Bruno Boghossian

Bruno Boghossian: Bolsonaro pede que governo divulgue perigos de vacinas contra a Covid

Uso da máquina em campanha contra imunização aumenta responsabilidade por mortes na pandemia

Jair Bolsonaro trabalha para que o governo faça uma campanha oficial contra a vacinação do coronavírus. Em entrevista à Band, o presidente revelou ter pedido ao ministro da Saúde que comece "a mostrar o que seria a bula desse medicamento". Em vez de garantir um processo seguro, ele quer que as autoridades digam que a imunização é perigosa.

"Lá no meio dessa bula está escrito que a empresa não se responsabiliza por qualquer efeito colateral. Isso acende uma luz amarela. A gente começa a perguntar para o povo: você vai tomar essa vacina?", declarou.

Além de abastecer a desconfiança da população e alimentar teorias conspiratórias em discursos públicos, o presidente acionou também a máquina do governo em sua cruzada contra a imunização. Se alguém tinha dificuldades para enxergar a responsabilidade direta de Bolsonaro pelo morticínio na pandemia, não é preciso perder mais tempo.

Enquanto se empenha para desestimular a imunização, o presidente tenta empurrar medicamentos sem eficácia comprovada, como a cloroquina. "Eu não sou contra a vacina, mas sou plenamente favorável a esse tratamento preventivo que a gente tem no Brasil", afirmou, na entrevista desta terça-feira (15).

Bolsonaro também disse que o governo vai determinar que cada brasileiro assine um termo de responsabilidade ao receber o imunizante. Ele só não disse que é preciso fazer o mesmo para receber cloroquina. O texto alerta que o medicamento pode causar disfunção cardíaca e que não há provas de que ele funcione.

Quando a morte de um voluntário forçou a interrupção nos testes da Coronavac em São Paulo, o presidente comemorou: "Mais uma que Jair Bolsonaro ganha". Se as vacinas desenvolvidas até aqui se mostrarem seguras, cada cidadão que recusar o imunizante também poderá ser incluído em sua conta.

Desde agosto, o percentual de brasileiros que não querem se vacinar subiu de 9% para 22%. São 46 milhões de pessoas que podem sofrer com a doença ou espalhar o vírus.


Bruno Boghossian: Ressaca no STF pode produzir decisões controversas e acovardamento

Divisão no julgamento sobre reeleições no Congresso volta a agitar rede de intrigas do tribunal

A divisão do Supremo no julgamento que barrou a reeleição dos atuais presidentes da Câmara e do Senado agitou mais uma vez a rede de intrigas do tribunal. A maioria do plenário não fez mais do que sua obrigação ao reafirmar aquele veto, mas a decisão acirrou disputas de poder que têm efeito direto sobre o comportamento dos ministros.

Logo depois da votação do último domingo (6), uma ala da corte acusava Luiz Fux de traição no processo. Ministros diziam que existia um pacto para liberar as reeleições e que o presidente do Supremo havia descumprido o acordo. Em retaliação, eles prometiam tomar decisões para dificultar a vida do colega.

Se o problema fosse apenas a vaidade ferida de um punhado de juízes, ninguém precisaria se preocupar. As desavenças ficariam restritas ao cafezinho nos intervalos das sessões, e haveria alguns embates ríspidos durante os julgamentos. A conflagração política no Supremo, porém, pode se tornar mais um elemento de tensão no frágil equilíbrio democrático do país.

Mesmo em tempos de paz, o farto poder dos ministros do STF é capaz de perturbar essa estabilidade. Decisões monocráticas, pedidos de vista e liminares exóticas costumam provocar traumas e desgastes ao tribunal, estimulando alguns de seus integrantes a jogar na defensiva. Em certos casos, a corte se vê constrangida e deixa de cumprir seu papel.[ x ]

Após o choque da última semana, Fux já ensaiou um apelo à autocontenção. Dois dias depois do julgamento, ele recomendou moderação ao tribunal, disse que o Supremo deve evitar a "orgia legislativa" e sentenciou: "Não é hora de ninguém ganhar nada nem de perder nada. É hora da manutenção do status quo".

O STF faria bem em segurar os próprios excessos e intromissões na vida política do país, mas esses limites não deveriam ser frutos de crises internas ou pressões externas. Se a recente cisão no tribunal produzir mais decisões controversas e acovardamento institucional, Jair Bolsonaro pode dormir tranquilo.Bruno Boghossian

*Jornalista, foi repórter da Sucursal de Brasília. É mestre em ciência política pela Universidade Columbia (EUA).


Bruno Boghossian: Bolsonaro desperdiça mais uma semana de trabalho com propaganda pessoal

Sem capacidade para ações concretas na pandemia, presidente já desistiu de manter as aparências

Jair Bolsonaro teve uma manhã agitada. Perto das 7h, o presidente embarcou no avião oficial e voou para o Rio Grande do Sul. Inaugurou a obra de uma ponte sobre o rio Guaíba e, depois, a duplicação de um trecho de 27 km da BR-116. Ele acenou para os motoristas por 10 minutos, com transmissão ao vivo na TV controlada pelo governo.

O país aprendeu a não esperar ações concretas de Bolsonaro para contornar a longa crise aberta pela pandemia. Ele mesmo já desistiu de manter as aparências. O presidente preferiu desperdiçar mais uma semana no cargo com propaganda pessoal e medidas para seus apoiadores.

O ciclo começou na segunda (7), quando Bolsonaro reuniu ministros na inauguração de uma vitrine com o terno que vestiu na posse. No discurso, ele soltou elogios para o alfaiate que fez o traje, mas ninguém escondeu que a cerimônia havia sido organizada para exaltar o capitão.

No dia seguinte, enquanto seus auxiliares tentavam explicar por que podem faltar seringas para as vacinas do coronavírus, Bolsonaro tinha outros assuntos na cabeça. Num evento do Ministério da Saúde, soltou uma frase inútil sobre a imunização: "Ninguém vem falar comigo sobre vacina sem que antes passe pelo senhor Eduardo Pazuello". E só.

A semana continuou com uma comemoração nas redes pela decisão do governo de zerar a alíquota de importação de revólveres e pistolas, na manhã de quarta (9). Mais tarde, num encontro com apoiadores no Palácio da Alvorada, ele celebrou a nomeação de um amigo para o Ministério do Turismo.

Antes da sessão de tchauzinho na beira da estrada, na quinta (10), Bolsonaro ainda encontrou tempo para soltar mais uma mentira. "Ainda estamos vivendo um finalzinho de pandemia", disse o presidente. Nos últimos quatro dias, o Brasil acumulou quase 3 mil mortes por Covid-19.

O presidente já tem compromisso para encerrar a semana de trabalho: nesta sexta-feira (11), ele voa para Itaguaí (RJ) e participa de uma cerimônia do Dia do Marinheiro.


Bruno Boghossian: Ministro só foi demitido por não se encaixar nos planos de Bolsonaro para 2022

Saída se explica pelas duas maiores preocupações do presidente: o controle do Congresso e a reeleição

Ameaçado no cargo, o ministro do Turismo comprou briga com um colega na terça (8). Num grupo de mensagens, Marcelo Álvaro Antônio destacou suas credenciais como apoiador precoce de Jair Bolsonaro em 2018, atacou o articulador político do Planalto e disse que o governo paga “um altíssimo preço” para aprovar projetos no Congresso. No dia seguinte, foi demitido.

Antes disso, Bolsonaro teve outras oportunidades para se livrar de Álvaro Antônio, mas preferiu manter o aliado no governo. Quando ele foi denunciado pelo Ministério Público no ano passado, sob acusação de desviar dinheiro no esquema de candidaturas laranjas do PSL, o presidente disse que não havia elementos para mandá-lo embora.

Um bate-boca no WhatsApp pode parecer um motivo menor, mas foi pretexto suficiente. A decisão instantânea de Bolsonaro se explica pelas duas maiores preocupações do governo na agenda política: o controle do Congresso e a eleição de 2022.

O presidente não teve dificuldade para demitir um aliado que fazia propaganda de sua dedicação ao chefe. Álvaro Antônio apostou cedo no deputado do baixo clero e foi muito bem recompensado com um ministério no governo. Ele só não percebeu que aquela lealdade envelheceu e que Bolsonaro pensa exclusivamente na próxima eleição.

O cargo do ministro se tornou uma peça na engrenagem que o presidente tenta recauchutar para fortalecer o governo no Congresso e pavimentar o caminho para sua candidatura à reeleição. O estopim da fúria de Álvaro Antônio foi justamente o empenho de Luiz Eduardo Ramos, chefe da Secretaria de Governo, na entrega desse posto para o centrão.

Para completar, Bolsonaro ainda puniu com uma demissão sumária o subordinado que apontou o dedo para o abraço entre o governo e os partidos tradicionais do Congresso. No fim das contas, a cadeira aberta na Esplanada dos Ministérios deve engordar as negociatas para eleger um presidente da Câmara afinado com o Palácio do Planalto.

*Jornalista, foi repórter da Sucursal de Brasília. É mestre em ciência política pela Universidade Columbia (EUA).


Bruno Boghossian: Bolsonaro tenta conter prejuízo político na guerra da vacina contra Covid

Apesar de negacionismo, presidente percebe risco e mexe suas peças para enfrentar Doria

Jair Bolsonaro mexeu suas peças no embate com João Doria. Depois que o tucano fez o lançamento precipitado de um plano de vacinação contra a Covid-19, o presidente despachou o ministro da Saúde para um pronunciamento em que reivindicou a competência pelo processo e anunciou a intenção de comprar doses adicionais do imunizante.

Bolsonaro adota até aqui um comportamento que varia entre a incompetência e a indiferença. O governo, no entanto, parece ter percebido o tamanho do prejuízo político que poderá sofrer quando os brasileiros entenderem que ficaram para trás na fila da vacinação.

Após uma reunião com o presidente, Eduardo Pazuello tentou fazer uma mudança de rumos disfarçada de propaganda. O ministro disse nesta terça (8) que "todos aqueles que desejarem" serão vacinados e confirmou a assinatura de um termo para a compra de 70 milhões de doses da Pfizer –algo que era visto com ressalvas na semana passada.

Pazuello afirmou que "qualquer vacina" que tenha registro no país será comprada e distribuída. "Não existe essa discussão", declarou.

Parecia que o governo tinha trocado o ministro da Saúde mais uma vez. Em outubro, Bolsonaro fustigou o rival Doria e mandou cancelar a compra da vacina chinesa fabricada em São Paulo. Pazuello aceitou a ordem e se humilhou: "É simples assim: um manda, e o outro obedece".[ x ]

O presidente ainda deve fazer de tudo para atrapalhar os planos de Doria, enquanto ensaia movimentos alternativos para evitar que o adversário colha benefícios sozinho.

A politização da vacina ganha dimensões cada vez maiores. Para Maurício Moura, da Ideia Big Data, essa é "a única chance de Doria se tornar competitivo" em 2022.

Já Bolsonaro teria chance de recuperar terreno, apesar de seu negacionismo durante a pandemia, porque a população busca "soluções de curto prazo". "É um risco muito grande não agir de maneira contundente em relação à vacina", avalia. "É um momento crucial para a gestão dele."Bruno Boghossian

*Jornalista, foi repórter da Sucursal de Brasília. É mestre em ciência política pela Universidade Columbia (EUA).


Bruno Boghossian: Os valores da família

Clã presidencial explora a estrutura do governo em benefício próprio

Não bastavam três filhos do presidente agarrados ao poder do pai. Nas últimas semanas, o quarto descendente de Jair Bolsonaro também decidiu apitar em decisões oficiais e misturar ações do governo com seus interesses particulares.

Aos 22 anos, Jair Renan Bolsonaro descolou uma reunião no Ministério do Desenvolvimento Regional para os donos de uma produtora de granito e mármore. Segundo a revista Veja, eles eram os novos patrocinadores de uma empresa de eventos e mídia fundada poucas semanas antes pelo filho 04 do presidente.

Os representantes da firma foram recebidos em 13 de novembro pelo ministro Rogério Marinho e apresentaram um projeto de casas populares. Jair Renan estava lá "por acreditar que o sistema construtivo teria potencial de reduzir custos para União". Ninguém explicou qual é a experiência do jovem no assunto. Ele cursa faculdade de análise e desenvolvimento de sistemas.

A reportagem informou que a reunião havia sido solicitada ao ministério pelo gabinete de Jair Bolsonaro. Numa ponta, o Palácio do Planalto se moveu para ajudar um financiador do filho do presidente. No outro lado, um ministério estendeu um tapete para agradar ao chefe.

A tranquilidade com que o lobby escancarado caminhou pela estrutura do governo é um exemplo menor da ocupação do poder liderada pela família. Afinal, outro filho do presidente já acionou o Gabinete de Segurança Institucional e a Agência Brasileira de Inteligência para resolver uma questão particular.

Flávio Bolsonaro pediu auxílio aos órgãos oficiais para conseguir provas que possam anular as investigações sobre as rachadinhas na Assembleia Legislativa do Rio. A Procuradoria-Geral da República disse que vai investigar o caso, mas é pouco provável que o 01 seja incomodado.

Já o Itamaraty trabalha para atender ao aos jogos ideológicos de Eduardo. Quando o filho 03 lançou mais uma ofensa à China, a chancelaria escreveu uma carta para defendê-lo. A República se move para servir ao clã.


Bruno Boghossian: Se liberar reeleição, Supremo será avalista de falcatrua histórica

Registros mostram que texto foi criado explicitamente para vetar casos como os de Alcolumbre e Maia

Em nome de um arranjo político, o STF deve abrir caminho para as reeleições de Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP) nos comandos da Câmara e do Senado. Além de liberar uma mudança nas regras do jogo com a bola rolando, o tribunal pode cumprir o papel de avalista de uma falcatrua histórica.

A Constituição proíbe de maneira expressa as candidaturas de Maia e Alcolumbre para um novo período nas presidências do Congresso —não por acidente. A produção do texto teve a nítida finalidade de impedir reconduções desse tipo.

Em 14 de setembro de 1988, oito dias antes da aprovação da Carta, o senador constituinte Jarbas Passarinho (PDS-PA) propôs um ajuste na regra das eleições para as cúpulas da Câmara e do Senado. Registros da Comissão de Redação mostram que ele incluiu a expressão "por dois anos" no artigo 57, a fim de estabelecer a duração dos mandatos dos presidentes das Casas.

O deputado Nelson Jobim (PMDB-RS), que anos mais tarde presidiria o Supremo, concordou e explicou: "O que se quer evitar? Que a mesa eleita no primeiro ano da legislatura seja reeleita para o terceiro e o quarto ano da legislatura. Mas não se quer proibir que a mesa eleita no terceiro ano da legislatura possa ser reeleita no primeiro ano da legislatura seguinte". A redação foi aprovada.

Não existe nenhuma lacuna ou omissão. A Constituição liberou a reeleição em legislaturas diferentes, mas criou explicitamente uma proibição a duas eleições na mesma legislatura. Ainda assim, a cúpula do Congresso e o Supremo querem se associar numa trapaça para dizer que o texto diz exatamente o contrário do que foi escrito naquele dia.

Defensores da tese argumentam que o STF já se habituou a fazer interpretações criativas das normas vigentes, como no julgamento que criminalizou a homofobia. Essa decisão, no entanto, foi uma medida para garantir a proteção dos direitos dos cidadãos. No caso da reeleição, os alvos imediatos são apenas dois cidadãos, com nome e sobrenome.


Bruno Boghossian: Bolsonaro ainda não conseguiu dimensionar buraco da economia em 2021

Sem auxílio emergencial, governo deposita uma confiança exagerada na recuperação do emprego

Jair Bolsonaro ainda não conseguiu dimensionar o choque que a economia do país deve sofrer na virada do ano. O governo já sabe que o fim do pagamento do auxílio emergencial será um problema, mas não tem ideia do que fazer com os milhões de brasileiros que ficarão com pouco ou nenhum dinheiro.

O presidente repete a ideia de que o socorro aos mais pobres não deve ser prorrogado. Na terça (1º), ele disse que “alguns querem perpetuar tais benefícios” e emendou: “Ninguém vive dessa forma. É o caminho certo para o insucesso”. Já se sabe que um novo programa social não cabe no Orçamento, mas faltou apontar a direção de uma outra estrada.

Bolsonaro falou sobre o auxílio durante um evento na fronteira com o Paraguai. O recado veio segundos depois que ele fez um aceno aos “humildes funcionários” da obra de uma ponte. O receituário para a economia saiu na forma de um clichê: “Nada dignifica mais o homem do que o trabalho. É o que nós precisamos”.

A doutrina bolsonarista costuma contrapor proteção social ao trabalho. No passado, o presidente dizia que o Bolsa Família era “um projeto para tirar dinheiro de quem produz e dar a quem se acomoda”. Em maio, Paulo Guedes (Economia) torcia o nariz para a prorrogação do auxílio, porque “aí ninguém trabalha”. “O isolamento vai ser de oito anos, porque a vida está boa”, declarou.

Esticar o auxílio emergencial indefinidamente não é uma solução plausível, mas o governo parece depositar uma confiança exagerada na recuperação do mercado de trabalho. O número de pessoas procurando emprego já aumentou, e há poucos sinais de que a economia terá capacidade de absorver aqueles que ficarão desamparados daqui por diante.

Até agora, o governo não ofereceu um plano razoável para melhorar esse ambiente. Quando os brasileiros começaram a morrer de complicações provocadas pelo coronavírus, Bolsonaro lançou a infame declaração: “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê?”. Na fila do desemprego, esse slogan também não vai colar.


Bruno Boghossian: E se a esquerda se dividir em 2022?

Disputa municipal amplia afastamento entre partidos, e composição de frente fica mais distante

Apesar das experiências de união em algumas capitais, as eleições de 2020 aprofundaram a divisão que vem sendo cavada há alguns anos na esquerda. Sinais emitidos pelos principais atores desse campo indicam que a composição de uma frente para 2022 está mais distante.

O processo dos últimos meses cristalizou o distanciamento entre o PT e a aliança formada por PDT e PSB. A presidente petista, Gleisi Hoffmann, já disse que as eleições deixaram feridas e que ainda considera difícil um acordo com aquela dupla.

Já o presidente do PSB afirmou que o PT sempre viveu “na contramão da história” e que não vê uma reaproximação com a sigla. “Nós não somos obrigados a seguir o PT. Ele tem o direito de errar, errou muito a vida inteira, mas nós não somos obrigados a seguir”, declarou Carlos Siqueira ao jornal O Globo.

Por sua vez, Ciro Gomes (PDT) disse que o PT e seus aliados “não têm humildade nem capacidade de compreender e se reconciliar com o povo”. Sobrou também para o PSOL de Guilherme Boulos (“radical”) e o PC do B de Flávio Dino (“perderam um pouco a noção da realidade”).

Esse tom sugere que dois ou mais candidatos competitivos devem disputar o voto da esquerda em 2022. Essa divisão aconteceu na última eleição presidencial e não impediu que um desses nomes chegasse ao segundo turno contra Jair Bolsonaro.

Em 2018, a esquerda teve pouco mais de 42% dos votos válidos já no primeiro turno. Só uma pulverização dramática desse eleitorado ou a ocupação do espaço por outro candidato deixaria todos eles de fora da fase final. Na próxima disputa, os impactos dessa divisão vão depender do comportamento daqueles personagens dali por diante.

Se a briga por votos no primeiro turno aumentar o rancor que já se manifesta agora, deve deixar sequelas graves para o segundo turno. Esse afastamento tende a reduzir a mobilização de cabos eleitorais e o engajamento dos apoiadores dos candidatos derrotados. Num embate acirrado, isso pode fazer diferença.


Bruno Boghossian: Popularidade de Bolsonaro entre os mais pobres recua em algumas capitais

Popularidade de Bolsonaro entre os mais pobres recua em algumas capitais

impulso de popularidade conquistado por Jair Bolsonaro nas camadas de baixa renda refluiu em algumas capitais. A variação não é generalizada, mas sugere que a melhora na aprovação do governo com o pagamento do auxílio emergencial enfrenta os primeiros sinais das derrapagens da economia.

O aumento da rejeição ao presidente entre os mais pobres ocorreu numa dimensão considerável em pelo menos dez cidades. A mudança foi registrada em pesquisas do Ibope nas eleições municipais, que também perguntaram a opinião do eleitor sobre o trabalho de Bolsonaro.

Em João Pessoa, a única capital do país que teve um balanço negativo de vagas de emprego em outubro, o presidente perdeu 11 pontos entre eleitores de baixa renda que consideram o governo ótimo ou bom. A aprovação ao governo na base da pirâmide era de 42% no início de outubro e, agora, é de 31%.

Na capital que acumula a pior variação no mercado de trabalho em 2020, o presidente também teve prejuízos. No Rio, o índice positivo de Bolsonaro entre os mais pobres ficou estável (29%), mas houve um aumento de eleitores desse segmento que consideram seu trabalho ruim ou péssimo: de 33% para 40%.

O movimento de manutenção da popularidade somada a um crescimento da reprovação se repetiu em outras capitais. No Recife, a visão negativa do governo passou de 42% para 48% na baixa renda. Em São Paulo, o índice cresceu oito pontos nos últimos meses e chegou a 59%.

Nem todas as grandes cidades registraram variação negativa na popularidade de Bolsonaro entre os mais pobres. Em Goiânia, o percentual oscilou para baixo: 26% consideram o governo ruim ou péssimo. Em Salvador, esse índice ficou estável, em impressionantes 70%.

Os números mostram que o avanço bolsonarista no eleitorado de baixa renda ainda é instável. A chave da popularidade estará no comportamento desses grupos diante do fim do auxílio, da lenta recuperação do emprego e dos focos de inflação.


Bruno Boghossian: Em silêncio, Bolsonaro sugere não ter motivos para se preocupar com inquérito

Expectativa de impunidade no caso da PF ajuda presidente a evitar riscos e desarmar holofote para Sergio Moro

Em silêncio, Jair Bolsonaro disse muito. O presidente avisou ao Supremo que não vai prestar depoimento no inquérito aberto para apurar suas tentativas de interferência no comando da Polícia Federal. A intromissão foi registrada em gravações e declarações públicas, mas ele sugere ter motivos para não se preocupar com a investigação.

Há sete meses, Bolsonaro estava emparedado pelas acusações feita pelo ex-ministro Sergio Moro. O presidente se enrolou nas explicações, admitiu que gostaria de trocar a chefia da PF no Rio por interesse de seu grupo político e indicou que a mudança tinha relação com aliados sob investigação no STF.

Depois de se beneficiar de uma aliança com Moro, Bolsonaro trabalhou para deteriorar a imagem do ex-juiz. O governo percebeu o perigo daquele episódio e reagiu apavorado –ao ponto de lançar uma ameaça nada velada de golpe de Estado para responder a uma decisão processual burocrática sobre um pedido de apreensão do celular do presidente.

Bolsonaro saiu das cordas porque conseguiu fazer com que o caso esfriasse. As acusações perderam destaque com o avanço da pandemia, e a coalizão forjada no Congresso deu a impressão de que o governo estava protegido de tumultos políticos.

No campo judicial, o inquérito foi engolido por discussões sobre a forma do depoimento do presidente: escrito ou presencial. Ele fingiu espernear e acusou o STF de tratamento injusto. O tribunal não tomou uma decisão final, mas o advogado-geral da União mandou avisar que Bolsonaro decidiu “declinar do meio de defesa que lhe foi oportunizado”.

O presidente abre mão de se defender porque sabe que o caso tem tudo para ser guardado numa gaveta. Com a expectativa da impunidade, ele evita o risco de se embananar e dar munição aos investigadores.

De quebra, Bolsonaro ainda desarma um potencial holofote para Sergio Moro. A investigação era um dos poucos palanques políticos do ex-juiz. Ele deve encolher um pouco mais se o inquérito for arquivado.


Bruno Boghossian: Diplomacia da extrema direita aproxima o país de prejuízos reais

Diplomacia da extrema direita aproxima o país de prejuízos reais

A diplomacia brasileira conseguiu cometer uma barbeiragem dupla. Nas últimas semanas, o governo desprezou o próximo presidente dos EUA e enviou sinais hostis para a China. Amarrado a Donald Trump e às bandeiras da direita radical, o país pode sofrer prejuízos concretos na relação com seus dois principais parceiros comerciais.

Na terça (24), a embaixada chinesa ameaçou o Brasil com “consequências negativas” depois que Eduardo Bolsonaro publicou uma mensagem que ligava a tecnologia de 5G do país asiático com atos de espionagem.

“Essa talvez seja a mais enfática advertência para os danos que Eduardo e seus cúmplices podem causar às relações com a China”, diz Roberto Abdenur, que foi embaixador brasileiro em Pequim e Washington. Para ele, o silêncio de Jair Bolsonaro sobre a declaração do filho “endossa essa barbaridade”.

O diplomata vê uma escalada nas manifestações do governo chinês, com uma ameaça real de retaliação nos investimentos e no comércio. “O Brasil se ilude ao achar que teremos eternamente a posição privilegiada de grandes exportadores de soja, carne, minério de ferro e açúcar”, diz.

Ainda que existam questionamentos sobre a segurança da tecnologia chinesa de 5G, o governo brasileiro usa uma retórica infantil para satisfazer sua base ideológica. Abdenur afirma que o país enfrentará tempos difíceis se não souber manter uma equidistância entre China e EUA.

O desafio pode ser ainda maior porque Bolsonaro escolheu “uma posição de subserviência” em relação a Trump, segundo Abdenur –o que criou uma política externa baseada em “alucinações, fantasias e teorias conspiratórias”.

Para o ex-embaixador em Pequim e Washington, a atuação de Eduardo e do ministro Ernesto Araújo na diplomacia funciona como elo entre a extrema direita americana e a extrema direita brasileira, “que é uma sucursal da extrema direita americana”. “A não ser que haja uma guinada nessa postura, o que eu não acredito, nós vamos ter problemas”, avalia.