Bruno Boghossian

Bruno Boghossian: Bolsonaro abate Renda Brasil para evitar danos a popularidade

Presidente reconhece que projeto político é incompatível com parte da agenda de Guedes

Jair Bolsonaro tinha gostado da ideia de turbinar o Bolsa Família e pegar carona no auxílio emergencial do coronavírus. A decisão de abater a proposta do Renda Brasil mostra que, embora seduzido pelo plano de cimentar sua popularidade entre famílias de baixa renda, ele não está disposto a perder apoio em outros segmentos.

O slogan involuntário da política econômica do presidente resume a lógica. Nas últimas semanas, ele disse duas vezes que não pretendia “tirar dinheiro dos pobres para dar para os paupérrimos”. A frase tem peso político, mas falha na matemática, já que o governo nunca demonstrou interesse em cobrar essa conta dos mais ricos.

Atrás de recursos para o Renda Brasil, a equipe do ministro Paulo Guedes quis cortar o abono salarial, endurecer as regras de benefícios para idosos miseráveis e congelar aposentadorias. Bolsonaro enxergou o risco de se tornar vilão para ao menos 50 milhões de pessoas que são atendidas por esses programas.

O presidente se mostra indisposto a comprar essa briga enquanto ainda tenta consolidar suas curvas de popularidade. Embora a avaliação do governo tenha disparado entre trabalhadores informais e desempregados, com a ajuda do auxílio de R$ 600, houve uma queda de cinco pontos entre os aposentados desde o fim do ano passado –de 39% para 34%.

Bolsonaro sabe que é politicamente lucrativo dar um benefício a quem não tem nada, como mostrou a experiência do auxílio emergencial. Tirar de quem tem pouco e recebe alguma coisa, por outro lado, pode ser desastroso.

Ao desistir do novo programa, o presidente reconhece que seu projeto político é incompatível com uma parcela considerável da agenda de Guedes. Ao dar uma bronca na equipe econômica, o chefe tentou se distanciar das propostas mais recentes do time e as descreveu como ideias de “gente que não tem o mínimo de coração”.

Caso esteja realmente incomodado com essas propostas, Bolsonaro deve continuar com problemas. Guedes gosta de oferecer soluções desse tipo e ainda não explicou como vai amortecer o fim do auxílio emergencial. O presidente pode ter enterrado a crise do Renda Brasil, mas esses conflitos repousam em cova rasa.


Bruno Boghossian: Bolsonaro exerce no poder um presidencialismo de compadrio

Presidente explora relacionamentos para substituir critérios técnicos e respeito à lei

Jair Bolsonaro ainda não tinha ameaçado fechar o STF nenhuma vez quando tentou fazer um aceno a Luiz Fux, em julho do ano passado. “É o futuro presidente do Supremo. Tenho que começar a namorá-lo a partir de agora”, brincou, antes de receber o ministro no Planalto.

O presidente não demonstrou o mesmo afeto por outros integrantes do tribunal nos meses seguintes, mas agora parece interessado em mudar esse padrão. Durante uma cerimônia no interior da Bahia, na última sexta-feira (11), ele reforçou o flerte. “Aos poucos, estamos nos aproximando cada vez mais das autoridades do Judiciário”, anunciou.

Bolsonaro enxerga o exercício de seu poder sob a ótica de uma espécie de presidencialismo de compadrio, em que esses laços se sobrepõem ao respeito institucional. Ele certamente não é o primeiro governante a adotar o modelo, mas transformou essa característica numa marca de suas relações políticas.

Logo depois de mencionar os juízes no palanque baiano, Bolsonaro emendou um elogio a seu ministro da Infraestrutura por ter conseguido destravar obras “lá dentro do Tribunal de Contas da União”. Embora articulações desse tipo sejam comuns, o presidente fez questão de descrever as decisões da corte como produtos de um bom relacionamento, não de critérios técnicos.

Na política externa, o sentimento é semelhante. Bolsonaro planeja estender por mais três meses a isenção de tarifas para a importação de uma cota de etanol dos EUA, contrariando produtores brasileiros. Não seria o primeiro presente do governo brasileiro a Donald Trump, por quem Bolsonaro já se disse “cada vez mais apaixonado”.

Essa lógica vale também na ocupação de determinados cargos públicos, em que as conexões com o presidente e sua família valem mais do que as qualidades dos nomeados.

Bolsonaro trata o governo como uma disputa entre amigos e inimigos. Assim, ele acredita que pode atenuar suas derrotas e deixar em segundo plano as leis e o interesse público.


Bruno Boghossian: Supremo fica perdido no labirinto político em que se meteu

Posse de Fux prova que tribunal não vê caminhos entre omissão e ativismo exagerado

A carta de intenções de Luiz Fux em sua posse como presidente do STF deixa poucas dúvidas: o tribunal está perdido no labirinto político em que se meteu. O ministro propôs um pacto para reduzir a interferência do Judiciário sobre outros Poderes, mas se recusou a reconhecer os erros cometidos pela corte.

Fux descreveu o Supremo como uma espécie de vítima de suas próprias decisões. No discurso desta quinta-feira (10), ele se queixou de “grupos de poder” que recorrem ao tribunal para resolver divergências que deveriam ficar restritas a outras arenas. Os pobres ministros, sob essa ótica, seriam praticamente forçados a agir como árbitros.

O novo chefe do Judiciário pediu “um basta” ao que chamou de “judicialização vulgar e epidêmica de temas e conflitos em que a decisão política deve reinar”. Nada disso seria necessário se o STF tivesse delimitado suas fronteiras de atuação com clareza ao longo dos últimos anos.

O ministro deu sua contribuição negativa à causa. Em 2017, ele cancelou sozinho uma votação da Câmara que havia modificado o pacote anticorrupção patrocinado pela força-tarefa da Lava Jato. Não importou, naquela época, a tal necessidade de resolver o processo legislativo dentro do Poder Legislativo.

Ao fugir da autocrítica e sugerir uma “intervenção judicial minimalista” em temas polêmicos, o novo presidente prova que não há caminhos traçados para resolver o dilema que divide o STF entre a omissão e o ativismo exagerado.

O tribunal não pode se retirar completamente do campo político, porque precisa dar respostas para questões como a criminalização da homofobia, julgada no ano passado. Nesse caso, o Supremo reinterpretou a legislação existente para ampliar a proteção de direitos individuais.

Atropelos cometidos pelo STF em outros casos acabaram fragilizando o papel do tribunal em decisões que interferem de maneira legítima nas atribuições de outros Poderes. Nada indica que o novo presidente tenha a solução para esse problema.


Bruno Boghossian: Máquina de mentiras de Bolsonaro quer enganar seus próprios apoiadores

Se depender de políticos e juízes de Brasília, presidente brasileiro já pode admitir que enganou o país

Donald Trump mentiu. Em 26 de fevereiro, o presidente americano declarou que, em pouco tempo, o país veria “cair para próximo de zero” o número de novos casos de contaminação por coronavírus.

É claro que nada disso aconteceu, e Trump sabia que era balela. Duas semanas antes, ele dissera numa conversa privada com o jornalista Bob Woodward que a doença era “muito complicada” e que o vírus se espalhava pelo ar. Depois, o presidente admitiu que havia escondido esses fatos. “Eu ainda prefiro minimizar, porque não quero criar pânico”, afirmou ao repórter, em março.

Naquela época, o americano explorava o coronavírus como plataforma política e atacava governadores que aplicavam regras de distanciamento físico para conter a pandemia. Ele só mudou o discurso no fim do mês. Especialistas acreditam que a implantação dessas medidas mais cedo poderia ter poupado dezenas de milhares de vidas.

Jair Bolsonaro também mentiu. O brasileiro disse no fim de março que o pânico era “uma doença mais grave” do que a Covid-19. “O povo foi enganado esse tempo todo”, afirmou.

Em 12 de abril, veio outra lorota: “Parece que está começando a ir embora a questão do vírus”. Assim como o americano, ele sabia que era pura invenção. Àquela altura, o Ministério da Saúde já havia enviado ao Planalto uma projeção que estimava em 100 mil o número de mortes na pandemia, segundo relato feito à Folha pelo epidemiologista Wanderson Oliveira, ex-secretário da pasta.

O Brasil tinha 1.230 mortes no dia em que Bolsonaro dizia que o vírus estava “começando a ir embora”. A conta de vítimas subiu mais de cem vezes desde então.

Nesta quarta (9), Trump admitiu ter ocultado a gravidade do coronavírus. “Eu certamente não levaria o mundo a um frenesi”, justificou o americano, como alguém que tem a certeza de que não será punido pela própria omissão. Se depender dos políticos e juízes de Brasília, o presidente brasileiro também já pode admitir que enganou o país.


Bruno Boghossian: Bolsonaro quer segurar preço da comida para preservar popularidade

Presidente sentiu o aperto da alta dos alimentos, que afeta eleitor de baixa renda

Jair Bolsonaro sentiu o aperto da alta dos alimentos. Depois de ter cobrado “patriotismo” dos empresários na hora de remarcar os preços, ele pediu nesta terça-feira (8) aos donos das redes que o lucro com suas vendas “seja próximo de zero”.

O presidente já disse várias vezes que não entendia nada de economia, mas também não precisava exagerar. A ideia era desviar para as empresas a irritação dos consumidores com o arroz e o feijão mais caros. Essa campanha, no entanto, levou o problema para dentro do Planalto.

O próprio Bolsonaro anda inquieto com o assunto. Também nesta terça, ele pediu a uma youtuber mirim que perguntasse a Tereza Cristina (Agricultura) sobre o preço do arroz. A ministra deu à menina apenas uma resposta genérica, mas quem pareceu frustrado foi o presidente.

O preço da comida é uma variável sensível para qualquer governante, já que pesa principalmente sobre a população mais pobre. A disparada atual é especialmente adversa para Bolsonaro porque o presidente acaba de colher nessas classes o aumento de aprovação que deu fôlego a seu governo no pico da pandemia.

O aumento de preços pode reforçar o pessimismo dos grupos da base da pirâmide com o futuro da economia. Em agosto, 70% dos brasileiros com renda abaixo de dois salários mínimos ouvidos pelo Datafolha afirmaram que a inflação vai aumentar nos próximos meses.

O ritmo e as projeções sobre o futuro dessa alta lançam Bolsonaro numa encruzilhada. A escalada se tornou mais evidente agora, no momento em que o auxílio emergencial foi cortado pela metade. Segundo economistas, essa onda pode durar até o ano que vem, quando o pagamento do benefício deve ser encerrado.

Na prática, Bolsonaro quer que os donos de supermercados congelem artificialmente as etiquetas para amortecer o impacto do aumento sobre sua popularidade. Se eles obedecerem, o governo terá que assumir o controle de preços como política oficial. Se não for atendido, o presidente pagará uma parte da conta.


Bruno Boghossian: Toffoli absolveu BolsonaroToffoli absolve Bolsonaro e passa verniz democrático numa conduta delinquente

Só faltou oferecer um troféu ao presidente por ainda não ter dado um golpe de Estado

Na última semana, Jair Bolsonaro e Dias Toffoli fizeram uma dobradinha. Questionado sobre críticas feitas por ministros do STF a seus ataques à democracia, o presidente protestou. “Eu queria que essas pessoas apontassem um ato meu, uma ação antidemocrática. Só isso, mais nada”, disse, na quinta-feira (3).

“Quando é que eu tentei censurar a mídia?”, emendou Bolsonaro. Ele deve se lembrar do dia em que disse ter vontade de encher de porrada a boca de um repórter que perguntou o motivo dos depósitos de R$ 89 mil na conta da primeira-dama, mas essa é outra história.

Horas depois, Toffoli decidiu absolver o colega do Planalto. Ao fazer um balanço de sua gestão, na manhã seguinte, o presidente do Supremo disse nunca ter visto “nenhuma atitude contra a democracia” partindo de Bolsonaro e seus ministros.

Toffoli poderia ter ficado no papo do equilíbrio institucional ou até repetido a propaganda sobre seus esforços para reduzir a tensão entre os Poderes. Mas o chefe do Judiciário preferiu passar um verniz democrático numa conduta delinquente.

Bolsonaro é o presidente que, irritado com um punhado de decisões do STF, passou a divulgar uma teoria segundo a qual as Forças Armadas poderiam fechar o tribunal.

Ele também já ameaçou descumprir decisões da corte e disse que não aceitaria determinações de seus ministros. “Acabou, porra!”, gritou o democrata depois que a Polícia Federal acordou extremistas que apoiam o governo nas redes sociais.

Quanto aos ministros do governo, Toffoli deve ter esquecido que a Esplanada tem integrantes que falam com despreocupação sobre a edição de um novo AI-5 e gente que promete “consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional” quando se vê sob a mira do tribunal.

Com certo orgulho, Toffoli afirmou ter feito o presidente “compreender que cabe ao Supremo declarar inconstitucionais determinadas normas”. Só faltou oferecer um troféu a Bolsonaro por ainda não ter dado um golpe de Estado.


Bruno Boghossian: Lava Jato derrete vítima de sua própria tonalidade política

Caráter personalista fez com que operação se confundisse com comportamento de seus integrantes

Uma semana antes de pedir demissão, Sergio Moro trocou mensagens com a comadre Carla Zambelli. Exemplar raro de lavajatista que ainda acredita em Jair Bolsonaro, a deputada quis saber por que o ministro resistia à tentativa do presidente de meter a mão na Polícia Federal e derrubar Maurício Valeixo do comando do órgão.

“O Valeixo manteve a prisão do Lula diante da ordem ilegal de soltura do desembargador lá do RS”, respondeu o então ministro, em referência ao plantonista que tentou libertar o ex-presidente em julho de 2018.

A decisão do magistrado Rogério Favreto era mesmo exótica e foi cassada horas depois. A mensagem de Moro sugere que ele trabalhou com Valeixo, então chefe da PF no Paraná, para manter Lula preso enquanto o tumulto judicial se desenrolava.

No bate-papo com a deputada, Moro já era funcionário de Bolsonaro, mas ainda era juiz no dia da baderna. A conversa, tornada pública nesta semana, reforça o espírito político da equipe que tocava a Lava Jato —a ponto de Moro insinuar que o delegado merecia um prêmio por ter segurado o petista na cadeia.

O caráter personalista e espetaculoso da operação fez com que seu trabalho se confundisse com o comportamento de seus integrantes. Assim, eles mesmos produziram questionamentos sobre as apurações e a parcialidade de seu principal julgador.

Quando o STF enviou à primeira instância uma declaração sobre um suposto caixa dois em campanhas de Fernando Henrique Cardoso, o juiz de Curitiba lamentou. “Acho questionável, pois melindra alguém cujo apoio é importante”, afirmou Moro, em mensagem a Deltan Dallagnol.

O atual derretimento da Lava Jato também tem tonalidade política. Além de ver contra si um procurador-geral alinhado ao Planalto, a operação entrou em colapso em seu braço paulista depois que os procuradores acusaram a nova chefe da força-tarefa de “opor resistência” a investigações. Em julho, segundo eles, a coordenadora tentou adiar uma operação contra o tucano José Serra.


Bruno Boghossian: Remédio do governo para acalmar investidores era só placebo

Desidratação precoce da reforma administrativa reforça esvaziamento de Guedes

Jair Bolsonaro foi à porta do Palácio da Alvorada na terça (1º) e anunciou que finalmente apresentaria uma proposta com novas regras para o serviço público. A ideia era acalmar investidores que estavam em pânico com o caminhão desgovernado pilotado por ele. Faltou dizer, no entanto, que aquele remédio para a ansiedade era só placebo.

O projeto de reforma administrativa que chegará ao Congresso nesta quinta (3) será mais brando do que queria a equipe econômica. As novidades valerão apenas para futuros servidores, o que já era esperado, mas a proposta também não deve mexer agora com os salários ou a estabilidade desses funcionários.

Essas eram ideias centrais no gabinete de Paulo Guedes, mas o ministro foi obrigado a dar um passo atrás. Se ainda havia dúvidas, a desidratação precoce provou que o novo consórcio entre Bolsonaro e os parlamentares do centrão passou a dar as cartas também nessa área.

O governo ainda não quis estabelecer as regras mais sensíveis do plano e resolveu mandar ao Congresso apenas parâmetros gerais. Para que as normas tenham efeito e façam diferença nas contas públicas, como queria Guedes, ainda seria necessário aprovar uma outra lei.

O fatiamento vai exigir uma base parlamentar coesa, algo que o governo ainda não demonstrou ter. O caminho tende a ser mais acidentado por se tratar de um tema que os deputados preferem evitar, já que o funcionalismo é uma ferramenta de poder em suas bases eleitorais. Além disso, a ideia de acabar com a estabilidade enfrenta resistências porque abre caminho para perseguições políticas no serviço público.

O próprio Bolsonaro, que fez carreira como uma espécie de líder sindical de militares, brigou contra a reforma por quase um ano. Em novembro, ele disse que a proposta do governo seria “a mais suave possível” e mandou o projeto original de Guedes para a gaveta. Agora, o presidente até fez um aceno ao fiador de sua política econômica, mas deu a palavra final. Mais suave, impossível.


Bruno Boghossian: Bolsonaro finge gostar de liberdade para satisfazer interesses políticos

Após sabotar luta contra coronavírus, presidente dá palanque a marginais antivacinas

Depois de sabotar quase todos as ferramentas conhecidas para conter a propagação do coronavírus, Jair Bolsonaro resolveu se antecipar. Enquanto cientistas trabalham nos laboratórios, o presidente disse a apoiadores que "ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina".

Não há discussão em curso sobre os métodos dessa imunização, mas Bolsonaro já fez questão de jogar holofotes sobre grupos marginais que fazem propaganda contra a vacinação. O Planalto ainda deu uma força à campanha e transformou a frase do presidente em pôster nas redes, dizendo que o governo "preza pelas liberdades dos brasileiros".

Bolsonaro, como se sabe, é um político que vê a ditadura como modelo. Considera heróis os homens que torturavam militantes para forçá-los a delatar seus companheiros, mas gosta de falar de uma tal liberdade para pintar com cores altivas algumas de suas delinquências.

Em sua cruzada contra governadores e prefeitos, ele dizia que as medidas de distanciamento para enfrentar a pandemia eram autoritárias. "Não quero mais ditadura no Brasil. Quero liberdade. Cadê o meu direito de ir e vir?", perguntou, em maio.

O presidente ainda tentou vetar o uso compulsório de máscaras no comércio, em escolas e nas igrejas. O governo alegou que a obrigatoriedade provocaria uma "possível violação de domicílio", embora a lei aprovada não falasse sobre residências.

Um conceito distorcido de liberdade é explorado por Bolsonaro para satisfazer seus interesses políticos. Pela manhã, ele usa esse argumento ao defender extremistas que clamam por um golpe. À tarde, esquece o assunto e gira sua máquina para processar e intimidar jornalistas.

Bolsonaro não aceita forçar o cidadão a proteger a sociedade do coronavírus, mas quer obrigar a mulher vítima de estupro a passar por um processo humilhante se quiser exercer seu direito de abortar. A portaria do Ministério da Saúde que cria obstáculos nesses casos só serve para dificultar o cumprimento da lei. A liberdade ficou pelo caminho.


Bruno Boghossian: Promotores veem rastro da rachadinha em dados das contas de Flávio Bolsonaro

Saques e depósitos sincronizados reforçam suspeitas sobre senador no caso Queiroz

Os promotores que investigam as rachadinhas na Assembleia Legislativa do Rio perguntaram a Flávio Bolsonaro se ele usou dinheiro vivo para comprar dois apartamentos, em 2012. A suspeita surgiu porque, no mesmo dia, o vendedor dos imóveis depositou R$ 638 mil em espécie num banco próximo ao cartório onde foi registrada a transação.

No papel, a compra foi lançada por R$ 310 mil. Em notas de R$ 100, esse valor caberia numa sacola pequena, mas está longe de ser irrisório. Flávio, entretanto, foi incapaz de negar categoricamente o episódio. “Que eu me recorde, não. Se eu não me engano, foi por transferência”, respondeu, segundo o jornal O Globo.

O avanço do caso pode refrescar a memória do senador. A apuração sobre os rolos de Fabrício Queiroz e sobre as movimentações nas contas de Flávio revelaram uma enxurrada de operações em espécie e uma cadeia de acontecimentos que reforça os vínculos entre os dois personagens. Os promotores enxergam indícios claros de lavagem de dinheiro.

Os dados obtidos pelo Ministério Público mostram uma sincronia nas datas de saques efetuados por Queiroz e depósitos realizados em favor de Flávio, de acordo com a revista Crusoé. Em setembro de 2016, o ex-assessor fez cinco retiradas num valor total de R$ 26 mil. Dias depois, a mesma quantia entrou na conta do então deputado, em 14 parcelas.

Há outras operações desse tipo durante o período investigado. Os promotores acreditam que o dinheiro tinha origem ilícita e que o autor dos depósitos era mesmo Queiroz. A defesa de Flávio nega que ele tenha ficado com parte dos recursos operados pelo ex-assessor.

Tudo indica que o Ministério Público tem elementos suficientes para denunciar Flávio e Queiroz. Os promotores ainda aguardam decisões sobre os recursos em que o senador pede foro especial no caso.

Para os investigadores, o uso de dinheiro vivo tinha o objetivo de esconder rastros dessas movimentações e “não decorre de acidente, nem de mera coincidência”. É bom lembrar.


Bruno Boghossian: Supremo escancara ação do governo contra opositores de Bolsonaro

Presidente blinda extremistas enquanto ministério monitora policiais críticos ao Planalto

Quando o STF mandou bloquear páginas de bolsonaristas que espalhavam mensagens de ódio e defendiam um golpe de Estado, em julho, o governo se apressou para socorrer os acusados. O próprio presidente acionou o tribunal e pediu que fossem reativadas as contas dos militantes –incluindo uma extremista que usa a rede para praticar crimes.

Jair Bolsonaro mobilizou a Advocacia-Geral da União em defesa daquela tropa. Nenhum dos alvos era agente público, mas o presidente cobrou a suspensão da medida e tentou blindar o grupo que fazia um trabalho sujo a seu favor.

Esse mesmo governo moveu sua máquina para cercar um conjunto de seus críticos. A produção do dossiê do Ministério da Justiça que fichou professores e 579 policiais identificados como antifascistas foi suspensa nesta quinta (20) pelo Supremo. No julgamento, os ministros do tribunal escancararam o monitoramento de opositores de Bolsonaro.

Os autores do documento diziam que as informações coletadas eram todas públicas, mas tentaram camuflar o objetivo da papelada. O tribunal mostrou que o problema era o critério de escolha dos alvos.

“Uma coisa são relatórios para verificar eventuais manifestações que possam interromper, como houve com a greve dos caminhoneiros, o abastecimento. Outra coisa é começar a planilhar, estado por estado, policiais que são lideranças contra o governo. Qual é o interesse disso?”, perguntou Alexandre de Moraes.

Luís Roberto Barroso lembrou que a exploração política de órgãos de segurança remete a regimes autoritários. Ele disse que a bisbilhotagem de adversários é “completamente incompatível com a democracia” e sugeriu que os alvos deveriam ser os fascistas e não os antifascistas.

Os integrantes do tribunal ressaltaram que o trabalho de inteligência é fundamental, mas apontaram que investigações do tipo devem ser direcionadas, por exemplo, àqueles que tramam contra as instituições. Até aqui, no entanto, o governo preferiu proteger alguns deles.


Bruno Boghossian: Bolsonaro fracassa no primeiro grande teste após acordo com centrão

Apesar de servir banquete aos partidos, presidente leva um baile atrás do outro no Congresso

Antes de oferecer banquetes aos líderes do centrão, Bolsonaro gostava de culpar o Congresso pela incompetência de seu governo. Em março, quando a pandemia do coronavírus já estava nas ruas, ele reclamava da demora dos parlamentares em aprovar a ampliação do prazo das carteiras de habilitação, um objeto de obsessão presidencial.

“Até um simples projeto, mais simples impossível, como passar a validade da carteira de cinco para dez anos, está há seis meses lá dentro e não vai para frente!”, queixou-se.

Desde então, Bolsonaro e seus auxiliares pararam de chamar os políticos de patifes e chantagistas. Abriram a máquina pública a novas indicações partidárias e serviram chá para seus novos amigos no Planalto. A carteira de motorista, no entanto, continua com a mesma validade.

O governo pagou pelo apoio dos partidos, mas continua levando um baile atrás do outro no Congresso. Na terça-feira (18), o Senado decidiu retirar de pauta o projeto de estimação de Bolsonaro para mudar o Código de Trânsito. Votaram contra o governo até parlamentares do PSD, que já ganhou um ministério, e do MDB, que namora o Planalto.

No dia seguinte, a derrota foi ainda mais feia. Por 42 votos a 30, os senadores derrubaram o veto do presidente ao aumento de salários de servidores envolvidos no combate ao coronavírus. Se a Câmara seguir o mesmo caminho, Bolsonaro terá que desembolsar até R$ 98 bilhões.

O presidente fracassou no primeiro teste de articulação política desde que topou dar o braço ao centrão. No mesmo pacote, o governo tentou evitar uma humilhação e aceitou que os parlamentares rejeitassem o veto de Bolsonaro ao uso obrigatório de máscaras durante a pandemia.

O balanço mostra que o presidente continua sem força para aprovar até medidas simbólicas. Na terça, o presidente da Câmara fez uma provocação sobre as propostas econômicas do Planalto. “O governo tem base para fazer isso? Isso é que precisa avaliar primeiro”, disse Rodrigo Maia. O resultado parcial está aí.