Bruno Boghossian
Bruno Boghossian: Formação de frente contra Bolsonaro surge como experiência em Fortaleza
Associação de candidato com presidente empurrou líderes de PT, PSDB, DEM e PSOL para campanha
A dez dias do primeiro turno, Jair Bolsonaro abriu espaço em sua transmissão nas redes e pediu votos em Capitão Wagner (Pros) para a Prefeitura de Fortaleza. “Parece que é minha segunda cidade do Brasil”, disse o presidente. O candidato chegou ao segundo turno, mas agora enfrenta um consórcio político interessado em derrotar essa aliança.
A disputa na capital cearense exibe os traços de uma experiência para a formação de uma frente antibolsonarista. A associação entre Wagner e o presidente empurrou líderes de siglas como PT, PSDB, DEM e PSOL para a campanha de José Sarto (PDT), candidato de Ciro Gomes.
O deputado Marcelo Freixo (PSOL) deu o tom dessa coalizão ao declarar apoio a Sarto, na semana passada. “É muito importante derrotar o candidato do ódio, o candidato da mentira, o candidato do medo, o candidato do Bolsonaro”, afirmou o parlamentar, em vídeo que foi divulgado numa página de Ciro.
Na segunda-feira (23), o pedetista levou ao ar em seu programa de TV, manifestações de petistas e de Rodrigo Maia (DEM). “Ninguém governa sozinho”, disse o presidente da Câmara para justificar a participação da sigla na chapa do candidato.
Sarto também exibiu uma declaração do senador cearense Tasso Jereissati (PSDB), que já foi chamado por Ciro de “picareta-mor”. Depois de um longo afastamento, os dois ensaiaram uma reaproximação.
A formação desse tabuleiro carrega as marcas do cenário nacional. Líder de um motim da PM, Wagner rejeita o selo de afilhado de Bolsonaro, mas é um nome identificado com suas bandeiras. O alinhamento parece um mau negócio: 47% dos eleitores de Fortaleza consideram o presidente ruim ou péssimo; 26% dizem que seu governo é ótimo ou bom.
Alianças locais seguem as circunstâncias políticas de cada município, mas a disputa na capital cearense sugere que alguns personagens podem esquecer divergências políticas quando têm objetivos comuns –algo que o próprio Ciro se recusou a fazer no segundo turno de 2018.
Bruno Boghossian: Ministros já consideram 'inevitável' tentativa de Bolsonaro de contestar eleição se perder em 2022
Autoridades trabalham para desmontar teorias e veem orquestração para desacreditar processo de votação
Autoridades responsáveis pelo planejamento das próximas eleições já consideram inevitável uma investida do grupo político de Jair Bolsonaro contra o processo de votação em 2022. Ministros de tribunais superiores começaram a trabalhar para conter a tentativa crescente de desacreditar esse sistema.
A contestação sem provas da estrutura de votação no primeiro turno das eleições municipais foi o sinal de que a orquestração começou. Ainda no domingo (15), informações falsas sobre a segurança das urnas nasceram no submundo das redes e foram abraçadas por políticos da base radical do presidente.
A semana terminou com um dos ataques mais intensos e infundados do próprio Bolsonaro contra as eleições. "Fui roubado demais", disse o presidente a apoiadores, na sexta (20), sobre a disputa que ele mesmo venceu em 2018. "Ninguém acredita nesse voto eletrônico", declarou.
Bolsonaro trabalha numa enganação preventiva. Sem nenhum elemento além de textos conspiratórios e imagens falsas, os aliados do presidente preparam terreno para contestar uma eventual derrota em sua corrida pela reeleição.
O roteiro ficou claro para os ministros que vão organizar a disputa de 2022. Não é coincidência que o presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, tenha citado a participação de "milícias digitais" com "motivação política" nos ataques feitos ao tribunal na semana passada.
A ação desse ano abriu uma brecha para a busca de um antídoto contra potenciais tentativas de subverter o resultado da próxima eleição. Investigadores vão buscar vínculos entre personagens da órbita de Bolsonaro e a construção de um mecanismo para difundir o discurso falso de fraude eleitoral.
Ministros acreditam que essa é a única maneira de travar o processo artificial de erosão da confiança na votação. Sem isso, eles dizem que os ataques sem provas vão continuar. Se Bolsonaro for derrotado, a ação de radicais bolsonaristas pode terminar nos tribunais.
Bruno Boghossian: Bolsonaro completa um ano sem partido e coleciona incertezas
Convites para filiação refletem fragilidades, desconfiança e projeto personalista
Um feirão partidário se abriu para Jair Bolsonaro depois de seu papelão no primeiro turno das eleições municipais. Líderes de siglas do centrão enxergaram um presidente enfraquecido pela falta de estrutura política e fizeram convites de filiação ao chefe do Planalto.
Até agora, os acenos partiram de legendas que passaram a compor o núcleo da nova base de Bolsonaro no Congresso: o PP do senador Ciro Nogueira, o PL do ex-deputado Valdemar Costa Neto e o Republicanos, que atualmente hospeda dois dos três filhos políticos do presidente.
O caminho escolhido por Bolsonaro deve fazer pouca diferença por enquanto, assim como não foi determinante sua passagem pelo partido de aluguel que serviu de veículo para a candidatura de 2018. Ainda que seja alvo de assédio de algumas siglas, seu projeto de poder é individual.
O presidente vive num vazio partidário há um ano, quando perdeu uma disputa pelo controle do PSL e decidiu deixar a sigla. Usou o peso de sua popularidade e agitou militantes fiéis, mas fracassou na missão de coletar assinaturas para criar a própria legenda —num país em que até burocratas inexpressivos chegam lá.
Bolsonaro precisará de uma legenda para tentar a reeleição em 2022. As siglas de seus amigos do centrão parecem sedutoras porque contam com uma máquina consolidada e uma fatia razoável do fundo de financiamento de campanhas. A decisão seria óbvia, mas a relação de desconfiança entre os dois lados pode inviabilizar um acordo.
Aliados aconselham o presidente a repetir a busca por um partido pequeno. A justificativa é a dificuldade que Bolsonaro (já driblado pela cúpula do ex-nanico PSL) teria em quedas de braço com caciques experimentados das siglas maiores.
As incertezas sobre o destino do presidente reforçam algumas de suas características mais marcantes: a inabilidade política, a inconsistência ideológica e o personalismo. Mesmo que encontre uma casa nova para os próximos anos, suas alianças permanecerão instáveis.
Bruno Boghossian: Ciclo eleitoral não foi um bom negócio para os planos políticos de Doria
Tucano foi escondido, teve alta da reprovação em São Paulo e viu partido encolher
Assim que a apuração mostrou o fiasco dos candidatos do Planalto nas eleições municipais, João Doria espezinhou o rival: “Vitória da democracia. Derrota de Bolsonaro”. O tucano pode ter ficado satisfeito com o tombo do desafeto, mas o ciclo de 2020 não foi exatamente um bom negócio para seus planos.
O resultado na capital paulista e os números das disputas no interior do estado só contam uma parte da história. Bruno Covas (PSDB) foi ao segundo turno depois de esconder o antecessor durante quase toda a campanha. Em vez de ser explorado para turbinar a candidatura, o apoio do governador surgia muitas vezes como um constrangimento.
A disputa também aprofundou arranhões em sua imagem. Dois anos depois que Doria deixou a Prefeitura sob desaprovação de muitos paulistanos, sua avaliação negativa disparou. Ao longo da campanha, o índice de eleitores que consideram o governo ruim ou péssimo subiu de 39% para 52% –percentual semelhante à rejeição a Bolsonaro na capital.
Após assumir o controle da burocracia do PSDB para pavimentar sua candidatura ao Planalto em 2022, Doria viu o partido perder mais de um terço de suas prefeituras no primeiro turno: de 804 para 519. Embora tenha preservado espaço em São Paulo, a legenda derreteu em estados como Minas Gerais (segundo colégio eleitoral do país), Goiás e Paraná.
Enquanto o PSDB sai enfraquecido, partidos que eram vistos como satélites de uma candidatura presidencial de Doria avançam. Aos poucos, DEM e PSD ganham poder de barganha para uma eventual aliança com os tucanos na próxima eleição. Alguns caciques que defendiam seu nome para o Planalto já acreditam que a história pode ser diferente.
Com uma estrutura partidária menos robusta e problemas de popularidade na maior cidade do país, Doria tem um caminho mais acidentado pela frente. O futuro de seu projeto presidencial dependerá cada vez mais da eficácia de suas jogadas no plano nacional: a corrida da vacina e os embates viscerais com Bolsonaro.
Bruno Boghossian: O carimbo da negligência
Presidente fala grosso com compradores estrangeiros, mas facilita vida de desmatadores
Jair Bolsonaro quase fingiu interesse na preservação ambiental. Durante a cúpula dos Brics, o presidente prometeu divulgar "nos próximos dias" uma lista de países que recebem madeira extraída ilegalmente no Brasil. O objetivo do discurso era alimentar uma picuinha internacional, mas a ameaça expôs ainda mais a negligência do governo no combate ao desmatamento.
Seria uma boa notícia se as autoridades brasileiras fechassem o cerco ao mercado milionário de extração ilegal na Amazônia. Bolsonaro, no entanto, só parece interessado numa das pontas dessa cadeia. O presidente quer falar grosso com os compradores estrangeiros, enquanto facilita o trabalho dos vendedores.
Desde o início do mandato, o governo sabotou operações contra o desmatamento. Bolsonaro trabalhou para impedir a destruição de máquinas usadas em atividades criminosas. No ano passado, ele ouviu uma queixa de madeireiros e gravou um vídeo em que prometia dificultar o cumprimento dessa norma.
Há poucos meses, o governo ainda reduziu a exigência de documentação sobre o material que sai do país. Em março, segundo o jornal O Estado de S. Paulo, o presidente do Ibama liberou exportações sem a necessidade de uma autorização específica. Os madeireiros do Pará enviaram uma nota de agradecimento.
Na bravata direcionada aos desafetos estrangeiros, o governo ignorou o fato de que boa parte da madeira extraída ilegalmente no Brasil fica no mercado nacional. O presidente tentou intimidar os países de destino dessas exportações, e o assessor especial Filipe Martins completou que eles "poderão ser julgados pelo que efetivamente fazem e não apenas pelo que dizem".
O rancor de Bolsonaro contra seus adversários globais poderia forçá-lo a abandonar a displicência na questão ambiental. O presidente, porém, já deixou claro que seu desejo é apenas neutralizar as pressões internacionais sobre o governo. A incompetência e a falta de vontade de agir continuam evidentes.
Bruno Boghossian: Tropeço eleitoral deve desvalorizar passe de Bolsonaro no mundo político
Fracasso de apadrinhados e vitórias do centrão podem mostrar que presidente não é ator decisivo
Nas últimas eleições, alguns políticos chegaram a passar vergonha quando buscavam o apoio de Jair Bolsonaro. Um candidato a governador pegou um avião até o Rio só para tentar aparecer ao lado do favorito na corrida presidencial. O sujeito tomou um bolo do capitão, mas continuou usando sua imagem na campanha mesmo assim.
Bolsonaro puxou muita gente na onda conservadora de 2018. As eleições municipais deste domingo sugerem que o cenário mudou. Enquanto candidatos associados ao presidente lutam com dificuldade por vagas no segundo turno, fica cada vez mais claro que ele não aparece mais como um cabo eleitoral decisivo.
Depois de prometer que não se envolveria nas disputas deste ano, Bolsonaro mudou de ideia e tratou seu apoio como um item disponível para um público seleto, escolhendo a dedo as corridas de que participaria. O fracasso de alguns de seus apadrinhados ameaça desvalorizar o passe do presidente no mundo político.
Os bolsonaristas podem se tornar uma nota de rodapé dessas eleições. Em Belo Horizonte, Bruno Engler (PRTB) abusou da imagem do presidente, mas não conseguiu passar dos 4% das intenções de voto. No Recife, Delegada Patrícia (Podemos) descolou um apoio na reta final da campanha. Ela ficou estagnada nas pesquisas, e sua rejeição disparou.
Nas duas maiores cidades do país, Bolsonaro não conseguiu produzir nem mesmo uma marola até aqui. Celso Russomanno (Republicanos) despencou, e Marcelo Crivella (Republicanos) passou a ser ameaçado por duas adversárias. Os dois candidatos ainda podem chegar ao segundo turno, mas será difícil vender a ideia de que o presidente os ajudou.
Além do risco de fiasco, Bolsonaro também precisa ficar atento ao desempenho de candidatos de sua base aliada que ficaram sem apoio oficial. Uma vitória em massa desses nomes mostraria ao centrão que a máquina do governo e o auxílio emergencial podem render frutos, mas também aumentaria as dúvidas sobre o peso político do presidente.
Bruno Boghossian: Política de contenção de danos não é suficiente para frear Bolsonaro
Ninguém teve coragem de usar a ferramenta mais eficaz: o impeachment de um presidente irresponsável
Na terceira semana de trabalho sob o governo Jair Bolsonaro, em fevereiro de 2019, a Câmara impôs ao presidente uma derrota vergonhosa. Mais de 350 deputados atropelaram o Palácio do Planalto e aprovaram a derrubada de um decreto criado para limitar a transparência de documentos públicos.
Bolsonaro recuou e revogou a norma dias depois, para fugir de um novo revés na votação do Senado. A decisão foi celebrada como um sinal de que os Poderes se levantariam contra os abusos do novo governo. Num canto qualquer de Brasília, alguém disse que as instituições estavam funcionando normalmente.
Passados 21 meses, a política brasileira continua presa a um esforço contínuo de contenção de danos. O presidente causa prejuízos ao país e comete seguidos crimes de responsabilidade, enquanto o Congresso e o Supremo se limitam a limpar uma pequena parte da bagunça.
O exemplo mais recente é a reação covarde à campanha explícita de Bolsonaro para sabotar a vacinação conta o coronavírus. O presidente do STF prometeu resolver a questão nos tribunais, outro ministro cobrou informações das autoridades, e secretários estaduais se mobilizaram para garantir a imunização.
A tentativa de consertar estragos ainda é necessária, mas o trabalho é sempre feito à espera da próxima atitude de Bolsonaro que pode custar vidas –sem medo de punições.
O Congresso e o STF já barraram a liberação desenfreada de armas de fogo, o avanço sobre a demarcação de terras indígenas, os atos golpistas do presidente e a instalação de um amigo na chefia da PF para blindar seu grupo político. Ainda assim, Bolsonaro não desistiu desses planos.
A arquitetura institucional até ajuda a amortecer alguns atos destrutivos. Bolsonaro precisaria de aval do Congresso, por exemplo, para meter o país numa guerra humilhante contra os EUA. Até agora, porém, ninguém teve coragem de usar a ferramenta de contenção de danos mais eficaz da política: o impeachment de um presidente irresponsável.
Bruno Boghossian: Aliados estimulam Huck a conversar com Ciro e Marina
Articuladores querem reduzir marca da direita e formar candidatura de terceira via
O grupo que procura uma candidatura de terceira via para 2022 deu um passo largo à direita no almoço entre Luciano Huck e Sergio Moro. A repercussão do encontro pegou mal entre alguns articuladores desse plano. Agora, eles afirmam que é preciso fazer um movimento para o outro lado da régua política.
O protagonismo dado ao apresentador estabeleceu o DNA inicial do projeto. Embora não tivesse uma identidade ideológica nítida e defendesse uma agenda de redução da desigualdade, Huck vestiu o figurino da direita quando se associou a Aécio Neves e se cercou de conselheiros com uma visão liberal da economia.
Uma candidatura com essa cara seria, a princípio, uma jogada para atrair o que se convencionou chamar de bolsonaristas arrependidos –eleitores escolarizados e de centros urbanos que se afastaram do presidente nas sucessivas crises do governo.
Moro se somaria ao consórcio sob a bandeira da Lava Jato, que ainda atrai uma parcela desse nicho. Assim que o encontro entre Huck e o ex-juiz se tornou público, porém, ficou claro que a aliança não teria amplitude para ganhar uma eleição.
Operadores do grupo reconhecem que uma chapa com a marca da direita afastaria eleitores de esquerda e teria pouco sucesso em desidratar Jair Bolsonaro. Por outro lado, se a coalizão tiver a cor da esquerda, pode empurrar bolsonaristas arrependidos de volta para o presidente.
Articuladores acreditam, ainda assim, que o plano passa pela adesão de nomes à esquerda. Com isso, eles pretendem atrair parte do eleitorado do PT e chegar ao segundo turno contra Bolsonaro. Nesse cenário, Moro não teria destaque na campanha nacional –poderia disputar o Senado pelo Paraná. O tucano João Doria também ficaria sem espaço.
Ninguém conhece o ponto de equilíbrio, mas aliados dizem que Huck deve procurar nomes como Marina Silva e Ciro Gomes em breve. A tarefa não deve ser fácil: o ex-governador do Ceará já afirmou que a ideia de lançar o apresentador ao Planalto era uma “irresponsabilidade”.
Bruno Boghossian: Bolsonaro mente e usa túmulo como palanque para buscar vitória particular
Presidente sobe mais um degrau na exploração macabra do governo em nome de interesses políticos
Jair Bolsonaro não teve vergonha de admitir que está mais preocupado com ganhos pessoais do que com a vida dos cidadãos. Ao festejar a interrupção dos testes da Coronavac, o presidente subiu um degrau na exploração macabra do governo em nome de interesses políticos.
Bolsonaro lançou mão de algumas marcas registradas: usou um túmulo como palanque, reforçou suspeitas de aparelhamento de um órgão público e surfou na desinformação para buscar uma vitória particular.
Logo pela manhã, o presidente celebrou a decisão da Anvisa de suspender os experimentos da vacina do laboratório chinês Sinovac após o registro de um “evento adverso” com um voluntário. Ele ironizou o desafeto João Doria, patrono político do imunizante, e sentenciou: “Mais uma que Jair Bolsonaro ganha”.
Àquela altura, coordenadores do Instituto Butantan já diziam que o tal “evento adverso” não tinha relação com a vacina, mas o presidente não se importou. Mais tarde, soube-se que o voluntário havia morrido por suicídio ou overdose.
O presidente da Anvisa não quis comentar a festa do chefe. Antonio Barra Torres disse que rejeitava insinuações de que o órgão agia para favorecer Bolsonaro. Ele declarou ainda que só tinha “informações incompletas” a respeito da morte, que não indicavam a suspeita de suicídio.
Isso não explica por que o presidente mentiu sobre o caso. Ao comentar a interrupção dos testes, Bolsonaro afirmou sem provas que o imunizante provocava danos graves: “Morte, invalidez, anomalia. Esta é a vacina que o Doria queria obrigar todos os paulistanos a tomá-la”.
A decisão de interromper os testes da Coronavac segue padrões éticos desse campo, mas a decisão de explorar a suspensão é política e joga dúvidas sobre o trabalho da Anvisa.
O presidente da agência ainda tentou fingir que Bolsonaro não havia manchado o trabalho do órgão. “Fomos acometidos agora por alguma loucura que fez jogar por terra tudo o que já fizemos até agora?”, perguntou Barra Torres. Não, não foi agora.
Bruno Boghossian: Bolsonaro tem peso nulo ou negativo nas eleições municipais até aqui
Agenda conservadora e exploração da máquina do governo não deram resultado para apadrinhados
Há um mês, Jair Bolsonaro desembarcou em Congonhas para uma sessão de fotos com Celso Russomanno (Republicanos), que liderava a corrida pela Prefeitura de São Paulo. O presidente declarou apoio ao "amigo de velha data", e os dois insinuaram que o candidato teria acesso privilegiado ao Palácio do Planalto se vencesse a disputa.
A aliança se mostrou desastrosa para a dupla por enquanto. Russomanno perdeu quase metade de seus pontos nas pesquisas de intenção de voto e viu dobrar seu índice de rejeição. Já Bolsonaro, que pretendia evitar desgastes nas eleições deste ano, ficou associado a um candidato que desabou da liderança e, agora, pode ficar fora do segundo turno.
O derretimento de Russomanno não é um efeito isolado do apoio de Bolsonaro —embora a avaliação do governo na capital paulista seja pior do que na média nacional. Ainda assim, a última rodada de pesquisas do Datafolha mostra que o presidente teve um peso nulo ou negativo nas disputas municipais até aqui.
No Rio, Bolsonaro não conseguiu impulsionar Marcelo Crivella (Republicanos). Na semana passada, o presidente deu uma declaração de apoio encabulada: “Se não quiser votar nele, fique tranquilo”. Depois, mergulhou na campanha e fez uma gravação com o candidato. Resultado: o prefeito ficou estagnado nas pesquisas, com rejeição acima de 50%.
O presidente pode até argumentar que entrou nas duas campanhas a contragosto, mas a história é diferente em Belo Horizonte. Por livre e espontânea vontade, Bolsonaro se aliou ao azarão Bruno Engler (PRTB), com quem tomou café na terça-feira (3). Mesmo com ajuda oficial, o candidato não passa dos 4%.
O desempenho de Engler expõe o fracasso de dois pontos da estratégia eleitoral do presidente: o apelo ao conservadorismo e a exploração da máquina do governo. Num vídeo gravado no mês passado, o candidato bateu bumbo para a agenda de direita, e Bolsonaro ofereceu ao apadrinhado uma “linha direta com a Presidência da República”.
Bruno Boghossian: Confissão amplia mapa da rachadinha no gabinete de Flávio Bolsonaro
Com depoimento de ex-assessora, fica difícil negar festa com dinheiro público na Assembleia
Em agosto de 2011, Fabrício Queiroz não tinha ideia de que Jair Bolsonaro se tornaria presidente da República. Na época, o policial militar aposentado conduzia normalmente os negócios de um dos gabinetes da família. Uma nomeação que ele acertou naquele mês ressurge como um fator de risco para o clã que agora comanda o Planalto.
Uma ex-assessora de Flávio Bolsonaro admitiu a investigadores do caso da rachadinha na Assembleia Legislativa do Rio que devolveu quase todo o salário para Queiroz por seis anos, como noticiou o jornal O Globo. Luiza Sousa Paes disse que repassava 90% da remuneração, os benefícios do cargo e até a restituição do imposto de renda.
Com a confissão, fica mais difícil esconder a festa com recursos públicos que, segundo os promotores, corria no gabinete do filho do presidente. A ex-assessora apresentou comprovantes dos depósitos para Queiroz e ainda se comprometeu a restituir a pequena parcela do dinheiro que ficou com ela no fim das contas.
As explicações escorregadias dadas por Flávio, que foi denunciado pelo Ministério Público, são sinais do tamanho do problema. Os advogados disseram que “ele desconhece” operações realizadas na Assembleia e que as contratações em seu gabinete seguiam as regras, “até onde o parlamentar tem conhecimento”.
O filho do presidente dobra a aposta ao concentrar a responsabilidade pelo esquema em Queiroz –um sujeito que, meses atrás, estava escondido na casa de um advogado da família. A defesa ainda precisará convencer a Justiça de que não há conexão entre a verba pública que abastecia o ex-assessor e os 63 boletos de Flávio que ele quitou em espécie.
Um novo trecho do mapa do dinheiro ficou mais nítido com o testemunho da ex-assessora. O que deve apavorar a família presidencial são os caminhos que ainda serão desenhados e que se aproximam do Palácio do Planalto. Esses traços podem explicar os R$ 89 mil que Queiroz e sua mulher repassaram para a primeira-dama Michelle Bolsonaro.
Bruno Boghossian: Quatro anos de Trump levaram política marginal para o centro da democracia
Ciclo deu ares de normalidade a atitudes anômalas; efeitos devem ser duradouros
Os quatro anos desde a eleição de Donald Trump nos EUA consolidaram um método marginal na política. O show comandado pelo magnata a partir de 2016 deu ares de normalidade a recursos como a desinformação e o estímulo à violência. O efeito negativo desse ciclo para a democracia deve ser duradouro.
O americano abriu essa caixa de ferramentas para construir a imagem de um político disposto a desmantelar o centro corrupto do poder. A mentira, o discurso preconceituoso e a demonização de adversários eram marcas que pareciam conferir autenticidade a um personagem que ignorava as regras do jogo.
Aqueles que vestem esse figurino geralmente não têm vontade ou habilidade para desmantelar coisa nenhuma. Eles reclamam e dizem que o sistema poderoso impediu a missão. O único produto que são capazes de entregar é o retrocesso de governos e do exercício da política.
Trump e seus seguidores mundo afora levaram anomalias para o centro da arena pública. O americano adotou uma postura aberta de incentivo à violência quando se recusou a condenar grupos extremistas que atuam a seu favor. Ele explorou a desinformação como um lance aceitável e recorreu à negação da ciência na pandemia, sem se importar com seu impacto na saúde pública.
A fabricação mais nociva é a tentativa corriqueira de apontar fraudes em larga escala em eleições, sem apresentar provas. A artimanha passou a ser empregada com naturalidade para enraivecer militantes e abrir caminho para contestações que reduzem a crença no sistema político. Um presidente que usa essa carta só para manter o poder ativa uma corrosão grave da democracia.
Quando o uso desses instrumentos se torna comum na arena política, eles também servem como um diversionismo eficaz. Se um político mente ou inventa uma conspiração qualquer, o foco do debate público muda. A distração pode ser suficiente para que ele não seja punido politicamente por seus fracassos ou sua crueldade como governante.