recuar completamente e fazer um único pedido ao Congresso, que é a revogação do trecho do artigo 31 da Lei 10.848, do governo Lula, que excluiu a Eletrobrás e suas subsidiárias do Programa Nacional de Desestatização (PND). Sou a favor de retomar as privatizações como sempre foi feito. Nesse caso, a ordem dos fatores altera o produto. Definir a modelagem antes da autorização de venda é um erro. Entrega ao Congresso uma competência que é do Executivo, quando o Legislativo não tem estrutura técnica para isso. Politicamente é um erro, você precisa começar o jogo da negociação política com uma série de supostos ganhos, como redução das tarifas, dinheiro para o Norte e o São Francisco, e o Congresso sempre vai pedir mais. Não é mais fácil rever todos os encargos setoriais e subsídios para carvão, fontes renováveis, agronegócio, em vez de abater esse custo das tarifas com outorga? Quem definiu o valor que irá para o São Francisco? É preciso um estudo muito detalhado sobre o valor da outorga (quanto a União receberá na operação), incluindo a questão de Tucuruí. É uma questão técnica, não política.

Como a sra. vê a questão da capitalização?

A capitalização foi decidida em 2018, mas dentro das circunstâncias da Consulta Pública 33, para evitar que a Eletrobrás ficassem de fora e perdesse a oportunidade de descotizar a energia de suas usinas (ou seja, vender a energia a preço de mercado). A partir disso, aproveitando a capitalização, daria para diluir a participação da União na empresa. Veio o projeto de lei e o tempo foi passando. O bônus de outorga contribuiria para o resultado primário de 2018, mas essas circunstâncias fiscais hoje são muito diferentes. Em três anos, poderiam ter feito estudos paralelos de forma a maximizar o retorno ao Tesouro, para avaliar os modelos possíveis, as memórias de cálculo e a outorga. Falta transparência nesse processo, que é algo fundamental no programa de privatizações e no serviço público. E ainda tem a questão de Tucuruí (uma das maiores hidrelétricas da Eletronorte, cuja concessão vence em 2024), que era um futuro longínquo em 2018 e agora está próximo demais para ser ignorado.

Onde estão as resistências à privatização da Eletrobras?

Hoje, na área política, estão concentradas no presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), por causa de Furnas, e na bancada do Norte, nos senadores Eduardo Braga (MDB-AM) e Davi Alcolumbre (DEM-AP). Mas há as resistências de sempre, como os fornecedores, que sempre cobram sobrepreço para vender para a União e usam muitas vezes práticas não republicanas, dos empregados e das corporações.

Como vender a ideia da privatização e vencer a resistência da sociedade?

O discurso da privatização precisa mostrar os benefícios desse processo. A privatização da Gerasul, hoje Engie, mostra o potencial de uma empresa que sai da gestão pública, sem amarras de compras, crédito e recursos humanos. Ela era um pedaço da Eletrobrás e já chegou a valer mais do que a Eletrobrás. A melhor peça a favor da privatização desse governo foi o estudo sobre salários e privilégios das estatais. Vender estatal com o discurso fiscal é muito ruim, ainda mais depois do déficit por causa da covid-19. Os críticos vão fazer uma conta de padaria e dizer que entrará R$ 15 bilhões quando o buraco é muito maior. Além disso, depois da capitalização bilionária que fizeram na Emgepron (estatal militar), o discurso fiscal ficou muito fragilizado. 

Com tantas críticas ao processo, a senhora ainda é a favor da privatização da Eletrobrás?

Para mim, a privatização da Eletrobrás se tornou uma questão de simbolismo, porque não tem mais relevância. O setor elétrico anda bem sem a Eletrobrás. O governo vai acabar pagando para privatizar. Eu já sou contra. Não me mobiliza mais.  Em 2011, a Eletrobrás tinha 34% da geração, hoje tem 30% e em 2024 terá 24%; na transmissão, era 52% em 2011, hoje é 45% e em 2024 será 39%. A empresa não investe mais, está minguando, e os maiores interessados em reverter esse processo deveriam ser os funcionários, pois o investimento se tornou uma questão de sobrevivência para a empresa.

Se a Eletrobrás fica de fora, qual sua lista prioritária de privatizações?

Estou muito mais focada no simbolismo de vender ValecEBCTelebrás, fazer um pente-fino nas empresas dependentes do Tesouro Nacional, ver qual delas se justifica além da Embrapa. Cadê as escolas com banda larga da Telebrás? Para que serve a Valec? A EBC se tornou a TV Bolsonaro e agora compra novela do bispo Edir Macedo, que é um aliado. Se for para comprar novela, comprem da Globo porque é muito melhor. Estou muito mais interessada em vender a Caixa e acabar com o populismo do presidente Pedro Guimarães, que usou o banco para avançar no mercado das fintechs, abrindo agência quando todo mundo está fechando, um cara supostamente liberal fazendo o uso mais populista possível de um banco público. O estrago que a Caixa faz no setor bancário é muito maior que o da Eletrobrás no setor de energia. 

O governo diz que a mudança no comando da Câmara vai fazer a privatização andar. A sra. acredita nisso?

O próprio ministro Bento Albuquerque já falou que a privatização ficará para 2022. Fazer privatização no meio de uma campanha presidencial, com o presidente contra, eu nunca vi. Já vi em 1998, mas Fernando Henrique e todo o governo eram a favor. Alguém acha que Bolsonaro vai apoiar? Só se for em fevereiro, com o Congresso distraído e tudo aprovado em 2021. De qualquer forma, com a mudança no comando da Câmara, a desculpa de jogar a culpa no Rodrigo Maia (DEM-RJ) caiu. Perdemos uma Câmara reformista, Maia era um aliado da agenda liberal. Alguém acha que o PP de Arthur Lira (AL) é a favor? 

Mas as resistências à agenda de privatizações vão além do Congresso?

Não precisa atravessar a Esplanada dos Ministérios para encontrar inimigos da privatização. Eles estão na própria Esplanada. Valec, Ceitec, EBC, todas as estatais militares. Os ministros que comandam essas empresas são os inimigos. O governo se especializou em jogar a culpa nos outros. Bolsonaro ainda é o mais consciente deles, é um mentiroso contumaz, mitômano, que fala com uma seita que acredita em tudo que ele fala e para o resto distribui cargos. Já o ministro Paulo Guedes vive numa realidade paralela, cria e acredita. O mágico não pode acreditar na mágica. Bolsonaro não é maluco, maluco é quem acredita nele. Vai fazer o que quiser e pegou Guedes para ser seu fiador. Como já disse o ministro da SaúdeEduardo Pazuello, “é simples assim, um manda e outro obedece”. É um governo populista e vai dar muito trabalho para explicarmos, no futuro, esse interregno populista que nada tem a ver com liberalismo. Guedes prestou um grande desserviço à causa liberal ao participar desse governo e não implantar nada da pauta liberal. 

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Claudia Safatle: Crédito começa a chegar às microempresas

Até agora só a Caixa conseguiu liberar R$ 308 milhões de crédito

A avaliação do governo é de que ele, finalmente, começou a entregar os créditos prometidos no início da pandemia, para sustentar milhões de micro e pequenas empresas durante a crise da covid-19. E isso se deve, sobretudo, ao efetivo início do Pronampe (Programa Nacional de Apoio as Microempresas e as Empresas de Pequeno Porte), linha de financiamento equivalente a 30% do faturamento da empresa no ano passado, para capital de giro, ao custo de Selic mais 1,25% ao ano. O universo é o de empresas com faturamento de até R$, 4,8 milhões por ano.

Na verdade, porém, apenas a Caixa já está operando com essa linha de crédito. “O Banco do Brasil é mais lento e o Itaú, Bradesco e Santander estão em fase final de arrumação para operacionalizar os procedimentos com esse público que não é o deles”, segundo disse um assessor do Ministério da Economia que está acompanhando o dia a dia dessas operações para se certificar de que o crédito está chegando ao tomador final.

“Nas nossas previsões, até o dia 15 de julho estarão todos os interessados operando com o Pronampe”, acredita essa mesma fonte, que monitora com lupa a atuação principalmente dos cinco maiores bancos do país.

Há, de fato, uma fase de adaptação até à elaboração dos novos modelos de contratos onde as garantias deixam de ser dadas pelo cliente e passam a ser assumidas integralmente pelo Tesouro Nacional, mediante o FGO - o Fundo Garantidor das Operações.

O fundo foi capitalizado pela União nesta semana em cerca de R$ 15,9 bilhões. E a taxa de juros que passa a ser de cerca de 0,3% ao mês e deixa de ser os 2% a 3% ao mês das linhas próprias das instituições financeiras para as micro e pequenas companhias.

O Pronampe somado à linha de crédito para empresas “âncoras”, do BNDES, e ao Programa Emergencial de Acesso ao Crédito com garantia integral do FGI - Fundo Garantidor de crédito de Investimentos, também do BNDES, devem representar quase R$ 300 bilhões em oferta de crédito para as micro, pequenas e médias empresas.

Foi exatamente esse universo das micro e pequenas empresas que a Caixa havia definido como estratégico para suas operações desde o ano passado e, em poucos dias, conseguiu “botar no ar” a linha de crédito do Pronampe.

Segundo o vice presidente de Negócios de Varejo da Caixa, Celso Leonardo Barbosa, do dia 17 até ontem, a instituição havia fechado 6.500 contratos no valor de R$ 308 milhões que já foram depositados nas contas das empresas. Além disso, tem 5.700 contratos no valor de R$ 310 milhões, em fase final de negociação sejam os empreendedores clientes da Caixa ou não. A previsão inicial da Caixa é de atender a demanda de até R$ 3 bilhões mas, se for necessário, ela aportará mais recursos para esse fim.

Criado pela lei 13.999 de 19 de maio, o Pronampe já nasceu com a necessidade de adiar por mais 90 dias o prazo de contratação que se encerraria no fim de julho. Portanto, a linha de crédito estará em vigor até outubro.

O quadro atual de interesses do sistema financeiro em contratar crédito com as micro e pequenas empresas, até quarta feira, era o seguinte: 21 instituições manifestaram intenção de aderir ao programa. Dessas, no entanto, apenas oito iniciaram o pedido de adesão, três instituições concluíram testes para operacionalização (Caixa, Itaú e Bancoob) e 2 formalizaram adesão ao programa (Caixa e Itaú). Até ontem porém, só a Caixa havia contratado operações com garantia do FGO.

Esse é um mundo novo para os bancos tradicionais que gostam mesmo é de ter na sua clientela grandes empresas que podem despejar garantias em eventuais contratos de financiamentos. Para colocar o Pronampe em pé, o governo teve que capitalizar os fundos garantidores (FGO e FGI) e dar um jeito de assumir integralmente o risco de crédito para micro, pequenas e médias empresas.

Feito isso, o sistema financeiro está tendo que reavaliar suas premissas de análise de risco e ampliar as hipóteses de tamanho das empresas em seus portfólios. E não é raro um ou outro banco pedir ajuda da Caixa para lidar com essa nova clientela.

Isso leva o mais liberal dos liberais a defender a existência de um banco estatal com funções sociais para os momentos de crise aguda.

E reforça, ao mesmo tempo, a postura do ministro da Economia, Paulo Guedes, que na famosa reunião ministerial do dia 22 de abril, entre uns e outros desatinos cometidos pelos participantes, defendeu a privatização do Banco do Brasil que, afinal, é um bicho híbrido e, como tal, não justifica sua porção estatal.

Quando o Comitê Gestor do Simples Nacional prorrogou o prazo para o pagamento dos impostos federais, o fez por até 180 dias. Os Estados e municípios, no entanto, prorrogaram por somente 90 dias o pagamento do ICMS e do ISS, de forma que dia 20 de julho serão cobradas as parcelas relativas à abril.

O assessor especial do Ministério da Fazenda, Guilherme Afif Domingos, telefonou para o secretário de Fazenda do Estado de São Paulo, Henrique Meirelles, que é o porta voz dos governos estaduais nessa questão, para saber porque eles não pensam em ampliar a prorrogação dos impostos por mais 90 dias, Meirelles tergiversou, dizendo que essa não era a proposta dos demais governadores etc. e tal.

Afif interpretou tal posicionamento como uma maneira de os Estados da federação tentarem obter mais alguma vantagem da União em troca de uma nova prorrogação.

“Eles pararam a atividade econômica nos seu Estados e agora querem cobrar impostos dos microempresários! Querem o quê? Incentivar a inadimplência?”, indagou Afif, que pautou sua vida pública em defesa dos micro, pequenos e médios empresários.

“Isso aí é moeda de chantagem. Eles querem usar os microempresários para ver se tiram uma vantagem a mais da União”, disse ele.


RPD || Reportagem especial: Busca por auxílio emergencial revela legião de brasileiros na invisibilidade

No total, mais de 46 milhões de brasileiros não estão em nenhuma lista do governo e correm para conseguir benefício durante pandemia do coronavírus

Cleomar Almeida

Na geladeira da faxineira Marizete Coelho (37 anos), duas garrafas de água. É só o que tem. Mãe solteira, ela e os dois filhos (8 e 9 anos) sobreviviam com 800 reais mensais que conseguiam com bicos de limpeza em espaços de festas e eventos, que foram suspensos por causa da pandemia do coronavírus. Metade do dinheiro era para o aluguel do barracão de três cômodos onde moram, em Santa Maria, a 26 quilômetros de Brasília. Até hoje, ela não conseguiu se cadastrar para receber o auxílio emergencial de 600 reais.

Assim como milhares de brasileiros, Marizete já passou vários dias em grandes filas da Caixa Econômica Federal para tentar regularizar sua situação, mas sem êxito. Ela não está em lista alguma do governo. Não recebe nem Bolsa Família porque os filhos não estudam. Não tem CPF ativo nem conta bancária, que são exigidos para conseguir a ajuda de emergência. “Minha renda sempre foi da faxina pra colocar a comida em casa. Também nunca tive patrão para pedir documento, porque sempre trabalhei para fazer bico com ajuda de pessoas que já me conheciam”, diz ela.

A situação de Marizete não é isolada. No total, segundo dados oficiais, mais de 46 milhões de brasileiros não se enquadram nas regras e não estão em qualquer lista do governo. São trabalhadores informais que ficaram sem renda por causa da pandemia e dependem dessa ajuda para sobreviver. São os invisíveis do Cadastro Único do Governo Federal. Muitos não têm nem acesso à internet para se regularizar. 

O efeito da pandemia sobre a vida das pessoas é ainda mais trágico se considerados os 12,9 milhões de desempregados em março, conforme dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Apenas nos três primeiros meses deste ano, 2,3 milhões perderam o emprego, sendo 1,9 milhão de informais, o que reforça o peso catastrófico da pandemia sobre esse grupo. As principais pesquisas sobre ocupação da população foram interrompidas ou enfrentam problemas.

O primeiro desafio do governo era inscrever 11 milhões que não estavam no Cadastro Único, mas têm direito ao benefício, segundo cálculo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). O segundo era fazer o pagamento. Para quem não tem conta em banco, a Caixa Econômica Federal prometeu criar 30 milhões de poupanças digitais, movimentadas via aplicativo.

De acordo com pesquisa do Instituto Locomotiva, mais de 5,5 milhões de brasileiros com renda de até meio salário mínimo, elegíveis para receber o benefício, não têm nem conta em banco ou acesso regular à internet.  São eles que correm o maior risco de não receber o auxílio. “A crise do coronavírus tirou renda e jogou para a pobreza muita gente que tinha pouco, mas não era alvo de programas sociais. O vírus joga luz a problemas que já existiam, como a baixa renda dos informais, e acentua uma desigualdade histórica”, diz o presidente do instituto, Renato Meirelles.

Pesquisadores do IPEA defendem ações urgentes e integradas entre União, Estados e municípios para socorrer os invisíveis. “O fundamental é partir da estrutura que já construímos, para atender de imediato às famílias mais pobres. Do contrário, o risco é de só conseguirmos operacionalizar o benefício tarde demais”, alerta o representante do IPEA, Pedro Ferreira de Souza. “Nossas simulações mostram que é possível garantir renda mínima para famílias vulneráveis com custos relativamente baixos, considerando a gravidade da situação”, diz.

O furacão de invisíveis, que aumenta cada vez mais, tem engolido até as expectativas do próprio governo. “Temos um volume muito grande de pessoas que literalmente trabalham durante o dia para comer à noite. Para atender a esse problema, saímos em busca dos que eram considerados invisíveis, os informais, que não têm uma atividade formalizada, organizada. Tínhamos a expectativa, a FGV [Fundação Getúlio Vargas] e outros institutos, de encontrar sete ou oito milhões desses invisíveis. Já encontramos 20 milhões", disse o ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, no início de abril.

No dia 20 de abril, o presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães, reconheceu a dimensão ainda maior da população até então inexistente para o governo, em entrevista à imprensa. “Esses invisíveis hoje são 42,2 milhões de brasileiros e nós estávamos conversando, pensamos que chegaremos a 50 milhões de brasileiros. É um número maior do que imaginávamos”, afirmou.

O desespero dessas pessoas faz diminuir ainda mais o isolamento social, medida preventiva ao coronavírus, já que, na ânsia de conseguirem os 600 reais, têm de correr para as filas das agências da Caixa, para tentarem regularizar sua situação e serem vistas oficialmente pelo governo. A realidade socioeconômica torna essas pessoas ainda mais vulneráveis.

A professora Ana Carolina de Aguiar Rodrigues, do Departamento de Administração da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA), da Universidade de São Paulo (USP), diz que, no Brasil, diferentemente de outros países, medidas de isolamento também devem passar por questões socioeconômicas. Ela ressalta que esse aspecto deveria moldar as diretrizes e ações a serem tomadas pelos governos no país. 

“Definitivamente, esse valor não é suficiente”, diz ela, referindo-se aos 600 reais do auxílio emergencial. “Mas é importante dizer que, na hora que esse dinheiro cair na conta, as pessoas vão reduzir suas saídas de casa”, avalia a professora da USP. O técnico do IPEA Pedro Herculano de Souza, que estuda desigualdade de renda, concorda: "O auxílio é bem desenhado. O desafio é chegar a todos".

É exatamente isso que Marizete almeja. A faxineira conta que não vai sossegar em casa enquanto não conseguir regularizar sua situação junto ao governo. “Tenho dois meninos para criar, a geladeira está vazia. Não temos o que comer”, diz.  Durante a pandemia, ela sobrevive com ajuda de vizinhos e de grupos de doação. “A gente sabe que o melhor é não sair de casa, mas hoje existir nos registros do governo é questão de sobrevivência. Só assim eu vou conseguir ter alguma ajuda nessa crise do coronavírus”, afirma.


Solidariedade socorre desassistidos pelo governo

Na ausência do Poder Público, a solidariedade tem-se tornado o melhor remédio de força para comunidades inteiras se ajudarem e passarem o período da pandemia do coronavírus. Em diversos Estados, grupos de vários segmentos da sociedade se unem para amenizar a fome ou auxiliar pessoas sem acesso à internet a fazerem o registro no Cadastro Único.

Em Goiânia, após a confirmação da progressão geométrica de casos de pessoas contaminadas pelo coronavírus, um grupo de amigos passou a se mobilizar pelas redes sociais para juntar alimentos e doá-los a quem necessita. Os beneficiados são, principalmente, pessoas consideradas invisíveis, de acordo com um dos organizadores.

“Muita gente não tem nada em casa nem perspectiva de quando vai receber algum dinheiro do governo. Já encontramos situação de trabalhadores do lixão que sequer tinham RG ou CPF. Parece inacreditável, mas é preciso visitar os lugares mais esquecidos para enxergar a realidade”, afirma o dentista Rogério Leal, voluntário do projeto. “Toda semana, entregamos cestas básicas a mais de 100 famílias desamparadas. Essa ajuda só é possível graças à sensibilidade de donos de supermercados”, diz ele.

Em Belo Horizonte, outro grupo tem-se reunido durante a semana, para ir até a casa de moradores da periferia e leva-los de carro até agências da Caixa Econômica Federal, para que consigam cadastrar a solicitação do auxílio emergencial. “Muita gente não tem pão para o café da manhã, muito menos vale-transporte para pegar ônibus e ir até uma agência”, afirma o advogado Lucas Mendonça, que se mobiliza com um grupo de evangélicos para auxiliar famílias carentes. “Nosso intuito é amparar da melhor forma possível. Se temos carro, usamos o veículo para ter função nas comunidades”, pondera.

No Rio de Janeiro, uma associação de camelôs cadastra e faz o acompanhamento do pedido do auxílio emergencial de 600 reais para colegas sem internet ou conta em banco. "Fazemos o pedido e monitoramos o andamento", conta a ativista Maria de Lourdes do Carmo. "Se a gente não se unir, todo mundo vai sofrer", acentua. Segundo ela, mais de 100 pedidos do benefício realizados por meio da associação já foram aprovados.

Além de grupos de amigos, a ajuda vem de Organizações Não-governamentais (ONGs) e associações que nunca tiveram a simpatia deste governo, na avaliação do diretor da FGV Social, o economista Marcelo Neri. "É preciso agir: a crise chegou após cinco anos de aumento da pobreza. No fim de 2019, a desigualdade de renda do trabalho, enfim, parou de subir, mas deve voltar a crescer”, alerta.


Número de auxílios liberados é três vezes maior que o projetado

O número total de auxílios emergenciais liberados a trabalhadores informais até a primeira quinzena deste mês já é o triplo do previsto pelo governo em março e deve aumentar ainda mais ao longo deste ano. A Caixa Econômica Federal informou que, até este mês, 58,7 milhões de trabalhadores informais tiveram o benefício autorizado.

A projeção inicial do Ministério da Economia era de que até 20 milhões de pessoas seriam beneficiadas pelo auxílio emergencial, o que, segundo o órgão, geraria custo de R$ 15 bilhões aos cofres públicos. Com o passar dos dias, as autoridades foram surpreendidas pelo crescente número de brasileiros que se enquadravam nos critérios do benefício.

Depois, o próprio governo teve de fazer novos cálculos e liberar novo crédito, que passou para próximo de R$ 124 bilhões. O prazo para os interessados se cadastrarem no programa vai até o mês de julho, o que ainda deixa o governo em alerta sobre possíveis aumento nos dados.

Diante do cenário de incerteza, a equipe econômica quer incluir no debate a possibilidade de revisão do que chama de gastos ineficientes. Os técnicos querem reavaliar gastos como abono salarial, seguro-defeso (pago a pescadores artesanais no período de reprodução dos peixes, quando a pesca é proibida) e farmácia popular.

Na avaliação da equipe econômica, a revisão nesses benefícios poderia abrir espaço no Orçamento para acomodar renda básica à população ou outra proposta de fortalecimento das políticas sociais no Brasil. No formato atual, o auxílio emergencial custa cerca de R$ 45 bilhões ao mês, uma despesa que, na avaliação dos técnicos, não cabe no Orçamento nem no teto de gastos, mecanismo que limita o avanço das despesas à inflação.

A manutenção do auxílio emergencial de R$ 600, além dos três meses definidos inicialmente pelo governo, já é defendida por parlamentares e entrou na conta das projeções de mercado para o resultado fiscal do Brasil em 2020. No entanto, economistas alertam para o risco de o país repetir os erros da crise de 2008, quando políticas temporárias para resgatar empresas e famílias se tornaram permanentes e contribuíram para o processo de deterioração das contas públicas.

No Congresso, o argumento de parlamentares é evitar que as famílias fiquem sem renda alguma em um momento em que a circulação do coronavírus no país ainda poderá inviabilizar a retomada plena das atividades e do emprego.


Míriam Leitão: O erro na Caixa

A Caixa foi o assunto numa reunião ontem em Brasília de todos os órgãos de controle: TCU, MPF, CGU, Banco Central e auditoria da CEF. Concordaram que não basta afastar quatro vice-presidentes, e que é preciso mudar radicalmente a forma de seleção de dirigentes. Vão dar um voto de confiança ao Conselho de Administração, que começa semana que vem a implantar a nova estrutura de governança.

O presidente Temer sabia que estava errando na Caixa. Tanto que estabeleceu outros critérios na direção da Petrobras e Eletrobras. Para as duas estatais de energia escolheu gestores sem ligação política e concedeu a eles liberdade de atuação. Entre as grandes estatais, a Caixa ficou como o enclave podre. Nas outras muitas estatais o padrão também é o fatiamento político.

A situação no banco começou a mudar esta semana. Após o MP pedir a substituição dos vice-presidentes, o Banco Central fez o mesmo. O Conselho de Administração, que é presidido pela secretária do Tesouro, Ana Paula Vescovi, havia contratado a auditoria do escritório Pinheiro Neto, depois que a Price aprovou com ressalvas o balanço de 2016. O que a auditoria descobriu confirmou tudo o que fora investigado em quatro operações do Ministério Público. O cerco começou a se fechar.

A Caixa tem sido vítima do uso político abusivo. A operação Sepsis exibiu como acontece. No dia primeiro de julho de 2016, quando Temer ainda era interino, a operação foi estourada. Lá se contava como acontecem as indicações para a Caixa. Lúcio Funaro, com uma folha corrida de crimes investigados em três operações — Banestado, Satiagraha, Mensalão —, foi a “autoridade” que decidiu quem seria o vice-presidente de Loterias e Fundos Públicos. Funaro indicou o nome de Fábio Cleto ao deputado Eduardo Cunha, no governo Dilma, em 2012. Foi explícito a Cleto sobre o fato de que ele tinha que fazer o que “nós quisermos". O “nós” era ele e Cunha. O ministro Guido Mantega chamou Cleto em seu gabinete e o nomeou.

Imaginemos, apenas por hipótese, que em meados de 2016 o presidente Temer não soubesse o risco das indicações políticas. Se tivesse lido o que ficou público pela Sepsis naquele primeiro de julho, saberia que a distorção é tal que um criminoso, réu confesso do mensalão, na prática havia indicado a pessoa responsável, entre outras coisas, pelo FGTS.

Na Eletrobras, Wilson Ferreira fez uma mudança na organização para cortar os excessivos cargos administrativos. A Caixa permaneceu tendo uma dúzia de vice-presidentes, abaixo deles os diretores e depois os superintendentes. Para que ter 12 vice-presidentes? Elementar. Para melhor dividir o bolo, ocupar a máquina, ordenhar o banco no qual está depositada a poupança de milhões de brasileiros.

Quando Pedro Parente foi convidado para a Petrobras ele recebeu a informação de Temer de que teria liberdade para nomear a diretoria. Na Caixa manteve-se a rotina de dividir o comando em sesmarias e entregálas aos capitães políticos para as práticas extrativas.

Quando Temer assumiu, as análises da situação das empresas indicavam que tanto a Petrobras quanto a Caixa precisavam ser capitalizadas. A Petrobras se ajustou sozinha, cortou custos, vendeu ativos, reduziu endividamento, aumentou a receita. A Caixa, desenquadrada nas normas bancárias internacionais, vem tentando se capitalizar com o dinheiro do FGTS.

O erro na Caixa foi a repetição do pecado original: usar as empresas estatais para o repasto político. Não basta tirar quatro vice-presidentes, ou mesmo todos. É preciso mudar a forma de recrutamento de gestores. Alguns dos atuais dirigentes da Caixa estão sendo investigados. “Não podemos dizer que eles são culpados, mas podemos garantir que o sistema que os levou é. O corrupto é apenas o fruto. Se a árvore não for extraída, o crime continuará", diz um integrante de órgão de controle.

Temer sabia o que aconteceria na Caixa ao reserva-la aos políticos. Quando o Ministério Público pediu a saída dos vice-presidentes, fingiu não ouvir. Foi preciso que o Banco Central usasse seu poder de fiscal do sistema financeiro para que quatro deles fossem afastados. Sanear a Caixa vai demorar anos. Mas esta semana pode ter sido um ponto de inflexão na longa história de abusos sofridos pelo banco público.

 


Míriam Leitão: Ações contraditórias

O ministro Marun disse que o governo condiciona a liberação de recursos da Caixa ao apoio dos governadores à reforma da Previdência. Segundo Marun, BB e BNDES também seguem “ações de governo”. Sem cerimônia, o novo articulador político do governo Carlos Marun admitiu que o governo manipula a liberação dos recursos de bancos públicos para tentar aprovar a reforma da Previdência. O uso de dinheiro dessas instituições tem que obedecer às exigências da boa administração fiscal. Esse governo só existe porque a ex-presidente Dilma caiu por usar os bancos públicos nas pedaladas.

Marun diz que usar os recursos de bancos estatais, como Caixa, Banco do Brasil e BNDES, para aprovar projetos, é “ação de governo”. Por duas vezes, as “ações de governo” foram executadas para livrar o presidente Michel Temer das denúncias da Procuradoria-Geral da República. Agora é para aprovar a reforma da Previdência. Não existe causa boa se for aprovada de uma forma tão distorcida. E isso por razões objetivas: uso político de bancos federais foi um dos motivos da situação fiscal lamentável em que o Brasil está. A Caixa Econômica Federal está hoje precisando de capitalização, tentando conseguir dinheiro emprestado junto ao FGTS, exatamente porque foi usada em “ações de governo” nas duas últimas administrações.

O país precisa da aprovação da reforma da Previdência porque ela será um passo decisivo para a organização das contas públicas. Não pode ser aprovada, contudo, no meio de liberação de recursos para a compra de bancadas, ampliação de gastos, anistia para devedores da Previdência e tudo o mais que tem sido feito. Essas ações estão desorganizando ainda mais as contas públicas, exatamente o oposto que a reforma busca.

Em entrevista publicada ontem no “Estado de S. Paulo”, a secretária do Tesouro, Ana Paula Vescovi, foi clara e direta. “Se deu para um grupo, vai faltar para o outro.” Explicava por que não se pode fazer concessões corporativas e fisiológicas. Para dar benefício com o dinheiro público para um setor, o dinheiro terá que sair de algum lugar, explicou a secretária. Se for para manter o aumento do funcionalismo, o governo terá que cortar em outra área. Essa é a natureza do dilema na atual crise fiscal. Simplesmente é preciso ser rigoroso e seletivo. A austeridade fiscal de um momento assim não combina com a compra de votos para a reforma da Previdência, usando bancos federais. Como também não combina com decisões que o governo está para consagrar ou negocia com os setores empresariais.

Até sexta-feira o governo vai sancionar a nova Lei do Repetro, a MP 795, que concede deduções tributárias para o setor petrolífero até 2040. Continua sendo negociado com o governo o novo programa de incentivos fiscais para o setor automobilístico, o Rota 2030. Como disse a secretária do Tesouro: “Isso tem que ficar claro: deu para um grupo vai faltar para o outro.” Essa regra de ouro serve tanto para os aumentos do funcionalismo, que se mantidos exigirão cortes de outros gastos, quanto para subsídios ao capital que vão fazer com que menos recursos cheguem aos cofres públicos. Se der para empresas de petróleo e de automóveis, vai faltar em outro lugar.

Se Marun passar a distribuir recursos públicos para os estados conforme o compromisso do governador de se envolver no esforço de aprovação da reforma da Previdência, ele pode até conseguir, eventualmente, aprovar a reforma, mas estará desorganizando os cofres públicos. E mantendo o método mais nocivo de construção das maiorias parlamentares. É natural que os estados e municípios peçam ajuda ao governo federal para a superação de crises. Mas as concessões têm que ocorrer dentro de critérios fiscais saudáveis e sustentáveis.

No mesmo dia em que Marun explicitou sua filosofia sobre a melhor maneira de fazer a articulação política, Vescovi deu nova entrevista falando em cortes de despesas não obrigatórias de R$ 26 bilhões para cumprir o Orçamento. Essa duplicidade do governo está cada vez mais estranha. Alguém deveria fazer uma articulação política para apresentar uma parte da administração Michel Temer à outra parte. O que a competente secretária do Tesouro fala faz todo o sentido, mas não guarda qualquer relação com o que Marun está falando e fazendo no ministério que acaba de ocupar.

 


Míriam Leitão: Desfazer o nó

O Tribunal de Contas da União é que definirá que tipo de solução o Banco Central pode aprovar em relação à Caixa Econômica (CEF). Ela precisa de capital para se enquadrar nas resoluções de Basileia. A direção executiva da CEF havia sugerido soluções que não agradaram ao BC e ao Tesouro. Agora se discute uma ideia que terá que ser aprovada pelo Conselho do FGTS, e, depois, pelo TCU.

A proposta é transformar R$ 10 bilhões da dívida do FGTS em capital, tornando o Fundo dono de uma parte do banco. Sendo capital, pode ser mais bem remunerado, mas ao mesmo tempo há mais riscos, afinal pode ter que absorver perdas inesperadas. Por isso terá que ser aprovado pelo credor, no caso o Conselho do FGTS, mas precisa ainda de que o TCU considere que a solução se enquadra nas regras existentes.

Essa consulta informal ao TCU tem se tornado rotina no governo, exatamente para evitar que se crie novos problemas como as pedaladas ou soluções criativas inventadas pelo governo passado e que até hoje estão tendo desdobramentos.

A Caixa já está fora de enquadramento de Basileia, que estabelece parâmetros para a solidez dos bancos, e agora terá ainda que devolver recursos que recebeu do Tesouro de forma pouco usual. Como explicou o “Valor” ontem, as transferências do Tesouro para outros bancos públicos, além do BNDES, no valor total de R$ 39 bilhões, podem ter que ser devolvidas. Não foram declaradas como capitalização, para não impactar as contas do Tesouro, e por isso as operações foram feitas através do que eles chamaram de instrumentos híbridos de capital e dívida. Segundo o jornal, o parecer técnico do TCU é pela devolução desse dinheiro, estabelecendo-se um prazo para haver um cronograma. Falta apenas a discussão em plenário.

A Caixa fica assim numa situação complexa. Tem necessidade de mais capital pelos desequilíbrios provocados pelos erros de gestões passadas. Foi nos governos Lula e Dilma que a Caixa comprou um banco quebrado, o Panamericano, teve que investir em projetos que não deram retorno, como a Sete Brasil, e financiar projetos de empresas hoje envolvidas em investigação de corrupção. Em alguns casos, emprestou com capital próprio, em outros, fez as operações com recursos do FI- FGTS. Acabou sendo so- corrida por recursos transferidos pelo Tesouro mas que não eram oficialmente capitalização. Agora ela tem dois problemas para resolver: cumprir os parâmetros internacionais de solidez bancária e devolver o que recebeu por estas vias criativas.

Pedalar foi fácil, mas tem sido difícil desfazer os nós deixados nas contas públicas. O governo passado criou no Ministério da Fazenda uma usina de criaturas contábeis. Algumas delas foram descobertas. Os empréstimos camuflados dos bancos públicos ao governo, através do pagamento de despesas orçamentárias, levaram ao impeachment da presidente Dilma. Outras operações têm sido desfeitas lentamente, como as transferências do Tesouro aos bancos públicos através desses “instrumentos híbridos de capital e dívida”. O BNDES está devolvendo os recursos. Se o TCU decidir pela devolução também, isso será mais um problema para os bancos, principalmente a Caixa.

A falta de liquidez da Caixa poderá atrasar a recuperação do mercado imobiliário porque o banco financia cerca de 70% das operações do setor no país. O limite para financiamento de imóveis usados foi reduzido para 50%, e dos imóveis novos, para 80% do total. Além disso, linhas mais baratas, como a pró-cotista FGTS, foram suspensas este ano. Até o financiamento do Minha Casa, Minha Vida, voltado para baixa renda, foi atingido.

De um lado, a não devolução dos recursos terá impacto sobre a dívida bruta, que saltou de 52% para 76% do PIB desde 2011. Mesmo com a queda da Selic, o déficit nominal do governo foi de 8,75% do PIB em 12 meses até setembro. Ou seja, se o Tesouro puder reduzir a sua dívida com a devolução dos recursos dos bancos públicos, o gasto com juros será menor. Mas, por outro lado, restringir o poder de financiamento da Caixa irá dificultar a retomada da construção civil, que é um dos setores que mais geram empregos na economia.

As pedaladas criaram dilemas que ainda não foram resolvidos.