Bruno Boghossian
Bruno Boghossian: Efeito do apoio de padrinhos é incógnita na eleição da pandemia
Transferência de votos de políticos populares para afilhados ainda é duvidosa
Na largada da campanha na TV em 2012, Fernando Haddad aparecia no segundo pelotão de candidatos em São Paulo, com apenas 8% nas pesquisas. O petista precisou de 45 dias nas telas para colar sua candidatura à imagem do ex-presidente Lula e chegar aos 29% que obteve nas urnas no primeiro turno.
A transferência de votos de um padrinho popular para um afilhado relativamente desconhecido é uma aposta antiga da política. O fenômeno já elegeu prefeitos e presidentes, mas é tratado como incógnita na disputa municipal deste ano.
Em São Paulo, Celso Russomanno (Republicanos) quer mostrar na TV a imagem de Jair Bolsonaro a seu lado nos primeiros dias do horário eleitoral. Embora o presidente seja rejeitado por quase metade dos paulistanos, o candidato decidiu jogar suas fichas nessa relação para tentar reverter seu histórico de fracassos em disputas majoritárias.
O potencial eleitoral de Bolsonaro neste ano pode até não ser desprezível, mas o resultado de seu apoio ainda é duvidoso –principalmente numa campanha curta e no caso de candidatos que já são conhecidos das populações locais. Esta é a situação de Marcelo Crivella (Republicanos), que precisaria de um milagre para desfazer os 59% de rejeição captados pelo Datafolha no Rio.
Mesmo no Recife, onde o líder das pesquisas carrega o sobrenome do ainda popular ex-governador Eduardo Campos, os efeitos do apadrinhamento direto são relativos. João Campos (PSB) ainda não conseguiu atrair a maioria dos eleitores que aprovam as gestões do prefeito Geraldo Julio e do governador Paulo Câmara, ambos de seu partido.
Já o PT, que tem em seu portfólio as eleições de Haddad e Dilma Rousseff, parece enfrentar dificuldades. Na disputa paulistana, Jilmar Tatto depende do apoio de Lula para sair do patamar de 1% das intenções de voto. Além de ter apenas 35 dias na TV e no rádio para se vincular ao padrinho, ele vê Guilherme Boulos (PSOL) ocupar o espaço da esquerda na estreia da campanha oficial.
Bruno Boghossian: Conveniência política dita relação entre Bolsonaro e a Lava Jato
Presidente nunca foi um político particularmente interessado no combate à corrupção
Jair Bolsonaro extraiu benefícios eleitorais da avalanche produzida pela Lava Jato, mas nunca foi um político particularmente interessado no combate à corrupção. Como deputado, não deu atenção ao tema e, na última campanha, só falava da roubalheira para fustigar seus adversários na disputa.
A rigor, o presidente não tem vínculos diretos com a operação. Como circulava no baixíssimo clero da política, não figurava entre os alvos que operavam nas estatais investigadas. Depois de chegar ao Planalto, não trabalhou a favor das forças-tarefas nem lançou uma discussão séria para corrigir seus excessos.
Os movimentos de Bolsonaro em relação à Lava Jato e ao combate à corrupção, de maneira geral, seguiram basicamente conveniências particulares e políticas. A ficha só caiu quando o presidente enxergou investigadores no encalço de seus parentes e de seus novos aliados.
Depois de pegar carona no discurso da operação e de aproveitar sua retórica moralista para eleger um governador no Rio, Flávio Bolsonaro resolveu acordar. Em agosto, ele celebrou as decisões do procurador-geral Augusto Aras para impor limites à operação e disse que “os excessos precisam ser investigados”. Se Fabrício Queiroz não tivesse passado alguns dias na cadeia, talvez o senador não tivesse percebido nada disso.
A desenvoltura com que o clã presidencial passou a falar da operação é respaldada pelos políticos que sobreviveram a ela. O novo líder do governo, Ricardo Barros (Progressistas), já disse que vê “uma parcialidade na posição da Lava Jato” e que a operação tirou o ex-presidente Lula da eleição de 2018. “Não precisamos fazer muito esforço para perceber ativismo político”, declarou.
Acuado por críticas que ligam a indicação de Kassio Nunes para o STF a um acordo para enterrar a Lava Jato, Bolsonaro tentou fazer piada. Nesta quarta (7), ele disse ter acabado com a operação “porque não tem mais corrupção no governo”. A Lava Jato pode até não incomodá-lo, mas seus esforços são inegáveis.
Bruno Boghossian: Bolsonaro não quer abrir mão de conservadores nem de radicais
Reação do presidente a ataques da ultradireita é sinal político relevante
Sob fogo, Jair Bolsonaro correu para fazer um aceno aos segmentos mais conservadores de seu eleitorado. No púlpito de um templo da Assembleia de Deus, o presidente dobrou a aposta: prometeu nomear para o Supremo no ano que vem não apenas um ministro terrivelmente evangélico, mas um pastor, e sugeriu que as sessões do tribunal deveriam começar com uma oração.
O recado não era direcionado só a líderes e fiéis que acompanhavam o evento, na última segunda (5). Bolsonaro tenta mostrar aos militantes de sua base ideológica mais agressiva que mantém um compromisso com sua agenda, apesar da aproximação do governo com o centrão e da escolha de Kassio Nunes para o STF.
Apesar da aparente troca de pele, Bolsonaro sabe que não pode abrir mão nem dos 30% de brasileiros que se declaram evangélicos, nem dos líderes radicais que mobilizam as franjas dessa base. Não foi coincidência ele ter dito que está especialmente chateado com o pastor Silas Malafaia, autor recorrente de campanhas de mentira e ódio nas redes.
O próprio Bolsonaro se alimentou da fúria e da desinformação para vencer a eleição. É curioso, portanto, que ele tenha se incomodado com as críticas que recebeu nos últimos dias. "Baseado em que fato concreto você critica Kassio Nunes?", perguntou a um seguidor. "Você não procurou fontes sobre todas essas acusações", disse a outro.
Além dos ataques feitos pela base ideológica, a reação de Bolsonaro carrega sinais políticos relevantes. O governo, que já usou o peso de sua máquina para defender militantes radicais no STF, agora também não demonstra interesse em se afastar dos integrantes dessa linha.
O presidente quer manter o apoio de conservadores moderados e conquistar eleitores distantes dos extremos do debate público. Ainda assim, ele se recusa a tratar militantes de ultradireita como marginais. São eles os responsáveis por campanhas de linchamento virtual que ajudam o governo. Bolsonaro sabe que pode precisar deles nos tempos difíceis.
Bruno Boghossian: Bolsonaro busca atalho conservador para eleitor do Nordeste
Parte da retórica do presidente na pauta de costumes tem adesão acima da média na região
No palanque montado em São José do Egito, no sertão pernambucano, Jair Bolsonaro mencionou Deus dez vezes em pouco mais de cinco minutos. Quase no fim do discurso, o presidente pediu que a plateia votasse em “gente que tenha Deus no coração” nas eleições municipais e acrescentou o lema do integralismo: “Deus, Pátria e Família”.
Além de multiplicar sua presença em inaugurações e surfar no auxílio emergencial do coronavírus, Bolsonaro também aposta na retórica conservadora para cristalizar sua popularidade no Nordeste. A pauta de valores pode servir de atalho para o eleitorado da região num momento de incertezas na economia.
Embora tenham produzido efeito limitado na campanha de 2018 por ali, onde Bolsonaro teve votação modesta, alguns itens de sua agenda de costumes têm adesão acima da média na população nordestina.
Uma pesquisa do Datafolha mostrou, no fim daquele ano, que 54% dos entrevistados da região eram contra o aborto em caso de estupro. No Sudeste, o percentual era de 39%.
No ano anterior, o instituto perguntou se uma mulher que interrompesse a gravidez deveria ser processada e ir para a cadeia. No Nordeste, 66% concordaram com a punição, contra 51% no Sudeste.
Diferenças regionais não ocorrem em todos os temas. O percentual de brasileiros que rejeitavam a educação sexual nas escolas em 2018, por exemplo, era similar no Nordeste (43%) e no Sudeste (44%). Ainda assim, o índice era alto o suficiente para reforçar a sensibilidade da agenda.
O apelo à pauta de costumes pode ser útil porque certos pontos embaralham a identificação rotineira com políticos de direita e esquerda. Na pesquisa de 2017, 67% dos entrevistados que diziam apoiar uma candidatura de Lula eram favoráveis à prisão de mulheres que abortassem.
No auge de sua popularidade, aliás, o petista dizia ser contra o aborto, mas defendia sua abordagem como questão de saúde pública. Em 2016, ele repetiu a posição e declarou ser “católico, cristão e até conservador”.
Bruno Boghossian: Bolsonaro toca a vida como se Guedes não estivesse mais ali
Nem os pilares da equipe econômica têm sido levados muito a sério dentro do governo
Paulo Guedes pode até completar mais uma semana no cargo, mas o governo já deixou o ministro no chão. Nas últimas 24 horas, Jair Bolsonaro e seus aliados tocaram a vida como se o chefe da equipe econômica nem estivesse mais por ali.
Pela manhã, o presidente embarcou para o Nordeste pela sétima vez desde junho. A agenda era parte de uma turnê pela reeleição coordenada pelo ministro Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional). Ele se tornou o antípoda de Guedes no governo ao formar uma aliança a favor do aumento de gastos com obras.
Os dois ministros já se estranharam em reuniões fechadas e trocaram hostilidades em público. Interessado em extrair ganhos políticos da máquina do governo, o chefe da dupla se mostra inclinado a escolher o lado de um deles.
No sertão de Pernambuco, Bolsonaro prometeu entregar “cada vez mais obras” na região e disse que seus aliados lutam por dinheiro “para que o ministério do Marinho possa realmente trabalhar”. Guedes, como se sabe, já negou mais de uma vez os pedidos do colega para aumentar despesas com esses investimentos.
A turma política também parece disposta a atropelar o ministro nas caóticas discussões sobre o novo programa social de Bolsonaro. Nesta quinta (1º), aliados do presidente chegaram a anunciar em público a criação do benefício, embora Guedes ainda não tenha conseguido encontrar o dinheiro para bancá-lo.
Ao lado de Bolsonaro, o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho, disse que o Planalto entregaria “o maior programa de solidariedade social da história desse país”. Depois, o parlamentar ganhou uma citação elogiosa do presidente.
Nem os pilares da equipe econômica têm sido levados muito a sério. Ainda que Guedes precise mandar recados semanais a investidores em sentido contrário, o vice-presidente Hamilton Mourão sugeriu a execução de uma manobra “fora do teto de gastos” para financiar o novo Bolsa Família. Cada vez menos gente quer saber da cartilha do ministro.
Bruno Boghossian: Na corrida por uma vaga no STF, Bolsonaro frustra parte de sua base
Reviravolta mostra dificuldade do presidente em equilibrar suas alianças de conveniência
A corrida pela próxima vaga do STF ensina a Jair Bolsonaro o desafio de equilibrar as alianças de conveniência que o sustentam no poder. A reviravolta produzida pelo presidente aprofunda seu namoro com a classe política, mas também coroa seu divórcio com o lavajatismo e aborrece parte da base ideológica mais radical do governo.
A escalada do juiz federal Kássio Nunes ao posto de favorito à primeira indicação de Bolsonaro para a corte se deu contra os sinais públicos que o presidente emitia sobre a decisão. Nos últimos dias, ele buscou apoio do centrão e apresentou seu escolhido para ministros do STF que representam a ala do tribunal mais crítica aos excessos da Lava Jato.
Antes de chegar ao Planalto, Bolsonaro já explorava o poder de indicar novos ministros para surfar na onda anticorrupção. Na campanha, ele falou em aumentar o número de cadeiras do STF e prometeu nomear “dez do nível do Sergio Moro” para a corte. O papo ajudou a colar sua candidatura à imagem da operação.
O presidente não demorou a trair quem acreditou na conversa –a começar pelo próprio Moro. Depois que Bolsonaro escancarou sua intenção de usar a caneta para proteger seu grupo político de investigações, nem mesmo os lavajatistas em negação, que ainda apoiam o governo, podem se dizer surpresos.
A guinada no processo de escolha, se confirmada, frustra segmentos mais apegados à pauta ideológica em que Bolsonaro se apoia. O presidente prometeu um ministro “terrivelmente evangélico” para o tribunal, mas depois modulou o discurso e avisou a pastores que seu escolhido seria apenas um conservador. Kássio Nunes, no entanto, nunca deu peso público a essa agenda.
Bolsonaro pode repetir com a indicação o mesmo estremecimento que sofreu ao nomear Augusto Aras como procurador-geral. Na ocasião, sua base ficou furiosa e tentou vincular o escolhido ao combate à Lava Jato. Em busca de sobrevivência política, o presidente se mostra disposto a seguir esse caminho.
Bruno Boghossian: Bolsonaro prepara terreno para evitar desgaste com fim do auxílio
Presidente lança discurso para os mais pobres e posa de vítima da inação dos políticos
Jair Bolsonaro tentou chutar para o lado a bomba-relógio em que se transformou o auxílio emergencial da pandemia. Preocupado com o impacto que o fim do pagamento deve ter sobre sua popularidade na virada do ano, o presidente fez uma jogada que pode reduzir parte das pressões sobre o Planalto.
O governo havia conseguido a proeza de apresentar um pacote completo de ideias ruins para bancar o novo programa social que deveria atender a uma parte dos beneficiários do auxílio. Depois que todas foram torpedeadas por parlamentares e investidores, Bolsonaro desempenhou seu papel favorito: posou de vítima e encenou um desabafo.
“O tempo está correndo, está o tique-taque aí correndo, está chegando janeiro de 2021. Precisamos de alternativa para aproximadamente 20 milhões de pessoas que não vão ter o que comer a partir de janeiro do ano que vem”, disse, nesta terça (29).
O presidente começou a preparar o terreno para se desviar de desgastes políticos caso a proposta de turbinar o Bolsa Família não saia do papel. Ele reclamou de “críticas monstruosas” aos planos para financiar o novo Renda Cidadã e se queixou da falta de alternativas para o programa –como se houvesse algum outro governo operando na praça.
Na prática, Bolsonaro armou uma cilada para o Congresso. O governo prometeu planos para custear o programa. Depois, apresentou uma proposta fajuta, na forma de um calote disfarçado e de um extravio de verbas da educação. Agora, ele lança a imagem de um presidente que se preocupa com os mais pobres, mas sofre com a inação dos políticos.
É Bolsonaro, no entanto, quem se mostra um mestre na arte de tirar vantagem de sua própria inércia. O presidente abriu mão de discutir as regras o jogo e resolveu mandar recados diretos aos segmentos que ajudaram a impulsionar seus índices de aprovação durante a pandemia. Ele sabe que, entre os brasileiros que fazem a contagem regressiva para o fim do benefício, a origem do dinheiro é o menor dos problemas.
Bruno Boghossian: Golpismo pré-datado vira moda entre presidentes populistas
Trump e Bolsonaro dinamitam credibilidade de eleições para tentar preservar poder
Há 203 dias, Jair Bolsonaro afirmou guardar provas de fraude na eleição de 2018. O presidente disse que tinha em suas mãos evidências de que deveria ter vencido a disputa no primeiro turno e anunciou que apresentaria esse material “brevemente”. É claro que nada apareceu, mas ele conseguiu o que queria.
Bolsonaro trabalha, no longo prazo, para dinamitar a credibilidade do sistema de votação no país. A ideia é cultivar dúvidas entre seus apoiadores, reforçar a imagem de um ambiente político manipulado e preparar terreno para contestar derrotas que sofre dentro das regras do jogo.
Ele deu uma pista desse caminho ainda na campanha presidencial. A dias do primeiro turno, Bolsonaro levantou suspeitas de fraude sem comprovação e disse que não aceitaria um resultado diferente de sua vitória nas urnas. “Isso é um ponto de vista fechado”, declarou.
Esse golpismo pré-datado se tornou marca de certos políticos populistas. Na corrida presidencial de 2016, Donald Trump falava de uma “fraude eleitoral em larga escala” para favorecer sua rival, Hillary Clinton. O republicano venceu a disputa. A semente, porém, estava plantada.
Trump governou como vítima das instituições democráticas. Agora, atrás de Joe Biden nas pesquisas, ele estendeu o tapetão: questionou a lisura do processo eleitoral e disse que, se as urnas não derem a ele um novo mandato, levará o resultado à Suprema Corte —onde os juízes conservadores são maioria.
Sem provas concretas de fraude em quantidade suficiente para mudar o resultado da eleição, Trump faz uma ameaça explícita de golpe de Estado. Ninguém deve ficar surpreso se Bolsonaro seguir o mesmo caminho em 2022, depois de alguns anos de experiência no ramo.
No tapetão populista, a vontade popular não conta, e nem mesmo é preciso haver fraude de verdade. Basta fragilizar o principal instrumento da democracia para agitar eleitores e milícias dispostas a apoiar uma manobra fora da lei. A democracia, afinal, é um mero detalhe.
Bruno Boghossian: Ministro tenta superar antecessores em intolerância e improdutividade
Governo Bolsonaro usa educação como palanque para sua cruzada obscurantista
Jair Bolsonaro só não fechou o Ministério da Educação até agora porque precisa dele em sua cruzada obscurantista. Por quase dois anos, o governo ignorou o ensino público, tentou sabotar o financiamento do setor e explorou a pasta como palanque para seus retrocessos.
O terceiro chefe da área se esforça para superar Ricardo Vélez e Abraham Weintraub em improdutividade e intolerância. De uma só vez, Milton Ribeiro conseguiu fazer propaganda de visões preconceituosas e fingir que não têm nada a ver com disfunções da educação brasileira.
O doutor sugeriu ao jornal O Estado de S. Paulo que o ministério não tem interesse em melhorar a tecnologia nas escolas. Para ele, a dificuldade do ensino a distância durante a pandemia é problema dos outros.
“A sociedade brasileira é desigual, e não é agora que a gente vai conseguir deixar todos iguais”, afirmou. “Esse não é um problema do MEC, é um problema do Brasil.”
Talvez Ribeiro estivesse mais interessado em conseguir um cargo no governo da Noruega, mas acabou ficando por aqui. Se estivesse insatisfeito, ele poderia procurar países onde ressoam alguns de seus valores, como o Iêmen ou a Mauritânia.
O ministro deu um show de discriminação e disse que a homossexualidade é uma “opção”, que ele atribui ao que chamou de “famílias desajustadas”. “Normalizar isso e achar que está tudo certo é uma questão de opinião”, declarou, na entrevista.
Ele sabe que não se trata de uma mera “questão de opinião”, mas usa a velha tática bolsonarista de esconder seus insultos atrás do argumento da liberdade de expressão. O ministro, que é pastor da igreja presbiteriana, alega que essa é apenas uma pauta conservadora, como se isso legitimasse o desaforo.
Ribeiro chegou ao governo com a chancela da ala militar e o carimbo de “moderado”, após a queda do piromaníaco Abraham Weintraub. Houve quem comprasse essa imagem. A única coisa que o doutor pretende moderar é a descrição dos horrores da ditadura nos livros didáticos.
Bruno Boghossian: Guedes se associa ao centrão para ganhar poder de barganha
Ministro cede a parlamentares e abre portas de estatais para indicações políticas
Paulo Guedes não era fã de deputados e senadores quando chegou a Brasília. Apesar de ter chancelado a campanha de um candidato que havia passado três décadas no Congresso, o ministro usava a expressão "criaturas do pântano político" para se referir a grupos que "se associaram contra o povo brasileiro".
Por quase dois anos, ele se queixou desses monstrengos. Sugeriu dar uma "prensa" nos parlamentares, disse que eles não se importavam com as criancinhas e ainda rompeu com o presidente da Câmara.
Agora, algo mudou —e não foram os políticos. O ministro afirmou a aliados que vai abrir portas de estatais e outros órgãos para o centrão. Segundo uma reportagem da Folha, Guedes avisou que vai discutir com o Planalto nomes indicados pelos partidos que apoiam o governo.
Mais que uma jogada pragmática, trata-se de uma capitulação. Além de demolir de vez o discurso de Jair Bolsonaro contra o loteamento de cargos, a decisão fragiliza ainda mais a agenda de privatizações de Guedes. Ocupar empresas com políticos é a maneira mais eficaz de garantir que eles continuem por lá.
O ministro reconheceu que o centrão dá as cartas na política e na economia. Até aqui, o Congresso fez o que quis: impediu reduções de benefícios sugeridas por Guedes, aumentou o auxílio emergencial proposto pelo governo e aprovou o perdão de dívidas das igrejas com a Receita.
Ele percebeu também que não pode contar com o próprio chefe para salvá-lo desses dribles. Guedes protestou e conseguiu que Bolsonaro barrasse a anistia para os líderes religiosos. Na mesma hora, o presidente incentivou uma traição ao ministro com a derrubada do veto.
Fragilizado, Guedes decidiu se associar aos parlamentares do centrão no momento em que sua plataforma se torna alvo de questionamentos até de investidores. A manobra dá ao ministro algum poder de barganha em Brasília, mas o histórico da relação sugere que as "criaturas do pântano político" continuarão no comando dessa agenda.
Bruno Boghossian: Agro descobriu que o atraso de Bolsonaro é um mau negócio
Empresários preferiram se aliar a ONGs ambientalistas, alvos do presidente
Quando os presidenciáveis desfilavam em campanha, há dois anos, a turma do agronegócio acreditou ter feito uma escolha óbvia. Empresários se aproximaram do candidato que prometia afrouxar fiscalizações, e a bancada ruralista declarou apoio àquele que prometia atropelar as leis ambientais.
O namoro durou pouco. Antes de tomar posse, Jair Bolsonaro abriu a primeira crise com o setor. O presidente eleito causou pânico entre produtores ao dizer que mudaria a embaixada de Israel para Jerusalém. Exportadores de carne criticaram a ideia, com medo de perder bilhões em negócios com países árabes.
O governo não conseguiu levar a provocação adiante, mas manteve a sabotagem. Em março, Eduardo Bolsonaro acusou o governo chinês de ser responsável pela propagação do coronavírus. O líder da bancada ruralista precisou lembrar que a China responde por até 40% das exportações do agronegócio brasileiro.
Além das trapalhadas nas relações exteriores, o lobby do agronegócio ficou incomodado com a omissão destrutiva do governo na Amazônia. Ninguém virou ambientalista da noite para o dia, mas os empresários perceberam que ter um Bolsonaro no poder era um mau negócio.
Em julho, eles cobraram medidas para frear a devastação e as queimadas. O presidente continuou fingindo que os incêndios eram fogueiras de São João e acusou ONGs de produzirem propaganda negativa. “Vocês sabem que as ONGs não têm vez comigo. A gente bota para quebrar em cima desse pessoal”, afirmou.
O desastre bolsonarista é tão grande que alguns empresários escolheram ficar ao lado dessas organizações. Gigantes como JBS e Marfrig se uniram a WWF, Imazon e outras entidades para pedir ações do governo contra o desmatamento.
O agronegócio se deixou seduzir por Bolsonaro e não se incomodou com o fato de que aquele político representava o que havia de mais rudimentar e atrasado na área. Agora, os empresários querem deixar o presidente sozinho no século passado.
Bruno Boghossian: Bolsonaro reescreve os fatos como um animador de tragédias
Presidente joga confete nas queimadas do Pantanal e distorce história da pandemia
Jair Bolsonaro anda fazendo bico como animador de tragédias. O governo fez pouco caso da devastação das florestas na atual temporada de seca e viu o Pantanal bater recordes de queimadas nos últimos meses. Ainda assim, o presidente tentou jogar confete no desastre.
“O Brasil é o país que mais preserva o meio ambiente”, celebrou, durante um evento nesta quinta (17). “O Brasil está de parabéns pela maneira como preserva o seu meio ambiente.”
Bolsonaro desmontou a gestão ambiental, perseguiu fiscais, protegeu madeireiros e quis maquiar números do desmatamento. Recentemente, ele atribuiu as queimadas à população indígena e à geração espontânea. Só não demonstrou grande interesse em combater o fogo.
O presidente tomou gosto por comemorar os resultados de sua própria omissão. Para isso, vale distorcer informações, esconder problemas e até reescrever os fatos a seu favor.
Nas últimas semanas, Bolsonaro lançou uma campanha nas redes e em eventos oficiais para tentar convencer a população de que o governo fez tudo certo na pandemia que matou mais de 130 mil pessoas no país.
Depois de ter deixado o Ministério da Saúde sem titular por três meses, o presidente usou a posse de Eduardo Pazuello no cargo, na quarta (16), para aplaudir a si mesmo. Ainda que tenha previsto menos de 800 mortos na crise, Bolsonaro falava como se tivesse dado todas as respostas.
A cloroquina foi a estrela do discurso. O presidente voltou a fazer propaganda do remédio e disse que o governo se baseou na agência reguladora dos EUA para recomendá-lo. Bolsonaro só esqueceu que a própria FDA lançou em julho um alerta sobre os riscos do medicamento.
Ele também recordou, em tom laudatório, o pronunciamento de TV em que comparava a Covid-19 a um “resfriadinho”, em março. O presidente disse ter avisado que era preciso combater a doença e o desemprego. Naquele mesmo dia, porém, ele afirmou que o vírus passaria “em breve”. Só faltou dar parabéns a si mesmo por não ter feito quase nada.