Bruno Boghossian

Bruno Boghossian: Bolsonaro busca brinquedos antigos para distrair suas bases

Bolsonaro busca brinquedos antigos para distrair suas bases

Jair Bolsonaro deve ter se cansado de cometer erros na crise do coronavírus. Depois de prever só 800 mortes no país, de insistir no poder milagroso de um remédio e de atazanar governantes que tomaram medidas de isolamento, o presidente decidiu fingir que não tem mais nada a ver com isso.

A curva de mortes está em disparada, mas Bolsonaro afirma que o problema é de governadores e prefeitos. Já o ministro da Saúde admitiu que está "navegando às cegas" e que ninguém sabe quando vai ser o pico da contaminação, embora seu chefe tenha dito há pouco mais de duas semanas que estava "começando a ir embora a questão da pandemia".

Bolsonaro comprovou sua incompetência para lidar com a crise e, agora, resolveu abrir um baú de brinquedos antigos para distrair suas bases.

Como se não existisse uma doença devastadora, ele voltou a acenar a redutos conservadores com uma pauta voltada à segurança pública e sua conhecida cartilha ideológica.

Na semana passada, depois de acertar a demissão do diretor da Polícia Federal, Bolsonaro pegou carona numa manifestação de grupos evangélicos e publicou um vídeo em que crianças diziam ser contra o aborto. O tuíte teve mais de 85 mil interações entre seus seguidores.

O presidente ainda tentou reviver a ameaça fantasma da esquerda na educação. Em dois eventos sem relação com a área, Bolsonaro elogiou o ministro Abraham Weintraub e reclamou da "doutrinação de décadas" nas escolas brasileiras.

A ideia é mudar de assunto e reforçar seu vínculo com grupos que poderiam ficar perturbados com a escalada de mortes ou a saída de Sergio Moro do governo. Para isso, vale buscar também seu adormecido discurso linha-dura na segurança.

Nesta quarta (29), o novo ministro da Justiça exagerou na propaganda e disse que o presidente é "um profeta no combate à criminalidade". O deputado Bolsonaro jamais aprovou um projeto de lei sobre o tema. No Planalto, não desenvolveu nenhuma política pública relevante na área.


Bruno Boghossian: Uma república a seus pés

Presidente admitiu que trabalha para transformar Polícia Federal em milícia particular

Jair Bolsonaro admitiu que trabalha para transformar a Polícia Federal em milícia particular. Sem muito constrangimento, o presidente confessou que mandou delegados investigarem casos de seu interesse e que ameaçou o chefe do órgão de demissão por interesses pessoais.

A crise que culminou na saída de Sergio Moro exibiu de maneira explícita o modo como Bolsonaro enxerga o poder. O presidente se acomodou tanto na cadeira que nem tenta disfarçar a intenção de explorar o governo como uma máquina a serviço de sua família e de aliados.

Bolsonaro decidiu atropelar a independência da Polícia Federal e pagar o preço de um choque com uma das estrelas de seu governo simplesmente para blindar seu grupo político.

Uma conversa divulgada por Moro mostra que o presidente demitiu Maurício Valeixo do órgão para barrar investigações sobre a fábrica montada pelo Planalto para atacar autoridades. No diálogo, Bolsonaro cita a notícia de uma apuração contra deputados amigos e completa: "Mais um motivo para a troca".

Na sexta (24), quando quis se defender da delação de Moro, o presidente reconheceu que tentou interferir ao menos três vezes em investigações da PF e que pediu ao ministro acesso diário a relatórios do órgão. Talvez ele devesse procurar uma agência de detetives particulares.

Bolsonaro confunde comando com subserviência. Na semana passada, soltou um "minhas Forças Armadas" e, depois, questionou se um presidente não pode cobrar informações "da sua Polícia Federal".

Essa é a lógica que rege suas relações com o aparelho público. Bolsonaro é o político que embolsava auxílio-moradia enquanto tinha apartamento próprio em Brasília. Agora, finge austeridade e pede confetes ao anunciar que desligou o aquecedor da piscina do Palácio da Alvorada.

O presidente quer convencer seus seguidores de que a eleição lhe conferiu poderes para impor suas vontades e submeter estruturas independentes a seus desejos. Bolsonaro quer uma república a seus pés.


Bruno Boghossian: Governadores temem que pressão leve a relaxamento precoce de isolamento

Ataques de Bolsonaro a regras e aperto econômico podem precipitar flexibilização de regras

Um animado saxofonista recebeu clientes de um shopping de Blumenau nesta quarta (22). Graças à decisão do governador Carlos Moisés de reabrir as lojas de Santa Catarina, idosos e crianças vestiram máscaras e se aglomeraram no centro comercial, enquanto vendedores batiam palmas nos corredores.

O estado adotou o isolamento contra o coronavírus há mais de um mês. Registrou 37 mortes e, agora, se tornou uma das primeiras unidades da federação a flexibilizar as regras de maneira significativa. Outros governadores temem que os catarinenses puxem a fila de um relaxamento apressado, com potencial trágico.

Líderes que decidiram manter o distanciamento enxergam um processo precipitado de retomada. Eles atribuem o movimento a pressões econômicas e políticas que se acumularam nas últimas semanas.

Para parte desses governadores, Jair Bolsonaro conseguiu constranger gestores regionais ao atacar o isolamento. O peso político se somou à cobrança de empresários que se viram respaldados pelo presidente.

Além disso, o aperto no bolso de trabalhadores informais, que demoram a receber o auxílio emergencial prometido em Brasília, e a resistência do governo federal em compensar estados e municípios que perderam arrecadação com o esfriamento da economia completam o pacote.

A pressão se torna um projeto com a entrada de Nelson Teich no Ministério da Saúde. Em sua primeira entrevista coletiva, ele ressaltou que acabou de chegar ao governo, mas já prometeu um "plano de saída" do isolamento para a próxima semana.

Alguns governadores dizem que ainda é cedo para a discussão. "No momento em que estamos com 90% dos leitos de UTI ocupados, com o sistema da capital colapsado, falar em relaxamento seria uma irresponsabilidade", diz Helder Barbalho (Pará).

As cenas do shopping de Blumenau foram motivo de comemoração no Planalto. De lá, não se ouviu lamento público diante das imagens da abertura de valas coletivas para enterrar os mortos de Manaus.


Bruno Boghossian: Com oferta ao centrão, Bolsonaro usa cargos para expandir poderes

Presidente alimenta paranoia e vai em busca de um seguro-impeachment falsificado 

Jair Bolsonaro se lançou no mercado político em busca de um seguro-impeachment falsificado. Depois de alardear que há planos malignos para tirá-lo do poder, o presidente chamou líderes do centrão para o chá da tarde. Na saída, eles passaram a negociar cargos com ministros do Palácio do Planalto.

Ainda que Bolsonaro tenha praticado barbaridades suficientes para justificar uma dezena de processos do tipo, não existe articulação real para removê-lo do cargo. O presidente sabe, mas alimenta a paranoia para tentar expandir seus poderes.

Demonizados por Bolsonaro, os partidos do centrão se tornaram uma peça desse jogo. O governo acenou a PP, PL, PRB e outras siglas com o comando de órgãos como Banco do Nordeste, Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação e até secretarias do Ministério da Saúde.

Junto com legendas nanicas e os bolsonaristas do PSL, o bloco somaria 190 deputados —ultrapassando os 172 votos que poderiam barrar um eventual processo de impeachment. Com 206, o Planalto ainda conseguiria impedir a Câmara de aprovar mudanças na Constituição.

Para levar o plano adiante, Bolsonaro precisaria acertar as contas com uma base que aplaude sua retórica antipolítica. Ao sugerir que o objetivo da manobra é evitar uma conspiração para tirá-lo do cargo, ele espera amenizar a própria hipocrisia.

O Planalto apresentou um mapa de cargos para Valdemar Costa Neto. Depois, Bolsonaro foi a um comício golpista, chamou políticos de patifes e disse que não queria "negociar nada". De volta para casa, assistiu a um vídeo de Roberto Jefferson, que pode ser beneficiado pela partilha.

O governo já tentou oferecer cargos para esses partidos em abril de 2019. Bolsonaro não segurou a língua, atacou as legendas e implodiu o projeto. Alguns políticos que estiveram com o presidente acreditam que o mesmo pode acontecer agora.

O melhor seguro contra o impeachment que um presidente pode ter é governar. Bolsonaro já se mostrou incapaz de desempenhar esse papel.

Bruno Boghossian é jornalista, foi repórter da Sucursal de Brasília. É mestre em ciência política pela Universidade Columbia (EUA).


Bruno Boghossia: Bolsonaro aposta em jogo de espera mórbido na crise do coronavírus

Presidente faz ameaça vazia enquanto aguarda consequências econômicas da pandemia 

Há três semanas, Jair Bolsonaro acordou “com vontade de baixar um decreto” para atropelar governadores, forçar a reabertura do comércio e derrubar medidas de isolamento contra o coronavírus. Ele explicou, dias depois, que o documento estava “pronto para assinar”, mas disse que ainda estava “esperando o povo pedir mais”.

Para um presidente acostumado a jogar para a plateia, a espera foi um tanto frustrante. Desde então, Bolsonaro assistiu ao agravamento da epidemia, foi proibido pelo Supremo de interferir nas restrições impostas pelos estados e viu pesquisas que mostraram que mais de 70% dos brasileiros apoiam essas decisões.

O presidente Jair Bolsonaro no anúncio o novo ministro da Saúde, Nelson Teich - Pedro Ladeira - 16.abr.20/Folhapress
Ao sustentar a ameaça por tanto tempo, o presidente aposta num jogo de espera mórbido. Bolsonaro sabe que um plano de retorno imediato à normalidade é inexequível e não tem apoio dos cidadãos, mas ele espera que o jogo mude quando, inevitavelmente, as consequências econômicas da crise se tornarem cada vez mais dramáticas para a população.

A intimidação já nasceu vazia. Quando o presidente lançou a ideia de desmantelar o isolamento, governadores e prefeitos discutiram uma reação conjunta. Muitos combinaram que, se aquilo ocorresse, manteriam as medidas e ignorariam Bolsonaro. Na sequência, o STF ainda decidiu que os gestores locais têm autonomia para aplicar essas regras.

O presidente ainda fingiu preservar alguma autoridade nos últimos dias. Disse que enviaria um projeto de lei ao Congresso para flexibilizar o distanciamento, mesmo sabendo que os parlamentares não aprovariam esse texto. Depois, insistiu na reabertura do comércio e completou: “É um risco que eu corro, porque, se agravar, vem para o meu colo”.

Como o isolamento está de pé, já se sabe que o presidente não vai abraçar essa responsabilidade. Ele continua pintando outros políticos como inimigos, enquanto aguarda para debitar na conta deles o custo econômico da pandemia. Para Bolsonaro, esse conflito é muito mais útil do que qualquer ação prática.

Bruno Boghossian é jornalista, foi repórter da Sucursal de Brasília. É mestre em ciência política pela Universidade Columbia (EUA).


Bruno Boghossian: Bolsonaro quer um ministro que dê verniz técnico a suas vontades

Presidente fingiu equilíbrio, mas logo provou que não vai abandonar convicções 

Há duas semanas, Nelson Teich afirmava que a conduta das autoridades de saúde no combate ao coronavírus era perfeita. O oncologista escreveu um artigo em que defendeu medidas de isolamento adotadas nos estados e atestou: “É a melhor estratégia no momento”.

O país ainda não chegou ao ponto mais crítico da pandemia, mas o doutor já mudou o tom. Depois de se encontrar com Jair Bolsonaro, ele evitou repetir a avaliação. “Chegar agora e dar uma opinião seria algo quase irresponsável”, disse, em entrevista ao SBT —enquanto o novo chefe o observava da poltrona ao lado.

O presidente Jair Bolsonaro e o novo ministro da saúde, Nelson Teich, no Palácio do planalto - Pedro Ladeira/Folhapress
Depois de 11 dias de ameaças, Bolsonaro finalmente decidiu pagar o preço da demissão Henrique Mandetta. Livrou-se de um subordinado que o contrariava publicamente e escolheu um substituto com perfil técnico, mas aparentemente disposto a se adaptar a seus comandos.

O novo ministro estreou com um idioma mais parecido com o do presidente. Disse que não mudará a orientação de isolamento de forma brusca, mas indicou que essa será uma de suas missões. Alinhou-se ao discurso de Bolsonaro a favor da proteção da economia, embora já tenha indicado que a preservação de vidas deveria ser prioridade absoluta.

“Qualquer escolha e ação, seja ela da saúde, econômica ou social, tem que ter na mortalidade o seu desfecho final, por mais difícil que seja chegar a esses números”, escreveu o oncologista, no início de abril.

Ao anunciar o nome de Teich, o presidente tentou demonstrar equilíbrio, mas logo provou que não vai abandonar suas convicções. Em transmissão nas redes, ele insistiu que a política de saúde deve mudar e voltou a criticar o isolamento. “Tem que começar a abrir o comércio e voltar à normalidade”, repetiu.

O presidente não cometeu a insanidade de nomear um negacionista do coronavírus ou um vendedor de cloroquina, mas deixou claro o que espera da pasta. Bolsonaro quer um ministro que dê verniz técnico a suas vontades. Não se sabe se Teich vai cumprir esse papel.

*Bruno Boghossian é jornalista, foi repórter da Sucursal de Brasília. É mestre em ciência política pela Universidade Columbia (EUA).


Bruno Boghossian: Osmar Terra também errou previsão sobre gripe suína em 2009

Dentro do Planalto, ministro demissionário submete presidente a uma humilhação pública

Nos salões de mármore do Planalto, a algumas dezenas de passos do gabinete presidencial e com transmissão ao vivo pela TV oficial do governo, Luiz Henrique Mandetta submeteu Jair Bolsonaro a uma humilhação pública. Até o último minuto, o ministro demissionário decidiu pintar o chefe como inimigo do esforço de combate ao coronavírus.

Naquela que pode ter sido sua última entrevista no cargo, Mandetta reconheceu haver “um descompasso” entre sua equipe e o presidente.

Mediu o peso da palavra, mas deixou claro o contraste. “Nossa bússola é a ciência”, disse, mostrando o que espera do outro lado: “Ou você se baseia na ciência, ou fica no ‘eu acho’”.

O ministro ironizou os planos de substituir medidas de distanciamento por um isolamento vertical (“não sei de onde vêm essas angulações”), negou recomendação ao uso indiscriminado de cloroquina e criticou veladamente os palpiteiros que cercam o governo.

“Não somos astrólogos, não fazemos previsões. Pegamos as informações”, declarou.

A missão de Mandetta foi expor os riscos do comportamento do presidente. “Baseado em ciência, tenho esse caminho pra oferecer”, resumiu.

Bolsonaro quer trocá-lo por alguém alinhado a suas convicções —ou seja, um subordinado que não denuncie sua tentativa maluca de minimizar o perigo do vírus. O chefe precisará arcar com os custos dessa decisão.
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Quando o Rio Grande do Sul registrou a primeira morte por gripe suína, em 2009, o secretário de Saúde gaúcho disse que ninguém deveria se preocupar.

“O risco é inferior ao da gripe comum”, contemporizou, em entrevista ao jornal Zero Hora. “O fato de ter morrido uma pessoa no estado é uma circunstância lotérica.”

Ele desdenhou da pandemia e errou feio. Naquele ano, o país teve 2.060 mortes provocadas pelo H1N1. Só 142 entraram na conta de outras variações de influenza.

O secretário era o doutor Osmar Gasparini Terra –oráculo de Bolsonaro em seu trabalho de sabotagem ao próprio país.


Bruno Boghossian: Falta de testes ajuda campanha fantasiosa de Bolsonaro

Subnotificação pode ampliar falsa sensação de fim da epidemia e relaxar isolamento

"Ainda não estamos lá", afirmou Anthony Fauci, conselheiro da Casa Branca na crise do coronavírus. Enquanto Donald Trump ameaça governadores e diz ter autoridade para reabrir a economia, o imunologista disse à agência Associated Press que os EUA não têm testes e redes de rastreamento suficientes para fazer as vontades do presidente.

O médico já havia envergonhado Trump ao dizer que o governo americano deveria ter agido mais cedo contra a pandemia. Agora, ele expõe uma realidade que muitos líderes tentam esconder: não há como voltar à normalidade se não houver exames em massa para acompanhar o contágio e isolar doentes.

No Brasil, Jair Bolsonaro ainda precisa de uma dose dupla de vergonha. O presidente insiste em retomar a atividade econômica na marra e diz, talvez com base no próprio achismo, que "está começando a ir embora essa questão do vírus".

Bolsonaro gostaria de lançar o país numa espécie de roleta russa. Sem testes suficientes para detectar o coronavírus, será impossível identificar individualmente os trabalhadores contaminados, que transmitirão o vírus a outras pessoas. Para piorar, o presidente se aproveita da subnotificação de casos para fazer propaganda enganosa do fim da epidemia.

Especialistas alertam há semanas que o número de infectados e de mortes provocadas pela Covid-19 são mais altos do que os confirmados pelas autoridades. Só em São Paulo, havia uma fila de mais de 15 mil testes sem resposta. Os números oficiais de vítimas já são alarmantes, mas podem ser muito maiores.

A incerteza sobre o alcance real da doença favorece a campanha fantasiosa do presidente, que até hoje debocha do vírus. A subnotificação pode ampliar a falsa sensação de que a crise não é tão grave e de que o isolamento é desnecessário.

Com um número ínfimo de testes realizados, talvez o país só conheça a dimensão exata da pandemia tarde demais, quando decisões erradas aumentarem o desastre. No escuro, até Bolsonaro pode parecer ter razão.


Bruno Boghossian: Resta a Bolsonaro um fiapo de autoridade na crise do coronavírus

Presidente busca satisfação pessoal ao desafiar medidas de distanciamento

Quando o país registrou a primeira morte provocada pelo coronavírus, há quase um mês, Jair Bolsonaro ameaçou dar um passeio no metrô de São Paulo. “É uma demonstração de que estou com o povo. É um risco que um chefe de Estado deve correr”, declarou.

O presidente queria exibir grandeza, mas a maluquice cogitada ali não tinha nada a ver com o papel de um líder. Com o poder limitado, ele decidiu buscar satisfação pessoal numa série de desafios infantis às medidas de isolamento e orientações das autoridades de saúde.

Bolsonaro não realizou o plano de entrar num vagão lotado, mas gastou parte dos últimos dias em campanha para encorajar os brasileiros a ignorarem o distanciamento social.

Na quinta (9), posou para fotos e incentivou uma aglomeração durante uma ida a uma padaria, devidamente gravada para as redes sociais. No dia seguinte, foi a uma drogaria e cumprimentou apoiadores depois de ter coçado o nariz com a mão.

Mesmo com as restrições ao comércio, Bolsonaro é livre para sair do palácio e comprar pão doce, procurar cloroquina na farmácia ou fazer exercícios. O presidente, porém, soma essas atividades a um discurso que incentiva milhões de brasileiros a ignorarem os alertas sobre o vírus.

A provocação imatura reflete o fiapo de autoridade que resta a Bolsonaro na crise do coronavírus. Governadores resolveram ignorar sua pressão para suspender medidas de isolamento, e o Supremo decidiu que o Planalto não tem poder para derrubá-las numa canetada.

O presidente emitiu um recibo do próprio esvaziamento. Ao deixar um hospital, ele se recusou a dizer o motivo da visita e se protegeu atrás de um direito que vale para qualquer indivíduo: “Ninguém vai tolher minha liberdade de ir e vir”.

Depois de ser desautorizado pelos pelos próprios ministros, sobrou a Bolsonaro apenas a propaganda. O cidadão Jair pode aproveitar os próximos dias para ir ao mercado ou passear de moto —mas ainda precisa evitar contatos e aglomerações.


Bruno Boghossian: Bolsonaro e profetas da negação ignoram as vítimas do coronavírus

Previsões furadas, sem base científica, ameaçam levar país por caminho desastroso

No dia 22 de março, em plena campanha contra as autoridades de saúde, Jair Bolsonaro arriscou um palpite. Em entrevista na TV, ele disse que as mortes pelo novo coronavírus ficariam abaixo das 796 vítimas da gripe H1N1 no ano passado.

"A previsão é não chegar a essa quantidade de óbitos no tocante ao coronavírus", pressentiu, pedindo o fim das medidas de isolamento aplicadas para frear as contaminações.

O presidente não citou a origem dessa tentativa de adivinhação, mas foram necessárias menos de três semanas para desmoralizá-lo. Os mortos pela Covid-19 no Brasil já se aproximam de mil, e a curva de contaminações ainda aponta para cima.

Se não quisesse passar vergonha, bastava a Bolsonaro ter ouvido médicos e cientistas sérios. Ele preferiu liderar um time de profetas da negação, que conduzem um país inteiro por caminhos desastrosos.

O presidente se aconselha com o deputado Osmar Terra, que já foi demitido do governo, mas faz as vezes de ministro paralelo da Saúde. Dias antes da previsão furada de Bolsonaro, ele também dizia que o novo coronavírus mataria menos que a H1N1.

No início desta semana, Terra tentou ajustar suas planilhas imaginárias. Afirmou que haveria menos vítimas de Covid-19 do que mortes por gripes sazonais. Segundo os boletins do Ministério da Saúde, porém, os vírus influenza fizeram 1.122 vítimas no ano passado. Infelizmente, os próximos dias deverão provar que o deputado estava errado, de novo.

Terra usa uma bola de cristal fajuta para se alinhar a Bolsonaro e derrubar o verdadeiro ministro da Saúde. Em conversa divulgada pela CNN, ele conspira contra Henrique Mandetta, repete a premonição equivocada e, agora, diz esperar "entre 3.000 e 4.000" mortes durante a crise.

As projeções dos pesquisadores superam esse número —principalmente se as medidas de isolamento forem suspensas, como defendem Terra e Bolsonaro. Os falsos adivinhos, afinal, preferem ignorar a ciência e desprezar as vítimas da doença, sejam elas quantas forem.


Bruno Boghossian: Coronavírus escancara desigualdade e pesa em dobro sobre mais pobres

Os mais pobres ficam mais expostos ao vírus no transporte público e em casas com muitos moradores

O coronavírus vai pesar em dobro sobre os brasileiros mais pobres. Além de sofrer com a desaceleração da economia e com a lentidão do governo em implantar medidas de emergência, a população de baixa renda deve ser atingida de maneira mais grave pela doença.

Para quem vive com pouco dinheiro, a primeira onda da pandemia chegou cedo. Nos grupos mais pobres ouvidos pelo Datafolha, sete em cada dez pessoas não podem trabalhar de casa e esperam perder parte de suas rendas. Já uma pesquisa do Data Favela mostra que 58% dos moradores desses bairros não têm comida para mais uma semana.

A severidade dos casos de Covid-19 também pode ser maior para esses brasileiros. Um estudo feito por Laura Carvalho, Luiza Nassif Pires e Laura de Lima Xavier mostra que, entre os mais pobres, há uma incidência desproporcional de fatores de risco, que aumentam o perigo de morte.

Na população que só completou até o ensino fundamental, 54% têm doenças crônicas como diabetes, hipertensão e problemas pulmonares. Entre pessoas que cursaram o ensino médio ou o ensino superior, esses índices são de 28% e 34%.

Outras duas dimensões agravam a crise na base da pirâmide social: mais chances de contágio e a precariedade do sistema de saúde. Os mais pobres ficam mais expostos ao vírus no transporte público e em casas com muitos moradores. Também têm menos acesso aos leitos hospitalares do que quem usa a rede privada.

"Somadas as três dimensões, você tem como resultados mais óbitos entre os mais pobres, que são justamente aqueles que são chamados a trabalhar, dada a vulnerabilidade econômica", diz Laura Carvalho. "Acumulam-se problemas que tendem a tornar essa pandemia uma pandemia com caráter muito desigual."

A população mais pobre foi usada como peça da propaganda negacionista de Jair Bolsonaro contra o coronavírus. O presidente explora o desespero daqueles que correm o risco de passar fome, mas deveria trabalhar com urgência para protegê-los.


Bruno Boghossian: Com as mãos atadas, Bolsonaro ainda é capaz de fazer estragos

Ao ameaçar Mandetta, presidente reage ao isolamento com radicalismo e irracionalidade

Um consórcio formado por generais e líderes políticos conseguiu adiar a demissão do ministro da Saúde. A bomba foi temporariamente desarmada, mas Jair Bolsonaro continua de olho no botão. Ele já provou ser capaz de produzir estragos até com as mãos atadas.

A incompetência exibida pelo presidente na crise do coronavírus levou à criação de um cordão sanitário no perímetro de seu gabinete. A ação de governadores, de técnicos da área e dos militares do Planalto pode ter limitado seus poderes, mas Bolsonaro mostra estar disposto a ampliar conflitos e provocar explosões para reafirmar sua autoridade.

A ameaça pública de demissão de Mandetta nos primeiros dias da semana foi uma amostra desse espírito. Bolsonaro costuma reagir à condição de isolamento com radicalismo e irracionalidade. Foi assim nos 28 anos de sua carreira como um deputado do baixo clero que não era levado a sério pelos colegas.

A diferença é que, agora, ele tem um megafone mais potente nas mãos. Ainda que os generais se postem à porta do gabinete presidencial para impedi-lo de fazer besteiras, Bolsonaro e sua turma ainda conseguem torpedear recomendações das autoridades de saúde, criar problemas com países que produzem equipamentos médicos e difundir mentiras que colocam vidas em risco.

O presidente também deu sinais de que pretende tirar proveito político desse isolamento e tentar reagrupar sua tropa de apoiadores fiéis. No domingo (5) em que lançou a ameaça de demitir Mandetta, Bolsonaro insinuou que o ministro fazia parte de uma conspiração de grupos que querem fazer “tudo aquilo que acontecia em governos anteriores”.

O discurso antissistema, como se vê, reaparece sempre que o presidente se vê contrariado. Nesse terreno, constantemente adubado pelos mais raivosos integrantes da ala ideológica do governo, Bolsonaro se sente confortável para disparar absurdos, distrair o país e investir contra seus críticos.

Mesmo sozinho, é ali que ele tenta recuperar seu poder.