Bruno Boghossian

Bruno Boghossian: Guedes ganha sua sétima vida, mas se torna o ministro mais frágil do governo

Com garantias de permanência do auxiliar, Bolsonaro força recuos e mantém ruídos na relação

Ainda na eleição, Jair Bolsonaro tentou abafar os primeiros rumores de que Paulo Guedes deixaria sua equipe. O economista era alvo dentro do comitê de campanha por sugerir a criação de um imposto nos moldes da velha CPMF. “O Paulo segue firme”, afiançou o candidato.

Apesar do aval público, o presidente manteve o conselheiro sob risco permanente. Bolsonaro precisou defender o auxiliar outras seis vezes. Negou sua demissão e simulou apoio a sua agenda. Em quase todos os casos, porém, forçou o ministro a recuar e preservou os ruídos da relação.

Quando o fantasma do novo imposto incomodou a campanha de Bolsonaro, após o primeiro turno, o candidato quis proteger o economista. Disse que a ideia da CPMF era “um ato falho” e que não criaria novos tributos. Guedes ainda insiste, mas o chefe nunca abraçou o plano.

Na largada do mandato, os atritos da reforma administrativa levaram o presidente a repetir o script. Em outubro, Bolsonaro defendeu a pauta do ministro e disse que havia “100%” de confiança entre os dois.

Dois meses depois, disse estar “muito feliz com esse casamento hétero com o Paulo Guedes”, mas mandou abrandar a proposta que mudaria as regras do funcionalismo. “A equipe econômica entendeu”, comunicou. O texto foi para a gaveta.

No Carnaval seguinte, Guedes voltou a ser um problema. O ministro chamou servidores de parasitas e disse que, se o dólar estivesse mais barato, as empregadas domésticas iriam à Disney. “Ele vai ficar conosco até o último dia”, reagiu o presidente.

Bolsonaro refez o teatro em abril, na disputa entre o economista e os ministros que pediam mais dinheiro para obras. “O homem que decide a economia no Brasil é um só”, sentenciou. O presidente, logo depois, se juntou ao coro dos gastadores.

Sob pressão para abrir o cofre, Guedes ganhou sua sétima vida na segunda (17). Desta vez, Bolsonaro disse que a saída do auxiliar “nunca foi cogitada”. Com tantas garantias de permanência, ele se tornou o ministro mais frágil da Esplanada.


Bruno Boghossian: Bolsonaro não mudou, mas aprendeu a ser um populista mais eficiente

Popularidade e aliança com centrão ajudam presidente a manter políticas originais

Jair Bolsonaro enfrentou dois choques de impopularidade depois que chegou ao Palácio do Planalto. O primeiro ocorreu no ano passado, quando ele decidiu brigar com meio mundo para esconder a devastação da Amazônia. O segundo refletiu a condução catastrófica do país na crise do coronavírus.

O vento mudou e a aprovação ao governo subiu, mas o presidente continua o mesmo. Na terça (11), Bolsonaro voltou a brigar com os números e disse que "essa história de que a Amazônia arde em fogo é uma mentira". A ideia é omitir o aumento de 28% nas queimadas na região e facilitar a derrubada da floresta.

A pandemia também segue sua marcha, diante do mesmo Bolsonaro que menosprezou a doença desde o primeiro dia. Em visita ao Pará na última semana, o presidente se manteve na função de garoto-propaganda da cloroquina e tentou, mais uma vez, se eximir da culpa pelas mortes provocadas pelo coronavírus.

Bolsonaro ainda cutuca as feridas que derrubaram seus índices de popularidade no passado, mas agora sua aprovação disparou ao maior nível desde o início do governo. A variação coincidiu com um tom diferente em algumas de suas declarações públicas, mas está claro que ele está longe de ser um moderado.

O presidente não mudou. Ele só aprendeu a ser um populista mais eficiente. Os números da última pesquisa Datafolha estimulam Bolsonaro a manter suas políticas originais, desde que segure a língua, cimente uma base social e busque blindagem no Congresso e nos tribunais.

O salto na aprovação ao presidente entre brasileiros de baixa renda indica que o auxílio emergencial e outras ações ajudam a protegê-lo dos maremotos provocados por ele mesmo —ainda que, para isso, tenha que empurrar Paulo Guedes para fora da Esplanada dos Ministérios.

A aliança com o centrão e o apoio de alguns amigos no Judiciário podem completar essa missão.

Enquanto tiver um punhado de boias de salvação à vista, Bolsonaro não precisa ter medo de pular.


Bruno Boghossian: Com adesões a Boulos, PT pode sofrer nova onda de desgastes nas eleições

Partido finge não ver problema em candidatura e ainda pode perder tempo com caça às bruxas

O PT preferiu fazer pouco caso diante da adesão de eleitores identificados com o partido à candidatura de Guilherme Boulos (PSOL) em São Paulo. Afinal, o ex-ministro Celso Amorim não vota no município, e Chico Buarque nem é filiado à legenda, argumentaram dirigentes.

Os petistas fingiram não ver o problema. O partido comandou a Prefeitura por 12 anos em três décadas, mas penou para definir um nome na disputa deste ano. A vaga ficou com Jilmar Tatto, ex-deputado, ex-secretário e integrante de um clã que domina redutos políticos da zona sul.

De saída, a escolha não empolgou. Petistas notórios declararam apoio a Boulos, como o cientista político André Singer, o ex-presidente do PT Tarso Genro e a ex-deputada Bete Mendes, fundadora da legenda.

A sigla pode enfrentar uma nova onda de desgastes nas eleições municipais. Há quatro anos, a legenda perdeu 60% de suas prefeituras na esteira do impeachment e da Lava Jato. Agora, parece jogar para cumprir tabela em cidades importantes.

A escolha de Tatto representa uma opção pela política local, mas muitos petistas se incomodam com o fato de que o partido abriu mão de usar a campanha como palanque para um embate com Jair Bolsonaro. Alguns, como Tarso Genro, acreditam que o PT deveria se aliar a Boulos.

Ex-ministro de Lula e Dilma, Celso Amorim afirma que seu apoio ao candidato do PSOL não representa uma crítica ao PT. Ele argumenta que a eleição terá grande repercussão nacional e “precisa de candidatos que tenham essa dimensão”.

“O edifício está desabando. Não adianta só pregar um andaime novo”, diz. “O cansaço com a política tradicional requer um nome que venha com propostas novas, ideias novas.”

A presidente do PT disse que os filiados que apoiarem outras siglas podem sofrer sanções. “A filiação petista carrega consigo algumas responsabilidades, entre elas a de lealdade ao candidato do partido”, disse Gleisi Hoffmann ao repórter Fábio Zanini. A legenda ainda pode perder tempo numa caça a suas próprias bruxas.


Bruno Boghossian: Bolsonaro contrata profissionais do ramo para evitar impeachment

Em pacto de sobrevivência, presidente entrega operação política do governo ao centrão

Às vésperas do impeachment de Dilma Rousseff, dirigentes do PP pediram as chaves do Ministério da Saúde. O governo hesitou, mas topou a jogada em troca de votos para evitar a queda da presidente. Pouco depois de deixar o Planalto, o deputado Ricardo Barros foi à casa de Michel Temer. O vice cobriu a oferta: o PP ajudou a derrubar a petista, e Barros virou ministro.

Na próxima semana, o parlamentar assume oficialmente o posto de líder do governo Jair Bolsonaro na Câmara. Depois de açoitar os velhos partidos, o presidente decidiu contratar profissionais com experiência no ramo para se proteger no cargo.

A palavra impeachment dita os lances de Bolsonaro há alguns meses. Faz sentido, já que a hipótese é citada com desinibição –tanto por aqueles que gostariam de derrubar o presidente quanto por sua tropa de choque e pelos omissos que não veem “nenhum tipo de crime”.

O último a falar no assunto tem assento na Esplanada dos Ministérios. Paulo Guedes disse na terça (11) que as pressões para furar o teto de gastos públicos levariam o presidente à “zona do impeachment”. Ele mencionou conselheiros de Bolsonaro, mas o alvo era um chefe acometido pela comichão da gastança.

O presidente abriu dois movimentos para se esquivar desse tormento. Nesta quarta (12), ele fez uma declaração insossa em defesa do limite de despesas e confirmou a escolha de Barros para a liderança do governo.

O deputado é um especialista. Ainda no ano passado, ele peitou um ministro do governo ao cobrar a liberação de cargos e disse: “Se precisar demitir o presidente, nós demitimos. Ele não pode demitir o Congresso. A palavra final é nossa”.

Além de instalar uma operação política no governo, a nova aliança de Bolsonaro com o centrão representa um pacto de sobrevivência. O novo líder carrega esse espírito. No início do governo, Barros afirmava que não cabia ao Congresso investigar o caso Fabrício Queiroz. “Agora vamos ficar votando CPI em vez de votar reforma?”, perguntou.

Em pacto de sobrevivência, presidente entrega operação política do governo ao centrão

Às vésperas do impeachment de Dilma Rousseff, dirigentes do PP pediram as chaves do Ministério da Saúde. O governo hesitou, mas topou a jogada em troca de votos para evitar a queda da presidente. Pouco depois de deixar o Planalto, o deputado Ricardo Barros foi à casa de Michel Temer. O vice cobriu a oferta: o PP ajudou a derrubar a petista, e Barros virou ministro.

Na próxima semana, o parlamentar assume oficialmente o posto de líder do governo Jair Bolsonaro na Câmara. Depois de açoitar os velhos partidos, o presidente decidiu contratar profissionais com experiência no ramo para se proteger no cargo.

A palavra impeachment dita os lances de Bolsonaro há alguns meses. Faz sentido, já que a hipótese é citada com desinibição –tanto por aqueles que gostariam de derrubar o presidente quanto por sua tropa de choque e pelos omissos que não veem “nenhum tipo de crime”.

O último a falar no assunto tem assento na Esplanada dos Ministérios. Paulo Guedes disse na terça (11) que as pressões para furar o teto de gastos públicos levariam o presidente à “zona do impeachment”. Ele mencionou conselheiros de Bolsonaro, mas o alvo era um chefe acometido pela comichão da gastança.

O presidente abriu dois movimentos para se esquivar desse tormento. Nesta quarta (12), ele fez uma declaração insossa em defesa do limite de despesas e confirmou a escolha de Barros para a liderança do governo.

O deputado é um especialista. Ainda no ano passado, ele peitou um ministro do governo ao cobrar a liberação de cargos e disse: “Se precisar demitir o presidente, nós demitimos. Ele não pode demitir o Congresso. A palavra final é nossa”.

Além de instalar uma operação política no governo, a nova aliança de Bolsonaro com o centrão representa um pacto de sobrevivência. O novo líder carrega esse espírito. No início do governo, Barros afirmava que não cabia ao Congresso investigar o caso Fabrício Queiroz. “Agora vamos ficar votando CPI em vez de votar reforma?”, perguntou.


Bruno Boghossian: Governo reforça seu projeto para sucatear a educação

Corte de orçamento proposto pelo MEC é novo capítulo de uma ruína premeditada

Enquanto Jair Bolsonaro e seus aliados tentam arrumar um dinheirinho para turbinar sua operação política, o Ministério da Educação preferiu afiar a tesoura. A pasta anunciou a intenção de cortar 18% de suas despesas não obrigatórias no ano que vem. A proposta facilita os esforços do Palácio do Planalto para sucatear o ensino público.

A ruína é premeditada. Obcecado pelo fantasma de um aparelhamento nas universidades, o presidente faz de tudo para esvaziar a área. Manteve dois titulares desqualificados para comandar a pasta e incentivou um estrangulamento de pesquisas e da educação superior, principais pontos de atuação federal no setor.

O próprio Bolsonaro e seus assessores nunca esconderam a intenção de usar o orçamento como arma política. Ao chegar ao MEC, Abraham Weintraub avisou que fecharia os cofres para instituições que fizessem o que ele chamava de “balbúrdia”. A ideia era asfixiar aqueles que contrariassem a agenda do governo.

O presidente nunca se interessou em apresentar projetos para a educação. Ele preferiu explorar o tema como parte de sua cruzada ideológica e usou o desempenho do país em exames internacionais para fustigar adversários políticos.

Quando o Congresso começou a discutir a ampliação do fundo que financia a educação básica, Bolsonaro decidiu ignorar o assunto. Depois, trabalhou contra a medida e foi obrigado a ceder para evitar uma derrota política humilhante.

Agora, o MEC reconheceu o papel de coadjuvante. Sensibilizada pela crise econômica, a pasta se antecipou ao arrocho de Paulo Guedes e disse que pretende gastar menos R$ 4,2 bilhões no ano que vem. O Orçamento só será fechado no fim do mês, mas o ministério jogou a toalha.

Ao explicar o corte, a pasta disse que a pandemia exige um esforço de “priorização das despesas”. Os filhos feios de Bolsonaro devem sofrer mais com a tesourada. Já o Ministério da Defesa, favorito do presidente, pediu um aumento de 37% nos investimentos do ano que vem.


Bruno Boghossian: Moro terá dificuldades para preservar capital político até 2022

Futuro eleitoral do ex-juiz depende quase exclusivamente do destino da Lava Jato

O palanque de Sergio Moro anda meio bambo. O divórcio com Jair Bolsonaro lançou o ex-juiz na arena eleitoral de maneira precoce, como adversário do presidente que o levou a Brasília. Sem os holofotes da toga e do governo, seu futuro político agora depende quase exclusivamente do destino da Lava Jato.

A revisão dos excessos cometidos em Curitiba e o embate dentro do Ministério Público Federal sobre os rumos da operação definirão os caminhos de Moro até 2022. O ex-juiz pode escolher se apresentar como vítima de um conluio para enfraquecer o combate à corrupção, mas deve ter dificuldades para cantar nessa única nota pelos próximos dois anos.

As críticas feitas por Augusto Aras aos trabalhos da Lava Jato reforçam uma trilha que Moro começou a percorrer no dia em que deixou o governo. Alinhado a Bolsonaro, o procurador-geral que tenta impor limites aos investigadores se torna um atalho para acusar o presidente de tentar desmantelar a operação.

O lance do ex-juiz, nesse caso, seria empurrar Bolsonaro para o córner do establishment político, ao lado dos neoaliados do centrão e de opositores do lavajatismo no Supremo. Moro tentaria roubar do ex-chefe o rótulo antissistema, mas ainda precisaria explicar por que jurou fidelidade a um presidente que jamais se interessou em demonstrar compromisso com o combate à corrupção.

Do outro lado do ringue, há outras incertezas. O debate sobre a atuação de Moro nos processos contra Lula pode levar à anulação de condenações do ex-presidente e torná-lo um potencial candidato na próxima campanha. O ex-juiz seria um inimigo natural do petista, mas precisaria disputar o mesmo eleitorado que Bolsonaro já conquistou em 2018 e poderá cativar de vez com a máquina do governo nas mãos.

Ainda que Moro tenha se tornado um dos personagens mais populares do país, seu capital político acumulado pode se desvalorizar com certa rapidez nos próximos anos. Até hoje, o ex-juiz que usou a Lava Jato como vitrine não aprendeu a ser vidraça.


Bruno Boghossian: Flávio Bolsonaro se enrola cada vez que tenta explicar o caso Queiroz

Filho do presidente tenta se defender de suspeitas, mas se destaca pelo que não diz

Quando o país conheceu os rolos de Fabrício Queiroz, o então senador eleito Flávio Bolsonaro disse que o ex-auxiliar tinha uma “história bastante plausível” para justificar as movimentações suspeitas em suas contas bancárias. Meses depois, ele passou a insistir que não tinha “nada a ver” com a investigação sobre o PM aposentado. Até hoje, o filho do presidente se enrola a cada vez que tenta explicar o caso.

Flávio deu um presente aos promotores que apuram a existência de um esquema de desvio de salários em seu gabinete na Assembleia do Rio. Em entrevista ao jornal O Globo, o senador confirmou fatos que estão sob investigação, mas se destacou pelo que não conseguiu esclarecer.

Primeiro, o filho do presidente admitiu: “Pode ser que, porventura, eu tenha mandado o Queiroz pagar uma conta minha”. Flávio falava como se aquele fosse um caso isolado, mas o Ministério Público encontrou 63 boletos quitados em dinheiro, com “origem alheia aos rendimentos lícitos” do senador e de sua mulher.

Ele ainda tentou dizer que sacava aqueles valores e repassava ao auxiliar para bancar as faturas. Flávio poderia ajudar os promotores a encontrar os registros dessas operações. Em outubro de 2018, Queiroz pagou em espécie as mensalidades escolares das filhas do senador. Nos 15 meses anteriores, não houve nenhuma retirada das contas do casal.

O filho do presidente repetiu a versão segundo a qual Queiroz apenas recolhia parte dos salários do gabinete para subcontratar militantes. Flávio afirmou que não sabia dessa prática, embora isso queira dizer que o esquema ajudou a comprar apoio político em suas bases eleitorais.

Também ficou pela metade a explicação sobre o pagamento de uma parcela de um apartamento da família, em 2016, feito por um PM. O senador disse que estava num churrasco e pediu ao policial para quitar o boleto pelo celular porque não queria ir ao banco. Segundo o amigo, Flávio devolveu os R$ 16,5 mil em dinheiro vivo —o que significa que não há registros bancários do reembolso.


Bruno Boghossian: Governo submete sistema de inteligência a interesses particulares

Bolsonaro pode monitorar adversários e ampliar os poderes de vigilância de órgãos de informação

Salvar a própria família e blindar aliados foi só um capítulo da história. Depois de interferir em órgãos de investigação para evitar problemas para seu grupo, o governo Jair Bolsonaro avançou sobre a estrutura oficial de inteligência do país em busca de benefícios políticos.

Com desembaraço, o presidente e seus auxiliares parecem dispostos a explorar esse aparato de informações para servir aos interesses específicos do Palácio do Planalto. Nas últimas semanas, o governo usou essas ferramentas para monitorar adversários e ampliar os poderes de vigilância desses órgãos.

O dossiê sigiloso sobre integrantes de organizações críticas a Bolsonaro, elaborado dentro do Ministério da Justiça, é uma amostra grátis desse trabalho. Em junho, o governo decidiu listar servidores da área de segurança que eram identificados como participantes de um “movimento antifascista” e enviou seus nomes para órgãos de investigação, como revelou o repórter Rubens Valente.

Ninguém quis explicar por que a estrutura estatal foi utilizada para produzir algo que pode ser classificado como um catálogo de perseguição. O ministro André Mendonça tentou se esquivar da responsabilidade. Se ele não sabia da confecção do documento, perdeu as condições de permanecer no posto. Se sabia, deve responder fora do cargo.

Bolsonaro demonstra apetite por um aparelho de informações que funcione a seu favor. Na semana passada, ele editou um decreto que mudou a estrutura da Abin e criou um Centro de Inteligência Nacional para executar ações “voltadas ao enfrentamento de ameaças à segurança e à estabilidade do Estado e da sociedade”. A descrição é vaga o suficiente para dar superpoderes ao órgão.

Na famosa reunião ministerial de 22 de abril, Bolsonaro reclamou do aparato de informações do governo depois de citar “pessoas aqui de Brasília” que se reuniam “de madrugada, pra lá, pra cá”. Ele disse contar com um sistema próprio: “O meu particular funciona”. Aos poucos, a estrutura oficial pode se tornar particular.


Bruno Boghossian: Bolsonaro quer um ministro terrivelmente submisso no STF

Presidente usa cadeira como chamariz, faz acenos políticos e busca proteção

Jair Bolsonaro está de olho nas cadeiras do STF desde a campanha presidencial. Naquela época, o candidato falava até em ampliar o número de ministros do tribunal, para infiltrar uma tropa inteira no plenário. “É uma maneira de você botar dez isentos lá dentro”, teorizou.

A ideia ficou pelo caminho, mas Bolsonaro continuou explorando o poder de indicação para o Supremo como chamariz. Primeiro, surfou na onda anticorrupção e fez um aceno ao segmento evangélico. Agora, ele estimula uma competição entre candidatos dispostos a oferecer proteção a seu grupo político.

O primeiro a morder a isca foi Sergio Moro. Durante a campanha, Bolsonaro agitava o eleitorado antipetista ao sugerir a indicação do algoz de Lula para a corte. Já no Planalto, o presidente dizia ter firmado um acordo com o ex-juiz da Lava Jato. “A primeira vaga que tiver, eu tenho esse compromisso com o Moro”, afirmou, em maio do ano passado.

O ministro da Justiça mal conseguiu sonhar com a cadeira. Os conflitos com o presidente se acumularam, e Moro perdeu o lugar na fila.

Contrariado com decisões como a criminalização da homofobia, Bolsonaro ofereceu uma toga aos nichos conservadores de sua base. Um ministro “terrivelmente evangélico” passou a liderar bolsa de apostas depois que o presidente descreveu o perfil que buscava para o tribunal.

Aos poucos, Bolsonaro deixou o componente ideológico de lado e sugeriu estar disposto a premiar personagens que podem blindá-lo de investigações perigosas.

Quando Augusto Aras pediu o arquivamento do inquérito das fake news, em maio, Bolsonaro disse que o procurador-geral se encaixaria bem na corte. Depois, o favorito virou João Otávio de Noronha, presidente do STJ, que tirou da cadeia o incômodo Fabrício Queiroz.

Bolsonaro poderá fazer sua escolha em menos de cem dias, após a aposentadoria de Celso de Mello. O presidente ainda quer um ministro que sirva a seus interesses políticos —mas esses interesses mudaram.


Bruno Boghossian: Bolsonaro reforça operação política para sobreviver no poder

Presidente usa camisa de força, esvazia radicais e amplia espaços do centrão

Jair Bolsonaro entrou de vez no jogo da sobrevivência no poder. Num movimento duplo, o presidente ensaiou um esvaziamento de aliados mais radicais e reforçou a transferência das articulações do governo para os partidos do centrão.

O pacote é uma das operações políticas mais expressivas lançadas por Bolsonaro desde que o deputado incendiário chegou ao Planalto. Nas últimas semanas, o presidente aceitou contrariar parte de sua base e se lançou na contramão de suas plataformas de campanha.

Depois de fazer carreira como um parlamentar extremista, Bolsonaro resolveu escantear alguns auxiliares mais barulhentos. Abraham Weintraub era um queridinho do clã presidencial, mas acabou demitido e despachado para os EUA para evitar a autodestruição do governo.

Integrantes da tropa de choque do Planalto também foram alvos dessa tentativa de depuração. A última vítima foi a deputada Bia Kicis (PSL), que perdeu a vice-liderança do governo na Câmara ao votar contra a ampliação de despesas com a educação.

Bolsonaro confiava nesses aliados, mas foi obrigado a envolver o governo numa camisa de força depois que o Planalto foi cercado por por investigações sobre rachadinhas e fake news. O tom menos raivoso acabou frustrando o núcleo ideológico de sua base de apoio, que foi um dos pilares de sua eleição em 2018.

O presidente também traiu o candidato ao mergulhar fundo nas relações com o centrão. Isolado politicamente, ele abriu as portas de seu gabinete aos mesmos caciques partidários que atacava para polir o personagem antissistema.

Primeiro, o governo abandonou a bravata eleitoral e distribuiu cargos aos parlamentares dessas legendas. Agora, planeja terceirizar oficialmente as negociações no Congresso para os deputados desse grupo.

O resultado das piruetas políticas será determinante para o futuro do governo. No passado, Bolsonaro já simulou outras correções de rumo, mas sempre acabou retornando ao bolsonarismo autêntico.


Bruno Boghossian: Esvaziado, Bolsonaro ouve lamentos sobre briga de família e política local

Portaria do Alvorada deixa de ser ritual relevante e se transforma em gabinete de vereador

Na entrada do Palácio da Alvorada, pouca gente deu atenção quando Jair Bolsonaro fez propaganda do governo na aprovação de novos recursos para a educação. O presidente tentou assumir o crédito pela proposta do Congresso e criticou o PT, mas seus apoiadores só queriam saber de negócios pessoais e da política municipal.

Os passeios em frente à residência oficial eram um ritual político importante para Bolsonaro, mas a pauta dos últimos encontros sugere que aquela claque enxerga o presidente como um vereador do interior.

Mesmo em isolamento, Bolsonaro manteve o hábito de conversar com o grupo. Nesta quarta (22), uma mulher pediu ajuda para reabrir uma lotérica. O presidente argumentou que já havia editado um decreto que garantia o funcionamento desses estabelecimentos. A apoiadora explicou que o problema era particular, uma disputa com seu ex-marido.

“Me desculpa, mas eu não tenho como resolver isso aí. Eu tenho acesso dentro da Caixa, mas eu não posso encaminhar para eles um caso particular”, reagiu Bolsonaro. “Minha senhora, eu não posso entrar numa pendenga particular.”

A portaria do Alvorada já foi o palanque usado por Bolsonaro para passar recados e atacar desafetos. Agora, os temas se tornaram tão irrelevantes quanto brigas de família, expondo um presidente que encolheu.
Às vezes, os pedidos da claque irritam Bolsonaro. Ele já interrompeu alguns apoiadores, deu respostas ríspidas e se recusou a gravar mensagens de apoio. “Se eu mandar um abraço, todo mundo vai pedir, e eu vou virar o Silvio Santos aqui”, disse, tentando fazer graça, depois de ser abordado por mais um eleitor.

Quando um apoiador pediu ajuda para resolver um impasse no PSL de Miranda (MS), cidade de 28 mil habitantes, o presidente respondeu que não se envolveria na política municipal. “Nós temos problema de desemprego no Brasil, cresceu a violência”, justificou. Faltou perguntar ao vereador do palácio o que ele tem feito para enfrentar esses dois assuntos.


Bruno Boghossian: Reforma tímida em impostos reflete desgaste político de Bolsonaro

Guedes conhece limitações de um governo que só está preocupado em blindar o chefe

O governo ainda se sentia poderoso, em meados do ano passado, quando Paulo Guedes decidiu trombar com o Congresso. Irritado com as mudanças feitas em sua proposta de reforma da Previdência, o ministro criticou os deputados e disse que eles não tinham “compromisso com as futuras gerações”.

O czar da economia chegou a Brasília com a impressão de que ganharia suas batalhas no grito. Acreditava que a vitória de Jair Bolsonaro pavimentaria a implantação de uma agenda liberal, ignorando o fato de que nem o presidente havia comprado aquelas ideias com convicção.

O ministro finalmente conheceu as limitações do governo. Ao apresentar a primeira fatia de sua reforma tributária, ele reconheceu que as propostas do Executivo devem “ser trabalhadas” pelos parlamentares e acrescentou que “é a política que dita o ritmo” dessas mudanças.

A atitude de Guedes reflete o desgaste de um governo que sempre investiu no conflito para exercer o poder. A reforma oferecida pelo ministro indica que Bolsonaro não tem capital suficiente para atropelar o Congresso e impor propostas amargas.

Além de se esquivar de choques com os parlamentares, Guedes mandou para a geladeira os pontos mais impopulares do projeto. A criação de uma nova CPMF ficou para depois, e a ideia de tributar os produtos da cesta básica foi deixada de lado.

Na reforma da Previdência, o governo apostou mais alto. Tentou aprovar um modelo de capitalização para as aposentadorias e propôs a redução de benefícios para idosos muito pobres. Perdeu as duas brigas.

A mudança de comportamento não se deu por modéstia, mas porque os últimos 18 meses enfraqueceram Bolsonaro e obrigaram o presidente a estabelecer outras prioridades.

Atualmente, o governo opera para proteger um chefe investigado —e não para aprovar projetos de seu interesse. Nos últimos meses, o Planalto distribuiu cargos e emendas para blindar Bolsonaro e sua família. Discussões sobre a economia devem ser atendidas em outro guichê.