Bruno Boghossian
Bruno Boghossian: Defeitos de fabricação do governo Bolsonaro são cada vez mais evidentes
Falta de planejamento e articulação deram origem às falhas no Enem e no INSS
Ao anunciar a saída do chefe do INSS, o governo disse esperar "que não haja descontinuidade" nas atividades do setor. Seria um sinal de autoconfiança se não fosse a fila de 1,3 milhão de pedidos de aposentadoria encalhados no órgão. A equipe de Jair Bolsonaro age como se pudesse trocar uma peça e deixar o calhambeque rodando ladeira abaixo.
Os burocratas alegam que uma falha no sistema da Previdência acabou represando a concessão de benefícios. É mais honesto afirmar que esse é mais um dos defeitos de fabricação deste governo. A falta de planejamento, comunicação e articulação já foi vendida como item de série.
O governo tratou a reforma das aposentadorias como prioridade, mas não preparou as agências do INSS para a aplicação das novas regras. Encomendou planos megalomaníacos para dar nova cara ao Bolsa Família enquanto deixava cidadãos miseráveis na fila de espera. Bateu bumbo para a realização do Enem, mas não conseguiu garantir uma correção precisa de todas as provas.
Dez dias depois de admitir falhas no exame, o Ministério da Educação ainda não convenceu os estudantes de que os erros foram reparados. Nem o presidente foi capaz de dar um voto de confiança total ao chefe da pasta. Bolsonaro não quis responsabilizar o boquirroto Abraham Weintraub, mas emendou que ele continua no cargo "por enquanto".
Com tanta desordem, ineficiência e falta de controle, não é surpresa que tantos integrantes do governo pareçam estar pendurados por um fio —de um secretário de Comunicação em flagrante conflito de interesses ao presidente do BNDES.
Foi o presidente, aliás, quem reafirmou as dúvidas sobre um contrato de auditoria ampliado pela cúpula do banco. "Parece que alguém quis raspar o tacho", disse, chamando o chefe da instituição de "o garoto lá".
Bolsonaro talvez tenha passado a reconhecer os problemas do governo depois de alguma revelação espiritual durante sua viagem à Índia. Algumas coisas simplesmente não têm como dar certo.
Bruno Boghossian: E se a população não liga para a democracia?
Muitos grupos aceitam a erosão desses princípios em troca de benefícios
Os húngaros estavam aborrecidos quando decidiram levar Viktor Orbán de volta ao cargo de primeiro-ministro, em 2010. Uma pesquisa do ano anterior mostrava que só 1% da população dizia estar muito satisfeita com a democracia do país, enquanto os insatisfeitos eram 76%.
O político de extrema direita explorou essa desilusão como terreno fértil para implantar um programa que concentrou poderes em suas mãos. Ele cerceou o Judiciário, impôs controle sobre a imprensa e usou o governo para perseguir adversários.
A escalada autoritária ocorreu à luz do dia, mascarada sob o populismo e o nacionalismo. Reeleito duas vezes, Orbán hoje comanda um regime autocrático. Boa parte da população não liga: a última pesquisa Eurobarômetro mostra que 58% dos húngaros estão satisfeitos ou muito satisfeitos com a democracia no país.
A última década carrega exemplos do perigo representado pela erosão gradual dos princípios democráticos. Esses valores deveriam ser inegociáveis, mas muitos grupos aceitam fazer concessões graves em troca de alguns benefícios.
A apatia de banqueiros e empresários brasileiros diante de sinais autoritários e flertes hitleristas é só uma amostra. Ainda que parte da população demonstre repulsa a esses gestos, a deterioração da democracia muitas vezes acaba absorvida.
Na Hungria, o governo conseguiu vender a destruição das liberdades num contexto de guerra cultural, de promessas de melhora do mercado de trabalho a partir do tratamento desumano de imigrantes e de entrega de resultados econômicos.
Algo semelhante aconteceu na Venezuela: nos anos de explosão do PIB, quando Hugo Chávez começou a implantar seu programa autoritário, quase 60% da população se dizia satisfeita com a democracia. Sob a recessão brutal dos últimos anos, esse patamar ficou na casa dos 10%.
Não é coincidência que tantos demagogos nutram sonhos absolutistas. Denunciar suas manobras é a única maneira de evitar que esses golpes sejam vistos como algo aceitável.
Bruno Boghossian: Bolsonaro e Moro nunca estiveram tão próximos de um curto-circuito
Presidente tenta atordoar personagem que enxerga como ameaça, mas pode irritar sua base
Jair Bolsonaro e Sergio Moro nunca estiveram tão próximos de um curto-circuito político. Apesar das eventuais homenagens de um e das recorrentes mesuras de outro, presidente e ministro parecem cada vez mais dispostos a mergulhar numa disputa de poder inevitável.
Ainda que tenha sido divulgada apenas como uma ideia em estudo, a redução dos atributos de Moro com a possível recriação do Ministério da Segurança mostra que Bolsonaro está disposto a enfrentar o integrante mais popular de seu governo.
O presidente faz questão de turbinar a propaganda oficial que ostenta as estatísticas de redução de crimes violentos, mas indicou claramente que poderia tirar esse brinquedo das mãos do subordinado.
Empacado na pauta anticorrupção (sabotada pelo presidente, aliás), Moro abraçou a bandeira da segurança. Bolsonaro poderia ter dito apenas que as coisas vão bem. Preferiu participar ativamente das discussões e dar combustível ao plano encampado por secretários estaduais.
Embora o ministro seja considerado intocável por parte considerável da base bolsonarista, o presidente não demonstrou nenhum receio em contrariá-lo. “Lógico que o Moro deve ser contra”, antecipou-se.
Desde que Moro disse “sim” e entrou no governo, Bolsonaro insiste em dar sinais de que é o dono do passe do subordinado. Disse haver um compromisso para indicar o ministro à primeira vaga aberta no STF em seu governo, mas recuou. Depois, tascou um “quem manda sou eu” ao ameaçar demitir o chefe da Polícia Federal, atropelando o auxiliar.
O presidente quer manter Moro na rédea curta. Ora sinaliza que o ex-juiz seria um vice dos sonhos em 2022, ora indica que ele pode ser seu sucessor em 2026, mas dá outros recados quando o ministro demonstra estar confortável no mundo político.
Bolsonaro age para atordoar um personagem que o ameaça, mas esses choques também desgastam sua imagem entre os seguidores de Moro. Se o ministro decidir enfrentar o chefe, o presidente terá problemas.
Bruno Boghossian: Denúncia contra Glenn manipula a lei para perseguir quem incomoda
Procurador distorce diálogo gravado para defender interesse de colegas da Lava Jato
A Polícia Federal ouviu as 1.285 palavras trocadas entre Glenn Greenwald e um dos hackers de Araraquara no último dia 7 de junho. O delegado não viu provas contra o jornalista e anotou que ele manteve na conversa “uma postura cuidadosa e distante”. Já o procurador Wellington Oliveira realizou a façanha de analisar o mesmíssimo diálogo e denunciar o repórter por três crimes.
O contorcionismo do Ministério Público Federal para alvejar Glenn mostra como uma corporação é capaz de manipular o sentido das leis para proteger seus próprios integrantes e perseguir quem incomoda.
O procurador ignorou o fato de que o jornalista não era sequer investigado pelo hackeamento de autoridades como Sergio Moro e a força-tarefa da Lava Jato. Preferiu distorcer diálogos que, na verdade, desmontam sua própria tese.
O responsável pela denúncia argumentou que Glenn recebeu material de sua fonte enquanto o grupo continuava acessando ilegalmente conversas de outros personagens. A investigação, porém, aponta que as mensagens utilizadas pelo jornalista haviam sido obtidas anteriormente.
A lei, aliás, não permite a responsabilização de qualquer pessoa por simplesmente ter conhecimento de um crime. Além disso, a gravação usada como única prova na denúncia indica que Glenn não estimulou ou direcionou o hackeamento.
A acusação é tão frágil que o procurador se obrigou a deturpar o trecho em que um dos integrantes do grupo pergunta a Glenn se deve apagar as mensagens roubadas.
O jornalista disse que não poderia orientá-lo e acrescentou apenas que ele poderia deletar o material para que seu papel como fonte fosse preservado. Trata-se de um preceito gravado na Constituição, mas o procurador forçou a barra e pintou o trecho como se fosse uma manobra para dificultar as investigações.
O autor da acusação atropelou princípios para defender os interesses corporativos de seus colegas da Lava Jato, atingidos pelas revelações feitas por Glenn. A tentativa de intimidação é a prova de que a liberdade de imprensa é essencial para evitar abusos de poder.
Bruno Boghossian: Lula reproduz teorias conspiratórias para mascarar dissabores do PT
Ex-presidente atribui aos americanos Lava Jato, quebra de empreiteiras e junho de 2013
Em 2008, ladrões abriram um contêiner da Petrobras e furtaram quatro notebooks e dois HDs com dados sigilosos sobre a exploração da bacia de Santos. A Polícia Federal tratou o caso como espionagem industrial. O ex-presidente Lula acredita que aquele foi o episódio inicial de um conluio estrangeiro para prejudicar o Brasil e o PT.
A teoria de um complô patrocinado pelo governo dos EUA contra a esquerda não é novidade entre os integrantes da legenda. O próprio líder petista, no entanto, passou a desenhar uma teia conspiratória cada vez mais larga para mascarar alguns dos grandes dissabores do partido.
Lula atribui aos americanos influência nos protestos de junho de 2013, na Lava Jato, na derrocada da Petrobras e na quebra de empreiteiras brasileiras envolvidas em corrupção. Mistura fatos com boatos das redes e junta casos isolados, ainda que não haja ligação comprovada entre eles. Tudo para perturbar a discussão política sobre esses episódios.
Em entrevista ao portal Diário do Centro do Mundo, o ex-presidente disse achar “absolutamente verdadeiro o fato de que os Estados Unidos têm forte influência em toda a política da Lava Jato”. Mencionou conexões entre agentes americanos e a força-tarefa da operação, além do assalto ao contêiner há 12 anos.
O petista reproduz uma teoria, difundida por sites de esquerda, que atribui o furto dos documentos a empresas do EUA e alega que Sergio Moro recebeu “treinamento” de agentes quando deu uma palestra no país em 2009. Não há provas para sustentar o suposto complô.
O ex-presidente também disse enxergar orientações estrangeiras nas manifestações de 2013, que derreteram a popularidade de Dilma Rousseff. “Acho que teve dedo de fora.”
Para Pablo Ortellado, professor da USP e colunista da Folha, “essa leitura conspiratória é irmã da miopia que o impede de reconhecer seus erros”, escreveu. “Lula prefere olhar para o lado e buscar os motivos dos protestos em delirantes indícios conspiratórios.”
Bruno Boghossian: Em surto de estupidez, Bolsonaro se recusa a prestar contas ao país
Presidente tenta intimidar imprensa, mas jornais não são a única vítima desses ataques
Jair Bolsonaro sabia que seu secretário de Comunicação tinha negócios com empresas contratadas pelo governo? Vai pedir os nomes dos clientes de seu auxiliar para avaliar o caso? Enxerga o óbvio conflito de interesses no episódio? O presidente acha que os cidadãos não merecem essas explicações.
Numa jornada de evidente desequilíbrio, Bolsonaro tentou intimidar quem perguntava sobre o assunto. Disse a uma repórter da Folha que calasse a boca, deu berros durante uma cerimônia no Palácio do Planalto e lançou a outro jornalista uma provocação das mais apalermadas: “Tá falando da tua mãe?”.
Já se sabe que o presidente não acredita na liberdade de imprensa, mas o surto de estupidez mostra também que Bolsonaro se recusa a prestar contas ao país e esclarecer questões que o incomodam.
Pelo segundo dia seguido, ele foi incapaz de produzir uma justificativa para o fato de que Fabio Wajngarten, chefe da Secretaria de Comunicação, gerencia contratos públicos com empresas que são suas clientes na iniciativa privada.
Bolsonaro mentiu, tentou mudar de assunto e fugiu de dar entrevistas sobre o tema. Numa explosão de sinceridade ao fim de um discurso no Planalto, confessou aos jornalistas seu desejo, aos gritos: “Deixem o nosso governo em paz!”. Foi aplaudido pela plateia de aduladores.
Ávido por uma imprensa subserviente, ele se queixou de que os jornais não publicaram “nenhuma linha” sobre vitórias do governo, como o apoio dado pelos americanos à entrada do Brasil na OCDE. O presidente sabe que isso não é verdade, já que seus próprios auxiliares deram entrevistas sobre o caso.
Bolsonaro jamais aceitará que a imprensa tem o papel de levantar informações de interesse público.
Goste ou não do que é revelado, ele deve à população transparência completa sobre esses fatos. Quando ataca repórteres, o presidente busca uma blindagem contra esses questionamentos. Engana-se quem pensa que os jornais são as únicas vítimas.
Bruno Boghossian: Caso da Secom mostra que vícios privados são parte da rotina do governo
Bolsonaro foge de explicações e dá guarida a episódio típico de conflito de interesses
Alguém deve ter entendido mal quando os liberais de conveniência da equipe de Jair Bolsonaro passaram a incentivar parcerias entre empresas e o poder público. Dentro do Palácio do Planalto, vícios privados já fazem parte da rotina.
Os repórteres Fábio Fabrini e Julio Wiziack revelaram que o chefe da Secretaria de Comunicação da Presidência tem uma empresa que recebe dinheiro de emissoras e agências de publicidade que faturam milhões com a pasta comandada por ele.
Em outras palavras: quando assumiu o cargo, em abril, Fabio Wajngarten passou a ser o cara que assina contratos que rendem fortunas para seus próprios clientes. Ele se recusou a fazer o óbvio e romper relações comerciais entre sua empresa e os fregueses interessados na dinheirama que passou a controlar.
Seria difícil inventar um caso mais típico de conflito de interesses. Agentes públicos devem se manter afastados de transações privadas porque cabe a eles zelar pela coisa pública com rigor absoluto. Mesmo que o secretário não tenha favorecido essas empresas, seu vínculo com elas deixa brechas para questionamentos.
Wajngarten afirma que se afastou da administração da empresa. O problema é que ele continua lucrando com seus negócios. Para piorar, dois clientes antigos da firma são Record e Band, emissoras que tiveram um salto no faturamento publicitário com o governo depois que Bolsonaro assumiu o poder.
Diante de uma incompatibilidade tão evidente, o governo recorreu a sua arma mais comum, o ataque à imprensa. Afirmou que a Folha faz mau jornalismo, provavelmente por ter revelado uma relação que o presidente preferiria manter oculta.
Bolsonaro fugiu de uma entrevista coletiva quando ouviu uma pergunta sobre o tema. Na prática, deu guarida ao auxiliar. Já o ministro Luiz Ramos (Secretaria de Governo) disse que aquela era uma maldade contra Wajngarten. Ninguém explicou como um homem público pode ganhar dinheiro de empresas que são pagas com recursos do contribuinte.
Bruno Boghossian: Bolsonaro dá cores ideológicas a discussão sobre salário mínimo
Presidente tem crise de identidade e contamina decisão técnica com viés político
O presidente acordou em crise de identidade. Logo pela manhã, Jair Bolsonaro disse no Palácio da Alvorada que encontraria uma brecha para corrigir o salário mínimo pela inflação, para R$ 1.045. Minutos depois, saiu às redes sociais com uma crítica velada ao assunto.
"O nosso salário mínimo é pouco para quem recebe e muito para quem paga. Uma eterna discussão entre direitos e deveres", escreveu. Depois, emendou um ataque à esquerda e à Venezuela, que anunciou um aumento de 67% esta semana.
Bolsonaro conseguiu pintar mais uma medida burocrática com uma tintura ideológica desnecessária.
O governo só precisava definir se ajustaria o salário mínimo em R$ 6 para compensar o pico de inflação provocado pela disparada no preço da carne no fim do ano passado. Agiu, porém, como se aquela decisão estivesse necessariamente contaminada pela agenda da esquerda.
O presidente tentou renovar suas juras de fidelidade à agenda liberal. Ao apontar limitações na política de aumento do mínimo, Bolsonaro se agarrou mais uma vez a essa bandeira para fazer um aceno a seus apoiadores no mercado financeiro.
No fim da tarde, o governo finalmente confirmou o reajuste. O presidente participou da reunião em que o martelo foi batido e fez questão de dar a notícia aos jornalistas.
Bolsonaro não demorou a perceber que aquele seria um ganho político razoável, com custo financeiro reduzido. O peso do aumento será de apenas R$ 2,13 bilhões, ao passo que o prejuízo político de um veto a essa reposição seria desastroso para um presidente já marcado pela indiferença com questões sociais.
Depois de três décadas de vida política, ainda faltam a Bolsonaro os mais singelos fragmentos de sensibilidade nessa área. Em discursos na Câmara, o então deputado só falava de salário mínimo para defender mudanças na remuneração dos militares. Ao tomar posse como presidente, omitiu em um de seus pronunciamentos a única menção que havia no texto à redução da desigualdade.
Bruno Boghossian: Máquina de mentiras de Bolsonaro quer enganar seus próprios apoiadores
Com lorotas fajutas, presidente trata seguidores como se fossem ingênuos ou idiotas
A turma do governo se emplumou na virada do ano para fazer uma comparação que parecia impressionante. Auxiliares de Jair Bolsonaro divulgaram que o custo das viagens do presidente em seu primeiro ano havia sido de R$ 8 milhões, ao passo que Dilma Rousseff havia gastado R$ 483 milhões em 2014.
A intenção era louvar o chefe e sua capacidade de gestão, em contraste com a gastança desenfreada dos “esquerdopatas”. A ministra Damares Alves escreveu: “Vamos deixar o povo julgar”. Mas era tudo mentira.
Os governistas emparelharam coisas totalmente diferentes. A cifra de Dilma englobava os gastos com passagens de todos os servidores do governo, enquanto o número de Bolsonaro levava em conta só as viagens do presidente. No ano passado, na verdade, o valor total destinado a passagens foi de R$ 421 milhões, segundo o Portal da Transparência.
A máquina de propaganda do bolsonarismo se alimenta de mentiras, informações distorcidas, dados maquiados e comparações esdrúxulas. A função desse mecanismo não é só confundir o debate público, mas principalmente enganar os próprios apoiadores do governo.
Em certas situações, o presidente elabora mentiras sob medida para suas bases. Criticado por seguidores, ele inventou que sofreria um impeachment se vetasse a destinação de R$ 2 bilhões para o fundo eleitoral.
A desonestidade chega a níveis ridículos. Na sexta (10), Eduardo Bolsonaro reclamou que os incêndios florestais na Austrália não receberam do Instituto Chico Mendes a mesma atenção dada às queimadas na Amazônia. Não deveria ser preciso explicar que o órgão ambiental federal não tem nenhuma relação com desastres em outros países.
Bolsonaro e sua equipe não espalham absurdos para fazer com que seus críticos mudem de ideia. O objetivo é convencer simpatizantes de que o governo vai bem e fazer com que eles mesmos espalhem essas lorotas de baixa qualidade. O presidente, nesse caso, trata seus apoiadores como se fossem ingênuos ou idiotas.
Bruno Boghossian: Por que Bolsonaro fala tanto de impeachment?
Presidente usa perigo como válvula de escape e fabrica ideia de perseguição
Em seu quinto mês no cargo, Jair Bolsonaro pronunciou a palavra impeachment pela primeira vez. Quando estudantes protestaram contra o bloqueio de verbas da educação, em maio, o presidente disse que o congelamento era necessário para que ele não fosse derrubado.
"Quem decide corte não sou eu. Ou querem que eu responda a um processo de impeachment no ano que vem por ferir a Lei de Responsabilidade Fiscal?", perguntou.
Não era bem assim. Bolsonaro sabia que o Orçamento era apertado quando resolveu se candidatar. Sabia também que sua assinatura determinaria as áreas afetadas pelos ajustes nas contas. O presidente, na verdade, quis explorar o risco de destituição como uma artimanha política.
O truque tem duas funções. Em geral, o perigo do impeachment é usado como válvula de escape para medidas amargas ou atos que contrariem a fatia mais barulhenta do eleitorado cativo de Bolsonaro.
Foi o que ocorreu na terça (7), quando o presidente afirmou que poderia sofrer impeachment se vetasse a destinação de R$ 2 bilhões para o fundo eleitoral. Ele argumentou que a lei define como crime de responsabilidade o uso do poder para impedir a execução da lei eleitoral.
Bolsonaro inventou a balela para sair de um enrosco criado por ele mesmo. O próprio governo estabeleceu aquele valor na lei orçamentária, mas passou a ser pressionado a vetar o trecho por sua base mais fiel.
Relutante em contratar esse desgaste com os parlamentares, Bolsonaro passou a espalhar a tese do crime --uma farsa, já que o presidente é livre para vetar projetos.
O segundo propósito da ameaça é pintar Bolsonaro como um personagem injustamente cercado por arapucas dos políticos tradicionais. O presidente reproduz, mais uma vez, a figura do candidato antissistema.
De quebra, também vulgariza o risco de impeachment para criar uma blindagem caso o risco surja, de fato, no futuro. Um processo desse tipo não está no radar, mas Bolsonaro insiste em testar os limites da lei.
Bruno Boghossian: Censura ao Porta dos Fundos premia os intolerantes de plantão
Decisão mostra que proteção das liberdades no país é tão frágil quanto parece
Bastaram dois coquetéis molotov e uma petição ao Tribunal de Justiça do Rio para que a censura fosse instalada. A decisão que ordenou a retirada do ar do especial natalino do Porta dos Fundos deu ganho de causa aos intolerantes e mostrou que a proteção das liberdades no país é tão frágil quanto parece.
O desembargador Benedicto Abicair fabricou uma inovação jurídica ao impedir a exibição da sátira que retrata um Jesus gay. Dezesseis dias depois que a sede da produtora foi alvo de um atentado, o magistrado afirmou que a proibição era necessária para "acalmar ânimos".
Na prática, o desembargador agiu como se a melhor maneira de reprimir a atividade de fanáticos criminosos fosse atender suas vontades. Para piorar, decidiu instituir uma figura absurda como a censura preventiva e tratou a liberdade de expressão como questão secundária.
Abicair escreveu que o Judiciário deve "evitar desdobramentos violentos, principalmente quando se vislumbra ânimos exaltados". Se os produtores do vídeo não explodiram coisa nenhuma, é curioso que a solução tenha sido tirar a peça do ar.
O processo que levou à censura do especial carrega uma sequência de distorções que afrontam o princípio da liberdade de expressão.
Primeiro, os autores do pedido argumentaram que o material agride a liberdade religiosa --como se a sátira impedisse alguém de professar sua fé. Depois, o Ministério Público alegou que houve um "abuso do direito de liberdade de expressão através do deboche". A promotora, ao que parece, ignorou o sentido da palavra "liberdade". Por fim, o desembargador afirmou que a censura era benéfica porque a sociedade brasileira é "majoritariamente cristã".
Quem se sente ofendido por qualquer manifestação tem o direito de requerer uma reparação ou cobrar a responsabilização de seus autores. Tratar a proibição como um artifício corriqueiro, além de criar mais um precedente perigoso, premia quem está disposto a usar um par de explosivos e chamar um advogado.
Bruno Boghossian: Bolsonaro toma decisões sem base técnica e governa por improviso
Bagunça é produto de um grupo que não mede consequências de atos e declarações
Jair Bolsonaro reforçou sua vocação para o improviso na inauguração deste segundo ano de governo. Da crise do Irã ao debate sobre a energia solar, o presidente mostrou que sua especialidade é mesmo criar confusão e tomar decisões sem base técnica ou cálculo de riscos.
Bastou uma conversa de meia hora com um lobista para que o presidente passasse a atacar o plano de sua própria equipe econômica para reduzir subsídios na produção de energia solar. Bolsonaro ignorou dados do governo e passou três dias recitando apenas a cartilha repassada pelos empresários do setor.
Alguém poderia imaginar que o presidente havia sido acometido por um surto ambientalista na virada do ano, passando a advogar fervorosamente pela geração de energia limpa. Mas era só demagogia.
Bolsonaro desprezou os argumentos de que esses incentivos são pagos por todos os contribuintes e, em muitos casos, acabam beneficiando mais usuários ricos do que pobres. No fim, em vez de ouvir os conselheiros do governo, ameaçou demitir quem falar sobre o assunto.
Jogando para a plateia, o presidente também provou que não sabe o que fazer para amenizar pressões sobre os preços dos combustíveis. Bolsonaro lançou a ideia de reduzir impostos estaduais, mas nem sequer consultou os governadores, que se recusam a abrir mão de receitas em tempos de cofres vazios.
O time do presidente age como se fosse possível governar por tentativa e erro. O Itamaraty contratou um incômodo desnecessário com o Irã ao demonstrar toda a sua subserviência aos EUA no duelo entre os dois países. O tom da chancelaria brasileira irritou alguns militares, preocupados com os efeitos sobre o comércio exterior e a segurança nacional.
A balbúrdia é o produto de um governo que não mede as consequências de seus atos e declarações. Bolsonaro pode tentar mascarar essa incompetência com tinturas ideológicas ou apelos populistas, mas o presidente não é mais um novato. A bagunça cobrará seu preço.