Bruno Boghossian

Bruno Boghossian: Weintraub se tornou um obstáculo político para Bolsonaro

Ministro contratou conflitos com o Congresso, o Supremo e a ala militar do governo

Jair Bolsonaro fez festa para Abraham Weintraub no fim do ano passado. "Melhorou demais", disse, sobre o Ministério da Educação. O presidente ponderou que o auxiliar precisava "dar uma calibrada" no discurso, mas mostrou que se identificava com suas barbaridades: "Está dando uma de Jair Bolsonaro quando deputado, em alguns momentos".

O presidente nunca se incomodou de verdade com as delinquências do subordinado. Quando ele foi acusado de racismo, Bolsonaro saiu em sua defesa. Depois que Weintraub falou em mandar ministros do STF para a cadeia, a máquina do governo trabalhou para tentar protegê-lo.

Bolsonaro também não se importava com o fato de que uma das áreas mais problemáticas do país era conduzida de maneira desastrosa. Em nome de uma fantasia ideológica, o presidente deixou que Weintraub transformasse a educação numa plataforma para sua insensatez.

O ministro só virou problema para Bolsonaro ao se tornar um obstáculo político. Weintraub contratou indisposições com o Congresso, com o Supremo e com a ala militar —três grupos-chave para a sobrevivência do presidente no cargo.

O agitador quase detonou o acordo entre Bolsonaro e o centrão quando tentou barrar a nomeação de representantes do bloco para cargos vinculados a sua pasta. Só cedeu depois que Bolsonaro ameaçou demiti-lo.

Weintraub também potencializou os choques com o STF ao fazer campanha pela prisão dos integrantes do tribunal. A corte reagiu e se recusou a excluir o polemista do inquérito que investiga ataques à instituição.

A fritura do ministro entrou pela porta do Palácio do Planalto com a oposição crescente dos militares a sua permanência no cargo. Até o presidente reconheceu publicamente o desgaste depois que Weintraub participou de um ato contra o Supremo.

Bolsonaristas radicais tentam segurar o ministro na cadeira, mas auxiliares do presidente já dizem procurar uma "saída honrosa". Se a demissão ocorrer, será difícil embrulhar a queda com alguma dignidade.


Bruno Boghossian: Investigação sobre radicais chega aos pés da rampa do Planalto

Inquérito pode expor atuação de Bolsonaro e auxiliares na articulação de ataques e protestos

As investigações sobre o núcleo radical do bolsonarismo chegaram ao pé da rampa do Palácio do Planalto. As buscas autorizadas pelo Supremo contra operadores partidários e a quebra de sigilo de parlamentares governistas expõem os detalhes da máquina política que trabalha a serviço do presidente.

Os alvos principais desses inquéritos nunca foram os blogueiros e personagens pitorescos que disseminam informações falsas e lideram protestos a favor de Jair Bolsonaro. A operação desta terça-feira (16) se aproximou ainda mais de deputados e empresários que fazem a ponte entre os manifestantes e o núcleo de poder do presidente.

Ao anunciar a ação, a Procuradoria-Geral da República esboçou as conexões. "Uma linha de apuração é que os investigados teriam agido articuladamente com agentes públicos que detêm prerrogativa de foro no STF para financiar e promover atos que se enquadram em práticas tipificadas como crime pela Lei de Segurança Nacional", afirmou o órgão.

A pedido dos procuradores, 11 parlamentares tiveram o sigilo bancário quebrado. Além de integrarem a tropa de choque bolsonarista, alguns deles fazem o meio de campo das relações políticas entre o presidente e os integrantes dessa artilharia. Há menos de um mês, as deputadas Bia Kicis e Carla Zambeli, alvos da operação, levaram uma trupe de "youtubers de direita" para um encontro com Bolsonaro.

Os inquéritos também chegaram aos articuladores da Aliança pelo Brasil —legenda de extrema direita que o presidente tenta fundar desde o ano passado. Entre os alvos, está o empresário Luís Felipe Belmonte, um dos principais financiadores desse plano. A interseção sugere que a rede de fake news e o conflito com outros Poderes seriam alguns dos pilares dessa nova estrutura partidária.

Bolsonaro já endossou o funcionamento dessas engrenagens e se beneficiou delas. As investigações também poderão mostrar até que ponto o presidente e seus auxiliares participaram da articulação dos ataques.


Bruno Boghossian: Bolsonaro tenta mudar foco do debate da pandemia

Presidente lança novas teorias para substituir suas profecias e apostas que perderam a validade

Há nove dias, Jair Bolsonaro tomou um helicóptero e percorreu um trajeto que levaria 50 minutos pela estrada. Desembarcou em Águas Lindas de Goiás, sorriu e inaugurou um hospital de campanha erguido com verba federal. “A gente torce para que pouca gente venha para cá, porque é sinal de que não precisa de atendimento”, discursou.

O governo desembolsou R$ 10 milhões na unidade, mas o presidente decidiu sabotar o projeto. Na última semana, ele incitou seus apoiadores a praticar um crime e invadir hospitais pelo país “para mostrar se os leitos estão ocupados ou não, se os gastos são compatíveis ou não”.

Depois de menosprezar o coronavírus, insistir num exótico “isolamento vertical”, forçar a barra para distribuir cloroquina e maquiar estatísticas, Bolsonaro passou a insinuar que os governadores inflam o número de mortos para desviar o dinheiro público gasto na pandemia.

Há uma série de investigações sobre essas despesas, mas o presidente não está interessado nelas. A intenção é lançar novas teorias para substituir aquelas que perderam validade ou foram desmentidas pelos fatos.

Bolsonaro muda o foco do debate para disfarçar sua negligência. Trata-se de uma variação da estratégia de “mover a trave” —metáfora que descreve a alteração contínua das regras e critérios de uma disputa para desqualificar o avanço de um opositor.

O presidente previu menos de 800 mortes na pandemia. Quando os números dispararam, ele chegou a reconhecer o óbvio: “Está morrendo gente? Está”. Depois, recuou e passou a fazer campanha para sufocar os dados oficiais sobre as vítimas.

Na economia, Bolsonaro trabalhou para minar medidas de isolamento e alardeou um risco de desabastecimento que não se concretizou. Mudou a tática e alertou para uma onda de saques que não ocorreu.

Na última quinta (11), o presidente sugeriu que a pandemia é só o pano de fundo de uma briga pelo poder. “Talvez os caras estejam aproveitando as pessoas que falecem para ter algum ganho político”, disse. Pois é.


Bruno Boghossian: Bolsonaro compra proteção no Congresso, mas relação continua instável

Acordo para defender presidente do impeachment dependerá da popularidade do governo

Antes de ganhar um ministério, o PSD ajudou Jair Bolsonaro a aprovar a reforma da Previdência. A pauta era considerada amarga, e a proposta foi desidratada pelos parlamentares, mas a sigla colaborou com o governo: deu 34 votos a favor da medida e apenas 2 contrários.

Nas últimas semanas, líderes partidários brincavam que, ao distribuir cargos para o centrão, o presidente pagaria por um apoio que já recebe. Era um exagero. Apesar do avanço da pauta econômica, Bolsonaro nunca teve vida fácil na Câmara e no Senado. O gracejo, porém, mostra que a relação entre o Planalto e sua nova base aliada deve continuar instável.

Nas conversas em que ofereceu espaço aos partidos, o presidente não pediu apoio a uma agenda de governo. Segundo dirigentes, Bolsonaro só cobrou a aprovação do projeto que prorroga a validade das carteiras de motorista. Não citou nenhuma ideia para a economia ou para a saúde na esteira da pandemia.

O principal compromisso dessa sociedade é a defesa do presidente e de sua família. Alguns dos caciques estão dispostos a blindar o clã Bolsonaro em eventuais votações em CPIs, denúncias por crimes comuns, pedidos de impeachment e nos conselhos de ética do Congresso.

A negociata não inclui, por exemplo, os retrocessos da agenda ideológica do presidente. Propostas econômicas podem ser vistas com boa vontade, mas o centrão é mais simpático ao aumento de gastos do que à tesoura de Paulo Guedes.

Ao amarrar siglas que somam cerca de 200 deputados, o governo pode até sofrer menos trancos no plenário, mas ainda está longe de obter maioria para tratorar a oposição e parlamentares críticos a Bolsonaro.

O presidente comprou a própria proteção, mas a fidelidade dessa base dependerá dos benefícios políticos do contrato. Além dos cargos em órgãos com orçamentos bilionários, a popularidade de Bolsonaro também vai ditar os termos da relação. Todas essas siglas estiveram ao lado de Dilma Rousseff, até que os números da petista derreteram.


Bruno Boghossian: Bolsonaro inventa mais um truque para aparelhar universidades

Governo usa coronavírus como pretexto para interferência que faz parte do projeto bolsonarista

O governo inventou mais um truque para intervir nas universidades. Depois de tentar mudar a regra de escolha dos reitores na véspera do último Natal, agora Jair Bolsonaro aproveitou a pandemia do coronavírus para nomear interventores no comando dessas instituições.

O presidente publicou nesta quarta (10) uma medida provisória que proíbe consultas à comunidade acadêmica para a definição de reitores durante o período de emergência de saúde pública. A norma dá poder ao ministro Abraham Weintraub para definir sozinho os ocupantes temporários dos cargos que ficarem vagos.

A justificativa oficial é que a pandemia impede a realização presencial das votações que definem a lista tríplice enviada ao presidente. O governo decidiu resolver essa questão numa canetada, em vez de discutir métodos de votação digital.9

Jair Bolsonaro e Abraham Weintraub entregam ônibus escolares para o estado de Goiás, em Goiânia, no estacionamento do Estádio Serra Dourada; críticos e aliados de Bolsonaro pedem saída de ministro, mas presidente diz que vai mantê-lo Pedro Ladeira-8.nov.19/FolhapressLeia Mais

Weintraub é o ministro que insistiu na realização das provas do Enem durante a crise do coronavírus, até que foi pressionado a adiar o exame. Antes disso, ele chegou a lançar uma campanha para dizer que os alunos sem aulas deveriam estudar por conta própria, pela internet.

No caso das universidades, a preocupação fajuta com a saúde se tornou pretexto para uma interferência direta, ainda que temporária. Com a alegação de que pretendem combater o que chamam de “doutrinação ideológica”, o presidente e seus auxiliares tentam ampliar o controle do governo sobre o ensino superior.

A intromissão na autonomia universitária é típica de governos que não sabem conviver com o pensamento crítico. A ditadura militar nomeou interventores para sufocar a oposição ao regime nos campi.

No Brasil de hoje, desculpas esfarrapadas tentam camuflar um aparelhamento escancarado em diversas instituições. Quando buscava um novo procurador-geral, no ano passado, Bolsonaro afirmava que nomearia alguém identificado ideologicamente com o governo e que pudesse facilitar obras de infraestruturaAugusto Aras ainda não ficou famoso por destravar nenhuma ferrovia.

Bruno Boghossian é jornalista, foi repórter da Sucursal de Brasília. É mestre em ciência política pela Universidade Columbia (EUA).


Bruno Boghossian: Governo procura dinheiro no cofre para melhorar a própria imagem

Ao tirar R$ 83,9 mi do Bolsa Família, equipe de Bolsonaro revela suas prioridades

Em tempos de aperto, o governo foi procurar alguns trocados no cofre para melhorar a própria imagem. Numa portaria publicada nesta quinta (4), o Ministério da Economia tirou R$ 83,9 milhões do orçamento do Bolsa Família e repassou o dinheiro para bancar um aumento de gastos da Presidência com ações de publicidade institucional.

O valor representa uma fração minúscula das despesas totais do programa social, mas reflete com nitidez as prioridades e as escolhas políticas da equipe de Jair Bolsonaro.

A pasta de Paulo Guedes tentou justificar a tesourada. Afirmou que 95% das famílias atendidas passaram a receber o auxílio emergencial criado na pandemia do coronavírus. "Nenhum beneficiário do Bolsa Família foi prejudicado no recebimento de seu benefício", acrescentou.

Faltou dizer que o programa tem hoje uma fila de espera de 430 mil famílias —que se cadastraram, mas ainda não recebem o pagamento. Esse corte, de acordo com técnicos do governo, poderia atender 70 mil famílias no segundo semestre deste ano.

Os contabilistas do Ministério da Economia, entretanto, não foram além das cifras de uma planilha. A pasta fala como se o dinheiro estivesse sobrando, mas não explica por que o governo decidiu inflar justamente o orçamento de comunicação institucional do Palácio do Planalto, enquanto o país ainda tenta conter a pior crise sanitária desta geração.

O dinheiro remanejado seria suficiente para comprar mais de 3.500 ventiladores pulmonares usados no tratamento das vítimas do coronavírus. Quando o Ministério da Saúde assina contratos para a produção desses equipamentos, o governo faz festa para divulgar a proeza.

Com os novos milhões, a Secretaria de Comunicação da Presidência quase dobrou seu orçamento para essas ações. Nessa rubrica, já foram contabilizadas despesas com campanhas para melhorar a imagem do governo no exterior e até com a manutenção das contas do Planalto nas redes sociais, que costumam encher o presidente de elogios.


Bruno Boghossian: Bolsonaro e aliados já falaram 7 vezes em chamar militares para enfrentar opositores

Presidente busca conflitos para justificar uma intervenção das Forças Armadas sob encomenda

Jair Bolsonaro busca uma intervenção militar sob encomenda. Em menos de um ano e meio, o presidente e seus aliados ameaçaram chamar as Forças Armadas ao menos sete vezes para reprimir opositores e intimidar críticos do governo.

Ainda em outubro, ele disse enxergar perigo nos protestos que aconteciam no Chile e afirmou que havia conversado com o ministro da Defesa sobre a possibilidade de convocar os militares em caso de manifestações por aqui. “A gente se prepara para usar o artigo 142, que é pela manutenção da lei e da ordem.”

O Brasil não viu uma fagulha do que ocorreu em Santiago, mas o comportamento incendiário permaneceu. Dias depois, Eduardo Bolsonaro disse que o governo poderia repetir medidas de exceção da ditadura caso a esquerda adotasse uma postura considerada radical. No mês seguinte, foi Paulo Guedes quem falou no risco de um novo AI-5.

Na época, Bolsonaro enviou ao Congresso um projeto que isentaria militares de punições nas operações de garantia da lei e da ordem, o que se aplicaria à repressão a protestos. A proposta acabou engavetada.

Bolsonaro voltou a agitar essa bandeira na reunião ministerial de 22 de abril: “Qualquer dos Poderes pode pedir às Forças Armadas que intervenham para reestabelecer a ordem”. Depois, cobrou ação do Ministério da Defesa para enfrentar o que chamou de contragolpe de seus rivais.

O assunto voltou nas últimas semanas, quando Eduardo propôs acionar as Forças Armadas para pôr “um pano quente” nos embates entre o Planalto e o STF —a favor do governo, é claro. Foi seguido pelo pai, que divulgou um vídeo que defendia essa hipótese, um dia depois.

O presidente continua à procura de conflitos. Nesta quarta (3), ele citou o uso da força para reprimir protestos e chamou de terroristas os manifestantes que foram às ruas contra o governo nos últimos dias. Foi o mesmo termo que ele empregou no ano passado, quando apresentou a proposta que protegeria militares durante operações dessa natureza.


Bruno Boghossian: Lula alimenta uma divisão que pode facilitar a vida de Bolsonaro

Petista rejeita aliança por acreditar que pode se contrapor sozinho a uma recessão econômica

A quatro dias do segundo turno de 2018, Lula cobrou a união de “todos e todas que defendem a democracia”. Numa carta escrita da prisão, o ex-presidente anotou que o país caminhava em direção a uma “aventura fascista” e afirmou: “É o momento de unir o povo, os democratas, todos e todas em torno da candidatura de Fernando Haddad”.

O petista agora indica que aquela era uma peça de marketing de baixa qualidade. Nos últimos dias, ele criticou esforços pela criação de uma frente contra tendências autoritárias de Jair Bolsonaro.

Classificou manifestos em defesa da democracia como projetos da elite e desestimulou o PT a aderir aos movimentos.

“Sinceramente, eu não tenho mais idade para ser maria vai com as outras”, afirmou o ex-presidente num evento do partido, na segunda (1º).

A rejeição ao governo se alargou, mas Lula só parece preocupado em preservar hegemonia em seu próprio campo político. O ex-presidente se recusa a compartilhar a liderança de um pacto de oposição e resiste a abrir mão de itens de sua agenda em nome de princípios mais abrangentes.

Para o petista, os movimentos pela democracia são parte de um plano da elite para “voltar a governar o país sem o PT”, ignorando a agenda de redistribuição de renda que se tornou marca da sigla. Sem perceber que o eixo de contestação a Bolsonaro se desloca rapidamente para o centro e para a direita, no entanto, ele corre o risco de ser atropelado também dentro da esquerda.

Alguns aliados de Lula dizem que o ex-presidente se comporta de maneira pretensiosa e autocentrada. Eles entendem que é preciso unir forças políticas com programas distintos e admitem que a esquerda pode não ser capaz de disputar o comando dessa frente neste momento.

Lula rejeita essa aliança por acreditar que o PT pode se contrapor sozinho a uma possível recessão econômica sob o atual governo. Em nome desse projeto, ele se mostra disposto a alimentar uma divisão que pode facilitar o caminho para as investidas autoritárias de Bolsonaro.


Bruno Boghossian: Bolsonaro teme que crise econômica favoreça políticos de oposição

Ao negligenciar combate ao coronavírus, presidente fala em 'luta pelo poder'

Para entender por que o país continua sem ministro da Saúde no auge de uma pandemia, basta assistir a um trecho da infame reunião ministerial de 22 de abril. Antes de anunciar seu plano para armar a população, Jair Bolsonaro explicou o que o incomoda de verdade.

"A luta pelo poder continua, a todo vapor. E sem neurose da minha parte. O campo fértil para aparecer uns porcarias aí, levantando aquela bandeira do 'povo ao meu lado', não custa nada. E o terreno fértil é esse: desemprego, caos, miséria, desordem social e outras coisas mais. Então essa é a preocupação que todos devem ter", disse a seus auxiliares.

Em dois minutos, o presidente expôs as razões da negligência do governo diante do coronavírus. Bolsonaro orientou sua equipe a trabalhar contra as ações para frear a disseminação da doença por acreditar que os efeitos econômicos da crise podem favorecer políticos de oposição.

Numa ironia do destino, o presidente se mostra atormentado pela ameaça de um salvador da pátria.Ele teme que os eleitores enxerguem em outros campos, em especial na esquerda, soluções que seu governo foi incapaz de oferecer para amortecer os prejuízos com a pandemia ("essa trozoba", no léxico palaciano).

Bolsonaro assumiu o poder abraçado a uma agenda de corte de despesas e revisão de gastos sociais. Quando a renda de parte da população entrou em colapso, foi preciso arrancar à força da equipe econômica um pacote emergencial razoável.

O auxílio de R$ 600 retarda os impactos que afligem Bolsonaro. Tudo indica que a manutenção desse pagamento, criado para ser temporário, será alvo de novas pressões políticas por parte do presidente.

O presidente desdenha dos riscos à saúde da população desde a chegada do coronavírus ao país. O avanço das inevitáveis consequências econômicas dessa crise devem aprofundar ainda mais sua insensibilidade. O discurso gravado em vídeo mostra que a preocupação de Bolsonaro com o bem-estar dos mais pobres está ligada à tal "luta pelo poder".


Bruno Boghossian: Tanques e likes empurram Bolsonaro para o tudo ou nada

Presidente amplia ameaças de intervenção militar e recorre a uma base cada vez mais fervorosa

Jair Bolsonaro é hoje consideravelmente mais impopular do que era um mês atrás. Atualmente, há muito mais brasileiros que consideram o governo ruim ou péssimo do que gente que aprova seu desempenho. O presidente agora se equilibra em cima de tanques e diante de uma base cada vez mais fervorosa.

O governo nasceu sob a expectativa positiva de 65% dos brasileiros, segundo uma pesquisa feita antes da posse. Bolsonaro rapidamente jogou fora essa boa vontade e se acomodou sobre uma divisão dos brasileiros em três terços, que consideravam o governo bom, regular e ruim.

O arranjo estava longe de ser confortável para qualquer político, mas deu alguma estabilidade a um presidente que cometeu barbaridades diárias e se mostrou incapaz de apresentar um programa minimamente coerente para o país.

Os números da última pesquisa Datafolha, realizada nos últimos dias, mostraram que esse panorama mudou. As crises sanitária, política e econômica empurraram uma fatia razoável de brasileiros para o campo crítico a Bolsonaro. A proporção de entrevistados que rejeitam o governo subiu para 43%, enquanto sua parcela de apoiadores se manteve em 33%. A diferença entre os dois percentuais representa cerca de 20 milhões de pessoas.

Bolsonaro recorreu a outros métodos para preservar seu poder. Passou a fazer acenos ainda mais frequentes às Forças Armadas e lançou ameaças abertas de intervenção militar. Nesta quinta (28), o presidente divulgou um discurso favorável a uma ação fardada sobre o STF. Nenhum comandante o contestou.

O atrevimento golpista serve para demonstrar força, intimidar autoridades e energizar uma base crescentemente identificada com seu líder. A maioria do núcleo bolsonarista concorda com a ideia de armar a população, apoia a participação de militares no governo e acha que o presidente só queria melhorar sua segurança pessoal —e não interferir na Polícia Federal. Esse grupo empurra Bolsonaro para o tudo ou nada.


Bruno Boghossian: Bolsonaro desmoralizou a Polícia Federal em tempo recorde

Há um mês, presidente disse que 'minha PF' investigaria uso do dinheiro para o coronavírus

Jair Bolsonaro mudou de ideia. Há pouco mais de um mês, o presidente batia na mesa ao esbravejar contra a Polícia Federal. Enviava mensagens ao ministro da Justiça para reclamar de apurações contra seus aliados e reclamava da lentidão do órgão em atender a seus interesses. Agora, ele sorri por trás da máscara e parabeniza a corporação por investigar um de seus rivais.

A alegria seletiva reforça a visão torta que o presidente tem das instituições. Quando a PF se aproxima de seu grupo político, Bolsonaro se diz perseguido e sabota o órgão, em busca de proteção. Quando a corporação bate à porta de seus adversários, a reação é mais generosa.

O próprio presidente faz questão de demarcar essa diferença. Em 24 de abril, Bolsonaro se queixou: “A PF de Sergio Moro mais se preocupou com Marielle do que com seu chefe supremo”. Depois de trocar o ministro da Justiça, lançou um pronome possessivo. “A minha PF vai para cima de quem estiver fazendo besteira com essa grana, hein?”, afirmou Bolsonaro, em referência ao dinheiro para o combate ao coronavírus.

Nesta terça (26), o presidente acordou satisfeito. Investigadores amanheceram na residência oficial do governador do Rio, Wilson Witzel, arqui-inimigo de Bolsonaro. Eles dizem ter provas de que uma organização criminosa desviou parte do dinheiro contra a pandemia e fraudou até o orçamento das caixas d’água dos hospitais de campanha do estado.

Em sua campanha obsessiva pelo controle da PF, Bolsonaro conseguiu desmoralizar a corporação em tempo recorde e alimentar desconfianças sobre a atuação do órgão contra críticos do presidente. As investigações acumulam indícios e se aproximam do governador, mas Witzel ganhou de presente a chance de apontar o dedo para Brasília.

Na saída do Palácio da Alvorada, Bolsonaro se limitou a dar “parabéns à Polícia Federal”. Como se sabe, o episódio só mereceria uma intromissão presidencial caso Witzel se encaixasse nas categorias “a minha família toda” ou “amigos meus”.


Bruno Boghossian: Vídeo mostra que Bolsonaro seguirá caminho do golpismo

Presidente e ministros traduzem impulsos autoritários em ataques explícitos, sem nenhum pudor

Seria uma injustiça afirmar que Jair Bolsonaro flerta com o autoritarismo. O vídeo da reunião ministerial do governo em abril mostra que o presidente e seus auxiliares, mais do que isso, traduzem seus impulsos golpistas em ataques explícitos, sem nenhum pudor.

Os assuntos do encontro eram o coronavírus e os planos para a economia, mas Bolsonaro estava mais interessado em atiçar seu conselho de radicais. Defendeu atropelar outros Poderes, falou em intervenção militar e prometeu armar a população contra seus adversários.

Nas quase duas horas de gravação, aparece em estado bruto a aposta do bolsonarismo na escalada de um conflito com as demais instituições democráticas, com o intuito de acumular um poder quase ilimitado.

O presidente disse que não aceitaria ser alvo de processos “baseados em filigranas” e que haveria “uma crise política de verdade” caso o Supremo tomasse “certas medidas”. “Não vou meter o rabo no meio das pernas”, desafiou. Quando Abraham Weintraub falou em mandar para a cadeia os ministros do tribunal, ninguém manifestou incômodo.

Bolsonaro não se conforma com o fato de que não reina soberano. Atacou o “bosta desse governador” e o “prefeitinho do fim do mundo” que decretaram medidas de isolamento social. A ministra Damares Alves afirmou que eles deveriam ser presos, repetindo o que parece ser o método favorito do governo para lidar com críticos e adversários.

Atormentado pela limitação de sua autoridade, o presidente passeia pelo terreno da exceção, sem ser incomodado. Exortou as Forças Armadas a reagirem ao que chamou de “contragolpe dos caras” e disse que era preciso armar a população contra seus opositores. No dia seguinte, o governo ampliou em 18 vezes o acesso de cidadãos comuns a munições.

O golpismo é o recurso único de um grupo que nunca teve interesse em seguir a regra do jogo. O radicalismo está enraizado no gabinete presidencial. Bolsonaro seguirá esse caminho enquanto não for impedido.