Caetano Araujo
“O que virá depois?” é tema de webinar da Biblioteca Salomão Malina
Conversa online vai abordar mundo pós-pandemia do coronavírus e crise política no Brasil
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
A Biblioteca Salomão Malina realiza, nesta sexta-feira (15), a partir das 18h30, roda de conversa online (webinar) com o tema “O que virá depois?”, para discutir o pós-pandemia do coronavírus. A webconferência terá a participação do ex-governador do Distrito Federal Cristovam Buarque, do jornalista Luiz Carlos Azedo, do sociólogo Caetano Araújo e do historiador Victor Missiato. A transmissão será realizada pelo página da FAP (Fundação Astrojildo Pereira) no Facebook e pelo canal da entidade no Youtube.
Cristovam lamenta a crise sanitária global provocada pela pandemia, que já matou mais de 11 mil pessoas no Brasil e 284 mil no mundo até o início desta semana, mas reforça que a sociedade precisa se organizar e participar de debates virtuais no período de isolamento social. “Não podemos deixar que a epidemia nos confia e impeça o desenvolvimento de nossas ideias”, afirma. “Já que estamos confinados, é fundamental fazermos rodas de conversas pelos meios de comunicação a distância. Não podemos ser vencidos pela epidemia”, diz.
O sociólogo Caetano Araújo, que também é diretor executivo da FAP, ressalta a importância da webinar da Biblioteca Salomão Malina também em razão da crise política que atinge o Brasil. “Eventos como esse são particularmente importantes porque estamos enfrentando problemas complexos, agudos. De um lado, uma crise sanitária sem precedentes no país nos últimos 100 anos e, de outro lado, estamos enfrentando crise política que envolve escalada golpista de extrema direita”, assevera.
De acordo com Araújo, a sociedade deve debater política mesmo durante o isolamento social. “A pior coisa a se fazer é parar de discutir política. Como não podemos fazer reuniões presenciais e manifestações, o que temos de fazer é organizar discussões e debates sobre esses temas pela via do possível, que é a da internet”, pondera, para continuar: “Temos que persistir, conversar, trocar ideias, avançar na formulação de possíveis soluções, prospectar cenários futuros”.
Na avaliação de Missiato, doutor em história pela Unesp (Universidade Estadual Paulista), a webinar da biblioteca Salomão Malina é um exemplo de que a pandemia do coronavírus vem acelerando a tendência da “participação democrática dos cidadãos” no mundo digital. “Acaba sendo aceleração de uma tendência até por conta das dificuldades de as pessoas se reunirem em cidades com muito trânsito ou em eventos que tenham que demandar diferentes atores de vários lugares, por exemplo”, afirma.
Ele observa que a pandemia do coronavírus é a primeira grande pandemia globalizada no que diz respeito à informação, por meio da participação dos cidadãos nas redes sociais. “De certa forma, as redes sociais ampliaram, globalmente, o debate em torno desse assunto. Mesmo que muitas vezes de forma tumultuada, democratizaram muito o debate”, acentua.
Victor acentua que, apesar da grande participação popular nas discussões, o poder de decisão sobre os assuntos debatidos ainda é concentrado. “Todos os debates nas redes sociais trouxeram uma politização muito grande em relação à própria humanidade”, pontua. “A participação política do cidadão na era digital conferiu ao cidadão enorme participação. Não quer dizer que o ambiente esteja mais plural, mais respeitoso”, observa.
Comunismo e social-democracia têm ponto em comum? Veja Jornada da Cidadania
Curso de formação política, realizado pela FAP por meio de plataforma EAD, chega à metade de sua programação
Cleomar Almeida, assessor de comunicação e imprensa da FAP
Apesar de serem vistas como distintas, as correntes comunismo e social-democracia têm uma trajetória histórica em comum. A explicação está na sétima aula multimídia da Jornada da Cidadania, que marca a metade do primeiro módulo do curso de formação política realizado pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira) e oferecido à população por meio de uma plataforma de educação a distância totalmente online, interativa e com acesso gratuito.
O curso é coordenado pelo professor Marco Aurélio Marrafon e teve início no dia 12 de fevereiro, com novo pacote de aulas multimídia a cada semana. O acesso às aulas da Jornada da Cidadania é restrito a alunos matriculados, por meio de login e senha. A sétima videoaula do curso é do professor Caetano Araújo, doutor em sociologia e diretor executivo da FAP. Ele reforça que, embora hoje pareçam muito diferentes, comunismo e social-democracia têm uma trajetória histórica em comum.
“Ambas as correntes tentam dar uma boa resposta a duas questões que apareceram com o surgimento das sociedades capitalistas nos séculos XVIII e XIX. “Com essa grande mudança, houve o surgimento de um novo tipo de organização econômica e social e aconteceram várias coisas, como Revolução Industrial, urbanização em grande escala e outros problemas ao longo dos anos”, afirma. “O conjunto de novas questões levantou duas grandes demandas, uma por racionalidade e outra por justiça social”, assevera.
Na nova videoaula da Jornada da Cidadania, Araújo faz uma profunda análise, mesmo que de forma ágil, sobre os reflexos dessas questões no mundo de hoje, como manifestações que reivindicam justiça social. Hoje, são vistas por meio de panelaços ou twittaço, por exemplo. Além disso, o doutor em sociologia mostra a importância da democracia na sociedade atual.
Miniaulas da Jornada da Cidadania
O pacote de conteúdo da sétima aula também explica o que fazer para ter credibilidade na política. O Assunto é abordado pelo deputado federal Da Vitória (Cidadania-ES). Já o publicitário Moriael Paiva, especialista em marketing político e com mais de 20 anos de experiência em campanhas políticas, dá detalhes de como usar o whatsapp para potencializar as ações nesse meio. “Ninguém tem dúvida de que esta campanha vai acontecer mais no celular”, afirma ele, referindo-se à disputa eleitoral de 2020.
Ainda sobre eleições, o comunicólogo Sergio Denicoli, pós-doutor em comunicação pela Universidade do Minho (Portugal), explica a análise de sentimentos nas redes sociais. “Hoje a tecnologia permite que analisemos mais de 30 sentimentos expressados por internautas através dos textos que escrevem nas redes sociais”, ressalta, acrescentando que os resultados são usados em campanhas eleitorais.
O novo pacote de aula do curso Jornada da Cidadania também oferece aos alunos o filme Reds (1981), baseado na vida de John Reed, um jornalista e escritor norte-americano que retratou a Revolução Russa em seu livro “Dez Dias que Abalaram o Mundo”. Para seguir na aula, os alunos também terão de ouvir uma conversa do podcast Politiquês sobre a teoria marxista. O assunto é abordado por Celso Rocha de Barros, doutor em sociologia pela Universidade de Oxford, e Eduardo Wolf, doutor em filosofia pela USP (Universidade de São Paulo).
Os textos Socialismo, Democracia, Esquerda Democrática, cujo autor é Caetano Araújo, e Socialismo e depois, de Anthony Giddens, também estão disponíveis na plataforma EAD para leitura dos alunos. Em seguida, a aula deverá ser concluída com a avaliação e respostas à pesquisa de satisfação.
Didática do curso
No total, o curso tem 36 horas de duração, distribuídas ao longo de 14 semanas. De acordo com o coordenador, o objetivo é formar e capacitar cidadãos acerca de conteúdos relevantes à política, além de fornecer bases fundamentais para possíveis candidatos que pretendem disputar as eleições municipais deste ano.
O conteúdo programático da Jornada da Cidadania está dividido em cinco pilares: ética e integridade na ação política; comunicação eficaz; fundamentos de teoria política e democracia; comunicação eficaz e casos de sucesso. Sempre às quartas-feiras, a plataforma disponibiliza novo pacote de aula multimídia. Dessa forma, o aluno pode se organizar ao longo da semana para aproveitar todos os conteúdos de cada aula.
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Compre na Amazon: Livro As Esquerdas e a Democracia revela protagonismo para política nacional
Coletânea reúne textos de grandes nomes do cenário político brasileiro, como FHC e Cristovam Buarque
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
Episódios recentes do Brasil, muitos deles emplacados pelo governo do presidente Jair Bolsonaro, têm aumentado a crise de valores republicanos e democráticos no país. Em momentos de adversidades políticas, as forças da esquerda devem assumir o protagonismo necessário para a democracia com projetos reformistas e revigorados, sugere o livro As Esquerdas e a Democracia, organizado por José Antonio Segatto, Milton Lahuerta e Raimundo Santos. Editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira) e Verbena Editora, a obra é uma coletânea de artigos e está à venda no site da Amazon.
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O objetivo do livro As Esquerdas e a Democracia, que tem 1565 páginas e foi lançado em 2017, é analisar programas e convicções da esquerda, ou ao menos de parte dela, no Brasil e sua associação aos ideais e práticas democráticos. Apesar de reunir textos de intervenção de diversos autores, a obra tem uma concepção comum baseada na defesa dos ideais do Estado democrático de Direito, laico e republicano, como liberdade, igualdade, justiça e dignidade.
O futuro político dos partidos políticos da esquerda brasileira é outro tema central abordado na coletânea, conforme lembra o professor associado do Instituto de Política da UnB (Universidade de Brasília), Paulo César Nascimento, no prefácio da obra. “Os dois principais partidos que disputavam a hegemonia no campo da esquerda e da centro-esquerda brasileira, e que se revezaram no poder nas últimas duas décadas, mostram sinais de declínio político”, diz Nascimento.
“Temos que optar entre sair da crise com as mesmas estruturas, mantendo o grau de injustiça que tem nossa sociedade e esperar uma nova crise ou sair da crise com mudanças estruturais, iniciando a construção de uma nova sociedade”, escreve o presidente do Conselho Curador da FAP, o ex-senador Cristovam Buarque, em um dos 10 texto da coletânea.
Em outra análise, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirma, por sua vez, que o “‘basta da corrupção’ não é uma palavra de ordem ‘udenista’”. “É um requisito para uma sociedade melhor e mais decente”, escreve. “Em momentos de transição, a palavra conta: só ela junta fragmentos, até que as instituições e suas bases sociais se recomponham. É o que nos está faltando: a mensagem que aponte caminhos de esperança para passos à frente”, continua.
Em texto de sua autoria, o sociólogo Caetano Araújo, que é diretor da FAP e consultor político, afirma que uma estratégia de mudança que tem a democracia como premissa e a construção da equidade e da sustentabilidade como objetivos deve ser considerada a plataforma, em construção, de uma esquerda democrática. “Avançar nesse rumo implica, contudo, substituir a percepção de emancipação como simples retirada de empecilhos para a realização da liberdade por uma alternativa que enfatize o aspecto de construção, de processo, de aprendizado coletivo que o processo de mudança com essa finalidade carrega”, avalia.
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Caetano Araújo: Radicalidade e flexibilidade – reflexões a partir do texto do Marcos Nobre
Seguem algumas reflexões inspiradas no texto do Nobre e nos comentários do [Alberto] Aggio. Divido meus argumentos em três tópicos distintos: a questão central da agenda política, qual o espaço que lutamos por ocupar e que políticas de aliança devemos implementar.
1 – Qual a questão central da agenda política hoje no Brasil? A democracia ou a corrupção? Na minha opinião, e nisso concordo com Nobre, a questão democrática é a central. Em termos gerais, porque, sempre, sem democracia não há luta contra a corrupção. Em termos específicos porque a democracia está hoje sob ameaça nesse país, ameaça que parte do governo legitimamente eleito há um ano atrás. Claro que a corrupção mina a legitimidade das instituições e constitui, também, uma ameaça à democracia, no longo prazo. Para usar uma metáfora médica, a corrupção seria comparável à situação de anemia profunda e devemos combatê-la. Mas estamos também sob ameaça de um câncer, com possível metástase imediata. Devemos, portanto, ao mesmo tempo, defender a democracia e combater a corrupção e é possível que nossos aliados não sejam os mesmos nessas duas frentes de luta.
2 – Qual o campo político que queremos construir, nas ruas, nos legislativos, nas eleições? Tenho reservas com o uso da expressão centro, mesmo que qualificado como democrático, progressista, radical ou extremo. Penso que essa metáfora espacial era adequada no tempo em que a política estava dominada pelas oposições esquerda e direita e democracia e autoritarismo. Hoje, num mundo em que outras dimensões polarizam a política, como as questões da sustentabilidade e do cosmopolitismo, essa metáfora perde precisão. Tanto é assim que quando falamos em centro precisamos quase sempre especificar quem está dentro e quem está fora desse campo.
Prefiro, por isso, trabalhar com as várias dimensões da política que tem mostrado relevância prática no mundo: democracia, república, equidade, sustentabilidade, integração cosmopolita e responsabilidade econômica. Temos posição clara em cada uma dessas oposições. Somos a favor da democracia, das regras republicanas, da equidade como objeto da política, da sustentabilidade, de um mundo cada vez mais integrado e de políticas econômicas sustentáveis no tempo.
Essas definições tem a vantagem de explicitar os pontos de acordo e desacordo com os demais atores da política. À direita, equidade e sustentabilidade nos separam de partidos que ignoram ou subestimam essas questões, como o Novo e as diferentes caras do centrão. À esquerda, integração mundial e responsabilidade econômica nos separam do PT e de seus aliados. Além disso, a questão democrática nos separa dos governistas radicais. A rigor, no espectro político brasileiro, compartilhamos as seis definições fundamentais apenas com a Rede, o PV e os dissidentes do PDT e PSB.
Não faz sentido para mim, portanto, dizer que PT e PSOL estão a nossa esquerda. Menos sentido ainda faria afirmar que somos moderados, cercados de extremistas radicais. Nem o PT é radical, nem nós somos moderados. Pelo contrário, somos ou devemos ser radicais na defesa da democracia, da república, da equidade, da sustentabilidade, do cosmopolitismo e da responsabilidade econômica.
3 – Quais as políticas de aliança que devemos perseguir? Se o governo Bolsonaro fosse apenas um governo conservador, isento de ameaças à democracia, nossa política de alianças deveria desdobrar-se em duas etapas: de um lado, estreitar relações com os nossos semelhantes, ou seja, democratas que são ao mesmo tempo verdes, igualitários, cosmopolitas e responsáveis economicamente; de outro, ampliar a articulação política em duas direções diferentes, a promoção das reformas e a defesa dos direitos humanos e do meio ambiente. Nessa tarefa temos, a meu ver, demonstrado facilidade para negociar as reformas à direita e dificuldade em cooperar na pauta progressista com o restante da esquerda.
Ocorre que o governo Bolsonaro constitui também uma ameaça declarada à democracia, o que nos impõe um terceiro trabalho de frente: a frente ampla democrática, que reúna todos aqueles que defendem o estado democrático de direito, a autonomia dos poderes, os direitos e garantias fundamentais e o calendário eleitoral.
As circunstâncias exigem de nós, portanto, tarefas de articulação política e formação de alianças em quatro frentes simultâneas. Qual a mais urgente? Depende da circunstância, ou seja, não depende de nós. Quando as reformas estão em pauta, a prioridade deve ser essa. Quando o governo agride, por ação ou omissão os direitos humanos e o meio ambiente, a agenda progressista prepondera. Quando a democracia é atacada em declarações do Presidente e de seus auxiliares, a mais ampla frente democrática deve ser mobilizada. A ação conjunta com Rede, PV e dissidentes, por sua vez, deveria ser um trabalho permanente do partido, de modo a criar uma identidade política junto ao eleitor e pavimentar o caminho para uma atuação conjunta nas eleições de 2022.
Penso que as circunstâncias exigem de nós ao mesmo tempo radicalidade nas posições e flexibilidade nas alianças. A tarefa não é simples.
*Caetano Araújo é sociólogo e dirigente do Cidadania
Revista Política Democrática Online || Entrevista: “Apoiar a pesquisa e a inovação é fundamental para o país”, diz Carlos Henrique Brito Cruz
Para o físico e diretor científico da Fapesp, o país precisa mudar a forma como trata a pesquisa científica, acabando com um sistema distorcido de incentivos e recompensas que mata a inovação
Por Caetano Araujo e Aldo Pinheiro da Fonseca
O mundo inteiro, atualmente, se beneficia de ciência e tecnologia feitas em muitos lugares. O Brasil não foge a essa regra. "Somos um país praticamente autossuficiente em energia para o transporte, gasolina e etanol, porque investiu-se muito em ciência, tecnologia e engenharia para achar petróleo no alto-mar e criar um substituto para o petróleo, o etanol, que vai nos automóveis. Essa história do etanol é uma das maiores realizações que o Brasil logrou no campo da ciência, tecnologia e engenharia. E os brasileiros não valorizam isso", diz Carlos Henrique Brito Cruz, engenheiro eletrônico e físico, diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), entrevistado especial desta 11ª edição da Revista Política Democrática Online.
Ex-reitor da Unicamp, Carlos Henrique Brito Cruz está há 13 anos à frente da Diretoria Científica da Fapesp, instituição de fomento que, em geral, sofre menos com as intempéries de Brasília. Seu orçamento anual corresponde a 1% da receita tributária de São Paulo.
Brito Cruz destaca que, em todos os países onde se consegue criar desenvolvimento econômico e social usando ciência e tecnologia, há parte expressiva de recursos investidos na pesquisa, tanto pela universidade quanto por institutos de pesquisa governamentais e por empresas. "No Brasil, há quem ache que o único lugar onde tem pesquisa é nas universidades; nem é assim nem é para ser assim. Nos Estados Unidos, o laboratório de pesquisa da Google tem mais cientistas de computação do que qualquer departamento de universidade americana. O mesmo ocorre com o laboratório da Microsoft. Na Boeing, Airbus, Embraer, a quantidade de engenheiros é impressionante. É desse jeito que funciona. A empresa está conectada com um mercado e com as demandas do consumidor", diz.
Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista de Carlos Henrique Brito Cruz à Revista Política Democrática Online.
Revista Política Democrática Online (RPD): Por que a ciência, a tecnologia são fundamentais para o desenvolvimento de um país?
Carlos Henrique Brito Cruz (BC): Por um lado, porque um número enorme dos facilitadores da nossa vida atual é facilmente conectado com ciência e tecnologia criadas no passado. Telefone celular, vacina, automóvel, drogas e remédios, técnicas usadas nos hospitais, a própria ideia de agricultura eficiente, como se tem no Brasil, a preservação do meio ambiente... Inúmeros exemplos mostram como a ciência e a tecnologia têm ajudado a viver melhor. A gente se beneficia de ciência e tecnologia feitas em muitos lugares do mundo e, também, da ciência e tecnologia feita no Brasil. Por exemplo, hoje o Brasil é um país praticamente autossuficiente em energia para o transporte, gasolina e etanol, porque investiu muito em ciência, tecnologia e engenharia para achar petróleo no alto mar e criar um substituto para o petróleo, o etanol, que vai nos automóveis. Essa história do etanol é uma das maiores realizações que o Brasil logrou no campo da ciência, tecnologia e engenharia. E os brasileiros não valorizam isso.
Todos os países industrializados têm procurado maneiras de substituir a gasolina por algum combustível que produza menos emissão de gás carbônico. O único que conseguiu fazer isso, em escala nacional, grande, é o Brasil, com o programa do álcool. Este é um exemplo de como a ciência e a tecnologia, desenvolvidas pela universidade, pela empresa, pela usina de etanol, pelo agricultor, possibilitaram nossa conquista.
As várias vacinas que são usadas no Brasil: o Butantã e a Fiocruz são entidades que investem pesado em atividade de pesquisa. O Butantã agora vai produzir 90 milhões de doses de vacina contra gripe. Não existe no mundo quem produza 90 milhões de doses de vacina contra gripe, levando-se ainda em conta que, dada a variação constante do vírus da gripe, a pesquisa não pode ser interrompida: uma vacina é boa para um tipo de vírus; se mudar, tem-se de descobrir outra vacina.
A eficiência e a produtividade da agricultura no Brasil também são resultado de ciência e tecnologia, tanto quanto a organização de sistema de saúde, o SUS. Numerosos pesquisadores, liderados pelo saudoso Sergio Arouca, montaram essa ideia: “olha, vamos fazer no Brasil um sistema único de saúde que vai atender a todos os brasileiros”. Os americanos até hoje não conseguem ter um sistema de saúde pública nacional.
Quer dizer, ciência e tecnologia têm sido superimportantes para o Brasil. Não consigo explicar por que certas pessoas no Brasil não entendem isso.
RPD: Há interação entre o setor privado e o governo para se incentivar a pesquisa nos setores de ciência e tecnologia?
BC: Em todos os países onde se consegue criar desenvolvimento econômico e social usando ciência e tecnologia, há parte expressiva de recursos investidos na pesquisa, tanto pela universidade quanto por institutos de pesquisa governamentais e por empresas. No Brasil, há quem ache que o único lugar onde tem pesquisa é nas universidades; nem é assim nem é para ser assim. Nos Estados Unidos, o laboratório de pesquisa da Google tem mais cientistas de computação do que qualquer departamento de universidade americana. O mesmo ocorre com o laboratório da Microsoft. Na Boeing, Airbus, Embraer, a quantidade de engenheiros é impressionante. É desse jeito que funciona. A empresa está conectada com um mercado e com as demandas do consumidor. Sabe, portanto, identificar problemas que precisa resolver para fazer sua economia funcionar melhor, coisa que uma universidade provavelmente não saberia.
A pesquisa na universidade também é importante, fundamental. Primeiro, para manter uma base de conhecimento suficientemente ampla, conseguir tratar dos problemas novos que vão aparecer e que a gente ainda não sabe que vão aparecer. Por exemplo, há 15 anos, as pessoas não sabiam aqui no Brasil que haveria uma epidemia de Zika. Onde estava o estoque de pessoas capazes de tratar disso? Nas universidades. Quando houve a epidemia, existia gente capaz de orientar as ações e contribuir para minorar o problema.
A universidade precisa também treinar as novas gerações de pesquisadores que vão trabalhar na empresa, no governo, na própria universidade e em institutos de pesquisa orientados a problemas ou temas específicos. Estes últimos, no Brasil, seriam os casos da Embrapa, para elevar os índices de produtividade da agricultura; do Instituto Butantã, para melhorar a saúde dos brasileiros, ou do INPE, de observação da terra, da floresta, das atividades espaciais.
Quem financia essas atividades? Empresas, governos e universidades. Em geral, no mundo desenvolvido, o maior financiador são as empresas. Mas elas investem quase tudo em pesquisa delas mesmas. Pouco vai para financiar a pesquisa em universidades ou institutos. Nos Estados Unidos, por ano, as empresas gastam US$ 370 bilhões em pesquisa. Desse total, menos de 1% destina-se a contratar pesquisa em universidades. Olhando de dentro da universidade, esse repasse nunca superou 7% do custo da pesquisa acadêmica. Então, quem financia a pesquisa nas universidades americanas? É o governo federal, o governo estadual e a própria universidade. Não conheço exemplo em lugar nenhum do mundo em que o dinheiro privado financie a totalidade ou a maior parte da pesquisa na universidade. Há dinheiro privado que financia a pesquisa, é bom que haja, só que esse dinheiro sempre é a menor parte do financiamento.
RPD: O que aconteceu com os fundos setoriais concebidos para financiar pesquisas?
BC: Tiveram papel relevante, em termos de volume de dinheiro, mas perderam recursos demais em contingenciamentos. A eficiência do dinheiro federal aplicado em pesquisa acaba sendo diminuída. De um lado, a instabilidade; de outro lado, a falta de autonomia das agências e universidades. Muitas oportunidades, mesmo com quantidades menores de recursos, mas usadas de maneira eficiente, acabam inviabilizadas por causa da maneira como funciona o sistema. Em dezembro aparece dinheiro, e a instrução é: “gastem até o dia 12 ou vão perder tudo”. Aí é uma festa de contratar. Dali a uns meses volta o desespero de como financiar o programa de trabalho.
É o que está acontecendo com as universidades federais, agora, em função do teto de gastos. Se uma universidade federal consegue captar dinheiro de uma empresa, para financiar um pedaço da pesquisa, o Governo Federal tira do orçamento dela a quantidade equivalente do dinheiro extra recebido. É inexplicável e punitivo.
Outra deficiência do sistema de financiamento e definir, de antemão, no orçamento, quanto se poderá gastar com bolsa, fomento, compra de equipamento etc. Se chegar em abril e precisar mudar isso é uma mega complicação para o CNPQ e para a CAPES. Por que não dar autonomia a essas agências? Elas saberão usar os recursos do melhor jeito para fazer o desenvolvimento da ciência e da tecnologia no Brasil.
RPD: Qual é sua avaliação do governo Bolsonaro na área de ciência e tecnologia?
BC: O que se ouve de altos dirigentes, em geral, é horrível. Mesmo que haja um ou outro que fale uma coisa certa – o ministro da Ciência fala que a Terra é esférica. Foi positivo, porque até isso já se punha em dúvida no Brasil. Mas a mensagem geral que passam é que não gostam de educação, ciência e tecnologia. Os atos parecem reforçar essa ideia. Os cortes que anunciaram no orçamento do ano que vem são terríveis. Podem argumentar que o Brasil está falido. Pode ser. Se as coisas que eles dizem fossem mais positivas, se poderia, talvez, ser levado a acreditar que estão tentando fazer o melhor em uma situação difícil. Mas quando se soma o que falam e o que fazem, o quadro é desanimador. Exceções têm sido os presidentes da CAPES e do CNPq, que têm sido prudentes e demonstrado empenho em funcionar de forma republicana.
RPD: O governo deveria ser mais proativo no setor?
BC: O governo tem um papel fundamental. Seja subsidiando P&D em empresas, seja apoiando a pesquisa básica em universidades. Em geral, cabe ao governo investir em pesquisas relevantes e que não serão financiadas pelo setor privado. Projetos de interesse da sociedade, como uma inter-relação entre reforma tributária e desigualdade. É importante, por exemplo, para os brasileiros, entenderem se a reforma do sistema fiscal terá repercussão positiva no combate à desigualdade no país. Tem de haver um equilíbrio no financiamento de pesquisas pelo governo entre aquelas que ajudam a empresa e aquelas que contribuirão para uma sociedade melhor. As duas coisas são importantes.
RPD: Por que a história de êxito da FAPESP não se repete em outros Estados?
BC: O governo paulista segue a Constituição estadual. Disposições semelhantes existem em outras constituições estaduais, mas não se cumprem. No Ceará, o governo local fez um plano de dez anos, para chegar a 100% de cumprimento da Constituição. Resultado: a FUNCAP, a fundação de amparo à pesquisa de lá, está operando favoravelmente e com ideias imaginativas, como a do cientista-chefe nos órgãos do governo. Em Minas Gerais e Rio de Janeiro, as fundações chegaram a operar bem, até que os estados quebraram. A essência do problema é não haver um grau de convicção de que esse recurso é importante para o desenvolvimento. Em São Paulo, de alguma forma, isso se estabeleceu quando o governador Carvalho Pinto criou a FAPESP, em 1962. De resultados em resultados, os paulistas foram entendendo que valia a pena. Tanto que, em 1989, dobraram o percentual.
RPD: Que recomendações o sr. faria para melhorar o gerenciamento do setor de C&T&I?
BC: Em primeiro lugar, cabe reconhecer que o governo atual enfrenta situação econômica extremamente difícil. A economia brasileira está paralisada e o governo enfrenta limites muito claros na capacidade de gasto público. Inclusive por terem gastado ineficientemente em ciência e tecnologia. Para minorar os efeitos da crise econômica, impõe-se uma ação complementar com os estados, buscando-se maneiras de interagir e colaborar, no entendimento de que o sistema de ciência e tecnologia é um sistema nacional, mais do que federal.
Segundo, facilitar a obtenção de financiamento do setor privado, evitando, por exemplo, que o dinheiro repassado pelas empresas implique em corte no orçamento da universidade ou instituto.
Em terceiro lugar, definir e respeitar os recursos de organizações como a CAPES e CNPQ. Isso não significa desconhecer os limites reais, mas garantir que o aprovado em janeiro não se reduza à metade em março.
E quarto, o mais importante: o Governo Federal precisa se dedicar a fazer a economia brasileira voltar a funcionar. Não adianta ficar apenas cortando a despesa – é fundamental aumentar a receita. É preciso reiterar ao mundo que o Brasil é um lugar que pode funcionar, que tem gente bem-educada, para fazer o país progredir. Este seria um caminho para a recuperação econômica, em um prazo médio, tanto quanto do respeito da comunidade internacional. Mas requer que as lideranças do Brasil queiram nos levar a fazer parte do concerto internacional.
Enfim, sejamos otimistas. “Não há mal que dure para sempre”. A conjuntura econômica é difícil, terrível mesmo e não faz sentido estancar as doações ao Fundo da Amazônia que tantas pesquisas poderia financiar sobre a mudança climática global, sobre a Amazônia, buscar formas racionais e efetivas de se evitar desmatamento...
O Brasil abriga uma comunidade científica muito bem qualificada, bem treinada e respeitada mundialmente. Essa comunidade, mesmo nas atuais circunstâncias, consegue extrair e obter resultado das pedras. É desse jeito que a ciência está funcionando no Brasil, mas temo que não consiga funcionar assim por muito tempo.
Caetano Araújo avalia perspectivas do Cidadania na sociedade
Análise de sociólogo foi publicada na oitava edição da revista Política Democrática online
Há um novo partido na política brasileira, segundo o sociólogo e consultor legislativo do Senado Caetano Araújo, em artigo publicado na oitava edição da revista Política Democrática online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira). “Nos últimos meses, o Partido Popular Socialista deu a largada no rumo de sua própria transformação, num processo que pretende, ao mesmo tempo, maior pluralidade interna e maior convergência política”.
» Acesse aqui a oitava edição da revista Política Democrática online
De acordo com o autor, de um lado, há o propósito de abrir-se para os novos movimentos da sociedade, de caminhar na direção de uma maior diversidade política dos seus filiados. “Ao mesmo tempo, também está manifesta a intenção da convergência política, o propósito de definir os pontos centrais de uma agenda transformadora, com capacidade de congregar a todos”, avalia.
Araúo diz que, hoje, dois congressos depois do início do processo, a composição do partido continua a se ampliar, o nome já é outro, Cidadania, e está prevista, até o final de 2019, a definição dos pontos fundamentais do programa e do estatuto da nova sigla. “Esse será o debate fundamental. Há espaço na sociedade brasileira para um partido com o histórico, o projeto e os objetivos do Cidadania? Qual é esse espaço? Se esse espaço existe, o que fazer para ocupá-lo?”, questiona o consultor legislativo do Senado.
A resposta a essas e outras perguntas, segundo ele, fará a diferença entre mais uma sigla no quadro partidário e um partido de peso, representante de uma corrente de opinião importante no país. “A questão da integração na nova ordem mundial, que separa integracionistas ou cosmopolitas de isolacionistas, mostra-se fundamental em cada enfrentamento político ou eleitoral, principalmente na Europa e nos Estados Unidos, afirma, em outro trecho.
Estão em jogo, conforme avalia o sociólogo, o alcance dos organismos de regulação internacional e a participação neles; os processos de integração regional; e a política adequada face aos fenômenos da migração e dos refugiados. “Por diversos caminhos, dos quais o mais premente é a mudança climática, corremos o risco permanente de uma catástrofe ambiental e o enfrentamento político dessa questão divide, no mundo inteiro, sustentabilistas e negacionistas. A questão central aqui é a mudança da economia mundial, na direção de fontes de energia renováveis, em substituição ao petróleo e o carvão”.
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FAP Entrevista: Caetano Araújo
Nos últimos anos faltaram aos outros partidos da esquerda brasileira propostas claras e convincentes de poder que pudessem se sobrepor ao PT, avalia Caetano Araújo
Por Germano Martiniano
A entrevista desta semana da série FAP Entrevista é com o sociólogo Caetano Ernesto Pereira de Araújo. Com graduação, mestrado e doutorado em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB), ele também é consultor legislativo do Senado Federal. Tem experiência na área de Sociologia, com ênfase em Teoria Sociológica e Sociologia Política, atuando principalmente em temas como eleições, rural, parlamento, esquerda, democracia, socialismo e tecnologia. Esta entrevista integra uma série que a FAP está publicando, aos domingos, com intelectuais e personalidades políticas de todo o Brasil, com o objetivo de ampliar o debate em torno do principal tema deste ano: as eleições.
Neste ano em que se celebra 200 anos do nascimento de Karl Marx, Caetano Araújo trouxe a FAP uma reflexão necessária sobre o pensamento marxista: “Como ocorre com todo grande autor, a obra de Marx inspira leituras novas em cada novo momento da história. Certamente alguns aspectos, tidos anteriormente como fundamentais, tenderão a perder espaço para outros menos percebidos até agora”, acredita.
Na entrevista, o sociólogo também comentou o por quê de grande parte da população brasileira restringir o pensamento de esquerda ao PT. Para Araújo, o Partido dos Trabalhadores conseguiu, nas últimas décadas, ser a principal força eleitoral da esquerda. “As potenciais alternativas não conseguiram, até o momento, formular um projeto claro e convincente para os eleitores”, avalia.
Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:
FAP Entrevista - Fernando Gabeira, em recente artigo, escreveu que o PT, PSDB e PMDB, que são detentores da maior parte do financiamento eleitoral, também seguem em queda por conta da Operação Lava-Jato. Como o senhor analisa este paradoxo frente às eleições 2018?
Caetano Araújo - Gabeira tem razão. Desde a redemocratização há uma desconfiança acentuada dos eleitores face aos políticos, aos partidos e, especialmente, aos legislativos. Essa desconfiança aprofundou-se a cada novo escândalo revelado, até que, nas manifestações de 2013 atingiu um novo patamar: a rejeição difusa ao sistema como um todo e, penso, principalmente às regras de seleção dos mandatários, ou seja, às regras eleitorais. Desde então a Lava-Jato só fez aumentar a rejeição dos eleitores em relação aos eleitos. Num movimento de defesa, os maiores partidos acordaram recentemente novas regras para a disputa eleitoral. Regras que concentram os principais recursos de campanha, tempo de televisão e dinheiro, nas mãos das direções das direções partidárias. Daí o paradoxo aparente: os maiores partidos, que sofrem o maior desgaste junto a opinião pública, apostam no quase monopólio da exposição na mídia e nos recursos financeiros para reverter esse desgaste, tudo isso numa campanha que será de curta duração.
As pesquisas para presidente apontam Bolsonaro na liderança, no caso de Lula não concorrer. Lula, mesmo preso, lidera em todos os cenários. Ou seja, a crença por mudanças ainda está nos extremos. Por que o centro ainda não conseguiu emplacar nenhum nome?
Tenho restrições ao emprego do conceito de centro político. Me parece que esse termo fazia pleno sentido na maior parte do século XX, quando o campo da política era dominado por apenas uma oposição fundamental entre esquerda e direita. Num espaço como esse havia um centro moderado, em antagonismo permanente com a extrema esquerda e a extrema direita extremadas, ambas sempre prontas para sacrificar a ordem democrática a seus objetivos políticos. Hoje, todas as evidências apontam para a relevância de uma segunda oposição que convive com a primeira, aquela entre nacionalismo e cosmopolitismo. Essa segunda oposição está redefinindo os sistemas partidários dos países democráticos e, por vezes, sobrepõe-se à oposição tradicional entre esquerda e direita. A respeito da vantagem de Lula e Bolsonaro nas pesquisas, penso que ambos vocalizam as duas maiores demandas do eleitorado, que hoje são, a meu ver, equidade e segurança, respectivamente. No imaginário popular, Lula permanece, até por falta de concorrentes, como o campeão das políticas de equidade, enquanto o discurso de Bolsonaro sinaliza a disposição de investir tudo, mesmo que com o sacrifício dos procedimentos democráticos, na segurança do cidadão, ou seja, na ordem. Enquanto outros candidatos permanecerem focados na política econômica e não ingressarem nesses temas de maneira articulada e crível, creio que Lula e Bolsonaro continuarão a liderar as pesquisas.
Quando a propaganda eleitoral começar, nos quais os grandes partidos têm mais tempo de televisão, o senhor acredita que este quadro de polarização entre Lula e Bolsonaro se modificará?
Reverter o desgaste político com televisão e dinheiro é a aposta dos grandes partidos. Penso, no entanto, que mais importante do que a concentração dos meios de campanha nas mãos dos maiores partidos será o posicionamento concreto em torno da agenda dos eleitores. Minha hipótese é que, nessa agenda, equidade e segurança ocupam a posição central. Se a estabilidade econômica estivesse nessa posição, a popularidade do Presidente Temer estaria em patamar diferente.
As “fake News” são um outro problema referente às eleições 2018. O senhor enxerga alguma solução a curto prazo?
As fake news já foram um problema grave em 2014 e tudo indica que este ano o problema será mais grave ainda. Vejo dois caminhos para minimizar seu impacto. Primeiro, o aprimoramento da regra de modo a facilitar a responsabilização dos geradores e replicadores, inclusive as empresas responsáveis pelas redes, de notícias deliberadamente falsas. O segundo caminho possível seria a construção de um grande pacto interpartidário contra a violência e a mentira nas eleições. Esse caminho exigiria, no entanto, reverter a tendência à polarização e à radicalização que tem sido dominante na política nacional nos anos recentes.
O sociólogo Zander Navarro, em artigo publicado na semana passada em O Estado de S. Paulo, escreveu que “Marx e o marxismo são encantadores como um movimento de ideias, mas deixaram de ser a arquitetura possível de uma nova sociedade.” O senhor concorda com esse argumento?
Como ocorre com todo grande autor, a obra de Marx inspira leituras novas em cada novo momento da história. Certamente alguns aspectos tidos anteriormente como fundamentais tenderão a perder espaço para outros menos percebidos até agora. Sobre a arquitetura do caminho para uma nova sociedade, creio que a experiência mais relevante do século XX foi a revolução de 1917, intimamente ligada à leitura leninista da obra de Marx. Para falar apenas no plano da adequação entre fins e meios, penso que a história demonstrou de forma cabal a inadequação de um modelo que prescinde da democracia e de qualquer mecanismo de mercado para alcançar os objetivos postos pelo movimento socialista nos séculos XIX e XX.
Por que no Brasil ainda predomina a noção de que a esquerda se resume ao Partido dos Trabalhadores?
Porque, por diversas razões, nas últimas décadas o PT conseguiu constituir-se na força eleitoralmente mais importante da esquerda brasileira. As potenciais alternativas não conseguiram, até o momento, formular um projeto claro e convincente para os eleitores.
O senhor acredita que o governo Michel Temer deixará algum legado?
O principal legado do governo Temer é a manutenção do calendário eleitoral. É claro que a reversão do quadro econômico é relevante, mas as limitações da recuperação que vivemos ficam cada vez mais evidentes. Nesse aspecto, o governo tinha uma agenda de reformas que só conseguiu executar de forma parcial, uma vez que superava em muito sua capacidade de realização. O governo se mostrou vulnerável no que se refere às acusações de corrupção e teve que se submeter ao veto de boa parte de sua base de apoio no Congresso Nacional em diversas votações importantes para sua agenda. Mesmo assim, numa conjuntura em que a questão central fosse a consolidação da estabilidade econômica, seu desempenho em termos de popularidade e de expectativas eleitorais poderia ter sido diferente.
Quais serão os maiores desafios para o próximo presidente do Brasil?
O novo presidente terá tarefas árduas pela frente. Terá que dar resposta às demandas dos eleitores por equidade e segurança, sem descuidar da recuperação econômica, pré-condição necessária para essas respostas. Para tanto, precisará empenhar-se numa agenda de profundas reformas do estado, a começar pela reforma da Previdência. Todas as questões são complexas e da eleição deve resultar um Congresso Nacional ainda mais fragmentado que o atual. Ou seja, o problema é grande e só poderá ser enfrentado por meio da construção de acordos amplos entre os diversos partidos.
* Excepcionalmente a entrevista está sendo publicada nesta segunda-feira (21/05/2018)
Debate FAP/Livraria Cultura: 'É necessário superar o totalitarismo da esquerda', diz Ruy Fausto
Para o filósofo Ruy Fausto, autor da obra "Caminhos da Esquerda – Elementos para reconstrução", é preciso que se revise e supere certos fundamentos da esquerda
Germano Martiniano
O totalitarismo sectário da esquerda deve ser suplantado pela democracia. O tema foi um dos principais discutidos durante o debate sobre o livro "Caminhos da Esquerda – Elementos para reconstrução", organizada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP) em parceria com a Livraria Cultura, nesta terça-feira (19), em Brasília. O evento contou com a presença do senador Cristovam Buarque (PPS-DF), do sociólogo Caetano Araújo e do autor da obra, o filósofo Ruy Fausto.
De acordo com Ruy Fausto, o livro se insere no contexto de crise da esquerda e na “grande” ofensiva do capitalismo no Brasil e no mundo e, portanto, é necessária uma revisão e superação de certos fundamentos da esquerda. Para tal análise o autor se vale do que ele denomina de patologias da esquerda. “O maior responsável pela crise da esquerda ainda é o totalitarismo, que levou a milhares de mortos, e que ainda é possível se ver em governos como de Maduro na Venezuela”, avalia Fausto.
O autor também considerou, como outras patologias, o populismo de esquerda, caracterizado pelo patrimonialismo; alianças de classes, autoritarismo e carisma, entre outros. Por fim, o adesismo - uma alusão ao reformismo, que é um termo ultrapassado, na visão do autor - é a terceira patologia da esquerda. Segundo Fausto, governos como de FHC, por exemplo, que faziam parte da esquerda, acabaram por aderir à medidas capitalistas em detrimento de conceitos básicos da esquerda. “Não se trata de um purismo ideológico, mas todas politicas de direita na história também afirmavam que iria haver melhoria das condições de vida dos cidadãos”, completou o filósofo.
Caetano Araújo divergiu de Ruy Fausto quanto às questões patológicas do populismo e adesismo. Para o sociólogo, no mundo globalizado com todas as mudanças que ocorreram pós segunda guerra, tornou-se difícil não pensar em um estado que fosse reformista. “Algumas reformas, ditas liberais, são necessárias mediante o novo mundo”, disse. Com relação ao totalitarismo, citado por Ruy Fausto, Caetano convergiu que é uma “impossibilidade lógica” na esquerda que precisa ser superada através da democracia, mesmo com todos os defeitos que esta possui.
Ao encerrar o evento, Cristovam Buarque chamou a atenção para o fato de que, em sua avaliação, o que falta hoje na política brasileira são bons filósofos. “Muitas pessoas pensam que carecemos de bons políticos, mas na verdade necessitamos de bons filósofos. Temos de trazer a filosofia para dentro da política”, acredita. O senador, que afirmou que vivemos em um “terremoto social”, convergiu com Caetano quanto a dificuldade de se negar certas medidas reformistas adotadas por vários governos pelo mundo. “A economia atual deve ser eficiente, com regulações e a justiça social se faz com o excedente da desta economia”, finalizou Buarque.
Política Democrática #48: Razões da crise, por Caetano Araújo
A crise ocupa, há tempo, o centro do debate no país. Em poucos anos, rachaduras na fachada ética da política e alertas na economia transformaram-se numa situação de extrema instabilidade, que ameaça tragar boa parte do sistema partidário. Discute-se hoje, principalmente, os lances mais recentes do processo, seus impactos já verificados e, principalmente, num quadro de grande incerteza, diferentes prognósticos alternativos sobre o futuro imediato, geralmente na perspectiva de suas consequências políticas e eleitorais.
Menos atenção tem recebido, no entanto, a questão, crucial, da gênese da crise. Em outras palavras, como chegamos ao ponto em que estamos hoje? Procuro desenvolver aqui uma resposta tentativa, o embrião de uma hipótese a ser trabalhada. No meu argumento, a origem da crise deve ser buscada em duas dimensões diferentes: o sistema de regras que regula as eleições e as decisões estratégicas dos principais atores políticos do país, nos últimos anos. Falo, nesse caso, dos maiores partidos brasileiros, com o evidente protagonismo do Partido dos Trabalhadores, vencedor das últimas quatro eleições para Presidência da República.
Vamos à regra. Praticamos no Brasil, nas eleições para deputados (federais, estaduais e distritais) e vereadores, o sistema de voto proporcional com listas abertas. Nele, os eleitores podem votar em legendas ou em candidatos das listas apresentadas pelos partidos políticos. As listas não são pré-ordenadas, de modo que o total de votos de cada partido (soma dos votos da legenda e de todos os nomes) determina o número de cadeiras que cada um obteve, enquanto a entrada dos candidatos é defnida pela ordem decrescente dos votos obtidos.
Importa lembrar que este sistema é uma invenção genuinamente nacional. Foi formulado por Assis Brasil, na década de 1930, com o objetivo de conciliar o voto em partidos, característico para ele de democracias modernas, com o voto em pessoas, que vigorou durante o Império e a República Velha. É usado entre nós desde 1945, de modo que muito provavelmente não há eleitores brasileiros vivos que tenham conhecido outro sistema.
Na comparação internacional, o sistema não teve tanto sucesso. Apenas a Polônia e a Finlândia nos acompanham hoje. A grande maioria dos países democráticos escolheu entre três outras alternativas: votar em pessoas, adotando o voto distrital; votar em partidos, com o voto proporcional em listas fechadas ou flexíveis; ou votar em pessoas para uma parte das cadeiras e em partidos para a outra parte, nos sistemas chamados mistos.
São conhecidas as críticas ao nosso sistema: personalização das campanhas, com as contrapartidas inevitáveis de sua despartidarização e despolitização; campanhas caras; influência do poder econômico; défcit de legitimidade junto aos eleitores. Como sabemos, tudo isso é verdade. Aqui candidatos arrecadam e gastam recursos de forma autônoma e concorrem todos contra todos, principalmente contra seus companheiros de legenda.
O foco de suas campanhas não é apresentar uma plataforma partidária comum, mas os pontos de singularidade política que os diferenciam dos demais candidatos de seus partidos. Os poucos dados disponíveis mostram que as campanhas eleitorais no Brasil são as mais caras do mundo e seu custo foi crescente, pelo menos até a recente exclusão das empresas do universo de doadores de recursos. Não são de surpreender, portanto, as evidências do uso crescente de recursos não declarados, portanto ilegais.
Os legislativos que saem dessa peneira são dispersos, fato que acumula difculdades para presidentes, governadores e prefeitos construírem suas bases de apoio. Não por acaso, todos os presidentes eleitos depois de 1988 foram favoráveis à reforma política.
Eleitores
Para os eleitores, o resultado da dispersão signifca perda em termos de fscalização e controle sobre os parlamentares. No sistema de voto distrital, essa fscalização é exercida diretamente porque os eleitores sabem exatamente quem é o deputado que os representa. No sistema de voto proporcional com listas fechadas ou flexíveis, a fscalização é feita por intermédio dos partidos, que são eleitos a partir de uma plataforma e zelam pelo cumprimento do pacto eleitoral por parte dos deputados.
No nosso sistema de voto proporcional com listas abertas, a fscalização direta dos eleitores é difícil, porque o eleitor não pode determinar quem é o seu representante e a fscalização partidária impossível, por não haver os partidos fortes de que necessitaria.
Em compensação, a fscalização por parte dos fnanciadores das campanhas é permanente, uma vez que as duas partes se conhecem, sabem quanto foi aportado e a sua importância para trazer o deputado à cadeira que ocupa. Portanto, tampouco é por acaso que legislativos, parlamentares e partidos são campeões na desconfança dos eleitores, segundo as pesquisas disponíveis.
Tais problemas foram camuflados no passado, em situações em que o número de eleitores era menor, como no período 1945/1964, e as restrições à liberdade de imprensa maiores, como na ditadura militar posterior a 1964. A Constituição de 1988, contudo, consagrou uma série de avanços democráticos que se revelaram incompatíveis com a continuidade da nossa regra eleitoral: sufrágio universal, liberdade de imprensa e autonomia do Ministério Público.
A contradição entre a regra eleitoral e os avanços da Constituição é demonstrada pela sequência de escândalos ligados ao fnanciamento da política no país a partir da década de 1990. Para fcar só nos principais, tivemos sucessivamente o impedimento de Collor, os anões do orçamento, as operações Satiagraha e Castelo de Areia, o Mensalão e, agora, a Lava-Jato, ainda em curso.
Em síntese, nossa regra eleitoral gera um ambiente de competição na qual partidos e candidatos que recusam qualquer recurso de campanha de origem não legal têm difculdade crescente de concorrer com aqueles que se integram a esses canais de fnanciamento. Quando isso ocorre, a corrupção política deixa de ser residual, ou seja, algo que pode ou não ocorrer em determinado pleito, e passa a ser estrutural.
Resta indagar as razões da persistência dessa regra por quase três décadas. Penso que a resposta deve ser procurada nas estratégias de alianças desenvolvidas pelos maiores partidos brasileiros, em especial o PT.
Tendência
Hoje a situação parece improvável, mas no período entre a posse e a queda de Collor ganhou corpo uma tendência à aliança entre PT e PSDB para as eleições presidenciais seguintes. Essa tendência começou a perder força com a opção do PT de não participar do governo Itamar e, principalmente, com o lançamento do Plano Real, duramente criticado pelo partido. Nos dois mandatos de Fernando Henrique, o PT fez oposição sistemática a toda a agenda modernizante do governo e à possibilidade de aliança fcou mais distante.
No início do governo Lula, a situação havia mudado. Depois de uma pauta de campanha que aceitou o processo de estabilização da economia, com todas as suas implicações; de uma transição de governo bem-sucedida; da defesa, ainda que tímida, de uma agenda reformista que contou com o apoio do PSDB, na oposição, e do PPS, então no governo, uma janela de oportunidades para uma nova política de alianças do PT parecia aberta. Contra essa nova política, pesavam dois fatores importantes: a forte resistência das bases do PT, educadas num discurso político salvacionista, e a oferta permanente de apoio, mais fácil e imediato, de uma grande massa de deputados situados politicamente entre o fsiologismo e o conservadorismo.
O momento decisivo para a defnição ocorreu no início de 2003, quando a proposta de reforma política apoiada por PT, PSDB, PFL, PDT, PSB e PPS, de listas fechadas com fnanciamento público de campanha, estava a ponto de ser votada em plenário. Por pressão dos demais partidos, o PT retirou seu apoio ao projeto, enterrou a reforma política e demarcou seu campo de alianças, tendo como principal referência aliada a centro-direita conservadora.
Vale lembrar que esse movimento do PT não apenas assegurou mais 15 anos de vigência à regra eleitoral, mas, como a aliança replicou-se nos estados, deu sustentação política a velhas elites regionais e, consequentemente, a suas bancadas parlamentares, concentradas nos partidos contrários à reforma.
O PT teve uma segunda oportunidade de redirecionar sua política de alianças. Em 2013, na onda das manifestações populares, que tinham na mudança da política um dos pontos centrais de reivindicação, a presidente Dilma poderia ter encabeçado uma ampla concertação parlamentar pela reforma política. Ao invés de fazê-lo, optou por insuflar propostas diversionistas que em nada resultaram, como plebiscito ou Constituinte exclusiva.
Parece evidente hoje que essa política redundou num fracasso completo. Poderia ser avaliada como um sucesso parcial se os objetivos do governo fossem manter inalterado o status quo econômico, social e político do país. No entanto, à luz dos objetivos declarados nas campanhas do PT, ou seja fazer avançar a democracia e recuar a pobreza e a desigualdade, essa política de alianças deve ser reprovada em toda linha.
Além disso, nas duas variantes que se sucederam, a aliança com o chamado “centrão” aumentou a vulnerabilidade do partido. A tentativa, no primeiro governo Lula, de governar com o apoio do PMDB, mas sem a sua participação proporcional, resultou no Mensalão. A incorporação do PMDB no governo, por sua vez, alimentou a Lava-Jato.
Se essa política deve ser vista com as informações de que dispomos hoje, como um erro colossal, como compreender sua adoção e manutenção por anos a fo? É claro que alguns sucessos do governo Fernando Henrique e do primeiro período de Lula alimentaram a visão da política brasileira como o palco no qual dois partidos programáticos gerenciavam o apoio do fsiologismo. Essa imagem de Werneck Vianna, muito citada por Fernando Henrique, descrevia bem a situação do momento. Nada dizia, contudo, sobre a sustentabilidade desse arranjo no médio prazo.
Podemos especular sobre as motivações pragmáticas do PT para se diferenciar do seu concorrente direto nas disputas presidenciais. Podemos ainda discutir uma tendência possível de interpretar o conjunto da política nacional através do prisma da conjuntura paulista. Penso ser mais produtivo analisar as premissas que podem ser usadas para justifcar essa opção. Na minha opinião, são três essas premissas, todas devidamente desmentidas pelos fatos.
Estado
Em primeiro lugar, a preponderância do Estado sobre a sociedade, tributária da ideia antiga que faz depender todo movimento de mudança à condução esclarecida de uma vanguarda, capaz de recolher as demandas populares e processá-las na forma de decisões políticas racionais. Nesse aspecto, as jornadas de 2013 mostraram que alguma coisa não funcionava como previsto.
Em segundo lugar, a preponderância do Executivo sobre o Legislativo. Outra ideia antiga que afrma a capacidade de o Executivo impor sua vontade aos legisladores como uma constante da política. O processo de impeachment desmentiu essa premissa, ao menos na sua versão absoluta.
Em terceiro lugar, a neutralidade política do fsiologismo, do atraso, do centrão, qualquer que seja o nome dado ao grupo de parlamentares que se posiciona na política mais do lado da oferta, menos no da demanda, de apoio parlamentar. Menos expostos às cobranças partidárias, esses deputados tendem a ser, no entanto, mais sensíveis às demandas dos grupos empresariais que fnanciam suas campanhas, como fcou demonstrado em diversas votações em que os interesses do governo foram contrariados nos últimos anos.
* Caetano Araújo é sociólogo, professor da Universidade de Brasília e consultor legislativo do Senado Federal
** Artigo publicado originalmente na Revista Política Democrática #48