Bruno Boghossian

Bruno Boghossian: Bolsonaro se divide entre a mentira e a total falta de competência

É difícil saber se o presidente apenas mente ou se não tem ideia do que está fazendo

Jair Bolsonaro não gostou da ideia de vetar queimadas no país por quatro meses para conter a devastação da Amazônia. Na noite de quinta-feira (16), ele criticou a medida e avisou: “Não assinei ainda. Está previsto assinar”. O presidente deve ter se confundido. O decreto com a proibição havia sido publicado naquela manhã e trazia sua assinatura.

Às vezes, é difícil saber se Bolsonaro está só mentindo ou se não tem a menor ideia do que está fazendo. Ao dizer que não havia assinado um despacho que já estava no Diário Oficial, o presidente fica dividido entre o atrevimento de ludibriar seus próprios eleitores e a total falta de competência para exercer o cargo.

Além de enganar a população, Bolsonaro já mostrou que elabora seu discurso e toma decisões a partir de um pacote de informações falsas ou distorcidas. A qualidade dessas bobagens é tão baixa que ajuda a reforçar a incapacidade do próprio governo.

Durante a semana, enquanto auxiliares tentavam reverter a imagem negativa do país na área ambiental, o presidente dizia que a devastação não era um problema: “Se você não trabalha a terra de um ano para outro, quase já volta a floresta toda”. Cientistas afirmam que essa recuperação pode levar décadas ou séculos.

Bolsonaro também usou os últimos dias para reativar seu eleitorado conservador —deixado de lado depois que o presidente foi convencido a falar menos barbaridades para evitar turbulências políticas. Nas redes sociais, ele tentou espalhar a lorota de que a esquerda trabalha para “descriminalizar a pedofilia”.

As balelas presidenciais poderiam ser apenas parte de uma retórica desonesta, mas elas também dão origem a políticas públicas delinquentes. O patrocínio oficial ao uso de medicamentos sem eficácia comprovada, como a hidroxicloroquina, é um exemplo disso.

Contaminado pelo coronavírus, o próprio Bolsonaro tomou o remédio, o que sugere que ele realmente acredita no que diz. Em muitos casos, o despreparo do governo tende a ser mais perigoso do que a mentira.


Bruno Boghossian: Nova CPMF é símbolo do vazio de ideias da equipe econômica

Guedes e auxiliares já levantaram nove vezes o plano de um imposto sobre transações

A equipe econômica adotou o tumulto como método de trabalho. No vazio de ideias para impulsionar a atividade no país, o time de Paulo Guedes se habituou a lançar planos exóticos, que não saem do papel, ou ideias tão impopulares que só podem ter sido elaboradas por quem quer atrapalhar o governo.

O fantasma de um tributo nos moldes da antiga CPMF é um exemplo dessa autossabotagem. Nesta semana, Guedes voltou a citar a proposta de cobrança sobre transações. O ministro reconheceu que o imposto “é feio”, mas tentou emplacar a ideia para aliviar a carga cobrada de empresários sobre folhas de pagamento.

O roteiro se repete desde 2018. Em setembro, o economista disse num encontro privado que planejava cobrar um tributo sobre pagamentos. A agitação tomou a campanha de Jair Bolsonaro. O candidato quis bater na imprensa, mas deu uma paulada indireta na proposta do assessor.

“Ignorem essas notícias mal-intencionadas dizendo que pretendermos recriar a CPMF. Não procede. Querem criar pânico, pois estão em pânico com nossa chance de vitória”, escreveu Bolsonaro.

Desde então, Guedes e seus auxiliares levantaram a ideia do tributo outras oito vezes. O plano derrubou um secretário da Receita no primeiro ano do governo e foi se metamorfoseando. O ministro tentou mudar o nome do imposto, reduziu a alíquota e falou até em usar o dinheiro arrecadado para bancar a versão repaginada do Bolsa Família.

Guedes ainda precisa convencer o chefe. Em campanha, Bolsonaro afirmava que o plano de uma nova CPMF era “mentiroso e irresponsável”. Depois, disse estar disposto a conversar sobre o assunto. Para contornar as resistências, o governo quer que seus novos aliados do centrão abracem essa ideia.

O imposto sobre transações é o ramo podre de uma reforma tributária prometida e nunca apresentada pela equipe econômica. Em setembro, o ministro anunciou que entregaria o texto “na semana que vem”. Já se passaram quase 300 dias.


Bruno Boghossian: Ala ideológica tenta explorar crise dos militares para recuperar poder

Olavistas usam embate com Gilmar para convencer Bolsonaro a retomar guerra institucional

Antes de provocar alvoroço na caserna, Gilmar Mendes já havia usado o termo "genocídio" três vezes para se referir ao desempenho do governo na crise do coronavírus. Em junho, depois que Jair Bolsonaro ordenou uma maquiagem nas estatísticas, o ministro disse que a manobra não eliminaria a responsabilidade do presidente pelo morticínio.

Naqueles episódios, não se ouviu ranger de dentes ou toque de corneta nos quartéis. Os militares só reagiram agora, quando Gilmar disse que o Exército estava associado ao desastre na saúde. A ideia era proteger as Forças Armadas das críticas, mas os comandantes acabaram passando um recibo definitivo sobre seus vínculos com o presidente.

A resposta dos militares e a decisão de acionar a Procuradoria-Geral da República contra o ministro do Supremo amarram ainda mais esse grupo aos resultados e fracassos do governo. Embora a saída do general que comanda o Ministério da Saúde tenha entrado em pauta, é tarde para dizer que os fardados não fazem parte dessa engrenagem.

Ao reforçar a integração entre os militares e o bolsonarismo, as críticas de Gilmar acabaram despertando a adormecida ala ideológica do governo. Abalado pelas investigações que cercam o Palácio do Planalto, o grupo que fornece ao presidente sua doutrina ultraconservadora voltou a se movimentar para recuperar influência no centro do poder.

Partiu de um dos formuladores desse núcleo, nesta terça (14), um diagnóstico sobre a sustentação do governo. Filipe Martins, assessor da Presidência, reconheceu nas redes o enfraquecimento dos olavistas, descreveu as críticas aos militares como um projeto do establishment político e afirmou ser necessário "resgatar e proteger" o núcleo ideológico.

Trata-se de um apelo para que Bolsonaro retome sua guerra institucional. É, ainda, uma reação aos generais que afiançaram uma aproximação com os demais Poderes e convenceram o presidente a camuflar seu radicalismo com um discurso aparentemente mais moderado.


Bruno Boghossian: Crise mostra a Bolsonaro que bajular Trump é uma ferramenta diplomática inútil

Pandemia pode isolar o Brasil e deixar mais distante o ingênuo sonho americano do Planalto

Há um mês, Donald Trump citou o Brasil como exemplo negativo na pandemia. O americano errou tudo o que podia no combate ao coronavírus, mas disse que o país governado por Jair Bolsonaro enfrentava “um momento bem difícil” devido às suas escolhas durante a crise.

A reação do brasileiro ilustrou perfeitamente a postura de um país que escolheu a bajulação como pilar de sua política externa. Bolsonaro mandou um abraço para Trump, afirmou que gostaria de aprofundar as relações com os EUA e disse torcer pela reeleição do colega.

O Planalto recebeu, nas últimas semanas, algumas amostras dos efeitos de sua ingenuidade. O impacto econômico da pandemia, as barbeiragens do governo brasileiro na crise e sua negligência ambiental tornaram a subserviência aos americanos uma ferramenta diplomática inútil.

A torcida de Bolsonaro pelo sucesso de Trump nas urnas em novembro, que já era um erro político, passou a ser uma aposta de risco. Embora o cenário continue incerto, o democrata Joe Biden abriu vantagem nas pesquisas.

Seu partido, que é maioria na Câmara, já deu recados amargos ao brasileiro.

Em junho, o comitê tributário daquela casa, dominado pelos democratas, assinou uma carta em que dizia se opor a “qualquer tipo de acordo comercial com o governo Bolsonaro” devido a seu desrespeito aos direitos humanos e ao meio ambiente. Se o partido levar a Casa Branca, o sonho americano do presidente brasileiro ficará distante.

Mesmo uma vitória de Trump não garante um reforço nessa parceria. Ao mirar a retomada pós-pandemia, o americano retomou seu tom nacionalista, que pode restringir o acesso brasileiro à economia americana.

Em entrevista na última semana, ele disse que “terras estrangeiras roubaram nossos empregos com acordos comerciais horríveis”.

O Brasil pode sair da crise mais isolado. A União Europeia já freou negociações com o Brasil. Até o lunático Rodrigo Duterte, das Filipinas, tenta se distanciar de Bolsonaro.


Bruno Boghossian: Máquina de mentiras de Bolsonaro quer enganar seus próprios apoiadores

Decisão do Facebook mostra que liberdade de expressão não proteger redes de desinformação

A decisão do Facebook de remover 73 contas ligadas ao grupo de Jair Bolsonaro complica a vida dos governistas. Os perfis derrubados são uma fração pequena das conexões da rede de apoio ao presidente, mas o bloqueio desarma pontos-chave da defesa de seus aliados.

A suspensão atingiu páginas que, segundo a empresa, adotavam um "comportamento inautêntico". Havia perfis duplicados, personagens fictícios e páginas que fingiam ser veículos tradicionais de imprensa. O Facebook informou que a rede trabalhava de maneira coordenada, com a participação de assessores dos filhos de Bolsonaro e do Planalto.

A revelação desmonta o argumento de que a rede governista deveria ficar protegida pela liberdade de expressão. Afinal, os perfis desativados pertenciam a um esquema enganoso e não a usuários comuns --que os bolsonaristas chamam sarcasticamente de "tias do zap".

O grupo ligado ao presidente passa a ter dificuldade para reclamar de censura ou se dizer vítima de perseguição nas investigações do Supremo e do Tribunal Superior Eleitoral sobre sua rede de desinformação. Embora as leis assegurem o direito à livre manifestação, ele se aplica a pessoas reais, e não a mecanismos fraudulentos criados para amplificar mensagens de interesse do governo.

O Facebook informou que o motivo do desligamento foi o fato de que os responsáveis pelas páginas agiam de forma orquestrada para confundir usuários. "Quando investigamos e removemos essas contas, focamos no comportamento, e não no conteúdo, independentemente de quem está por trás delas, o que elas publicam ou se são estrangeiras ou nacionais", declarou a empresa.

O bloqueio também reforça o vínculo entre Bolsonaro e a ação dessa rede. Segundo um relatório do Digital Forensic Research Lab, que analisou as contas antes da remoção, havia páginas criadas por um assessor do deputado Eduardo Bolsonaro e por um auxiliar direto do presidente, integrante do chamado "gabinete do ódio" do Palácio do Planalto.


Bruno Boghossian: Bolsonaro se lança como exemplo vivo de campanha de negação da pandemia

Presidente transforma diagnóstico de coronavírus em espetáculo político

Quando recebeu o diagnóstico positivo para Covid-19, em março, o premiê britânico Boris Johnson disse que, mesmo isolado, continuaria liderando o combate à pandemia. Agradeceu aos profissionais de saúde e elogiou o “grande esforço nacional” para proteger a população. “Vamos vencer e vamos vencer juntos”, disse o primeiro-ministro.

Pouco mais de cem dias depois, Jair Bolsonaro avisou que também foi infectado pelo vírus. O presidente convocou uma entrevista e mal mencionou os esforços para conter a doença, que já matou quase 70 mil pessoas no país. Ao iniciar seu processo de recuperação, ele transformou o anúncio num espetáculo político.

Em 30 minutos, Bolsonaro celebrou o fato de o Ministério da Saúde estar nas mãos de um interino há quase dois meses. Voltou a criticar medidas recomendadas por autoridades da área, fez propaganda de um remédio sem eficácia comprovada e se recusou mais uma vez a reconhecer a gravidade da pandemia.

O presidente se lançou como exemplo vivo de sua longa campanha de negação sobre os riscos do vírus. Disse que só teve sintomas leves, “como a maioria da população brasileira”, e que passou a se sentir “perfeitamente bem” após tomar uma segunda dose de cloroquina. A experiência pessoal tende a reforçar o discurso oficial entre seus apoiadores.

Bolsonaro ainda deu uma cartada política ao dizer que acreditava ter sido infectado antes, devido ao que chamou de uma “atividade dinâmica perante a população”. “Tendo em vista esse meu contato com o povo bastante intenso nos últimos meses, eu achava até que já tivesse contraído e não percebido”, declarou.

No dia em que se somou a 1,6 milhão de brasileiros com diagnóstico positivo, Bolsonaro repetiu que “houve um superdimensionamento” da pandemia. Para minimizar a doença, ele acrescentou que o vírus mataria principalmente idosos e pessoas com outras doenças. “Todo mundo sabia disso”, afirmou o presidente que, em março, previa menos de 800 vítimas na pandemia.


Bruno Boghossian: Atalho de Guedes para retomada do emprego pode oficializar trabalho precário

Plano para estimular contratações aumenta risco de desigualdade e de desmanche de redes de proteção

Assim que o governo anunciou a prorrogação do auxílio emergencial do coronavírus, Paulo Guedes voltou a fazer propaganda do programa Verde e Amarelo. O ministro aproveita a pressão econômica da pandemia para driblar leis trabalhistas e permitir a contratação de empregados com menos proteções.

“O Verde e Amarelo são esses 30 milhões de brasileiros que estão por aí e que só querem o direito de trabalhar sem ser impedidos pelo governo”, disse o economista, na terça (30).

No dia seguinte, entregadores de aplicativos tomaram a avenida Paulista na contramão do ministro. Na paralisação, que já estava programada, eles cobraram das empresas melhores condições de trabalho, taxas mais justas e itens de proteção.

O governo Jair Bolsonaro não entendeu o recado. A equipe econômica continua em busca de um choque liberal nas relações entre empregadores e empregados. No caso dos trabalhadores informais, as medidas sugeridas podem fazer com que eles continuem desprotegidos.

A ideia é reduzir encargos sobre os empregadores. O programa Verde e Amarelo deve isentar empresários de cobranças do FGTS e do INSS. O projeto prevê ainda o pagamento por hora trabalhada.

Ao Valor Econômico um auxiliar de Guedes tentou pintar a precarização com tintas coloridas: “A pessoa trabalha duas horas num lugar, marca-se o valor. Depois, três horas em outro lugar, apresenta a carteira e marca. Ele pode ser empregado de oito pessoas ao mesmo tempo”.

Embora o custo de contratação no país seja considerado alto, o atalho apenas oficializa a informalidade, aumenta os riscos de desigualdade e desmancha uma rede de proteção que existe justamente para amortecer os efeitos de crises econômicas.

Ao defender o plano, Guedes disse que as leis trabalhistas são “o céu para alguns, mas com muito desemprego”, e descreveu a informalidade como “esse inferno do anonimato”. Após a crise, muitos trabalhadores não terão alternativa. O governo só se compromete a rezar a missa.


Bruno Boghossian: Planalto sabotou combate ao coronavírus ao saber de projeção de 100 mil mortes

Na última sexta-feira de março, Jair Bolsonaro apareceu na TV e disse o que pensava sobre o aumento de casos de coronavírus no país: "Alguns vão morrer? Vão, ué. Lamento. Essa é a vida, é a realidade".

O presidente adotou a negligência como política oficial durante a pandemia. O desdém se tornou a principal marca do desempenho ruinoso do Brasil, que agora ganha contornos ainda mais perturbadores.

Ex-secretário do Ministério da Saúde, o epidemiologista Wanderson Oliveira contou à repórter Natália Cancian que o Palácio do Planalto foi avisado de uma projeção que estimava em 100 mil o número de mortes por coronavírus em seis meses. Segundo ele, os dados chegaram à cúpula do governo já em março.

Desde o início, a equipe de Bolsonaro tinha elementos sobre a gravidade da doença. Naquele mês, o presidente dizia que a Covid-19 faria menos de 800 vítimas. A previsão fraudulenta desabou em três semanas.

Bolsonaro sonegou informações e implantou uma sabotagem contínua às ações de combate à pandemia. Demitiu um ministro e forçou a saída de outro. Quando o país bateu 30 mil mortes, não deu bola: "A gente lamenta todos os mortos, mas é o destino de todo mundo".

O governo também sabia que a cloroquina era um método duvidoso de tratamento, mas estimulou o uso do remédio. O Exército estocou mais de 1 milhão de comprimidos. Procuradores querem saber por que os insumos para o medicamento custaram mais do que o normal.

Os conflitos fabricados por Bolsonaro em torno das medidas de distanciamento, defendidas pelos técnicos da área, ajudaram a empurrar o país para o buraco. "Perdemos um tempo precioso com um debate improdutivo que acabou resultando numa confusão para a população muito grande", afirmou Oliveira.

O presidente liderou o país com a mesma habilidade do prefeito de Itabuna, na Bahia. Nos últimos dias, o alcaide disse que abriria o comércio mesmo que os casos na cidade disparassem, "morra quem morrer".


Bruno Boghossian: Especialista em nomeações relâmpago, Bolsonaro é incapaz de montar um governo

Vexame na Educação é sintoma de uma máquina que desmorona desde o primeiro dia

Ao chegar ao Planalto, a tropa de choque de Jair Bolsonaro anunciou uma demissão em massa. Sob o marketing da "despetização" da máquina pública, o governo mandou para casa até os servidores responsáveis por exonerações e nomeações. Resultado: faltou gente para oficializar a saída dos indesejados e a entrada de seus substitutos.

Da burocracia palaciana à Esplanada dos Ministérios, o governo desmorona desde o primeiro dia. O país se aproxima dos 50 dias sem um comando definitivo na Saúde, assiste a um processo desastrado de sucessão na Educação e vê um presidente incapaz de montar até os escalões inferiores do governo.

Os sinais da incompetência sempre foram claros. Quando inaugurou o mandato, Bolsonaro escolheu um publicitário que não era fluente em inglês para dirigir a Apex (Agência de Promoção de Exportações). Ele durou menos de dez dias no cargo.

Na Cultura, chegou ao quinto secretário em um ano e meio. Um deles foi enxotado após plagiar um discurso nazista. A sucessora, Regina Duarte, não completou três meses no posto porque não sabia o que fazer. Foi trocada por um ator que precisou tomar posse às escondidas.

O time de Bolsonaro ficou marcado por passagens relâmpago pelo poder. Em junho, o governo aceitou uma indicação do centrão e mandou Alexandre Cabral para a presidência do Banco do Nordeste. Ele caiu no dia seguinte, quando se soube que seu nome era investigado por irregularidades na Casa da Moeda.

O vexame da nomeação de Carlos Decotelli para a Educação é só mais uma das barbeiragens do governo. O quase ministro, afinal, só chegou lá porque antes Bolsonaro havia escolhido os improdutivos olavistas Ricardo Vélez e Abraham Weintraub.

O presidente gosta de fazer propaganda de sua equipe e vende a ideia de que qualquer coisa é melhor do que se viu em governos passados. Essa filosofia legou ao país um antiglobalista como chanceler, um sanfoneiro amador na Embratur e um gabinete do ódio dentro do Planalto.


Bruno Boghossian: Bolsonaro abandona negacionismo da pobreza

População de baixa renda passa de 32% para 52% dos apoiadores do governo, segundo Datafolha

Jair Bolsonaro chegou ao poder como um negacionista da pobreza. Crítico contumaz de programas de transferência de renda, ele disse no ano passado que a fome no Brasil era "uma grande mentira" e que o papel do governo era facilitar a vida "de quem quer produzir".

Sob risco, o presidente se converteu. Nesta terça (30), o governo anunciou o pagamento do auxílio emergencial do coronavírus por mais dois meses. A prorrogação poderia ser um ato burocrático, mas Bolsonaro organizou uma cerimônia no Planalto e chamou o programa de "o maior projeto social do mundo".

O presidente adiou o fim do benefício por uma questão de sobrevivência. As novas parcelas e o plano de reformulação do Bolsa Família se tornaram decisivos para a permanência de Bolsonaro no cargo e para sua aposta na reeleição em 2022.

A pandemia marcou uma mudança na composição da base do presidente. Em 2019, os mais pobres correspondiam a 32% do grupo que considerava o governo ótimo ou bom, de acordo com o Datafolha. Desde então, o presidente manteve a popularidade estável, mas o segmento de baixa renda passou a representar 52% de seus apoiadores.

A atuação desastrosa de Bolsonaro na pandemia afastou segmentos mais ricos, mas levou para seu campo eleitores que estão na base da pirâmide social. O fim do pagamento do auxílio representaria um risco de erosão num nicho agora majoritário.

O cálculo político é claro. No início da pandemia, o governo propôs apenas três parcelas de R$ 200 aos mais pobres para amenizar a crise. Só triplicou o valor após pressão do Congresso. Quando o programa chegava ao fim, o ministro da Economia afirmou que a prorrogação era arriscada porque "aí ninguém trabalha".

Bolsonaro tenta consolidar apoio em novos grupos, mas ainda poderá buscar a retomada de territórios perdidos. "Ele tem chance de recuperar apoio nos segmentos mais abastados se mantiver a postura atual, menos explosiva", avalia Mauro Paulino, diretor do Datafolha.


Bruno Boghossian: Ideia de perseguição será a última linha de defesa de Bolsonaro

Após prisão de Queiroz, presidente reforça imagem de que é vítima de conspirações

Mais do que nunca, Jair Bolsonaro tenta convencer seus apoiadores de que é vítima de uma conspiração de gente poderosa. O avanço do Supremo sobre seus aliados e a prisão de Fabrício Queiroz reduziram as linhas de defesa do presidente. O cerco se ampliou tanto que restou apenas a ideia de perseguição.

Bolsonaro quer vender a impressão de que suas derrotas no Congresso não têm relação com a incompetência do Planalto e de que a interferência na PF foi só uma maneira de conter injustiças contra sua família. As mortes na pandemia seriam uma fraude grosseira e o foguetório lançado por seus aliados sobre o STF deve ter sido uma ilusão de ótica.

O presidente, que nunca aceitou a limitação de seus poderes, explora o próprio fracasso. Sem apoio consistente na Câmara, o governo faz propaganda de uma suposta conspiração engendrada por atores políticos.

Quando a equipe econômica se mostrou incapaz de negociar a aprovação de um projeto de socorro aos estados durante a pandemia, Bolsonaro acusou Rodrigo Maia de “quase conspirar por aí contra o governo”.A manipulação primitiva até rende alguns dividendos. A agitação criada pelo presidente costuma energizar sua base nas redes sociais e também ajuda a reagrupar setores hesitantes dentro do próprio governo.

Os integrantes mais desconfiados da ala militar, em especial, acompanham Bolsonaro na percepção de que o Legislativo e o Judiciário cerceiam deliberadamente o Planalto. O grupo verde-oliva, por isso, ainda é um relevante aliado do presidente em seu tenso embate com o STF.

Ao ver a prisão de um homem de confiança da família, Bolsonaro tentou replicar a fórmula. O presidente reclamou da “prisão espetaculosa”, e seu filho Flávio disse que o objetivo da ação era atingir o governo.

Dessa vez, a missão é mais difícil. O reaparecimento de Queiroz pode até representar uma ameaça ao Planalto, mas o ex-assessor é um problema particular do clã Bolsonaro. O instinto de proteção coletiva, nesse caso, tende a ser muito mais restrito.


Bruno Boghossian: Com prisão de Queiroz, fantasma da roubalheira assombra Bolsonaro

Ex-assessor ressurge e revira métodos típicos dos políticos do baixo clero

Por algum tempo, Jair Bolsonaro tentou se distanciar dos rolos de Fabrício Queiroz. Quando foi revelado o esquema de confisco de salários num dos gabinetes do clã, o presidente disse que o fiel aliado era quem deveria responder. “Não tenho nada a ver com essa história”, afirmou, assim que assumiu o cargo.

Não deu para disfarçar. A prisão do ex-policial numa casa ligada ao advogado Frederick Wassef sugere que o amigo de Bolsonaro estava sob a guarda da família. O doutor não era apenas um representante legal de Flávio. Ele frequentava o Palácio da Alvorada e circulava como homem de confiança do presidente.

Já Bolsonaro e Queiroz se conhecem há mais de 30 anos. Embora o clã tenha negado contatos com o ex-assessor, os acontecimentos mais recentes oferecem indícios de que essa conexão jamais foi desfeita. Nessas circunstâncias, o avanço das investigações se torna uma ameaça.

O Planalto anda acuado por apurações sobre o financiamento de uma rede de informações falsas e pelo cerco a alguns de seus apoiadores mais radicais, mas o fantasma do caso Queiroz representa uma assombração política especial.

A exploração de fake news e os ataques às instituições democráticas podem complicar Bolsonaro juridicamente, mas ainda servem como ferramentas para energizar e aglutinar sua base mais leal. As suspeitas de desvio de dinheiro público no esquema da rachadinha, por outro lado, pode ter força para desgastá-lo também dentro desse grupo.

Para um presidente que pegou carona na irritação generalizada com a classe política, o espectro da roubalheira tem potencial para provocar danos cruéis. Antes de tomar posse, o próprio Bolsonaro desenhou: “Se algo estiver errado comigo, com meu filho, com o Queiroz, que paguemos a conta. Dói no coração da gente? Dói, porque nossa maior bandeira é o combate à corrupção”.

Queiroz ressurge e revira métodos típicos dos políticos do baixo clero. Resta saber se o caso também atingirá o gabinete presidencial.