Cadeia

O Brasil tem a terceira maior população carcerária do planeta | Foto: Jefferson Botega/Agência RBS

Revista online | Eleições atrás das grades

João Marcos Buch*,especial para a revista Política Democrática online (47ª edição: setembro de 2022)

– Sim, se vocês votassem, provavelmente a condição degradante da prisão chamaria mais a atenção das autoridades!

Eu estava em inspeção na unidade prisional e, ao passar por uma galeria com presos sem acesso a trabalho e estudo, alguns me questionaram sobre reformas legislativas e políticas governamentais para o encarceramento. Respondi que, infelizmente, não havia política consistente na atualidade, já que a ótica é apenas a do encarceramento. Acrescentei, porém, que uma eleição se avizinhava e era importante saber o que os candidatos propunham. Um deles lembrou que os condenados não podem votar e que os presos provisórios até podem, mas não conseguem.

De fato, o artigo 15, inciso III, da Constituição Federal, estabelece que a perda ou suspensão dos direitos políticos se dá no caso de condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos.

Daí se retiram duas situações: (1ª) os condenados, com sentença transitada em julgado, têm seus direitos políticos suspensos – lembre-se de que há condenados por determinados crimes, como os de improbidade, que têm os direitos políticos suspensos por tempo maior, para além do cumprimento da pena –; e (2ª) os presos em caráter provisório, inclusive aqueles que recorreram das condenações, mas que já iniciaram o cumprimento provisório da pena, mantêm os direitos políticos, ou seja, o direito de votar.

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Quanto à primeira situação, do condenado em definitivo, o que se deve ter em conta é que a norma constitucional não pode ser interpretada de maneira literal. Em uma hermenêutica constitucional consistente, respeitados entendimentos contrários, o certo é que a suspensão dos direitos políticos não pode ser automática e genérica. Por isso, precisa seguir o princípio da culpabilidade, da individualização da pena. A questão não é nova, e até mesmo o Tribunal Europeu de Direitos Humanos, no caso Hirst c. Reino Unido, de 2005, entendeu que viola a Convenção Europeia de Direitos Humanos a restrição automática e genérica ao direito ao voto enquanto presentes os efeitos da condenação penal.  

Entretanto, como a matéria está longe de ser pacificada, passa-se à segunda situação. Esta, sim, sem conflito interpretativo. Efetivamente, o preso provisório tem direito de votar. Acontece que essa realidade ainda está distante. 

Tomem-se os dados do pleito de 2018, por exemplo. Naquele ano, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou que os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) disponibilizassem seções eleitorais nos estabelecimentos penais, a fim de que os presos pudessem exercer sua cidadania por meio do voto (Resolução TSE n.23.554/2018). Neste ano de 2022, a Resolução TSE n.23.669/2021, art.27, regulamenta a matéria. Entretanto, na época, pouquíssimos foram os presos que efetivamente conseguiram votar.

Não existem dados qualificados, mas, pelo que se extrai de indicativos do TSE, das mais de 1.400 unidades prisionais do país, pouco mais de 200 instalaram seções eleitorais, e, nestas, um percentual muito pequeno de presos votou.

Como dito alhures, os dados sobre a população prisional brasileira não são qualificados. Os números não equivalem. Enquanto os dados extraídos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apontam para mais de 900.000 presos no país, os do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) indicam menos de 700.000. E, na separação entre condenados em definitivo e provisórios, os percentuais ficam ainda mais inconclusivos. Acredita-se que do total da população prisional, cerca de 1/3 é de presos provisórios.

Confira, abaixo, galeria de imagens:

Diálogo entre João Buch e presos | Foto: divulgação/acervo pessoal
Detentos enfileirados | Foto: Reprodução/Jornal da USP
João Buch conversa com detenta em sua cela | Foto: divulgação/acervo pessoal
Juiz João Marcos Buch durante visita a presídio | Foto: divulgação/acervo pessoal
Penitenciária masculina | Foto: Reprodução/Agência Brasil
Juiz João Marcos Buch fazendo inspeção em presídio | Foto: divulgação/acervo pessoal
Superlotação em presídios | Foto: Wilson Dias/Agência Brasil
Juiz Marcos Buch e colaboradores em presídio | Foto: divulgação/acervo pessoal
Diálogo entre João Buch e presos | Foto: divulgação/acervo pessoal
Detentos enfileirados | Foto: Reprodução/Jornal da USP
João Buch conversa com detenta em sua cela | Foto: divulgação/acervo pessoal
Juiz João Marcos Buch durante visita a presídio | Foto: divulgação/acervo pessoal
Penitenciária masculina | Foto: Reprodução/Agência Brasil
Juiz João Marcos Buch fazendo inspeção em presídio | Foto: divulgação/acervo pessoal
Superlotação em presídios | Foto: Wilson Dias/Agência Brasil
Juiz Marcos Buch e colaboradores em presídio | Foto: divulgação/acervo pessoal
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Diálogo entre João Buch e presos | Foto: divulgação/acervo pessoal
Detentos enfileirados | Foto: Reprodução/Jornal da USP
João Buch conversa com detenta em sua cela | Foto: divulgação/acervo pessoal
Juiz João Marcos Buch durante visita a presídio | Foto: divulgação/acervo pessoal
Penitenciária masculina | Foto: Reprodução/Agência Brasil
Juiz João Marcos Buch fazendo inspeção em presídio | Foto: divulgação/acervo pessoal
Superlotação em presídios | Foto: Wilson Dias/Agência Brasil
Juiz Marcos Buch e colaboradores em presídio | Foto: divulgação/acervo pessoal
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Desta forma, descobrir o montante de presos aptos a votar e o número que efetivamente votará é algo muito difícil.

Para se ter uma ideia, o Presídio Regional de Joinville (SC) possui cerca de 1.200 presos. Destes, aproximadamente 500 ainda não foram julgados, e, talvez, cerca de 200 estão cumprindo provisoriamente suas penas, com recursos pendentes. Pois bem, apenas 70 presos foram considerados aptos a votar no pleito deste ano. 70 presos de 700: 10% do total.

Esse percentual, quer parecer, repete-se em todo o Brasil, e o motivo, em uma análise empírica, pode ser encontrado na precariedade das unidades prisionais. As prisões desta nação estão superlotadas, com pessoas amontoando-se em cubículos, sem acesso a direitos mínimos, que garantam alguma dignidade. Há locais até mesmo com falta de água corrente e energia elétrica, sem fornecimento de alimentação suficiente, sem acesso à saúde e a um colchão para dormir. As violações aos direitos humanos são tantas que não se torna leviano comparar as prisões com "navios negreiros".

Já quanto aos recursos humanos, estes são parcos, diminutos. Encontram-se unidades com mais de 1.000 mil encarcerados sendo cuidadas por cinco ou dez policiais penais.
Some-se a tudo isso a miserabilidade dos presos, selecionados que são para o encarceramento, a partir da necropolítica e necrojurisdição reinante neste país e que, portanto, já não gozavam de plena cidadania quando livres.

Então, falar em voto do preso, com regularização de seus documentos e estrutura para alocação de urna eletrônica – que, diga-se de passagem, é símbolo do avanço democrático, exemplo para o mundo, sendo de inquestionável segurança e fiscalização e à prova de fraudes, em uma nação impregnada de preconceitos e insuflada por discursos de ódio – soa irreal. Mas não deveria.

É plenamente factível garantir ao preso o direito ao voto. Basta, para isso, estabelecerem-se acordos de cooperação técnica entre os diversos protagonistas do estado e da sociedade civil organizada, começando por órgãos como Conselho Nacional de Justiça, Tribunal Superior Eleitoral, Tribunais Regionais Eleitorais, Ministério Público, Defensoria Pública, Ordem dos Advogados do Brasil, Conselhos da Comunidades, Ministério da Justiça, Departamento Penitenciário Nacional e Secretarias Estaduais de Administração Prisional.

 Se houver vontade política, os encarcerados regularizarão seus documentos, urnas eletrônicas serão colocadas em todas as unidades prisionais, e o preso votará. Quem sabe, assim, com o voto atrás das grades, a cidadania chegue junto com tudo que historicamente ela significa.

Ao menos foi isso que eu tentei transmitir aos presos, ao menos foi isso que os presos pediram para mim.

*João Marcos Buch é juiz de Direito da Vara de Execuções Penais da Comarca de Joinville (SC) e membro da Associação Juízes para a Democracia (AJD).

** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de maio de 2022 (47ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.

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Helena Chagas: A agenda oculta de Michel

A agenda pública de Michel Temer hoje é aprovar reformas no Congresso que ajudem a alimentar o clima de recuperação da economia e passar à história como um presidente reformista.

A agenda não declarada, mas prioritária, é uma só: não ir parar na cadeia a partir de 1 de janeiro de 2019, quando passa a presidência ao sucessor e, teoricamente, perde a proteção constitucional e a prerrogativa de foro inerentes ao cargo.

É real a possibilidade de Michel e seus auxiliares mais próximos no Planalto, como Eliseu Padilha e Moreira Franco, irem parar nas mãos de juízes como Sérgio Moro, Marcelo Bretas ou Vallisney Oliveira, dependendo do caso, para serem investigados e processados. Só para lembrar: o presidente já foi alvo de duas denúncias, temporariamente arquivadas, por corrupção, obstrução de Justiça e organização criminosa, e é investigado no inquérito que apura irregularidades no Porto de Santos.

A fogueira ganhou mais lenha com a decisão desta quarta do ministro do STF Edson Fachin de enviar a Moro as acusações por organização criminosa contra os demais personagens citados na segunda denúncia de Rodrigo Janot: Eduardo Cunha, Geddel Vieira Lima, Henrique Eduardo Alves e Rodrigo Rocha Loures. A leitura nos meios políticos e jurídicos é de que se trata de um aviso aos navegantes, e o ministro usa a palavra "suspensas" ao se referir às denúncias contra Temer, Padilha e Moreira, rejeitadas pelo plenário da Câmara.

Aliás, o argumento de que estavam apenas "suspendendo" o andamento do processo contra o presidente, a fim de preservar a economia do país, foi amplamente utilizado pelos deputados que votaram com o Planalto. Nos microfones, os que tiveram coragem de falar algo a mais do que a palavra "sim", explicavam que, encerrado o mandato, Temer será investigado.

Tudo indica que para valer, e pelo pessoal das prisões preventivas, das buscas e apreensões, das delações premiadas e dos julgamentos rigorosos da primeira instância.

É uma perspectiva suficiente para assombrar os 405 dias de governo que restam a Michel. Uma preocupação que já deflagrou, entre os mais íntimos, uma articulação para tentar resolver o assunto antes do fim do mandato. Como?

Só há dois jeitos de Michel manter o foro privilegiado do STF quando deixar a presidência - o que não lhe garante absolvição nem clemência, mas provavelmente o resguardaria de medidas extremas como a prisão preventiva e outras humilhações:

1) Sair candidato à reeleição ou a outro cargo eleitoral em 2018. Com popularidade de 3%, a reeleição não chega a ser uma hipótese. A candidatura poderia até ser um recurso para o presidente não virar o saco de pancadas de todos os candidatos presidenciais - ou, ao menos, ter espaço na campanha para se defender. Mas, como não seria reeleito, continuaria com o mesmo problema de perda do foro privilegiado - que, por outro lado, poderia ser mantido caso o Michel se elegesse para outro cargo, como deputado ou senador. Nesse caso, a eleição seria possível, tendo por trás a caneta e a máquina do PMDB. Mas há um sério problema: para concorrer em qualquer eleição que não seja para o mesmo cargo, ele teria que se desincompatibilizar, ou seja, deixar a Presidência da República, em abril do próximo ano. Quase impraticável.

2) Mudar a Constituição. Nada fácil para quem vê sua base minguar. Mas a ideia é incluir um rabicho no texto da PEC aprovada pelo Senado e em tramitação na Câmara limitando o foro privilegiado, que não valeria mais para crimes comuns de parlamentares e autoridades, com exceção dos presidentes da República, da Câmara, do Senado e do STF. A intenção seria incluir, entre vírgulas, os ex-presidentes da República na lista dos que vão manter a prerrogativa.

De quebra, beneficiaria todos os demais ex-presidentes da República, notadamente o ex-presidente Lula, o que poderia assegurar os votos do PT e de seus aliados a favor da mudança na PEC. Se aprovada, Lula sairia das mãos de Moro para as dos onze ministros do STF, alguns deles nomeados pelos governos do PT. Não é garantia alguma, mas pode fazer uma grande diferença - por exemplo, aquela que lhe daria a condição de ser candidato.

A discussão está restrita a poucos interlocutores, mas é nesse rumo que as coisas caminham. Michel pode ter virado pato manco, mas ainda tem alguma tinta na caneta e uma baita estrutura partidária. É incapaz de eleger o sucessor, mas pode influir e atrapalhar a vida de muita gente, sobretudo dentro da base aliada. É bom prestar atenção, porque todos os seus movimentos a partir de agora serão impulsionados pelas necessidades prementes dessa agenda oculta.

* Helena Chagas é jornalista desde 1983. Exerceu funções de repórter, colunista e direção em O Globo, Estado de S.Paulo, SBT e TV Brasil. Foi ministra chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência (2011-2014). Hoje é consultora de comunicação