Bruno Boghossian
Bruno Boghossian: Crise reforça papel de evangélicos como base de Bolsonaro
Entre esses fiéis, 41% aprovam trabalho do presidente, contra 31% dos católicos
Os atritos produzidos por Jair Bolsonaro na crise do coronavírus reforçaram o papel dos evangélicos como âncoras de seu governo. A última pesquisa Datafolha mostra que nenhum grupo social com peso relevante tem uma visão tão positiva do presidente quanto esses fiéis.
Entre os evangélicos, que representam quase um terço da população, 41% consideram ótimo ou bom o desempenho de Bolsonaro em relação ao surto da Covid-19. Para os católicos, que são metade dos brasileiros, essa aprovação é de 31%.
A variação supera diferenças nos perfis econômicos das duas religiões. A conduta de Bolsonaro provocou um aumento da rejeição a seu trabalho na população de baixa renda (40%), que compõe parte considerável do segmento evangélico. No grupo religioso, porém, a reprovação ao presidente é de apenas 28%.
O vínculo com os evangélicos, cimentado pela pauta conservadora, foi realçado na crise do coronavírus. O presidente editou um decreto para reabrir templos religiosos e, na última semana, evocou a fé para convocar um jejum contra a pandemia.
O pastor Silas Malafaia se alinhou ao presidente para atacar medidas de isolamento social, e o bispo Edir Macedo disse que o coronavírus era inofensivo, uma “tática de Satanás”.
Os números também sugerem que algumas mensagens de Bolsonaro alcançam esse segmento. A aprovação dos evangélicos (53%) ao trabalho dos governadores, criticados pelo presidente, está abaixo da avaliação positiva feita por católicos (62%).
Esse reduto de Bolsonaro, porém, não é impenetrável a todos os seus desatinos: 47% dizem concordar com a afirmação de João Doria de que a população não deve cumprir orientações do presidente. Outros 40% dizem seguir suas recomendações.
Bolsonaro pediu apoio do povo para atropelar medidas de contenção ao coronavírus. Ao aprovar as ações do Ministério da Saúde, a população disse o contrário. Mais uma vez, o presidente vai fingir que não ouviu.
Bruno Boghossian: Na crise, Bolsonaro só quer saber de fugir de responsabilidades
Presidente transfere culpa e joga para a plateia em busca de proteção
Jair Bolsonaro só pensa no próprio poder. O presidente ameaçou derrubar com uma canetada as medidas de isolamento para conter o avanço do coronavírus. Apesar de fingir coragem, ele sugere que não quer ser responsabilizado pela tragédia que essa ordem pode causar.
"O que os governadores mais querem é que eu tome uma decisão para trazer o problema para o meu colo. Dali para a frente, qualquer morte que acontecer, começar a me culpar", disse nesta quinta (2). "Essa que é a minha preocupação no momento."
Bolsonaro, como se vê, continua tratando com desdém os alertas das autoridades de saúde sobre os riscos de se lançar milhões de pessoas de volta ao trabalho. A única estratégia do presidente durante a crise é abrir mão de suas responsabilidades.
Ao alimentar a campanha pela retomada das atividades, Bolsonaro tentou transferir novamente aos governadores o ônus pela freada brusca da economia. Atacou o paulista João Doria e afirmou que líderes estaduais que decretaram restrições contra a Covid-19 não devem pedir ajuda para pagar suas contas.
"Quer agora vir para cima de mim? Não, ele tem que se responsabilizar pelo que ele fez", disse a um grupo de pastores, na portaria do Palácio da Alvorada. "Não vai cair no meu colo essa responsabilidade."
Em sua rota de fuga, o presidente joga para a plateia. Pela manhã, ele pediu que seus seguidores compartilhassem um vídeo em que uma professora pede que militares reabram as lojas. Mais tarde, ele explicou a manipulação: "Você sabe que existe gente poderosa ali em Brasília que espera um tropeção meu. Eu estou esperando o povo pedir mais".
Para reduzir seu próprio desgaste político com a crise, o presidente tenta transformar suas bases mais fiéis em tropas de choque. Parte daí seu novo esforço de aproximação com grupos evangélicos. Além de advogar pela retomada de cultos religiosos, Bolsonaro agora propõe um dia de jejum em todo o país.
"Em nome de que o Brasil fique livre desse mal o mais rápido possível", completou."
Bruno Boghossian: Bolsonaro insiste em desinformação para manipular debate sobre vírus
Mentirada é estratégia conhecida do presidente, mas agora põe vidas em risco
No início da tarde, o ministro da Saúde lançou um alerta. Henrique Mandetta afirmou ser "muito importante evitar as notícias falsas" sobre a pandemia do coronavírus e fez um apelo: "Estamos lidando com a vida de seres humanos". Ainda falta mandar o aviso ao presidente.
Jair Bolsonaro acordou no Dia da Mentira disposto a golpear a realidade. Pela manhã, ele publicou um vídeo para dizer que as medidas de isolamento implantadas no combate ao vírus haviam provocado desabastecimento de comida em Minas.
Não era verdade. A rádio CBN foi até a Ceasa e mostrou que a situação era normal. A gravação havia sido feita durante a limpeza do espaço. O presidente apagou a postagem e pediu desculpas, não sem antes ser desmentido pela ministra da Agricultura, que disse não haver notícias de desabastecimento no país..
Sergio Moro também pegou carona em relatos falsos. Na terça (31), o ministro da Justiça interrompeu uma entrevista no Planalto e divulgou o boato da prisão de um traficante que teria passado a cumprir pena em casa para evitar contágio pelo coronavírus. Era mentira. Segundo a Polícia Civil gaúcha, o tal homem não estivera preso antes.
O presidente e seus aliados continuam espalhando desinformação para manipular o debate da crise. Redes como Twitter e Instagram já tiveram que apagar ou editar postagens de bolsonaristas para conter a correnteza. O último alvo foi Regina Duarte, que publicou a informação falsa de liberação da cloroquina pela Anvisa no tratamento da Covid-19.
A mentirada é uma conhecida estratégia política do governo para produzir tumulto e confundir a população. A diferença é que, agora, esse jogo põe vidas em risco.
Porta-voz da ala radical do Planalto, Carlos Bolsonaro afirmou que o país caminhará para o socialismo se a população pobre depender de dinheiro do Estado para comer. Além da crise, os miseráveis também serão vítimas da cegueira ideológica.
Bruno Boghossian: Bolsonaro sentiu o baque
Quem dizia só lamentar a morte de milhares de brasileiros finge agora alguma preocupação
Jair Bolsonaro sentiu o baque. Por semanas, o presidente desprezou os alertas de autoridades internacionais sobre a gravidade do coronavírus. Agora, ele busca uma correção de rumo forçada, com direito a falsificação das avaliações técnicas desses mesmos personagens.
O presidente abandonou os diminutivos "resfriadinho" e "gripezinha" em seu pronunciamento desta terça (31). Depois de conduzir a crise com uma estratégia cruel e insensata, Bolsonaro percebeu que a catástrofe na saúde pública poderia esfarelar a popularidade de seu governo.
O homem que dizia apenas lamentar a morte de milhares de brasileiros resolveu fingir alguma preocupação com a saúde da população. Ensaiou um lance de empatia com os espectadores, afirmou já ter perdido entes queridos e emendou: "Sei o quanto isso é doloroso".
Bolsonaro agora tenta recuar a um ponto de equilíbrio entre sua obsessão pela preservação da economia e a intenção de salvar vidas --embora não dê a menor pista de qual é esse ponto. O jogo de manipulação presente em seu discurso, aliás, mostra que ele ainda prioriza o primeiro elemento desse binômio.
Em seu malabarismo, o presidente deturpou na TV as declarações do diretor-geral da OMS, Tedros Ghebreyesus. Depois que o dirigente afirmou que os países deveriam levar em conta as necessidades dos trabalhadores impactados pela crise, Bolsonaro inventou a versão de que a entidade defende a retomada imediata da atividade econômica.
O presidente, porém, sonegou o trecho em que Tedros reforça a importância do isolamento social e diz que os governos precisam proteger a população mais vulnerável. Apesar do ajuste no tom, ele continua evitando um encontro com a realidade.
Bolsonaro nunca respeitou a organização, já que seus especialistas contradizem a estratégia inconsequente de lançar milhões de pessoas às ruas no meio de uma pandemia. Contrariado, o presidente quer asfixiar a verdade e torturar os fatos para que eles fiquem a seu favor.
Bruno Boghossian: Bolsonaro está disposto a produzir massacre com sua ignorância
Presidente não tem evidências ou estudos para justificar reação delirante à crise
Duas universidades britânicas estimam que o Brasil terá centenas de milhares de mortos se não adotar medidas de distanciamento para enfrentar o coronavírus. Confrontado com essas previsões, Jair Bolsonaro deu risada. "Isso aí, no meu entender, é chute. Deve ter algum interesse econômico colocado em jogo aí", disse o presidente.
Bolsonaro é incapaz de apresentar evidências ou levantamentos sérios para justificar sua reação delirante à mais grave crise de saúde pública desta geração. O presidente se move por palpites, mentiras e interesses políticos. Está disposto a produzir um massacre com sua ignorância.
Pesquisadores brasileiros que trabalham diretamente no combate à pandemia alertam que há mais mortes por Covid-19 do que as anunciadas até agora. Esses especialistas dizem que algumas vítimas do vírus não recebem o diagnóstico correto.
Do sofá do Palácio da Alvorada, o presidente desconfia. Em entrevista à TV Bandeirantes, Bolsonaro disse que outras doenças causaram as mortes registradas até aqui. Ainda contestou, sem provas, as estatísticas do estado de São Paulo. "Não estou acreditando nesse número", afirmou, sem oferecer nenhum dado.
Não adianta que o prefeito de Milão tenha dito que foi um erro incentivar as pessoas a continuarem trabalhando quando o vírus começou a se espalhar. A 8.901 quilômetros de distância, o brasileiro acha que o problema da Itália é a idade da população. Por isso, ele quer que todos voltem às ruas imediatamente.
Os dois únicos planos concretos de Bolsonaro são baseados em puro achismo. Ele faz campanha pelo uso de cloroquina para tratar pacientes com Covid-19, mas não apresenta qualquer confirmação da eficácia do medicamento. Além disso, defende o isolamento de apenas parte da população, embora não tenha um mísero estudo sobre seu impacto.
O presidente despreza os fatos, mas sabe que o país terá milhares de mortes se a população seguir suas vontades. Ele não liga. "Alguns vão morrer. Lamento, é a vida", disse.
Bruno Boghossian: Ausente, Guedes abandona estado de negação lentamente
Ministro submerge no momento em que governo emite sinais controversos
Em dois dias, o governo anunciou algumas das medidas econômicas mais emblemáticas da reação aos efeitos do coronavírus: avalizou o aumento para R$ 600 do auxílio emergencial pago a trabalhadores informais e abriu crédito de R$ 40 bilhões para pequenas e médias empresas. Nos dois casos, o chefe da área foi praticamente um personagem secundário.
Duas semanas depois das primeiras e tímidas providências divulgadas pelo Ministério da Economia contra a crise, a ausência de Paulo Guedes no comando dessa missão provoca desconfiança entre empresários e irritação entre congressistas.
O ministro submergiu no momento em que o governo emitiu mensagens desastradas e sinais controversos sobre a linha de ataque aos efeitos da pandemia.
No evento em que o presidente Jair Bolsonaro anunciou uma linha de crédito bilionária para financiar folhas de salários e preservar até 12 milhões de empregos, nesta sexta (27), apenas os chefes do Banco Central, da Caixa e do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) estavam presentes. O sumiço de Guedes surpreendeu alguns empresários.
O ministro também foi quase um figurante no acordo que o governo precisou fechar com o Congresso, no dia anterior, para aumentar o socorro pago a trabalhadores informais afetados pela crise. Guedes havia proposto um pagamento de R$ 200 por mês, mas foi obrigado a aceitar que o valor fosse triplicado, por pressão de parlamentares e do próprio Bolsonaro.
Guedes saiu de Brasília há uma semana, quando o vírus se espalhou entre integrantes da equipe de Bolsonaro, e passou a despachar de seu apartamento no Rio. Deixou para trás um rastro de negação sobre os possíveis impactos da crise e uma coleção de mensagens truncadas sobre as respostas que seriam dadas pelo governo.
Nos primeiros dias desta semana, o ministro ainda repetia que o corte de despesas e a aprovação das reformas de ajuste fiscal eram a melhor resposta ao colapso econômico que se avizinhava. A lentidão e a falta de coordenação para apresentar medidas de emergência que poderiam atenuar os efeitos da crise deixou agentes econômicos perplexos.
Na terça (24), o empresário Carlos Jereissati vocalizou essa insatisfação. “A gente vê uma bela condução pela saúde, nos estados e no ministério, mas não vê a mesma agilidade na área da economia, para salvar as empresas e os empregos”, disse um dos donos do grupo Iguatemi. “Faltam medidas claras, para a economia real.”
Além da demora na tomada dessas decisões, Guedes ainda guardou silêncio depois que o presidente da República lançou uma campanha perigosa pela retomada imediata da atividade econômica, na contramão das recomendações das autoridades de saúde. Bolsonaro desenhou um cenário de terror absoluto, e o ministro responsável pela área se calou.
O país só ouviu uma mensagem completa de Guedes uma semana após seu número de desaparecimento. Sem participar de anúncios oficiais e entrevistas coletivas, o ministro gravou um vídeo de cinco minutos em que avisa que o governo vai abrir os cofres para preservar empregos e, ao contrário do que disse Bolsonaro, que é preciso preparar a retomada “ali à frente”.
A gravação tem público certo: empresários cada vez mais incrédulos com os rumos tomados pela equipe econômica na crise. O ministro, afinal, fala da população mais pobre numa terceira pessoa distante (“gente simples que trabalha todo dia para nos alimentar, para nos distrair”) e enumera os bilhões que serão aplicados durante a turbulência.
As incertezas ainda permanecem e dificultam o ambiente de negociações entre o Ministério da Economia e o Congresso. Numa conferência com empresários nesta sexta, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), reclamou da falta de previsibilidade oferecida pelo governo.
“Se tiver um pacote e o governo apontar quanto vai gastar do PIB para organizar no curto prazo, aí começamos a pensar em um segundo momento, para além de 60 dias, como retomar obras, e reativar a economia”, afirmou Maia, num recado endereçado principalmente a Guedes. “Se não organizar, vamos continuar batendo cabeça.”
O ministro parece ensaiar uma correção de rumos, mas seus ajustes de comportamento nessa crise são muito mais lentos do que o avanço do vírus e seus efeitos econômicos.
Ele dizia há duas semanas que seriam necessários apenas R$ 5 bilhões para “aniquilar o coronavírus”. Agora, ele prevê uma conta de R$ 700 bilhões em três meses.
A ficha realmente demorou a cair. Depois que saiu de Brasília, Guedes contou a jornalistas que percebeu um dos impactos da crise quando pediu um suco de laranja no hotel em que morava na capital. Faltavam laranjas, e o atendente precisou oferecer um suco de abacaxi.
Bruno Boghossian: Bolsonaro tem pressa, mas não cria condições para retorno ao trabalho
Presidente age como se a solução fosse só vender hambúrgueres e quinquilharias
Além de fazer propaganda de um remédio em fase de testes, Jair Bolsonaro anunciou outra ideia para enfrentar o coronavírus. O presidente disse que a população deve voltar ao trabalho e lançar a campanha "Fica em casa, vovô". "O brasileiro tem que entender que quem vai salvar a vida dele é ele", esbravejou.
O retorno à atividade econômica se consolidou como aposta definitiva do governo na crise. Bolsonaro ainda tenta disfarçar sua desumanidade atroz ao indicar a necessidade de equilíbrio entre saúde e a retomada da produção, mas continua priorizando um só lado. "Lamentavelmente, a nossa vida, um dia ela se esvai", disse, nesta quinta-feira (26).
O presidente sabe que boa parte da população teme o desemprego e a evaporação da renda como consequências da crise. O problema é que o próprio governo reforça o medo: até agora, foi incapaz de oferecer uma proteção para quem perder o salário e não conseguiu criar condições seguras para a volta ao trabalho.
Bolsonaro age como se a solução para a crise fosse simplesmente chamar empresários que o bajulam e permitir que eles fritem hambúrgueres ou vendam quinquilharias em suas lojas de departamentos.
O governo ignora o sentido da palavra urgência. Desconsidera o fato de que a redução da circulação de pessoas salva vidas, ao adiar o colapso do sistema de saúde, e demora para apresentar medidas que ajudem financeiramente a população vulnerável enquanto a onda atinge o país.
A retomada da atividade exige uma cobertura emergencial, como fizeram as autoridades americanas e britânicas, que ofereceram uma renda mínima para seus cidadãos. O Brasil anunciou um plano franzino há dias e ainda não conseguiu implantá-lo.
Mesmo assim, a volta ao trabalho deve ser precedida de medidas na saúde, como o aumento de testes, o reforço de hospitais e o monitoramento de regiões de contágio. Bolsonaro prefere perder vidas a perder a piada: "O brasileiro tem que ser estudado. Você vê o cara pulando em esgoto e não acontece nada com ele".
Bruno Boghossian: Bolsonaro usa o terrorismo como estratégia de poder
Presidente oferece o pânico e não apresenta nenhuma saída para a economia
No fim dos anos 1980, Jair Bolsonaro se lançou candidato a vereador após ser absolvido da acusação de planejar atentados a bomba em quartéis, num julgamento controverso. Mais de três décadas depois, ele decidiu usar outro tipo de terrorismo como estratégia política.
Ao ignorar recomendações de especialistas por medidas de distanciamento contra o coronavírus, o presidente afirmou que o caos reinará se a economia não voltar logo ao normal. Nesta quarta (25), ele disse que o governo não terá como pagar funcionários públicos, supermercados serão saqueados e o país corre risco de uma ruptura democrática.
“Se nós não acordarmos para a realidade, daqui a poucos dias poderá ser tarde demais”, declarou.
Por semanas, o presidente ancorou uma campanha de negação dos riscos do coronavírus, criticando o que chamava de pânico e histeria. Agora, ele agiu rápido para instrumentalizar o desespero a seu favor.
Bolsonaro só consegue enxergar a ruína de um dos lados dessa crise. Ele continua minimizando as chances de contaminação em massa e do colapso de sistemas de saúde. Reconhece apenas a ameaça de desmoronamento econômico, em nome de ganhos políticos individuais.
A falsa cegueira cumpre duas funções. O presidente já conseguiu empurrar para os governadores parte do ônus da inevitável desaceleração provocada pela restrição à circulação de pessoas. O discurso, além disso, deixa a porta aberta para uma postura ainda mais radical e para a adoção de medidas de exceção.
A desordem sempre foi o campo político de Bolsonaro. A ameaça de agitação e devastação é sua ferramenta favorita para intimidar adversários e desmerecer seus críticos.
A agonia econômica é um perigo real, mas o presidente não oferece nenhuma saída concreta. Não explica como o governo vai preservar a saúde de quem voltar ao trabalho e propõe uma retomada sem qualquer planejamento, depois desmentida pelo próprio vice-presidente. Bolsonaro só quer deixar o medo no ar.
Bruno Boghossian: Bolsonaro aceita contar cadáveres para camuflar incompetência
Ao insistir na economia e forçar saída abrupta, presidente produz cenário catastrófico
Depois de posar como um presidente sensato, Donald Trump teve uma recaída. O americano chegou a reconhecer a gravidade da crise provocada pelo coronavírus e anunciou medidas de restrição em todo o país. Agora, decidiu desafiar autoridades sanitárias e disse que espera ver a economia funcionando normalmente em menos de 20 dias.
A tentação de forçar a retomada de uma vida normal ressurgiu cedo em círculos populistas. Alguns líderes estão claramente dispostos a contar cadáveres desde que, em troca, consigam reduzir o impacto político da inevitável retração econômica.
A pressão tende a ser maior em países que não têm condições ou interesse em sustentar medidas paliativas, como a cobertura de parte dos salários dos trabalhadores. Jair Bolsonaro que o diga. O brasileiro foi porta-estandarte desse movimento.
No pronunciamento alucinado feito pelo presidente na TV nesta terça (24), ele já afirmou que “devemos, sim, voltar à normalidade”. Fez um malabarismo para questionar o fechamento de escolas e voltou a chamar o vírus que já matou mais de 15 mil no mundo de “gripezinha ou resfriadinho”. Uma receita delirante para a catástrofe.
Pronunciamento de Bolsonaro na TV - Reprodução
É uma questão de tempo até que a ansiedade volte a dominar o presidente. Além de ter sido vocalizada por seu ídolo americano, a visão ganha força entre empresários governistas. Um deles desdenhou da possibilidade de ver 7.000 mortos no país e outro disse que os trabalhadores deveriam ter mais medo de perder o emprego do que de morrer.
O terrorismo desumano esconde mais uma face da incompetência do governo. O efeito de ações como o fechamento do comércio será dramático, mas isso só será necessário até que as autoridades criem ambientes seguros para a retomada das atividades. Enquanto isso, os trabalhadores deverão receber proteção.
Bolsonaro ainda não conseguiu oferecer respostas adequadas para nenhuma dessas condições. Se optar por uma saída abrupta, as consequências serão trágicas.
O presidente diz que seus dois testes para o coronavírus deram negativo, mas se recusa a mostrar os papéis. O ministro da Saúde afirma que os exames são confidenciais. Como o próprio Bolsonaro já anunciou o resultado, a alegação só faria sentido se o governo estivesse mentindo.
Bruno Boghossian é jornalista, foi repórter da Sucursal de Brasília. É mestre em ciência política pela Universidade Columbia (EUA).
Bruno Boghossian: Insistência em agenda liberal drena capital político de Guedes
As primeiras reações da equipe econômica diante da catástrofe que se aproximava provocaram irritação no mundo político
Quando o coronavírus já assustava meio mundo, Paulo Guedes sugeriu ao Congresso Nacional que avançasse com a privatização da Eletrobras e da Casa da Moeda. Por semanas, o ministro da Economia insistiu em que sua agenda liberal era a única maneira de conseguir dinheiro para enfrentar a crise.
Consideradas insuficientes, as primeiras reações da equipe econômica diante da catástrofe que se aproximava provocaram desconfiança de investidores e irritação no mundo político. Guedes conseguiu piorar ainda mais esse ambiente nos últimos dias.
A desastrosa medida provisória que permitia a suspensão de contratos de trabalho sem medidas de compensação contaminou de vez o receituário que o ministro pretendia deixar como marca e drenou o capital político que ele já vinha perdendo desde que assumiu o cargo.
Sua equipe alegou que o governo amenizaria a perda de renda dos trabalhadores em uma medida que seria publicada posteriormente, mas o estrago estava feito. O vaivém que levou Bolsonaro a defender a ação pela manhã e revogá-la menos de quatro horas depois ampliou a deterioração.
Investidores e integrantes da equipe apontam, há dias, que o ministro emite sinais contraditórios e deixa de apontar rumos claros no esforço para enfrentar a crise.
Na sexta (20), Guedes teve conversas individuais com grandes empresários, mas deixou de participar da videoconferência pública em que eles pediram apoio a Bolsonaro. No fim de semana, os apelos continuaram, mas o ministro não foi visto. Finalmente, na segunda (23), quando a medida da suspensão de contratos se tornou pública, o chefe da economia não apareceu para dar explicações.
Em seus 15 meses no posto até aqui, Guedes se notabilizou por desconsiderar danos políticos que seus planos poderiam produzir. Não foram poucas as ocasiões em que o ministro, concentrado nas cifras das contas públicas, ignorou o impacto social amargo de suas medidas de aperto.
Guedes chegou a incluir na proposta de reforma da Previdência uma proposta que reduzia o valor pago a idosos muito pobres e a deficientes, o BPC (Benefício de Prestação Continuada). Apresentou também, na medida provisória que flexibiliza a contratação de jovens, uma controversa taxação sobre o seguro-desemprego.
As duas ideias foram bombardeadas e derrubadas pelo Congresso. O desgaste, no entanto, se acumulou. A cada plano com essas características, a agenda do ministro perdeu tração entre parlamentares e passou a incomodar até o presidente.
Bolsonaro se alinhou à cartilha liberal e abraçou boa parte dos planos de Guedes, mas também manifestou oposição a propostas que podiam causar prejuízos políticos ao governo.
Em diversas ocasiões, o comportamento do presidente provocou questionamentos sobre o poder que o superministro teria para fazer avançar sua agenda. Ainda antes de tomar posse, Bolsonaro criticou a reforma da Previdência sugerida pelo governo Michel Temer —mais suave que aquela planejada por Guedes. “Não podemos querer salvar o Brasil matando idoso”, afirmou.
Foi o próprio presidente quem torpedeou os planos de reforma administrativa, que aplicaria regras mais duras ao funcionalismo público para reduzir as despesas do governo com servidores. Guedes queria uma mudança radical, Bolsonaro determinou um rearranjo suave, que nunca se concretizou.
As divergências apontavam que o ministro pôs as planilhas à frente da viabilidade política de seus planos e, especialmente, das penalidades sociais embutidas nessa agenda.
Os choques produzidos por aquelas propostas provocaram, aos poucos, os primeiros sinais de fragilidade do ministro. Guedes, porém, se beneficiou do fato de que eram tempos de relativa calmaria e se protegeu atrás do apoio de investidores para dobrar a aposta.
As duas circunstâncias se esvaíram em poucos dias com a crise do coronavírus. Ainda assim, o ministro preferiu se agarrar à unha a suas antigas convicções.
Enquanto até governos europeus comprometidos com fórmulas fiscalistas passaram a adotar medidas emergenciais de expansão de gastos, Guedes insistiu na aplicação de um receituário inapropriado para tempos de caos.
A medida provisória que permitia a suspensão de contratos de trabalho contamina ainda mais a agenda econômica. Qualquer plano, de agora em diante, tende a ser recebido com contestação e desconfiança nas ruas, no Congresso e, principalmente, no gabinete presidencial.
Bruno Boghossian: Em dias decisivos, teimosia de Bolsonaro se torna mais perigosa
Ao chamar doença do coronavírus de gripezinha, presidente reforça sinal de desgoverno
Até o início da semana, o governo britânico recomendava que os cidadãos mantivessem a rotina. A ideia era permitir que a população desenvolvesse imunidade ao coronavírus e evitar prejuízos graves à economia. O cenário mudou. Na sexta (20), o primeiro-ministro anunciou o fechamento de pubs e a cobertura de até 80% dos salários de quem tiver que parar de trabalhar.
Governantes de todo o mundo já foram atropelados pelos fatos, mas alguns deles insistem em ficar vendados no meio da estrada. Nos dias em que a curva de casos no Brasil atingiu a faixa do milhar e as projeções econômicas chegaram à recessão, Jair Bolsonaro optou por uma teimosia cada vez mais perigosa.
O presidente afirmava, há pouco mais de dez dias, que a emergência que se desenhava era "muito mais fantasia". Disfarçou uma mudança de tom quando a explosão da Covid-19 no país se mostrou inevitável, mas terminou a semana chamando a doença de "uma gripezinha".
Bolsonaro falava sobre a possibilidade de ter sido infectado e usou o diminutivo para comparar o vírus à facada da campanha de 2018. Queria demonstrar força, mas deu mais um sinal de desgoverno e crueldade. Para valorizar a própria imagem, mandou um recado de menosprezo sobre uma doença que matou milhares.
O governo conseguiu reforçar seu comportamento inconsequente mesmo diante dos desafios crescentes da crise. Bolsonaro repetiu que a economia não pode parar, mas escalou sua provocação aos governadores em vez de coordenar um planejamento cuidadoso das restrições aplicadas nos estados, como o fechamento do comércio e de estradas.
Para piorar, enquanto o país se preparava para pedir à China o empréstimo de equipamentos para enfrentar o surto, o filho do presidente atacava os governantes do país e mobilizava o Itamaraty para fazer uma comovente defesa de sua honra.
O país atravessa dias decisivos no enfrentamento aos efeitos do coronavírus. De novo, Bolsonaro provou que não está à altura da missão.
Bruno Boghossian: Bolsonaro falsifica a realidade para enganar a população
Em atitude irresponsável, presidente se preocupa com efeitos da crise sobre seu poder
Jair Bolsonaro fez um cálculo político desesperado e irresponsável ao insistir no menosprezo ao coronavírus. Enquanto líderes de outros países tomavam medidas preventivas amargas, o brasileiro se preocupava com a própria cadeira.
A ficha demorou alguns dias para cair. No início, o presidente ecoava negacionistas que diziam que a crise era uma fantasia. Depois, percebeu que a desaceleração econômica causada pela pandemia teria impacto direto sobre seu poder.
Traumatizado pelo pibinho do ano passado, Bolsonaro continuou reclamando de reações que considerava exageradas, mas também passou a dar contornos políticos às restrições impostas para conter o vírus.
"É essa a preocupação que eu tenho. Se a economia afundar, afunda o Brasil. Se afundar a economia, acaba com meu governo. É uma luta de poder", confessou, em entrevista à rádio Bandeirantes, na segunda (16).
Bolsonaro indica que desprezou riscos sanitários porque pretendia se esquivar da responsabilidade pelos trancos no PIB. Repetiu exaustivamente o slogan da histeria e acusou governadores de tomarem medidas que assustaram a população, freando a atividade econômica.
Quase todos os grandes países reduziram suas estimativas de crescimento depois da explosão do coronavírus, mas o presidente busca um culpado doméstico de carne e osso.
O esfriamento da economia será mesmo dramático. Bolsonaro teria razão em se preocupar com seus efeitos sobre os cidadãos mais pobres, mas parece mais aflito com os impactos políticos. Enquanto ele diz que a crise é superdimensionada, o ministro da Saúde afirma que o país terá três meses de "muito estresse".
Em vez de observar protocolos adotados por outros países e buscar dados que possam embasar uma resposta direta, Bolsonaro procura interpretações que se encaixem à força em suas convicções originais.
O presidente apostou que a economia salvaria um governo incompetente. Agora, ele se recusa a reconhecer que seu cavalo está doente.