Bruno Boghossian
Bruno Boghossian: Bolsonaro poderia passar o cargo para um ator de Malhação
Sem aptidão para o cargo, presidente já mostrou que não tem interesse em governar
Se um ator de "Malhação" se oferecesse para assumir seu lugar, Jair Bolsonaro seria capaz de aceitar a proposta. O presidente jamais mostrou aptidão para o cargo. Cada vez mais, ele também deixa claro que não tem interesse em governar.
Depois de obrigar o Ministério da Saúde a recomendar um medicamento sem eficácia comprovada contra o coronavírus, Bolsonaro tentou novamente fugir de suas responsabilidades. "O que é a democracia? Você não quer? Você não faz. Você não é obrigado a tomar cloroquina", disse, na última terça (19).
O presidente não estimulou o desenvolvimento de nenhum protocolo sério para o tratamento da doença nem se esforçou em organizar o sistema de saúde para enfrentar momento críticos. Investiu na instabilidade e preferiu fazer piada na data em que o país registrou mais de mil mortos em 24 horas.
Bolsonaro poderia trocar o slogan do governo para "salve-se quem puder". Além de transferir para cidadãos leigos a escolha do tratamento de uma doença ainda desconhecida, ele já declarou que "o brasileiro tem que entender que quem vai salvar a vida dele é ele, pô!".
O presidente também usa um conceito falso de democracia para justificar as barbeiragens de um governo omisso. Nesta quarta (20), uma secretária do Ministério da Saúde disse que a orientação sobre a cloroquina foi fruto de "um clamor da sociedade", como se não houvesse técnicos para chancelar essa decisão.
A mesma lógica levou o ministro da Educação a prometer uma enquete entre os estudantes inscritos no Enem para definir se a prova seria adiada por causa da pandemia. A ideia era seguir a opinião da maioria, mesmo que uma parcela significativa de alunos fosse prejudicada.
O governo optou pelo adiamento da prova, mas não para proteger jovens de baixa renda que não teriam condições de estudar pela internet. Bolsonaro só recuou ao perceber que sofreria uma derrota humilhante nas votações do Congresso sobre o tema. A democracia funcionou."
Bruno Boghossian: Medidas de isolamento mal planejadas atrapalham combate ao coronavírus
Experiência de São Paulo pode reduzir confiança da população em práticas rigorosas
O prefeito Bruno Covas (PSDB) levou seis dias para reconhecer o fiasco do rodízio ampliado de veículos implantado na capital paulista na semana passada. A ideia era reduzir a circulação durante a crise do coronavírus, mas a medida não ampliou o isolamento e ainda concentrou mais passageiros em terminais de ônibus e estações de metrô.
"Não tem sentido a gente exigir esse esforço sobrenatural das pessoas se a única razão pela qual o rodízio foi feito, que é aumentar o isolamento social, não foi cumprida", afirmou, no domingo (17).
O tucano falava como se a prefeitura não tivesse nenhuma responsabilidade pelo fracasso do plano. A medida, ao contrário, foi um exemplo de mau planejamento e falta de coordenação no momento em que São Paulo se aproxima do ponto de colapso em sua rede hospitalar.
Enquanto estados e municípios enfrentam pressões por uma reabertura desordenada do comércio, alguns governantes experimentam medidas mal elaboradas para ampliar o distanciamento. Em pouco tempo, eles descobrem que não basta uma canetada para mudar a realidade.
O feriadão surpresa articulado por Covas e pelo governador João Doria (PSDB) para os próximos dias passará por esse mesmo teste. Ao anunciar a proposta, o prefeito revelou que a capital tem um estoque limitado de caminhos a seguir: "A cidade está chegando ao seu limite de opções".
A decisão parece ter sido um tiro no escuro. Nesta terça (19), véspera do início do megaferiado, o mercado financeiro anunciou que manteria suas atividades normais, e os prefeitos de municípios do litoral ainda discutiam maneiras de evitar que os moradores da capital lotassem suas praias nos dias de folga.
À medida que o país bate recordes de mortos e caminha para o pico da crise, a experiência paulistana pode reduzir a confiança da população em práticas mais rigorosas de isolamento. O preço cobrado pode ser especialmente alto quando a cidade for obrigada a discutir a implantação de um lockdown severo.
Bruno Boghossian: Troca de ministro reflete delinquência de Bolsonaro na crise do coronavírus
Presidente não quer uma equipe de auxiliares, quer uma casa dos espelhos
O país contava quase 3.000 mortes pelo novo coronavírus quando Jair Bolsonaro reuniu seus ministros no dia 22 de abril. O governo continuava sem rumo na pandemia, mas o time preferiu reproduzir teorias da conspiração, sugerir a prisão de ministros do Supremo e discutir a exploração de órgãos de inteligência para atender às vontades particulares do presidente.
O vídeo daquele encontro já virou peça do inquérito sobre a interferência escancarada do presidente na Polícia Federal, mas deve se tornar também um registro histórico da delinquência do governo na crise da saúde e em outros temas.
Bolsonaro lidera uma equipe absolutamente submissa a seus desejos pessoais, picuinhas políticas e fixações ideológicas. Mesmo diante da escalada descontrolada de mortes, os auxiliares só repetem a ladainha do presidente e alimentam as obsessões alucinadas do chefe.
O pedido de demissão de Nelson Teich é um dos produtos dessa relação. O oncologista só conseguiu o cargo porque se curvou e prometeu um “alinhamento perfeito” com Bolsonaro. Nem ele, contudo, foi capaz de respaldar cegamente o fim do isolamento e a propaganda da cloroquina, como encomendara o patrão.
A reunião ministerial de abril mostrou que só prosperam no governo os subordinados dispostos a amplificar as barbaridades e endossar os instintos autoritários de Bolsonaro.
Acuado e enfraquecido, o presidente se esforça para reafirmar seu poder e exigir que os ministros entrem na linha. “Vou interferir, ponto final”, disse, após reclamar da PF e de outros órgãos. “Votaram em mim para eu decidir, e essa questão da cloroquina passa por mim. Não pode mudar o protocolo agora? Pode mudar e vai mudar”, ameaçou, na véspera da demissão de Teich.
O presidente não quer um ministério, quer uma casa dos espelhos. Na saúde, a tendência é que a gestão se torne ainda mais direcionada a se adequar a seus caprichos. Não faz diferença trocar o responsável pela área. Bolsonaro continua lá.
Bruno Boghossian: Com pagamento de auxílio atrasado, Bolsonaro faz propaganda do caos
Por desinteresse ou incompetência, presidente não toma medidas de emergência e fabrica uma guerra
No início do mês, Jair Bolsonaro declarou que o país só não tinha ondas de “saques e violência” graças ao pagamento dos R$ 600 do auxílio emergencial. Sem querer, o presidente denunciou a perversidade do próprio governo. Milhões de brasileiros que perderam renda com a crise esperam há mais de 15 dias pela segunda parcela do benefício.
Enquanto o governo atrasa a transferência do dinheiro, Bolsonaro faz propaganda do caos. Na conversa que teve com empresários nesta quinta (14), ele disse prever “saque a supermercados, desobediência civil”. Ainda completou: “Não adianta querer convocar as Forças Armadas”.
Por desinteresse ou incompetência, o presidente abre mão de comandar a aplicação das medidas emergenciais contra os efeitos da pandemia. Longe disso, prefere explorar a pressão econômica sobre os miseráveis para se proteger politicamente e atacar seus adversários.
Na reunião com os associados da Fiesp, Bolsonaro pediu ajuda dos ricos nessa missão. Como se patrocinasse a formação de uma milícia, disse aos empresários que eles deveriam “jogar pesado” com governadores que implantaram medidas de isolamento. “Jogar pesado, porque a questão é séria, é guerra”, disse, antes de citar a ameaça de desordem.
Em sua cruzada, o presidente se contenta em dizer apenas o óbvio: “As pessoas, não tendo renda, não vão ter o que comer em casa”. Ele ignora o fato de que o governo gerencia, aos trancos, um programa de assistência muitas vezes maior do que o Bolsa Família, justamente para evitar que isso aconteça.
Bolsonaro finge desconhecer que o isolamento não é um fim em si mesmo, mas uma maneira de ganhar tempo até que o país desenvolva uma estratégia para retomar suas atividades com segurança.
O presidente não apresenta nada disso. Limita-se a fazer uma campanha claudicante pelo tal “isolamento vertical” e a fazer campanha da cloroquina como droga milagrosa, só para tumultuar o debate. O único plano de Bolsonaro é a guerra e o caos.
Bruno Boghossian: Moro acobertou Bolsonaro
Ex-juiz agiu como advogado do presidente, mas agora fala em tom autoritário
Sergio Moro dormiu um sono tranquilo por 16 meses. Dias antes de pegar as chaves do Ministério da Justiça, o ex-juiz disse não enxergar “risco de autoritarismo” no governo de Jair Bolsonaro. Agora, ele afirma que a reunião que precedeu sua demissão contém “inquietantes declarações de tom autoritário”.
O ex-ministro demorou a sair do sossego. Moro foi rotineiramente sabotado e humilhado pelo chefe desde a inauguração do mandato. Mesmo assim, agiu como advogado de Bolsonaro e acobertou até as investidas mais perigosas do chefe.
Em agosto de 2019, sob pressão do presidente, Moro trocou o comando da Polícia Federal no Rio. Depois de engolir a mudança, ele espalhou a versão de que tudo era um mal-entendido. No programa Roda Viva, em janeiro, ele quis disfarçar: “Tentaram fraudulentamente colocar o presidente contra a Polícia Federal”.
Àquela altura, o ex-juiz já sabia que o desejo de Bolsonaro era derrubar o diretor-geral Maurício Valeixo —o próprio Moro reconheceu isso à PF, há quase duas semanas. Ainda assim, continuou dizendo que Bolsonaro respeitava a autonomia do órgão.
Os advogados de Moro afirmam que o ex-juiz foi ameaçado por não endossar a campanha para “minimizar a gravidade” do coronavírus. Em março, porém, ele ameaçou encerrar uma entrevista à Folha ao ser lembrado do comportamento irresponsável do presidente na crise.
O ex-ministro também diz que se tornou alvo por não aderir aos protestos golpistas a favor do presidente.
Em junho de 2019, ele festejou uma manifestação pró-Lava Jato em que houve ataques ao Supremo.
Após romper com o presidente, Moro declarou ter se tornado vítima de fake news. Meses antes, ele disse ao canal de Eduardo Bolsonaro que havia “um certo exagero” em relação à máquina de mentiras governista.
Auxiliar do ex-ministro, o juiz aposentado Vladimir Passos de Freitas afirmou que o colega “não tinha nem ideia” de como seria trabalhar com Bolsonaro. Depois de conhecer o chefe, Moro preferiu ficar calado.
Bruno Boghossian: Bolsonaro já admitiu ter problemas com a PF
Presidente busca novo foco de discussão, mas o vídeo da reunião ministerial só conta uma parte da história
O governo organizou uma sessão de cinema antes de entregar ao STF o vídeo da reunião ministerial de 22 de abril. Ao estudar o conteúdo da gravação, Jair Bolsonaro decidiu bater na tecla de que não usou as palavras "Polícia Federal" ou "superintendência" naquela conversa.
O objetivo do presidente é dizer que aquelas imagens não provam nenhuma tentativa de interferência, mas a fita só conta uma parte da história. Antes de adotar a nova linha de defesa, Bolsonaro já havia afirmado publicamente que tinha problemas particulares com a PF.
Há oito dias, o presidente parou na portaria do Palácio da Alvorada para rebater o depoimento de Sergio Moro sobre o caso. Bolsonaro admitiu que tinha interesse em trocar o chefe do órgão no Rio e justificou: "tentaram colocar na conta" dele e de seus filhos Flávio e Carlos o assassinato de Marielle Franco —e a PF não teria investigado o assunto.
O presidente não explicou por que aquele seria um motivo para mexer na superintendência, em vez de esperar a conclusão das apurações. Ele também não quis esclarecer por que havia confrontado Moro com a notícia de uma investigação contra deputados aliados com a mensagem: "mais um motivo para a troca".
Bolsonaro quer mudar o ambiente dessa discussão. Preventivamente, ele passou a insinuar que seu grupo político sofre perseguição. Soa irônico que, na posse do novo ministro da Justiça, ele tenha adotado uma visão exageradamente positiva da PF ao dizer que o órgão "não persegue ninguém, a não ser bandidos".
Depois que o vídeo da reunião de abril foi exibido aos investigadores, Bolsonaro alegou que só se referiu a sua família para demonstrar preocupação com a segurança dos parentes. É uma versão nova, que não havia aparecido em outras explicações.
O presidente lembrou que a interpretação dessas declarações "vai da cabeça de cada um". O governo só se importa com uma, a de Augusto Aras. Nos últimos dias, o presidente sugeriu a auxiliares que pode indicar o procurador-geral para o STF.
Bruno Boghossian: Bolsonaro errou todas na crise do coronavírus
Previsões furadas e palpites sem fundamento provam que a palavra do presidente não vale nada
Em 17 de março, Jair Bolsonaro disse que a Itália sofria com o coronavírus por causa da quantidade de habitantes idosos no país. “São muito mais sensíveis, morre mais gente”, afirmou. Ele sugeriu que os brasileiros, portanto, não deveriam se preocupar com a pandemia.
O presidente errou. Embora seja mais grave para os mais velhos, a Covid-19 matou proporcionalmente mais jovens no Brasil do que em alguns outros países. Entre os italianos, só 5% das vítimas tinham menos de 60 anos. Por aqui, esse percentual é de 30%, segundo os últimos dados do Ministério da Saúde.
No dia 18 de março, Bolsonaro declarou ter informações de que o vírus não se propagaria no país devido ao “clima mais tropical”. Em Manaus, onde os termômetros marcaram 30ºC na última semana, o número de casos ultrapassou 6.000 e a rede de saúde entrou em colapso.
Quatro dias depois, o presidente lançou a previsão de que os óbitos pelo coronavírus não chegariam aos 796 da pandemia de H1N1, em 2009. O Brasil já se aproximou desse número de mortes num único dia.
Em 24 de março, veio o famoso pronunciamento tresloucado de Bolsonaro em rede nacional de TV. “O vírus chegou, está sendo enfrentado e brevemente passará”, inventou, quando o Brasil registrava apenas 46 mortes. Agora, são mais de 10 mil.
Ainda em março, dois dias depois, Bolsonaro disse que o país não enfrentaria a disparada observada nos EUA, “até porque o brasileiro tem que ser estudado, ele não pega nada”. Naquela data, 1.300 americanos haviam morrido. O Brasil bateu a marca em pouco mais de duas semanas.
Em 12 de abril, o presidente arriscou de novo. “Parece que está começando a ir embora a questão do vírus”, declarou, emendando sua campanha pela retomada da economia. Desde então, a contaminação e as mortes diárias dispararam.
Bolsonaro perdeu todas até agora. Mesmo assim, ele ainda tenta se intrometer no trabalho de combate à pandemia. Já está claro que suas palavras não valem nada.
Bruno Boghossian: Enquanto CPFs morrem, Bolsonaro serve cafezinho para os CNPJs
Enquanto CPFs morrem, Bolsonaro serve cafezinho para os CNPJs
Pelo segundo dia seguido, o ministro da Saúde disse que o governo deve recomendar medidas mais rigorosas de isolamento contra o coronavírus em algumas cidades. Nelson Teich afirmou na Câmara que o chamado “lockdown” pode ser implantado para “segurar o número de casos novos” de contaminação.
O doutor está na contramão do chefe. Após receber empresários e fazer um comício no STF contra o distanciamento, Jair Bolsonaro alegou que as restrições são inúteis. “Essa questão de ‘fique em casa’ não está funcionando. Está servindo para matar o comércio”, diagnosticou.
O presidente trocou o ministro responsável pelo combate à pandemia porque Henrique Mandetta não dizia o que ele queria ouvir. Teich assumiu com um discurso errático e completou 20 dias no cargo sem nenhuma ideia de como enfrentar a crise, mas nem ele conseguiu maquiar a realidade para agradar ao patrão.
Bolsonaro insiste numa retomada imediata e milagrosa da economia, embora ninguém no governo seja capaz de apresentar um plano para que isso seja feito de forma segura. Seu propósito é puramente político: uma tentativa de manter a tensão com governadores e se proteger dos danos provocados pela recessão.
Enquanto sistemas hospitalares entram em colapso e corpos se amontoam em câmaras frigoríficas, o presidente só se lembra deles para fazer campanha pela reabertura de lojas e fábricas. “A indústria comercial está na UTI”, declarou. “Depois da UTI, é o cemitério.”
Ele reproduzia a metáfora de lobistas que foram a Brasília para defender o relaxamento das medidas de restrição. Um deles, representante de fábricas de brinquedos, mostrou qual era a preocupação da turma. Reclamou da China e completou: “Eu tenho um inimigo lá fora prontinho para suprir o mercado inteiro, e então haverá morte de CNPJ”.
Até esta quinta (7), morreram 9.146 CPFs, na linguagem do empresário. Já os CNPJs do grupo que visitou Bolsonaro receberam ajuda do governo e cafezinho no Palácio do Planalto.
Bruno Boghossian: Bolsonaro sabota Paulo Guedes mais uma vez e se alinha ao centrão
Presidente autoriza mudança em projeto de servidores e prova que não fala a língua do ministro
Na semana passada, Jair Bolsonaro foi até a portaria do Palácio da Alvorada para desfazer a impressão de que Paulo Guedes era alvo de sabotagem no governo. O presidente disse que seu auxiliar, que posava satisfeito a seu lado, era "o homem que decide economia no Brasil". Dias depois, o próprio chefe ajudou a sabotar os planos do ministro.
Bolsonaro deu sinal verde para desidratar uma das bandeiras de Guedes no pacote econômico do coronavírus. Foi o presidente quem autorizou a retirada de todos os policiais da proposta que congelava salários de servidores para compensar as despesas com a pandemia.
A equipe econômica se queixou dos parlamentares que votaram a favor da blindagem de diversas carreiras do funcionalismo e apontou o dedo para o líder do governo na Câmara, que negociou as mudanças no projeto. Numa espécie de delação, o deputado Vitor Hugo (PSL) entregou o presidente e disse que partiu dele o aval para a traição a Guedes.
A disposição de Bolsonaro para proteger o funcionalismo não é novidade. O presidente fez carreira como representante sindical de militares e, no poder, continuou trabalhando a favor de algumas categorias.
Quando Guedes defendeu publicamente o congelamento de salários dos servidores, no início da última semana, Bolsonaro cutucou o ministro três vezes. O presidente se irritou ao ouvir que os funcionários não poderiam ficar em casa "com geladeira cheia" enquanto milhões de brasileiros perdem o emprego.
O líder do governo foi ao plenário para deixar as digitais de Bolsonaro na votação. Vitor Hugo contou que, em dois telefonemas, o presidente aprovou as alterações na proposta. No fim, deu a dimensão do apreço de seu chefe pela equipe econômica: "Eu sou líder do governo e não líder de qualquer ministério".
O episódio prova que Bolsonaro e Guedes jamais falarão a mesma língua. Como se vê, o presidente está mais próximo de seus novos aliados do centrão, que costuraram os benefícios para os servidores.
Bruno Boghossian: Depoimento frágil de Moro evidencia fixação de Bolsonaro com PF do Rio
Presidente se recusa a explicar as 4 tentativas de trocar chefe do órgão em seu estado
Jair Bolsonaro saiu descontrolado do Palácio da Alvorada. Esbravejou contra a imprensa e disse que não interferia na Polícia Federal. "Não tenho nada contra o superintendente do Rio", afirmou.
O presidente só não explicou por que, então, tentou forçar a substituição do chefe do órgão no estado quatro vezes em menos de um ano e meio. Segundo o ex-juiz Sergio Moro, o presidente fez pressões pela mudança em agosto de 2019 e em janeiro, março e abril deste ano.
Na quinta tentativa, seus desejos foram atendidos. Ele precisou atropelar o Ministro da Justiça e demitir o diretor-geral da Polícia Federal, mas finalmente conseguiu mexer no órgão em sua base política. A recusa do presidente em explicar os motivos desse lance é reveladora.
O depoimento de Moro sobre a intervenção de Bolsonaro na PF, tornado público nesta terça (5), foi considerado "fraquíssimo" por quem acompanha o inquérito. O ex-juiz se negou a imputar crimes ao presidente e apresentou poucas provas da intromissão do antigo chefe.
As oito horas de declarações do ex-ministro evidenciaram apenas a fixação de Bolsonaro com um único posto. Embora a PF tenha 27 superintendências regionais, Moro afirmou que o presidente dizia querer "apenas uma, a do Rio de Janeiro".
Em agosto, Bolsonaro disse que a justificativa era a baixa produtividade do órgão. Moro disse que aquele era um "motivo inverídico". Depois, o presidente citou como causas investigações sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco que só ocorreram meses depois de suas primeiras investidas pela troca.
Quando a mudança se concretizou, Bolsonaro se enfureceu com jornalistas que perguntavam sobre a interferência. Pela manhã, mandou os repórteres calarem a boca. No fim da tarde, deu uma resposta pela metade: "O Rio é o meu estado".
Moro disse dez vezes à PF que os motivos da pressão de Bolsonaro "devem ser indagados ao presidente". Dessa vez, ele não poderá mandar os investigadores se calarem.
Bruno Boghossian: Seguidores de Bolsonaro mudam de lado pelo fim do isolamento
Campanha delirante de Bolsonaro faz efeito e seguidores mudam de lado pelo fim do isolamento
Dias depois da primeira morte por coronavírus no país, três a cada quatro brasileiros concordavam com medidas de isolamento para reduzir a disseminação da doença. Entre os que aprovavam o desempenho de Jair Bolsonaro na crise, 75% também achavam que o governo deveria proibir as pessoas de saírem às ruas por algum tempo.
Naquela segunda quinzena de março, apoiadores de Bolsonaro enxergavam a pandemia mais ou menos como o restante da população, segundo o Datafolha. Metade deles achava que haveria poucas vítimas, mas a maior parte considerava o vírus um problema muito sério. Então, o presidente decidiu atrapalhar.
As últimas pesquisas mostram que, embora a maioria da população ainda apoie o isolamento, os bolsonaristas passaram a se mover rapidamente em sentido contrário.
Não foi por acaso. Nos últimos 40 dias, Bolsonaro reforçou sua cruzada contra as restrições impostas por governadores e prefeitos. No fim de março, ele fez o pronunciamento delirante na TV em que chamava a doença de resfriadinho. Depois, o governo encomendou uma campanha publicitária para incentivar a volta ao trabalho no meio da pandemia.
Na última semana, o Datafolha perguntou a opinião dos brasileiros sobre o isolamento. No grupo de entrevistados que classificam o desempenho do presidente contra o coronavírus como ótimo ou bom, só 39% afirmaram que é importante manter as pessoas em casa. No restante da população, esse índice foi de 78%.
Metade daqueles que aprovam o trabalho de Bolsonaro na crise acredita que é melhor acabar com o isolamento para estimular a economia e conter o desemprego, mesmo que o vírus se espalhe. Apenas 15% dos demais brasileiros pensam assim.
A influência é visível. Bolsonaristas continuam fazendo carreatas em que reproduzem o discurso do presidente. Na sexta (1º), manifestantes ligaram um alto-falante em frente a um hospital de campanha. Naquele dia, o país ultrapassou a marca de 6.000 mortos pelo coronavírus.
Bruno Boghossian: Bolsonaro força atrito com Supremo para encobrir interferência na PF
Presidente não reclamou do STF quando ministros decidiram a favor de Flávio e do governo
Não houve chiadeira no Palácio da Alvorada quando Luiz Fux aproveitou o recesso do STF e decidiu, sozinho, suspender as investigações do caso Fabrício Queiroz, no início do ano passado. Ninguém saiu à portaria para dizer que aquele era um juízo político ou que o ministro abusava do poder de sua caneta.
Seria ingenuidade esperar coerência de Jair Bolsonaro. O presidente bateu palmas quando o Supremo tomou decisões que beneficiavam sua família e o governo. Agora, força uma confusão com a corte para encobrir sua tentativa escancarada de interferir na Polícia Federal.
Depois que Alexandre de Moraes barrou a nomeação de seu escolhido para o comando do órgão, o presidente disse que o ministro impedira a posse só porque Alexandre Ramagem era seu amigo: "Por que não posso prestigiar uma pessoa que eu conhecia com essa profundidade?".
Não era nada daquilo. Bolsonaro foi impedido de trocar a chefia da PF porque demonstrou interesse em intervir politicamente em investigações que rondam seus filhos e aliados. As relações com Ramagem surgiram apenas como agravantes.
Bolsonaro atacou Moraes para embaralhar essas circunstâncias e posar de vítima de uma intromissão do Judiciário sobre seus poderes. Acrescentou que não seria "refém de decisões monocráticas de quem quer que seja", em referência aos despachos emitidos por um único juiz.
Ele não se incomodou com esse detalhe quando Fux, Gilmar Mendes ou Dias Toffoli assinaram decisões que aliviaram temporariamente a barra de Flávio Bolsonaro nos inquéritos sobre o esquema da "rachadinha". Ninguém fez campanha nas redes contra os ministros.
O presidente também não criou atrito com Moraes quando o ministro aceitou (sozinho) torcer a Lei de Responsabilidade Fiscal e autorizou Bolsonaro a criar despesas sem apontar a origem das receitas durante a crise do coronavírus. O pedido havia sido feito pelo próprio governo. Ninguém chamou um cabo e um soldado para fechar o Supremo.