Bruno Boghossian

Bruno Boghossian: Bolsonaro nunca falou tanto quanto agora sobre o risco de perder a eleição em 2022

Campanha falsa sobre urnas eletrônicas carrega receio o evidente de sofrer uma derrota na próxima disputa

Jair Bolsonaro nunca falou tanto sobre o risco de perder a próxima eleição quanto nos últimos meses. A campanha do presidente para desacreditar o sistema de votação com falsas suspeitas de fraude carrega o aparente receio de sofrer uma derrota nas urnas em 2022.

A aliança de Bolsonaro com o centrão e a redução dos atritos com outros Poderes diminuíram as chances de um processo para removê-lo do cargo antes do fim do mandato. Seu foco exclusivo de sobrevivência política passou a ser a reeleição.

Se tivesse a expectativa de uma vitória arrasadora em 2022, o presidente não precisaria alimentar semanalmente teorias conspiratórias sobre as urnas eletrônicas. Ele mesmo, afinal, já disse que venceu uma eleição que considera enganosa porque teve "muito voto" em 2018.

Aliados de Bolsonaro podem até manter a fantasia e alegar que a ameaça existe porque seus adversários devem ampliar a falsa fraude na próxima disputa. O mais provável, no entanto, é que o capitão tenha percebido que a conjunção de fatores da última campanha pode não se repetir e que ele talvez não tenha "muito voto" no ano que vem.

A popularidade de Bolsonaro cresceu durante a pandemia. Os 37% de aprovação registrados pelo Datafolha são confortáveis o suficiente para levá-lo ao segundo turno, mas ele sabe que precisará atravessar um ano pedregoso na economia para sustentar seus números.

O presidente lança alertas a seus seguidores sobre os perigos da derrota para evitar que eles se afastem. Com frequência, ele se compara ao argentino Maurício Macri. "O que o pessoal fez? Porrada nele o dia todo. O que aconteceu? Voltou a ‘esquerdalha’ da Cristina Kirchner", disse.

Na reunião ministerial que expôs as entranhas do governo, em abril do ano passado, Bolsonaro deu pistas sobre seu temor em deixar o poder. "Se for a esquerda, eu e uma porrada de vocês aqui tem que sair do Brasil, porque vão ser presos", declarou. "E eu tenho certeza que vão me condenar por homofobia."


Bruno Boghossian: Com 200 mil mortos, governo quer desinformar sem ser incomodado

Na condução delinquente do país durante a pandemia, Bolsonaro mentiu e deu dados falsos à população

No dia em que o Brasil bateu a marca calamitosa de 200 mil mortes pela Covid-19, o ministro da Saúde apontou o que realmente atormenta o governo. Não é a tragédia nacional, mas a divulgação de informações negativas sobre a negligência federal no combate à pandemia.

"Não queremos a interpretação dos fatos dos senhores", reclamou Eduardo Pazuello, inconformado com a imprensa. "Deixem a interpretação para o povo brasileiro."

A indignação do general mostra que o governo Jair Bolsonaro prefere desinformar e mentir sem ser incomodado. Na condução delinquente do país na pandemia, esses são alguns dos "fatos" que o presidente apresenta para o "povo brasileiro":

Bolsonaro faz uma propaganda contínua contra a vacinação. O presidente alega que essa é uma escolha individual e lança alertas vazios sobre seus riscos, sem apresentar evidências. Com isso, ele trabalha contra a imunização coletiva que é necessária para proteger a população.

Em novembro, Bolsonaro afirmou nas redes sociais que o imunizante desenvolvido em São Paulo produz "morte, invalidez, anomalia". Ele festejou o óbito de um voluntário e atribuiu o caso à vacina. Era mentira.

O presidente também se tornou líder de um movimento charlatão ao recomendar o uso de medicamentos ineficazes. Além de se tornar mercador de cloroquina, ele afirmou que a África controlou a pandemia com a aplicação de ivermectina. Nenhuma autoridade sanitária confirma essa relação, mas a informação circula entre youtubers bolsonaristas.

No pacote, também estão dados falsos sobre o uso de máscaras ("a proteção é um percentual pequeno") e a irresponsável tentativa de minimizar os riscos da doença, inaugurada em março de 2020 com a infame previsão de que a pandemia provocaria menos de 800 mortes no país.

No pronunciamento desta quinta (7), o ministro da Saúde disse que "a desinformação e a interpretação equivocada ou tendenciosa leva a consequências trágicas". O governo cumpriu essa missão.


Bruno Boghossian: Golpismo de Trump mostra que instituições fortes nem sempre conseguem salvar a democracia

Autoridades americanas vão bloquear rebelião, mas brasileiros podem não ter a mesma sorte em 2022

A principal autoridade eleitoral de um estado-chave da corrida presidencial americana se opôs à pressão de Donald Trump para adulterar a votação. Dez ex-secretários de Defesa assinaram uma carta em que rejeitavam o envolvimento de militares em qualquer tentativa de ruptura estimulada pelo presidente.

A maioria dos congressistas americanos se recusou a participar da manobra golpista para reverter a derrota de Trump nas urnas. O vice-presidente Mike Pence rebateu os apelos para descumprir a Constituição e avisou que não impediria a certificação do resultado eleitoral.

Com tantas demonstrações de vigor, os adeptos do mantra “as instituições estão funcionando” devem ter acordado tranquilos nesta quarta-feira (6). Trump, no entanto, mostrou que não é tão difícil corroer as estruturas democráticas que deveriam servir de obstáculo para as aventuras de líderes autoritários.

Com poucas palavras, o presidente americano despachou grupos extremistas para invadir o Congresso e impedir a confirmação da vitória de Joe Biden. O republicano repetiu a lorota de que a eleição havia sido roubada e pediu aos radicais que marchassem até o Capitólio.

Como se viu nas cenas que se desenrolaram durante a tarde, as tais instituições nem sempre são capazes de impedir a destruição da democracia. Os golpistas, afinal, agem exatamente em oposição a elas. Governantes populistas trabalham sistematicamente para deslegitimá-las e abrir caminho para que os limites impostos sejam ignorados.

Já é tarde para conter os danos que o levante de Trump provocará na democracia americana, com grupos radicais fortalecidos e estragos no processo eleitoral. Ainda assim, as instituições serão acionadas e conseguirão bloquear a rebelião.

Os brasileiros podem não ter a mesma sorte. Jair Bolsonaro prepara terreno para repetir o plano de seu ídolo americano em 2022. A diferença é que, por aqui, as instituições são mais vulneráveis. Não será possível esperar para pisar no freio.


Bruno Boghossian: Sem conseguir 'fazer nada', Bolsonaro fabrica inimigos para preservar apoio

Presidente trabalha para que fidelidade de eleitores dependa cada vez menos de vantagens concretas

Antes de completar seis meses no cargo, Jair Bolsonaro divulgou um texto que dizia que o país era "ingovernável". No ano seguinte, reclamou do Congresso e afirmou: "Realmente, eu não consigo aprovar o que eu quero lá". Agora, avisou a seus apoiadores que "o Brasil está quebrado" e que, por isso, não tem condições de "fazer nada".

Desde o início do mandato, Bolsonaro esculpe a figura de um governante impotente. Além de expor sua incapacidade absoluta, esse esforço cumpre uma função política. Ao criar a ilusão de que não consegue entregar benefícios para sua base por culpa de outras pessoas, o presidente trabalha para que a fidelidade de seus eleitores dependa cada vez menos de vantagens concretas.

Bolsonaro disse nesta terça (5) que não poderia oferecer um alívio na tabela do Imposto de Renda porque o país estava no buraco. Para distrair os bolsonaristas diante de um compromisso frustrado, ele mudou o foco da conversa e afirmou que a ruína econômica havia sido provocada por "esse vírus, potencializado por essa mídia que nós temos".

O presidente não quis dizer que foi ele mesmo quem escolheu concorrer à Presidência sobre uma plataforma de aperto nas contas, enquanto prometia bondades para o povo. Seu governo, aliás, esteve mais próximo de apresentar a proposta de criação de uma nova CPMF do que de reduzir o Imposto de Renda.

A declaração mostra que Bolsonaro tem ao menos uma vaga ideia das limitações econômicas que enfrentará até o fim do mandato. Com isso, o presidente deve se sentir tentado a bancar suas aventuras políticas com velhos embates ideológicos.

Para preservar o apoio de seus seguidores, Bolsonaro recorre ao conhecido truque da fabricação de inimigos. O governo tenta mostrar serviço com um punhado de rodovias asfaltadas e meia dúzia de aeroportos leiloados, mas confia que os vínculos com o eleitorado permanecerão firmes nos choques com a imprensa, os políticos tradicionais, o STF e, principalmente, a esquerda.


Bruno Boghossian: Governo teve pressa com cloroquina, mas nega ao país empenho na vacinação

Entre a 'angústia' e a 'esperança para corações aflitos', há um governo incompetente

Em março, Jair Bolsonaro se reuniu com o ministro da Defesa e ordenou que o Exército ampliasse imediatamente sua produção de cloroquina. A equipe técnica do governo dizia que o remédio não funcionava contra a Covid-19, mas a ordem foi cumprida em tempo recorde: em três semanas, os militares fabricaram 2 milhões de comprimidos.

A obediência inspirou Bolsonaro. Meses depois, ele escolheu um general para comandar o Ministério da Saúde. Eduardo Pazuello seguiu as vontades do chefe e moveu as engrenagens da máquina pública para distribuir um medicamento ineficaz. Com a cloroquina, o presidente teve uma pressa que foi negada ao país no planejamento da vacinação.

O governo assinou no início de junho a adesão do Brasil a um consórcio internacional para a fabricação de imunizantes contra o coronavírus. No mesmo mês, a equipe econômica perguntou ao Ministério da Saúde se havia previsão de importar material para vacinação. A pasta levou quase seis meses para publicar um edital para a compra de seringas.

Bolsonaro foi mais ágil na campanha do curandeirismo. Ainda em abril, o presidente conversou com o primeiro-ministro indiano Narendra Modi e pediu matéria-prima para a fabricação de cloroquina. Um carregamento chegou ao Brasil em menos de uma semana. No mês seguinte, os Estados Unidos enviaram mais 2 milhões de doses do medicamento.

O estoque de comprimidos está garantido, mas o país corre risco de ficar sem seringas e agulhas para a vacinação contra a Covid-19. O pregão aberto pelo governo para comprar 331 milhões de kits fracassou e só deve atingir 2,4% da demanda.

Quando o TCU pediu explicações ao Exército sobre a fabricação de cloroquina a preços acima do normal, os militares disseram que o objetivo era "produzir esperança para corações aflitos". Sobre as cobranças públicas por um plano de vacinação, o ministro da Saúde fez pouco caso: "Para quê essa ansiedade, essa angústia?". Entre a angústia e a esperança, há um governo incompetente.


Bruno Boghossian: Bolsonaro emporcalha a Presidência até durante as férias

Provocações hediondas e exaltação da tortura são incompatíveis com o exercício da política

Jair Bolsonaro já era um político indigno do cargo que ocupava em 1999, quando dava entrevistas para defender atrocidades como assassinatos políticos e agressões a prisioneiros. "Eu sou favorável à tortura, tu sabe disso", declarou o então deputado ao programa Câmera Aberta, da TV Bandeirantes.

A propaganda continuou nas duas décadas seguintes. O parlamentar ganhava projeção ao glorificar o regime militar e recomendar a execução de rivais. "O erro da ditadura foi torturar e não matar", repetiu, dois anos antes de ser eleito presidente.

O país escolheu um apologista da tortura para comandar o Palácio do Planalto. Depois de fazer fama com aquelas declarações, ele passou a emporcalhar a Presidência da República com um repertório atualizado de barbaridades –até durante as férias.

Antes de embarcar para o Guarujá (SP), na segunda (28), Bolsonaro lançou dúvidas sobre a tortura que a ex-presidente Dilma Rousseff sofreu na ditadura. "Dizem que a Dilma foi torturada e fraturaram a mandíbula dela", disse. "Não sou médico, mas até hoje estou aguardando o raio-X."

Além de repugnante, a ofensa é covarde e desprovida de lógica. Bolsonaro costuma tratar torturadores como exemplos de heroísmo e explora a selvageria praticada nos porões como arma política. Em 2016, ele mesmo citou o chefe do DOI-Codi como "o pavor de Dilma Rousseff"; agora, debocha dos atos que exaltou.

Não é preciso dizer que o presidente tem o direito de discordar de seus opositores em quase tudo. As provocações hediondas que ele escolhe fazer para alimentar esses confrontos, no entanto, só reforçam que seu comportamento é incompatível com o exercício da política.

Essa é a essência de Bolsonaro. No início de maio, enquanto trabalhava em período integral para atrapalhar os esforços de contenção da pandemia do coronavírus, o presidente ainda abriu um espaço na agenda para receber o Major Curió, símbolo da repressão da ditadura. O Planalto divulgou o encontro e chamou o militar reformado de herói.


Bruno Boghossian: Palavras de Bolsonaro produzem agenda destrutiva, da segurança à vacinação

Sem força para mudar leis, presidente usa medidas alternativas e estímulos retóricos

Em campanha, Jair Bolsonaro queria "carta branca para policial matar". Após chegar ao Planalto, prometeu "retaguarda jurídica" para blindar as forças de segurança em casos desse tipo. Agora, pelo segundo ano seguido, ele assinou um indulto feito sob medida para perdoar crimes não intencionais cometidos em serviço por esses agentes.

O governo não foi capaz de aprovar mudanças na lei para garantir uma proteção definitiva, mas Bolsonaro ainda consegue empurrar sua agenda de incentivo à violência policial. Com medidas alternativas e estímulos retóricos, o presidente avança na corrosão de políticas de segurança, da preservação ambiental, da democracia e da saúde pública.

Dias antes de editar o indulto, Bolsonaro ofereceu guarida a PMs num discurso para recém-formados, no Rio. "Numa fração de segundo, está em risco a sua vida, do cidadão de bem ou de um canalha defendido pela imprensa brasileira", disse. O presidente sabe que a polícia do estado já mata e morre em níveis recordes.

Bolsonaro também dá respaldo à destruição ambiental, mesmo sem maioria para aprovar mudanças na legislação. O governo afrouxou a fiscalização e encorajou o desmatamento sob a chancela explícita do discurso oficial. A cada vez que o presidente nega a devastação, ele dá sinal verde para que ela continue.

Sem encostar na caneta, Bolsonaro também fabrica desconfianças sobre o sistema de votação brasileiro. Com base em falsas suspeitas, ele ganha seguidores em sua campanha para questionar o resultado das urnas em caso de derrota. "Se a gente não tiver voto impresso em 2022, pode esquecer a eleição", declarou.

Um dos efeitos mais evidentes de sua retórica é a crescente inclinação dos brasileiros a não se vacinar contra a Covid-19 –percentual que saltou de 9% para 22% nos últimos meses. O aumento representa um contingente extra de 27 milhões de brasileiros não imunizados. Aqueles que nunca quiseram ver ameaças nas palavras de Bolsonaro poderiam ao menos enxergar os prejuízos.


Bruno Boghossian: Pedido do STF para reservar vacinas prova que alguns vícios são incorrigíveis

Fux tentou corrigir lambança, mas é difícil não enxergar a velha marca da busca por privilégios

Luiz Fux quis corrigir a lambança que foi feita quando o STF pediu a reserva da vacina contra o coronavírus para 7.000 integrantes do tribunal. A ideia era reduzir o desgaste provocado pelo episódio, mas a explicação só mostrou que alguns vícios são mesmo incorrigíveis.

O presidente do Supremo afirmou nesta quarta-feira (23) que a solicitação da vacina era parte de um esforço "para não pararmos as instituições fundamentais do Estado". Numa entrevista à TV Justiça, ele disse ter "preocupação com a saúde dos servidores". "Tanto que o ambiente está vazio", completou.

Fux inaugurou sua gestão em setembro, quando a marca de 100 mil mortos já havia sido ultrapassada. Os julgamentos aconteciam de forma remota, mas o galope da doença não o impediu de organizar uma cerimônia presencial para sua posse no comando da corte.

A contradição não significa que o chefe do Judiciário seja indiferente à saúde dos funcionários do tribunal, mas prova que alguns argumentos podem ser facilmente manipulados de acordo com o momento. Nesse episódio, é difícil não enxergar a busca por privilégios que se tornou a marca de certas instituições.

Para defender a vacinação, Fux disse que a medida era importante para que o tribunal pudesse "trabalhar em prol das pessoas que sofrem" com a pandemia. O discurso pode parecer bonito, mas esconde o fato de que julgamentos e outras atividades do tribunal vêm sendo feitas a distância. Grande parte da população não tem essa vantagem e, sem a vacina, corre riscos para trabalhar.

A Fundação Oswaldo Cruz negou a solicitação e afirmou que não caberia ao órgão "atender a qualquer demanda específica por vacinas".

Sob críticas, Fux tentou esclarecer o pedido. Ele disse que ninguém furaria a fila da vacinação e que o objetivo era garantir as doses depois que os grupos prioritários fossem imunizados. "O importante é que o Supremo Tribunal Federal teve essa preocupação ética", acrescentou, exaltando a própria bondade.


Bruno Boghossian: Jogo bruto na eleição da Câmara aumenta riscos para Bolsonaro e oposição

A cada dia que passa, governistas e o grupo de Rodrigo Maia têm mais a ganhar ou perder na disputa

A disputa pelo comando da Câmara deve ficar um pouco mais bruta até a eleição de fevereiro. Lances feitos pelos principais jogadores nos últimos dias aumentaram o risco que a vitória e a derrota vão representar para cada um deles.

A exibição de poder feita por Rodrigo Maia (DEM) em seus momentos finais na cadeira deu uma pista sobre as ameaças que devem rondar o Palácio do Planalto caso seu grupo político continue na chefia da Casa a partir do ano que vem. O movimento sugere que a disputa já mudou a dinâmica de forças por ali e pode se aprofundar nas próximas semanas.

Na última sexta-feira (18), Maia incluiu na pauta uma votação que poderia tornar permanente o pagamento da 13ª parcela do Bolsa Família. A nova despesa não estava no radar da equipe econômica, mas o deputado usou a proposta numa reação a Jair Bolsonaro, que acusava a Câmara de segurar esse benefício.

Maia repetiu a dose nesta semana. Pautou um projeto de ajuda a municípios, com impacto de R$ 35 bilhões em dez anos, e tentou forçar o governo a mobilizar sua base aliada para tirar a proposta de votação. De uma só vez, ficaram expostos a falta de articulação política de Bolsonaro e os danos que o Planalto pode sofrer se perder a eleição.

Os recados dos últimos dias não significam necessariamente que o grupo de Maia vai bombardear o governo com projetos desse tipo caso ganhe a disputa, mas indicam que Bolsonaro pode ter mais dores de cabeça se perder a corrida para uma coalizão que tem partidos de esquerda em papel determinante.

Por uma questão de sobrevivência política, o presidente já estava empenhado em eleger um aliado para o comando da Casa. Agora, ele ganha novos incentivos para abrir ainda mais o governo para o centrão e desalojar a turma de Maia.

Se Arthur Lira (PP) vencer, há poucas dúvidas de que Bolsonaro se sentirá tentado a instigar seu candidato a retaliar os oposicionistas e o time perdedor. A cada dia, os dois lados têm mais a ganhar ou perder.


Bruno Boghossian: Bolsonaro acena a policiais e militares recém-formados em busca de afinação política

Só em dezembro, presidente foi a seis cerimônias de formação e visitou alunos de um curso da Abin

Jair Bolsonaro participou de seis cerimônias militares e policiais só em dezembro. Foram formaturas de aspirantes das Forças Armadas, a conclusão do curso de delegados da PF e um evento de soldados da PM do Rio. Como bônus, o presidente ainda visitou alunos de pós-graduação da Abin, no início do mês.

Não fosse a frequência de compromissos (um a cada três dias), não haveria nada particularmente espantoso na agenda. Afinal, o presidente fez carreira como um sindicalista dessas categorias e manteve o perfil depois de chegar ao Palácio do Planalto. Esses eventos, no entanto, cumprem uma função adicional.

Os acenos de Bolsonaro têm todas as características de um trabalho para costurar uma coalizão política com integrantes das forças militares, das polícias e dos órgãos de inteligência. Nesse movimento, o presidente investe em agentes e oficiais em formação –grupos em que seus impulsos radicais costumam ter mais aderência do que nas cúpulas.

Na sexta (18), Bolsonaro se sentiu confortável o suficiente para jogar 845 policiais recém-formados contra jornalistas, que ele trata como inimigos pessoais. "Não se esqueçam. Essa imprensa jamais estará do lado da verdade, da honra e da lei. Sempre estará contra vocês. Pense dessa forma antes de agir", discursou.

Para conquistar a simpatia, o presidente oferece prestígio, alinhamento de discurso, abertura de concursos e apoio financeiro. No último item, estão desde a proteção dos orçamentos dos órgãos e a blindagem de categorias na reforma da Previdência até promessas miúdas. Num evento recente, ele pediu a parlamentares que dobrassem a diária de soldados que trabalham em obras públicas.

Em troca, Bolsonaro conquista uma afinação política dentro de instituições que deveriam se manter independentes. Em março, a ameaça de motins policiais pelo Brasil guardava uma sintonia nítida com o bolsonarismo. Na última segunda (14), os novos delegados da PF chamaram o presidente de mito e se referiram a ele como "instrumento de Deus".


Bruno Boghossian: Sabotagem de Bolsonaro à vacina atrapalha também a retomada da economia

Fica claro que o presidente não liga nem para a recuperação das atividades nem para a saúde da população

Dias depois de chamar a Covid-19 de gripezinha, em março, Jair Bolsonaro usou um argumento econômico para justificar sua indiferença diante da pandemia. “Não é apenas a questão de vida. É a questão da economia também”, declarou.

Bolsonaro fez uma escolha e defendeu por meses o retorno forçado a uma normalidade impossível. Agora, quando a chegada da vacinação abre o primeiro caminho para a redução do distanciamento e para uma retomada segura, a sabotagem presidencial permanece na equação.

As sirenes tocam alto na área econômica. O presidente do Banco Central declarou nos últimos dias que um atraso na vacinação “obviamente vai ter impacto na atividade”.

Já o número dois do Ministério da Economia precisou lembrar que a recuperação de vários setores está ligada à imunização. “Com a vacina, a população vai se sentir segura e, com isso, a economia vai se recuperar mais rapidamente”, disse o secretário-executivo Marcelo Guaranys.

O ministério de Paulo Guedes tem feito propaganda da destinação de R$ 20 bilhões para a compra e a distribuição de imunizantes. Mas o Palácio do Planalto se recusa a entender que não adianta despejar dinheiro no programa se o presidente continuar estimulando a população a recusar a vacina contra o coronavírus.

Os perigos são mais do que evidentes na cúpula da equipe econômica. O secretário Adolfo Sachsida disse ao SBT que a estimativa do governo para 2021 pressupõe “que a vacina está aí”, que os brasileiros seguem recomendações dos órgãos de saúde e que, aos poucos, “a pandemia vai diminuindo”. Sem essas condições, portanto, economia tem mais chances de continuar no buraco.

Pensando na própria sobrevivência política, Bolsonaro atacou as medidas de distanciamento que provocaram uma redução das atividades. Ele afirmava que “economia e saúde têm que andar de mãos dadas”. Primeiro, parecia que o presidente só queria saber do primeiro item, mas já está claro que ele não liga para uma coisa nem outra.


Bruno Boghossian: O centrão e os radicais

Presidente quer convencer apoiadores de que aliança no Congresso favorece agenda radical

A ansiedade de Jair Bolsonaro está em alta. Depois de tropeçar nas votações do Congresso ao longo de dois anos de mandato, o presidente conta com a vitória de aliados que possam garantir um caminho mais suave para seus planos nas chefias da Câmara e do Senado.

Bolsonaro começou a anunciar suas prioridades para o Legislativo em 2021. As propostas incluem a redução de punições para policiais que matam em serviço, a instalação do voto impresso e a mudança de regras de regularização de terras no país.

Em discursos nas últimas semanas, o presidente disse que terá chances de aprovar esses projetos a partir do ano que vem. A menção a essas pautas não foi acidente: Bolsonaro tenta encantar sua base fiel para neutralizar os danos causados pela aliança do governo com o centrão na disputa pelo comando do Congresso.

Ainda que o presidente tenha abandonado há tempos a fantasia da campanha, a aproximação com os velhos políticos ainda provoca abalos na relação do governo com seus apoiadores mais radicais. A ideia é convencê-los de que esse movimento se dá em nome de uma causa maior.

Na terça (15), Bolsonaro falou com otimismo sobre o plano que protege policiais. “Se Deus quiser, com a nova presidência da Câmara e do Senado, vamos botar em pauta o excludente de ilicitude”, declarou, num gesto àqueles que defendem uma política de segurança violenta. Em campanha, ele dizia que a proposta daria “carta branca para policial matar”.

O presidente também já afirmou que o novo comando do Congresso votaria a chamada MP da grilagem, que flexibiliza a regularização fundiária e pode favorecer os ruralistas. Ele disse ainda que vai trabalhar pela aprovação do voto impresso –pauta de extremistas que preparam terreno para contestar uma eventual derrota de Bolsonaro em 2022.

Não se sabe se essas ideias são distrações ou se o presidente vai gastar capital político para aprová-las. No centrão, muita gente acredita que ele só quer escapar do impeachment e livrar a família de investigações.