Bruno Boghossian
Bruno Boghossian: Motim na PM dá dimensão nacional à política dos batalhões
Governadores querem evitar que tropas se tornem área de influência de Bolsonaro
A muitos quilômetros do quartel de Sobral, um governador convocou comandantes de sua Polícia Militar para cobrar disciplina das tropas. Em outro palácio, um mandatário decidiu refazer as contas do reajuste que havia sido prometido aos agentes de segurança locais.
Governadores enxergaram de longe a fumaça da exploração política após a explosão do motim da PM cearense. Nos últimos dias, muitos deles agiram não só para reduzir o risco de que a insurreição se alastre pelo país mas principalmente para evitar que seus batalhões se tornem áreas de influência de Brasília.
Entre os chefes de governo que passaram a vigiar o humor das tropas, os mais céticos minimizam o perigo de contaminação. Mesmo eles, porém, reconhecem que Jair Bolsonaro poderia sair ganhando com o clima de apreensão nos estados.
A tensão se deve em parte à barbeiragem de um dos integrantes desse clube. A decisão de Romeu Zema (Novo) de conceder aumento de 41,7% aos policiais de Minas vem sendo tratada como um estímulo irresponsável a outros rebeldes, nas palavras de um governador.
Mas o episódio toma contornos nacionais no ambiente de conflito aberto entre governadores e o presidente. Declarações de Bolsonaro sobre o preço da gasolina e sobre a morte de um miliciano ligado a sua família já mereceram cartas de protesto de chefes estaduais nas últimas semanas. Agora, alguns deles temem uma nova investida do Planalto.
O presidente fala o idioma dos insurretos. Ele fez carreira cobrando aumentos de salários para policiais e defendendo agentes violentos. Na greve de 2017 da PM capixaba, abriu uma campanha para que o governo cedesse ao achaque dos amotinados.
Parte dos chefes estaduais crê que Bolsonaro age para esvaziar seus poderes e reforçar o próprio alinhamento com os batalhões. Se uma tropa enfrentar seu governador por acreditar que tem guarida no Planalto, fecha-se uma panela de pressão. A polícia estaria a um passo de se transformar em uma falange política.
Bruno Boghossian: Bolsonaro pratica autossabotagem em novo choque com o Congresso
Explosão de ministro contra parlamentares esvazia oxigênio político do governo
Jair Bolsonaro abriu mão de uma parte de seus próprios poderes ainda no ano passado. Em março, o presidente quis emparedar o Congresso pela primeira vez e acusou parlamentares de corpo mole na discussão da reforma da Previdência.
"Fizemos nossa parte, encaminhamos a proposta ao Parlamento. A bola agora está com o Parlamento", disse, para depois provocar deputados e senadores: "O que é articulação? O que está faltando eu fazer?".
O presidente se elegeu apoiado numa repulsa teatral à atividade política. Para se afastar da tarefa de dialogar com outros Poderes, anunciou que sua tarefa seria apenas elaborar ideias e atirá-las ao mundo. Acabou entregando ele mesmo a chave do governo nas mãos do Congresso.
A explosão de Bolsonaro e seus aliados contra as manobras dos parlamentares para sequestrar os últimos bilhões do Orçamento dão a medida da operação desastrosa que toca o dia a dia do Palácio do Planalto.
Deputados e senadores aprovaram em dezembro uma regra que obriga o governo a pagar mais R$ 30 bilhões indicados pelo Parlamento nas contas deste ano. A equipe de Bolsonaro levou dois meses para perceber que não conseguiria retomar o controle desse dinheiro. Quando tentou reagir, protagonizou mais um espetáculo de autossabotagem.
Enviado pelo presidente, o general responsável pela articulação política costurou com os parlamentares um acordo de redução de danos, que desataria ao menos um pouco as mãos do governo. Abriu-se então a cortina para outro militar.
Sem saber que estava sendo gravado por um assessor, o general Augusto Heleno vocalizou os delírios absolutistas do governo e chamou de chantagem a negociação conduzida pelo colega. Sugeriu ainda que Bolsonaro mandasse apoiadores às ruas contra o Congresso e lascou um "foda-se" para os parlamentares.
A atitude incendiária e a incompetência clara esvaziam o pouco oxigênio político que ainda restava ao Planalto. O maior patrono do parlamentarismo é o próprio Bolsonaro.
Bruno Boghossian: Na guerra ideológica, Bolsonaro ganha até quando perde
Presidente estimula sua base mesmo quando não consegue entregar soluções concretas
Dias depois da eleição, Jair Bolsonaro anunciou a transferência da embaixada brasileira em Israel para Jerusalém. Parecia uma simples mudança de CEP, mas não era assim. Ainda no primeiro ano de mandato, os militares desmontaram a armadilha, já que o plano era visto como afronta pelos países árabes.
O presidente perdeu a queda de braço dentro do governo, mas não admitiu desistir e passou a empurrar a ideia com a barriga. Em dezembro, disse ao primeiro-ministro israelense que a troca aconteceria em 2020. Dois meses depois, deu uma entrevista a um pastor evangélico e disse que tudo seria feito até 2021.
Para Bolsonaro, as bravatas e a propaganda valem mais que resultados objetivos, na maior parte das vezes. O presidente se especializou em vender planos de difícil execução e soluções impossíveis para problemas fantasiosos, apenas para manter sua base política estimulada.
O governo sabe que uma transferência definitiva da embaixada para Jerusalém criaria complicações desnecessárias para o Brasil. Bolsonaro dá sinais de hesitação, mas continua balançando a cenourinha na frente de cavalos famintos pela mudança. Assim, ele reforça um discurso caro à comunidade evangélica, mesmo que o projeto não se concretize.
A mesma lógica está por trás de sua recente tentativa de emparedar os governadores no debate sobre o preço dos combustíveis. O presidente sabia que nenhum estado poderia zerar a cobrança de ICMS nesses casos, mas o próprio lançamento da ideia fracassada fez com que ele acumulasse pontos com seu eleitorado.
Incapaz de construir acordos, Bolsonaro deixou no papel sua pauta de costumes e viu o Congresso derrubar propostas como a flexibilização do acesso a armas de fogo. Ele não se importou. No círculo de seguidores fiéis, o mito ganha até quando perde.
Os acenos simbólicos são suficientes para reforçar as trincheiras ideológicas de Bolsonaro. Basta prometer acabar com o comunismo e combater a depravação nas escolas enquanto espera as curtidas nas redes.
Bruno Boghossian: No plano de Guedes, pobres só aparecem como detalhes inconvenientes
Insulto a empregadas domésticas reflete visão impiedosa da população de baixa renda
Quando solta alguma declaração absurda, o ministro Paulo Guedes costuma dizer que a frase só parece ruim porque foi retirada de contexto. Colocadas lado a lado, no entanto, essas barbaridades desenham um quadro bem coerente.
O insulto às empregadas domésticas que brotou na explicação de Guedes sobre o valor do dólar foi tão gratuito que só pode ser interpretado como uma manifestação autêntica. Ele traduz a face amarga de um pacote que trata a população pobre como um detalhe inconveniente no meio de planilhas econômicas.
Na defesa de seu grande salto liberal, o ministro acenou com propostas que cruzam a fronteira da crueldade. Primeiro, veio a ideia de mutilar o benefício pago a idosos miseráveis. Depois, chegou a proposta de taxar o seguro-desemprego.
Os projetos refletem uma visão impiedosa das políticas de proteção social. Ao defender a capitalização, Guedes insinuou que o povo de baixa renda não poupa para a aposentadoria porque gasta tudo o que ganha: "Os ricos capitalizam seus recursos. Os pobres consomem tudo".
O ministro chegou ao poder com a missão de implantar sua agenda de redução do peso da máquina estatal. O problema é enxergar os prejuízos enfrentados por parte da população como meros efeitos colaterais.
Guedes argumenta que a economia liberal criará condições para melhorar a vida dos mais pobres. "Não olhe para nós procurando o fim da desigualdade social. Nos dê um tempinho", afirmou, em dezembro.
Os pobres terão que esperar esse tempinho na fila do Bolsa Família, porque o governo não tem dinheiro para cadastrar novos requerentes, e sem aposentadoria, já que o INSS não consegue atender quem precisa.
Guedes, porém, está longe de produzir as vilanias de seu chefe. Quando era deputado, Jair Bolsonaro reclamou que os governos criavam uma "nefasta política de bolsas" e propôs a esterilização da população pobre. Não era só inexperiência. Depois que virou presidente, ele disse que "não se passa fome no Brasil".
Bruno Boghossian: Bolsonaro se afasta mais da política ao buscar novo ministro militar
Saída de Onyx simboliza desapreço do presidente por trabalho de articulação
Ao buscar um homem das Forças Armadas para ocupar o principal ministério do Planalto, Jair Bolsonaro elimina as migalhas políticas que restavam no coração do governo. O presidente já havia esvaziado as funções do deputado Onyx Lorenzoni na Casa Civil. Agora, pretende entregar a um militar as chaves do último gabinete do palácio.
Bolsonaro bateu à porta do Quartel-General do Exército e convidou o quatro estrelas Walter Braga Netto para ajeitar as confusas atividades do governo. Cada vez mais fraco, Onyx não dava conta do recado e já não participava da interlocução com o Congresso. Era um bibelô político que deve dar lugar ao quarto ministro de farda no Planalto.
O presidente nunca escondeu seu desapreço pelo trabalho de articulação. De saída, ele se recusou a montar uma base de apoio no Congresso e distribuiu de maneira descuidada entre seus auxiliares a missão de conversar com parlamentares.
A divisão de tarefas funcionou mal, e o Planalto foi perdendo credibilidade. O ex-ministro Santos Cruz, que chegou a dividir com Onyx o relacionamento com deputados e senadores, já disse que a falta de nitidez nas funções de articulação política e coordenação de programas prejudicava o funcionamento do governo.
Depois de provocar uma sequência de colisões com o Congresso, o presidente ainda tentou concentrar o trabalho político nas mãos de outro militar. Sete meses após assumir o cargo, o general Luiz Eduardo Ramos ainda é visto com desconfiança até por parlamentares aliados.
Bolsonaro parece transferir essa função para fora do palácio. Agora, o ex-deputado Rogério Marinho é a aposta do governo para azeitar a relação com o Congresso. Novo ministro do Desenvolvimento Regional, ele vai gerenciar um orçamento milionário, cobiçado por parlamentares.
Ao defenestrar o único ministro político do Planalto, o presidente terceiriza uma tarefa que despreza. A decisão de pintar mais um gabinete de verde-oliva mostra de vez que o pilar de seu governo é outro.
Bruno Boghossian: Governo abusa de barbeiragens e hesitações na agenda econômica
Ofensa de Guedes a servidores só deu combustível a políticos que não querem reforma
No famoso episódio em que Fernando Henrique Cardoso tentou estabelecer uma idade mínima para as aposentadorias, a proposta foi derrotada por um voto. O deputado Antonio Kandir disse que se enganou e apertou o botão errado no plenário. Um colega fez troça: “Se for difícil apertar botão, fica difícil viver”.
O governo tinha maioria no Congresso, mas tombou com trapalhadas desse tipo. Dias depois, FHC ainda chamou de “vagabundos” aqueles que se aposentam cedo demais. Tentou se explicar, mas pagou caro e bloqueou discussões mais profundas sobre a reforma da Previdência.
Jair Bolsonaro conseguiu mudar as regras de aposentadoria, mas dá outras trombadas na agenda econômica. Na prometida reforma administrativa, que deveria mudar normas do serviço público, o governo abusa de barbeiragens e hesitações.
A ofensa de Paulo Guedes a funcionários que chamou de “parasitas” só deu combustível a políticos que não queriam reformar coisa alguma. Parlamentares e integrantes do governo passaram a levantar dúvidas sobre o clima para aprovar o projeto.
Um deles, com toda a certeza, é o próprio presidente. Ainda no ano passado, Guedes adiou a reforma pela primeira vez. A culpa era dos protestos no Chile, que impressionavam Bolsonaro e criavam o temor fantasioso de protestos violentos aqui.
O ministro jura que o presidente ainda apoia a mudança para os servidores, mas afirma que o timing é o problema. Há 40 dias, o presidente vacilou de novo e disse que o projeto ainda precisava de “um polimento”.
O texto deveria ter chegado nesta terça (11) ao Congresso, mas o governo vacilou. Guedes pode ter apertado o botão errado na cabeça do chefe.
Um depoente mentiu nove vezes e insultou a jornalista Patrícia Campos Mello na sessão desta terça da CPI das fake news. Para atacar mais uma vez a imprensa, aliados do presidente passaram a reproduzir a imundície. As redes de apoio ao governo nadam de braçada no esgoto.
Bruno Boghossian: Censura de livros em Rondônia é produto de uma máquina reacionária
Com poder nas mãos, grupos trabalham por agenda baseada em arbítrio e moralismo barato
Os dados do último Censo Escolar apontaram que só 8% das unidades estaduais de ensino de Rondônia estavam ligadas à rede pública de esgoto. Quatro em cada dez não tinham nem biblioteca, mas o governo local decidiu gastar seu tempo com uma batida para confiscar livros de autores consagrados.
A caçada obscurantista ensaiada pela Secretaria da Educação do estado mostra o que pode acontecer quando a gestão pública se torna refém de obsessões ideológicas. Com o poder nas mãos, grupos eleitos nos últimos anos passaram a trabalhar a favor de uma agenda baseada no arbítrio e no moralismo barato.
Na última quinta (6), o governo de Rondônia enviou um memorando a coordenadores regionais de educação para ordenar o recolhimento de livros "inadequados para crianças e adolescentes". Os censores incluíram no índex obras de escritores célebres como Machado de Assis, Mário de Andrade e Euclides da Cunha.
A lista sugere que os tiranos que comandam a burocracia do estado não estão nem aí para a educação dos jovens. A máquina reacionária quis proibir o contato de estudantes com livros que marcaram a literatura brasileira e costumam ser exigidos em vestibulares país afora.
O secretário da Educação praticamente confessou que a ideia era fazer tudo às escondidas. Primeiro, ele disse aos repórteres Paulo Saldaña e Ricardo Della Coletta que não havia ordem daquele tipo. Era mentira, pois a circular aparecia no sistema interno da pasta. Depois, ele anunciou que não haveria mais confisco.
A tentativa de censura é produto de uma visão obtusa das políticas públicas de ensino, que estabelece fantasmas comunistas e a depreciação dos bons costumes como os principais problemas da educação.
Essa, aliás, é uma das linhas mestras do bolsonarismo. Na campanha e no governo, o presidente estimulou a falsa ideia de que o mau desempenho dos estudantes brasileiros é fruto de depravações e de uma contaminação esquerdista nas escolas.
Seus discípulos estão escutando.
Bruno Boghossian: Bolsonaro tira bomba do colo com manobra em debate sobre gasolina
Presidente ganha fôlego e evita choques ao fabricar impasse com governadores
Jair Bolsonaro sabe o prejuízo que um governante pode ter com o giro dos centavos nas bombas de combustíveis. Quando caminhoneiros bloquearam estradas em protesto contra o preço do diesel, em 2018, ele incentivou o movimento e disse que só uma paralisação poderia "forçar o presidente da República a dar uma solução para o caso".
Embora o valor cobrado nos postos envolva fatores como custos de produção, preços internacionais e tributos, a ira dos motoristas costuma ficar concentrada nos inquilinos do Palácio do Planalto. Michel Temer e Dilma Rousseff foram alvos de ataques. Bolsonaro aplicou um drible para se proteger desse mau humor.
O presidente fabricou um impasse com os 27 governadores e ganhou fôlego para enfrentar os choques provocados por futuras altas nos preços. Nas últimas semanas, Bolsonaro insistiu que o aumento dos combustíveis não era culpa sua, mas dos impostos cobrados nos estados.
O argumento fazia pouco sentido, já que três tributos federais também incidem sobre a gasolina, o diesel e o etanol. Nesta quarta (5), o presidente emendou uma provocação: desafiou os governadores e disse que zeraria essas cobranças da União se os estados fizessem o mesmo. Ele sabe que isso jamais acontecerá, mas pode se dar por satisfeito.
Foi uma jogada política barata, mas eficaz. Bolsonaro apresentou uma solução impossível e tirou temporariamente essa bomba de seu colo. Se o custo nos postos não mudar, ele pode voltar a alimentar dúvidas sobre os responsáveis pelos preços.
Essa manipulação foi tão elementar que não assustou nem os cães de guarda liberais dentro e fora do governo. Se Bolsonaro zerasse os tributos, Paulo Guedes perderia cerca de R$ 27 bilhões no ano, mas o ministro nem piscou. No mercado financeiro, o silêncio também foi revelador.
A manobra pode ter dado certo por enquanto, mas as pressões não desapareceram. Hipersensível ao tema, o presidente já mostrou que poderá ficar tentado a fazer interferências mais radicais no futuro.
Bruno Boghossian: Bolsonaro desvia a máquina pública para projeto pessoal de poder
Ataque a Petra Costa mostra que interesse público fica abaixo de desejos particulares
Um ex-ministro definiu a conduta do presidente. "Ele confunde o Brasil com a pessoa física dele. Se você critica o Jair Bolsonaro, ele acha que você é inimigo do Brasil. Ele precisa se conscientizar de que é só um brasileiro", disse Gustavo Bebianno, no fim do ano passado.
Bolsonaro deformou o aparato estatal. O governo coleciona episódios em que a máquina pública foi explorada para atingir desafetos e alimentar picuinhas. Servidores e dinheiro público deixam de atender à sociedade e são desviados para um projeto particular de poder.
O ataque da Secretaria de Comunicação da Presidência à diretora Petra Costa é o exemplo mais recente. Em entrevista a uma TV americana, a cineasta fez críticas direcionadas a Bolsonaro e ao governo, mas foi alvejada por um órgão oficial e tachada como "militante anti-Brasil".
A tentativa de embaralhar a fronteira entre país e governante é típica de líderes autoritários, que se escondem atrás de apelos nacionalistas em busca de proteção. O Planalto não apenas abasteceu esse delírio como usou sua estrutura a serviço da defesa pessoal do presidente.
A cineasta cometeu erros e imprecisões ao descrever a eleição de Bolsonaro e suas bandeiras de extrema direita. O presidente e alguns ministros poderiam rebater esses argumentos individualmente, mas o aparelho do governo não pode ser usado para difamar seus rivais.
Essa distorção contamina toda a máquina estatal. Na semana passada, a Petrobras cancelou uma palestra da economista Deirdre McCloskey porque ela disse que Bolsonaro era qualquer coisa, menos liberal.
Em casos assim, o interesse público fica abaixo de desejos pessoais. Foi o que ocorreu quando o fiscal do Ibama que multou o presidente perdeu o cargo ou quando Bolsonaro criticou governadores e disse que não daria "nada para esses caras".
O princípio da impessoalidade não é um capricho. Ele serve para impedir que governantes de turno usem o Estado para financiar suas obsessões e asfixiar opiniões divergentes.
Bruno Boghossian: Lula e oposição ainda vacilam no embate cotidiano com Bolsonaro
Adversários hesitam até na hora de tirar uma casquinha da balbúrdia do governo
Lula parece ter dado uma folga a Jair Bolsonaro. Nos principais trechos de sua entrevista ao UOL na última semana, o ex-presidente citou o nome do rival apenas seis vezes. Nenhuma continha uma crítica incisiva. O petista chegou a concordar com os ataques do atual governante à imprensa e só recomendou que ele parasse de “falar bobagem”.
Trata-se do mesmo Lula que, há pouco mais de dois meses, saiu da prisão chamando Bolsonaro de miliciano e insinuando que o aumento patrimonial do adversário era fruto de atividades ilegais. “O PT tem que polarizar mesmo”, declarou.
Seja uma pausa estratégica ou uma tática duradoura, o tom do discurso do ex-presidente se soma a um comportamento relativamente tímido da oposição ao governo Bolsonaro. É verdade que o presidente e seus aliados criaram por si mesmos a balbúrdia desses primeiros 13 meses de mandato, mas seus adversários foram hesitantes até na hora de tirar uma casquinha do caos.
Parte dos opositores vacila por acreditar que qualquer exploração política da bagunça produzida pelo governo ajuda Bolsonaro. Basta uma provocação para que o presidente levante hipóteses fantasiosas de sabotagem ou lance alertas exaltados para o risco de volta da esquerda ao poder. É exagero, mas ele consegue mobilizar suas bases assim.
A cautela não disfarça o fato de que a oposição tem provocado pouco barulho até aqui. No ano passado, a esquerda ainda conseguiu surfar nas manifestações de professores e estudantes contra o bloqueio de gastos na educação, mas passou em branco na sucessão de micos do Enem.
Boa parcela desse grupo, como sempre, fica imóvel à espera de sinais de Lula. O ex-presidente, por sua vez, se mostra mais interessado em defender seu legado e reconstruir a imagem do PT em médio prazo do que em traçar estratégias para o embate cotidiano com o governo.
No mais, o petista passou a guardar a acidez de seus ataques para o ex-juiz Sergio Moro. Nesse ponto, ele e Bolsonaro têm algo em comum.
Bruno Boghossian: Disputas de poder criam turbulência para o governo no Congresso
Atritos no Planalto e no MEC irritam parlamentares e podem dificultar vida de Bolsonaro
Não é pouca coisa o fato de que a crítica mais cortante ao caos no Ministério da Educação tenha partido do presidente da Câmara. Nem que o presidente do Senado tenha feito circular uma ameaça de retaliação ao governo diante do desmanche da Casa Civil. O Planalto já não tem apoio firme no Congresso, mas a situação sempre pode piorar.
Jair Bolsonaro assiste a disputas de poder em postos-chave de sua gestão, envolvendo diretamente os interesses de caciques políticos que podem facilitar ou dificultar sua vida. O presidente amplia o risco de turbulências a poucos dias do retorno das atividades parlamentares.
Dirigentes de siglas alinhadas à agenda do governo ficaram atônitos com a humilhação pública a que Bolsonaro submeteu Onyx Lorenzoni nos últimos dias. A decisão de esvaziar ainda mais a já debilitada estrutura da Casa Civil reacendeu insatisfações com o trabalho desastrado de articulação política do Planalto.
A fritura do ministro foi atribuída a um consórcio de diversos integrantes do primeiro escalão —entre eles o general Luiz Ramos, chefe da Secretaria de Governo. Onyx nunca foi unanimidade entre os líderes do Congresso, mas o militar também acumula desafetos. Sua relação é especialmente ruidosa com Davi Alcolumbre, presidente do Senado.
Em dezembro, Ramos descreveu o Planalto como "um serpentário". "Quanto mais próximo do presidente, mais você é alvo. Assim, se você me atinge, atinge o presidente", disse. Sua analogia será testada agora.
O governo também produziu atritos quando o ministro da Educação demitiu, sem aviso prévio, um aliado de Rodrigo Maia do FNDE —órgão com orçamento de R$ 55 bilhões. O presidente da Câmara aproveitou as barbeiragens do Enem e disse que Abraham Weintraub é "um desastre".
Perturbações como essas certamente não ajudam a agenda que Bolsonaro gostaria de aprovar na Câmara e no Senado. Aos poucos, o Planalto perde o controle da reforma tributária e vê suas medidas de aperto fiscal andarem com lentidão.
Bruno Boghossian: Bolsonaro conseguiu errar até nas demissões e trocas na equipe
Máquina pública continua refém de obsessões ideológicas e desavenças particulares
Dias antes de demitir Ricardo Vélez, o presidente disse achar “bastante claro” que as coisas não estavam dando certo no Ministério da Educação. Em três meses no cargo, o professor colombiano provocou um apagão na pasta e tentou obrigar crianças a recitarem o slogan de campanha do chefe. Até Jair Bolsonaro precisou admitir que faltava ao auxiliar capacidade de gestão.
Nenhuma lição foi aprendida naquele episódio, como se vê. O presidente exaltou a própria coragem ao se livrar de um ministro incapaz, mas decidiu substituí-lo pelo indivíduo que agora pilota o caos do Enem.
As demissões e trocas de comando executadas por Bolsonaro neste seu período inicial no poder foram tão improdutivas quanto muitas de suas nomeações. A máquina pública continua sequestrada pelas obsessões ideológicas e desavenças particulares do presidente.
Abraham Weintraub só está pendurado no posto até agora por ter se provado um antiesquerdista mais malcriado do que o antecessor. Ninguém ligou para o fato de que, num só dia, persistiram as falhas no cálculo das notas do Enem e surgiram novos problemas no sistema de inscrição nas universidades.
Se o departamento de RH do governo funcionasse, Bolsonaro não teria derrubado Joaquim Levy do BNDES. O presidente achava que o economista não queria abrir a caixa-preta do banco. Seu substituto, um amigo da primeira-família, precisou anunciar que uma auditoria milionária no órgão não encontrou nada e não tem “nada mais a esclarecer”.
Em junho do ano passado, Bolsonaro cedeu à ala do Planalto que brigava pelo controle da verba oficial de comunicação e demitiu o general Santos Cruz. Sem o militar, quem ganhou poder foi o secretário Fábio Wajngarten, hoje protagonista de um indecente conflito de interesses.
Algo parecido aconteceu na saída de Gustavo Bebianno, chutado quando estourou o escândalo das candidaturas laranjas do PSL. Já o ministro do Turismo, denunciado pelos investigadores, continua na cadeira.