Bruno Boghossian

Bruno Boghossian: A conexão operacional entre bolsonaristas e os golpistas de Trump

A um ano da eleição, apoiadores do presidente estreitam laços com estrategistas e redes de direita

Bruno Boghossian / Folha de S. Paulo

A Polícia Federal mapeou conexões do bolsonarista Allan dos Santos nos EUA. Num pedido de prisão, investigadores apontaram que ele manteve contato com Owen Shroyer, que participou da invasão do Capitólio em janeiro, quando golpistas tentaram melar a eleição americana num ataque que provocou cinco mortes.

A ligação entre os dois não foi citada por acaso. Shroyer é apresentador do Infowars, canal de ultradireita que divulga teorias da conspiração e deu palanque livre para as acusações falsas de fraude que Donald Trump repetia para inflamar seus apoiadores após perder a eleição. No Brasil, o roteiro pode se repetir no ano que vem, com apoio externo.

Os bolsonaristas que ainda sonham com uma manobra para contestar o resultado da próxima eleição presidencial se inspiravam na estratégia trumpista. Mas há cada vez mais evidências de que está em desenvolvimento uma conexão operacional e financeira entre brasileiros e golpistas americanos.

Steve Bannon, ex-extrategista de Trump, se tornou uma espécie de conselheiro de Eduardo Bolsonaro. O americano já disse que a disputa brasileira é "a segunda mais importante do mundo" e considera a reeleição do presidente uma plataforma para reerguer um bloco internacional de extrema direita. Sua especialidade é a desinformação política.

A um ano da eleição, os bolsonaristas estreitam laços e buscam apoio operacional de redes sociais de direita que podem distribuir conteúdo radical, fora do alcance da Justiça brasileira. Eduardo se aproximou de Jason Miller, ex-porta-voz de Trump que fundou a Gettr, e o deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança se tornou o diretor financeiro da Truth Social, plataforma lançada pelo ex-presidente americano.

Ainda que Jair Bolsonaro tenha interrompido a campanha de ataque às urnas para evitar uma punição dos tribunais, ninguém duvida que o presidente e sua base vão tentar tumultuar a campanha e contestar o resultado da corrida de 2022 com o apoio dessa rede internacional.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/bruno-boghossian/2021/10/a-conexao-operacional-entre-bolsonaristas-e-os-golpistas-de-trump.shtml


Bruno Boghossian: Investigação sobre emendas deve abalar relação Bolsonaro-Congresso

Ministro fala em corrupção e avisa que haverá operação mirando verba de parlamentares

Bruno Boghossian / Folha de S. Paulo

O chefe da Controladoria-Geral da União deu um aviso curioso na última semana. Wagner Rosário disse não ter dúvidas de que existem casos de corrupção no pagamento de emendas indicadas por parlamentares e anunciou que a Polícia Federal deve bater na porta de alguns dos envolvidos em breve. “Todos nós vamos ficar sabendo no dia da deflagração das operações”, declarou.

O alerta é inusitado porque um investigador não deveria dar aviso prévio de suas ações. Além disso, Rosário é ministro de Jair Bolsonaro, um presidente que sobrevive no poder graças a essas emendas. Para completar, o chefe da CGU falou sobre as suspeitas numa audiência dentro Câmara, onde essa fatia do Orçamento é partilhada.

A revelação de desvios nesses pagamentos é um cenário considerado quase inevitável pelo governo. O ministro tentou mostrar serviço e se antecipou para controlar os respingos de eventuais escândalos. A história tem potencial para criar problemas políticos para Bolsonaro.

O governo ganhou fôlego no Congresso ao entregar a deputados e senadores o controle sobre R$ 16,9 bilhões das emendas de relator. O bônus dessa barganha é uma distribuição relativamente livre e pouco transparente de verba nas bases dos parlamentares. Se a PF acabar com a festa de alguns deles, o acordo para sustentar o presidente pode ficar estremecido ou até implodir.

Uma operação que desmanche supostas cobranças de propina em obras pagas por essas emendas também teria impacto na imagem de Bolsonaro. O presidente pode lançar a culpa sobre os parlamentares e empresários que forem pegos nas investigações, mas será difícil esconder o fato de que a origem do dinheiro é o acerto do Planalto com o centrão.

O alcance do caso dependerá de personagens leais a Bolsonaro: o chefe da PF e o procurador-geral da República. A esperança do governo é que a devassa nas emendas fique limitada a políticos de baixo clero, o que restringiria os danos à governabilidade e ao discurso do presidente.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/bruno-boghossian/2021/10/investigacao-sobre-emendas-deve-abalar-relacao-bolsonaro-congresso.shtml


Bruno Boghossian: Sergio Moro devolve seu nome ao baralho eleitoral de 2022

Existe espaço para candidatura do ex-juiz após Vaza Jato e rompimento com Bolsonaro?

runo Boghossian / Folha de S. Paulo

Sergio Moro devolveu seu nome ao baralho da eleição de 2022. O ex-juiz se reuniu com aliados na semana passada e discutiu a possibilidade de uma candidatura no ano que vem. No encontro, ele pediu que os participantes evitassem comentar seus planos para evitar problemas com o escritório americano onde ele trabalha como consultor.

Foi o sinal mais explícito do interesse de Moro na disputa desde que ele assinou com a Alvarez & Marsal, no fim do ano passado. O potencial conflito com a firma só existe porque ele continua no jogo.

Dirigentes do Podemos querem fazer de Moro mais um candidato ao Planalto com pretensão de furar o domínio de Lula e Jair Bolsonaro nas pesquisas. Não é um plano simples: assim como outros nomes que reivindicam o tal rótulo da terceira via, o ex-juiz não chega a 10% das intenções de voto em sondagens feitas por institutos e partidos.

Esses números ainda desanimam uma parte dos políticos que incentivam essa candidatura, principalmente porque Moro é um dos nomes mais conhecidos dessa arena eleitoral. Isso sugere que, já na largada, o ex-juiz acumula uma imagem negativa entre petistas e bolsonaristas, que hoje representam juntos dois terços do eleitorado.

Mesmo assim, seus aliados acreditam que ele pode ocupar terrenos numa direita que se afastou ou ainda pode se afastar de Bolsonaro.

Na última pesquisa do Datafolha que incluiu o nome do chefe da Lava Jato, em maio, só 26% diziam que não votariam nele de jeito nenhum. Os moristas veem aí um sinal de que bolsonaristas poderiam votar no ex-juiz se ele tiver chances de vencer o PT. Até aqui, não é o caso: Moro e Bolsonaro perdem de longe para Lula nas simulações de segundo turno.

Moro prometeu decidir até novembro se larga um emprego em Washington para se tornar alvo numa campanha de alta octanagem. Se entrar na corrida, ele terá que explicar sua colaboração com o governo Bolsonaro e a parceria ilegal com o Ministério Público na Lava Jato.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/bruno-boghossian/2021/09/sergio-moro-devolve-seu-nome-ao-baralho-eleitoral-de-2022.shtml


Bruno Boghossian: Bolsonaro testa discurso eleitoral com Deus e pacote modesto de obras

Portfólio limitado do governo leva presidente a recalibrar plataforma da reeleição

Bruno Boghossian / Folha de S. Paulo

Jair Bolsonaro aproveitou as cerimônias dos mil dias de governo para testar uma plataforma eleitoral para 2022. Com a gestão desastrosa da pandemia e a condução torta da economia, o presidente tenta turbinar um pacote modesto de obras, transferir responsabilidades para adversários políticos e ampliar o apelo a uma retórica conservadora.

Pela manhã, Bolsonaro voou até o sul da Bahia para lançar um centro esportivo e entregar cinco títulos de propriedade rural. O evento também marcou a inauguração simbólica de meros 9,5 km de estradas federais duplicadas –uma extensão que não cobre nem metade da distância entre o Palácio da Alvorada e a base aérea de Brasília, de onde ele havia decolado horas antes.

O portfólio limitado do governo levou o presidente a recalibrar o discurso tradicional de candidatos à reeleição. Em vez de apresentar realizações de seus anos no poder, Bolsonaro se concentra numa retórica ideológica, com a carga religiosa que o impulsionou em 2018.

Em 15 minutos de discurso no palanque baiano, Bolsonaro quase não falou dos projetos entregues naquela manhã. Citou Deus sete vezes, usou três passagens bíblicas e disse que se sentia satisfeito ao viajar pelo país e "ver não mais a cor vermelha, mas as cores verde e amarela da nossa bandeira". De quebra, ele ainda voltou a defender as manifestações golpistas de 7 de setembro.

O presidente reforçou também uma espécie de antipropaganda que tem espalhado pelo país para conter os efeitos políticos da crise econômica, a principal ameaça a sua candidatura. Bolsonaro afirmou que a inflação alta é culpa de governadores, que a conta de luz ficou mais cara por causa da seca e que a geada elevou os preços dos alimentos.

O roteiro se repetiu mais tarde no interior de Alagoas, onde Bolsonaro se cercou do ex-presidente Fernando Collor e do presidente da Câmara, Arthur Lira. Voltaram Deus, a inflação, o 7 de setembro e o verde-amarelo. Sobre o conjunto habitacional inaugurado ali, quase nada.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/bruno-boghossian/2021/09/bolsonaro-testa-discurso-eleitoral-com-deus-e-pacote-modesto-de-obras.shtml


Bruno Boghossian: Ameaça de Bolsonaro ao STF já representa manobra autoritária

Ao indicar atropelo a decisões do tribunal, presidente prepara terreno para golpe final em 2022

Bruno Boghossian / Folha de S. Paulo

Jair Bolsonaro conseguiu o que queria. Com a articulação de empresários do agronegócio, líderes religiosos e políticos aliados, o presidente levou uma quantidade razoável de gente para as ruas de Brasília, São Paulo e outras cidades. Não houve tanque na praça dos Três Poderes para fechar o STF, mas o capitão já lançou uma manobra autoritária.

Bolsonaro nunca demonstrou interesse em permanecer no campo da democracia, e o movimento feito pelo presidente no 7 de setembro expôs de maneira aberta o projeto para expandir seus poderes. Nos discursos para os manifestantes, ele disse que ministros do Supremo deveriam mudar de comportamento, "ou esse Poder pode sofrer aquilo que nós não queremos".

ameaça explícita tem dois objetivos imediatos: intimidar o tribunal e abrir caminho para que Bolsonaro descumpra determinações judiciais. "Ou entram nos eixos, ou serão simplesmente ignoradas da vida pública", disse o presidente, em vídeo divulgado ainda pela manhã.

O movimento é golpista porque um presidente não tem o poder de definir os limites que ele deve ou não respeitar. É autoritário porque vem acompanhado de sinais nada velados de uso da violência, com acenos às Forças Armadas, incentivo ao envolvimento da polícia e incitação de militantes que falam claramente em invadir o Congresso e o STF.

Os primeiros alvos de Bolsonaro são as decisões do Supremo que incomodam sua família e seu grupo político, como a prisão de aliados e as investigações sobre ameaças ao processo eleitoral. Em 2022, essa mesma plataforma tende a ser explorada para ignorar decisões de tribunais superiores durante a campanha e desrespeitar o resultado da urna.

Essas investidas também ajudam Bolsonaro a reaglutinar parcelas de uma base de apoio que esmoreceu ao longo do governo. Até aqui, parece improvável que a expansão desse núcleo seja suficiente para garantir uma vitória no voto, mas pode ser forte o bastante para dar sobrevida a seu plano de melar as eleições.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/bruno-boghossian/2021/09/ameaca-de-bolsonaro-ao-stf-ja-representa-manobra-autoritaria.shtml


Ala do PT fala até em governar com aliados fora da esquerda

Aproximação com ex-opositores vira arma em ambiente de radicalização promovido por Bolsonaro

Bruno Boghossian / Folha de S. Paulo

A derrota em 2018 e a radicalização de Jair Bolsonaro provocaram um ajuste na filosofia de alianças do PT. Embora o próprio ex-presidente Lula rejeite abrir mão de bandeiras tradicionais, como a regulação da mídia, alguns dirigentes insistem que uma aproximação com grupos fora da esquerda será determinante para vencer a eleição e até para governar.

Parte do movimento ocorre às claras, com divulgação oficial, como nos recentes encontros de Lula com os tucanos FHC e Tasso Jereissati. Para os petistas, esses gestos são um passo para reduzir a rejeição do que chamam de "elites" à candidatura do ex-presidente, abrindo a porta para atrair uma direita não bolsonarista.

A questão é matemática. "Para ganhar uma eleição, precisamos de mais do que os votos da esquerda e da centro-esquerda", disse a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, há alguns meses. Embora Lula tenha disparado nas pesquisas e não veja um candidato de terceira via no páreo, a reativação de um antipetismo ainda pode dificultar sua vitória em 2022.

Uma aliança com setores da direita no primeiro turno é mais do que improvável, mas integrantes da legenda gostariam de costurar algo parecido com um pacto de não agressão. Os dois lados seriam oposição a Bolsonaro, mas evitariam ataques mútuos para não aumentar a rejeição a seus próprios candidatos.

Uma ala mais pragmática do PT entende que atravessar a fronteira da esquerda é importante até para um eventual novo governo Lula. “Não adianta ganhar a eleição como o Bolsonaro, apostando na polarização, porque ela costuma permanecer no pós-eleição”, disse à coluna o governador da Bahia, Rui Costa. “É difícil governar se você não tiver minimamente uma aproximação.”

O governador fala em buscar lideranças partidárias que já fizeram oposição ao PT, empresários e setores do agronegócio. "É fundamental, não somente como tática eleitoral, mas uma concertação com a sociedade", diz. "Para ter um país viável, precisamos buscar caminhos mais consensuais e menos polêmicos."

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/bruno-boghossian/2021/08/ala-do-pt-fala-ate-em-governar-com-aliados-fora-da-esquerda.shtml


Bolsonaro usa precatórios e Bolsa Família de olho em 2022, e conta já aparece no aumento dos juros

Plano é reforçar os gastos porque Bolsa Família não será a bala de prata que sozinha deixará Bolsonaro competitivo em 2022

Adriana Fernandes / O Estado de S. Paulo

O governo achou um jeito de transformar a PEC dos Precatórios numa fórmula para conseguir gastar quase R$ 10 bilhões a mais em 2022, como revela reportagem de hoje do Estadão. A PEC diminui a fatura de R$ 89 bilhões apresentada pela Justiça ao governo e de quebra vai permitir reduzir a conta inicial de R$ 57 bilhões que o Ministério da Economia estava prevendo gastar no Orçamento com o pagamento de precatórios no ano que vem. 

Em outras palavras, é como se uma pessoa tivesse reservado espaço nas suas finanças para quitar uma dívida de R$ 57 no ano seguinte, descobrisse depois que a conta era bem mais salgada, de R$ 89, e para sair do sufoco decidisse por conta própria alongar o pagamento da dívida em 10 anos.

Com a vantagem de que o desenho desse parcelamento reunisse condições para diminuir a dívida a pagar no ano seguinte dando mais folga nas suas finanças para gastar em outras coisas.

Tudo isso sem furar o teto de gastos que a pessoa havia se autoimposto para o ano todo. 

O efeito imediato para o governo é que a PEC abre espaço no projeto de lei orçamentária para gastos em outras áreas de interesse, como medidas eleitoreiras que não encontravam espaço por conta da promessa de aumento do Bolsa Família, que passará a se chamar “Auxílio Brasil”.

É nesse cenário que a PEC dos Precatórios em poucos dias se tornou a proposta mais importante para o governo neste início da volta do recesso parlamentar. Sem falar que a conta de R$ 89 bilhões arruinaria o Orçamento do último ano do governo Bolsonaro e da campanha eleitoral.

É importante ficar atento em outro ponto central da discussão e moeda de argumento (ou melhor, de troca) que líderes do Centrão contam para obter apoio do Congresso ao parcelamento: sem PEC, não tem como aumentar as emendas de relator – aquelas que são irrigadas para os aliados.

No grupo dos grandes beneficiários dos precatórios, estão Estados do Nordeste governados por adversários do presidente Jair Bolsonaro. Imagina rechear os cofres desses governadores com bilhões e bilhões de reais justamente em ano de eleição!

Pela lei em vigor, o governo até poderia negociar hoje o parcelamento, mas dependeria da anuência do credor. Somente o Estado da Bahia, governado pelo petista Rui Costa, tem a receber R$ 8,76 bilhões.

No mapa dos precatórios dos Estados para 2022, além da Bahia, estão Pernambuco (R$ 3,9 bilhões), Ceará (R$ 2,6 bilhões) e Amazonas (R$ 219,4 milhões). Estão na fila Maranhão, pendente de recurso, e Pará, que não obteve a expedição de precatório para 2022.

Mesmo com as resistências que a PEC enfrenta de quem tem a receber precatórios (empresas, pessoas físicas e governos regionais) e dos que fazem da compra desse crédito a receber, com grande deságio, um negócio muito rentável, a proposta tem chance de ser aprovada, embora podada.

O que se observa é que gritaria dos críticos à PEC, repetida à exaustão nos últimos dias, de que a proposta representa um calote, não tem funcionado como no ano passado quando o governo tentou sem sucesso aprovar mudanças nas regras de pagamento dos precatórios.

O governo conta que vai vencer essa parada. Para isso, Bolsonaro passou os últimos três dias dizendo que vai aumentar o benefício do Bolsa Família para R$ 400, ao invés dos R$ 300 prometidos por ele. Cortina de fumaça.

O plano é reforçar gastos em outras medidas porque se sabe que o programa Bolsa Família não será a bala de prata que sozinha deixará o presidente Jair Bolsonaro competitivo em 2022.

Todo esse frisson em torno de um fundo para pagar precatórios e turbinar os benefícios sociais fora do teto de gastos pode acabar se transformando num caso típico de “entregam-se os anéis para preservar a mão”. A ideia é antiga e nem estava na versão original da PEC.

Com todo esse enredo da PEC e a tentativa de aprovação de projetos a toque de caixa no Congresso, a conta já apareceu na alta de 1 ponto porcentual dos juros pelo Banco CentralInflação e juros nas alturas.

*É REPÓRTER ESPECIAL DE ECONOMIA EM BRASÍLIA


Fonte: O Estado de S. Paulo
https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,bolsonaro-usa-precatorios-e-bolsa-familia-de-olho-em-2022-e-conta-ja-aparece-no-aumento-dos-juros,70003800667


Bolsonaro sente bafo da inflação e muda de ideia sobre Bolsa Família

Generosidade do presidente com aumento para programa é proporcional ao desespero do governo

Bruno Boghossian / Folha de S. Paulo

Antes da virada do ano, Jair Bolsonaro ameaçava demitir qualquer auxiliar que falasse em aumentar o valor do Bolsa Família. O presidente surfava na popularidade do auxílio emergencial e considerava bobagem procurar dinheiro para reforçar o programa de socorro aos mais pobres.

Não demorou para que ele mudasse de ideia. O fracasso continuado do governo fez com que Bolsonaro admitisse, em abril, elevar o benefício médio de R$ 192 para R$ 250. Mais tarde, o presidente já falava em R$ 270, depois em R$ 300 e, agora, anuncia que trabalha por um salto do pagamento para R$ 400 por mês.

A generosidade é proporcional ao desespero do Planalto. A aprovação a Bolsonaro despencou na população de baixa renda: de 37% no fim do ano passado para 21%, segundo o Datafolha. Para piorar, o presidente já enfrenta a sombra de Lula nessa fatia do eleitorado e teme os efeitos de um cenário econômico adverso.

Bolsonaro sentiu o bafo da inflação. Na posse de seu novo ministro da Casa Civil, o presidente destacou que a alta do preço dos alimentos e da energia criou uma "dificuldade enorme" para os mais pobres, citando a reformulação do Bolsa Família como prioridade. Sem muita intimidade com o tema, ele precisou que um auxiliar soprasse o nome que o governo quer usar para rebatizar o programa, Auxílio Brasil.

A disparada do gás de cozinha também entrou no radar político. Na semana passada, Bolsonaro deu entrevista a um programa de auditório e avisou que a Petrobras gastaria R$ 3 bilhões para ajudar famílias na compra de botijões, que acumulam um aumento de 20% no ano. A estatal, no entanto, disse que não tomou nenhuma decisão sobre o assunto.

Com foco na reeleição, Bolsonaro não dá bola para as resistências que pode encontrar dentro do governo. Quando sugeriu o aumento do Bolsa Família, ele disse contar “com o coração grande de Paulo Guedes”. O ministro é o mesmo que já reclamou da ida de empregadas domésticas à Disney e do financiamento de filhos de porteiros na universidade.


Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/bruno-boghossian/2021/08/bolsonaro-sente-bafo-da-inflacao-e-muda-de-ideia-sobre-bolsa-familia.shtml


Centrão ajuda Bolsonaro a fazer o governo do extremistão

Não há ilusão de normalidade na contratação de um operador político para o Planalto

Bruno Boghossian / Folha de S. Paulo

novo chefe da Casa Civil chegou ao Planalto com a missão de azeitar relações com o Congresso, reduzir tensões com o STF e preparar terreno para a reeleição de Jair Bolsonaro. A contratação de um profissional para cumprir essas funções deixa o presidente livre para continuar exercendo sua especialidade: trabalhar na direção contrária.

Ao mesmo tempo em que abria as portas do governo para o centrão, Bolsonaro espalhou novas mentiras sobre a atuação do Congresso na aprovação do fundo eleitoral, acusou integrantes do Supremo de conspiração e voltou a divulgar informações falsas para tumultuar a realização das próximas eleições.

Não há nenhuma ilusão de normalidade na contratação de um nome como Ciro Nogueira para administrar as articulações e gerenciar o trabalho do Planalto. O centrão pode até tentar reduzir danos políticos provocados pelos ataques de Bolsonaro às instituições, mas a linha mestra do governo continua sendo executada no gabinete presidencial, controlado pelo líder do extremistão.

O presidente já mostrou que não tem interesse numa relação saudável com outros Poderes. Nas últimas semanas, ele insinuou que o STF trabalha para fraudar a disputa de 2022 e acusou o vice-presidente do Congresso de fazer uma manobra que não existiu na votação que reservou R$ 5,7 bilhões para o fundo de financiamento de campanhas.

O centrão também acompanha placidamente o trabalho de Bolsonaro na destruição da credibilidade das eleições. Nesta quinta (29), o presidente divulgou informações falsas coletadas na internet e reproduziu relatos já desmentidos de anormalidade na urna eletrônica. O crime de responsabilidade foi transmitido ao vivo pela TV oficial do governo.​

Os caciques do centrão já deixaram de ser parceiros de ocasião, que extraem benefícios políticos do governo enquanto Bolsonaro conduz um projeto de degradação contínua da democracia. Agora, esse grupo parece mais do que satisfeito em ajudar o presidente a completar sua missão.


Fonte:
Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/bruno-boghossian/2021/07/centrao-ajuda-bolsonaro-a-fazer-o-governo-do-extremistao.shtml


Bruno Boghossian: No tudo ou nada, Ciro vai acabar no Planalto ou em crise de identidade

No início da semana, Ciro Gomes (PDT) chamou Lula de “o maior corruptor da história”. Dias depois, publicou um vídeo em que diz que a corrupção “apenas se escondeu melhor” no governo Jair Bolsonaro. Em sua quarta corrida ao Planalto, o ex-ministro tenta encaixar um discurso para confrontar tanto o petista como o atual presidente.

Ciro testa as águas de uma campanha “contra tudo o que está aí”. Nas mensagens que tem divulgado em entrevistas e publicações em redes sociais, ele ensaia uma retórica de indignação generalizada, fala de distorções de governos passados e explora o fantasma da corrupção para tentar fragilizar, de uma só vez, seus dois principais concorrentes.

O pedetista faz uma aposta arriscada. Identificado com plataformas de esquerda, o ex-ministro do governo Lula enxerga o petista em posição dominante nesse segmento do eleitorado, historicamente ligado ao PT. Seus aliados entendem, com isso, que a única maneira de chegar ao segundo turno é eliminar Bolsonaro.

Como a esquerda parece congestionada, Ciro trabalha para enfraquecer e substituir Bolsonaro nas demais fatias da população. O problema do ex-ministro é que, na direita, suas ideias dificilmente terão aderência suficiente para impulsioná-lo até o segundo turno, mesmo que o atual governo esteja desgastado.

Se outro candidato com uma plataforma mais palatável estiver na corrida, o pedetista fica para trás. Por isso, aliados de Ciro buscam convencer o pelotão de políticos que reivindicam o rótulo de centro a abandonar a disputa para apoiá-lo. Ainda que ele seja ungido, eleitores desse lado do espectro podem preferir votar em Bolsonaro para derrotar Lula.

Caso vá ao segundo turno, Ciro ainda enfrentaria o desafio de bater o petista num confronto direto. Ele precisaria trabalhar para aumentar a rejeição a Lula e contar com uma atração quase universal de eleitores que escolherem outros nomes no primeiro turno. O pedetista chegará ao fim de 2022 em crise de identidade ou com as chaves do Planalto

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/bruno-boghossian/2021/05/no-tudo-ou-nada-ciro-vai-acabar-no-planalto-ou-em-crise-de-identidade.shtml

 


Bruno Boghossian: Mentiras de Pazuello na CPI são quase uma admissão de culpa

Eduardo Pazuello prestou um serviço à CPI da Covid. No primeiro dia de depoimento do general, os senadores queriam saber detalhes sobre a sabotagem do governo à negociação de vacinas e sobre a tentativa de empurrar cloroquina para a população. O ex-ministro mentiu tanto sobre esses assuntos que praticamente entregou aos investigadores uma admissão de culpa.

O general sabe o que fez à frente do Ministério da Saúde. Na CPI, ele tenta reescrever essa história porque sabe que a realidade é uma coletânea de atos que contribuíram para o agravamento da pandemia. Pazuello tentou se proteger e blindar o chefe Jair Bolsonaro, mas acabou mostrando que o governo tem medo de seus próprios delitos.

O ex-ministro tratou como um delírio a guerra pública de Bolsonaro contra a Coronavac –que hoje representa a maioria das doses aplicadas no país. Pazuello disse que o presidente nunca deu a ordens para desfazer qualquer acordo com o Instituto Butantan para adquirir a vacina.

O próprio governo, porém, fez propaganda desse veto. Em 21 de outubro, depois que Pazuello anunciou a compra, o número dois do Ministério da Saúde negou o acordo e disse que o fato havia sido “mal interpretado”. Orgulhoso, Bolsonaro afirmou publicamente que havia mandado cancelar o negócio. Se o general não mentiu à CPI, acusou o presidente de ter mentido a seus apoiadores.

Pazuello também tentou ocultar o papel do governo no incentivo ao uso indiscriminado de cloroquina. O general disse que a plataforma do Ministério da Saúde que recomendava o remédio até para bebês nunca havia entrado em operação. Em janeiro, no entanto, durante um evento com a participação dele, uma secretária da pasta anunciou que o sistema já poderia ser acessado para facilitar o “tratamento precoce”.

A CPI investiga as ações em que o governo desprezou a imunização e estimulou o uso de um medicamento ineficaz. O país já conhece essa história, mas as confissões indiretas do general facilitam o trabalho.

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/bruno-boghossian/2021/05/mentiras-de-pazuello-na-cpi-sao-quase-uma-admissao-de-culpa.shtml

 


Bruno Boghossian: CPI expõe arquitetura de um governo sem interesse em salvar vidas

Ernesto Araújo disse na CPI da Covid que nunca recebeu orientações para rejeitar parcerias que poderiam ajudar o país a produzir vacinas. Não foi necessário. A comissão já mostrou que a arquitetura do governo Jair Bolsonaro tornou praticamente impossíveis os esforços do país para salvar vidas na pandemia.

A política externa desvairada de Ernesto não foi uma exceção. A tensão contínua entre o Brasil e a China na negociação de insumos para fabricar imunizantes só existe até hoje porque o governo transformou o Itamaraty num joguete da direita radical.

O ex-chanceler tentou disfarçar, mas sabe que a diplomacia pode ajudar ou atrapalhar articulações desse tipo. No início da sessão, ele mesmo disse que o governo recebeu vacinas “graças à qualidade das nossas relações com a Índia”. Depois, precisou reconhecer que a bajulação permanente a Donald Trump não havia rendido frutos nessa área.

Ernesto descreveu um Itamaraty que se curvou aos delírios de Bolsonaro. O ex-chanceler afirmou ter intermediado um telefonema do presidente à Índia para pedir milhões de comprimidos de um remédio ineficaz. Admitiu, ainda, que nem sequer agradeceu à Venezuela pelo oxigênio doado a Manaus durante a crise de desabastecimento na capital amazonense. A coloração política do governo vizinho valeu mais do que as vidas que estavam em risco.

A diplomacia funcionou como peça auxiliar do negacionismo. Ernesto disse que trabalhou para adquirir cloroquina a pedido do Ministério da Saúde e que a pasta foi a responsável pela recusa de parte das doses de vacina disponíveis no consórcio Covax Facility. As duas decisões ficaram na conta de Eduardo Pazuello, próximo depoente da comissão.

A CPI já desenhou a estrutura de um governo que reproduz com precisão as obsessões do presidente. Nos dias pares, os ministros se omitem e demonstram desinteresse pela imunização dos brasileiros. Nos ímpares, sabotam a relação com países-chave e perdem tempo com medicamentos ineficazes contra a Covid.

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/bruno-boghossian/2021/05/cpi-expoe-arquitetura-de-um-governo-sem-interesse-em-salvar-vidas.shtml