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Elio Gaspari: Juiz Bretas nega passaporte a Temer e retoma costume da ditadura

Juiz retoma costume da ditadura, que até 1975 fez a mesma coisa com Jango

No dia 12 de julho a Oxford Union, sociedade de debates criada em 1823 por estudantes daquela universidade, convidou o ex-presidente Michel Temer para uma palestra, agendada para 25 de outubro. No início de agosto Temer pediu ao juiz Marcelo Bretas que liberasse o seu passaporte por seis dias, para um bate-e-volta. A decisão demorou mais de dois meses e, no último dia 18, o doutor negou o pedido.

Negando passaporte a um ex-presidente, Bretas retomou o costume da ditadura que até 1975 fez a mesma coisa com João Goulart. (Ele viajava com um documento que lhe havia sido dado pelo presidente paraguaio Alfredo Stroessner). Jango, bem como todos os exilados a quem a ditadura negava passaportes, era adversário do regime e tinha atividade política no exterior.

Temer é um ex-presidente que deixou o palácio depois de entregar a faixa ao seu sucessor eleito democraticamente. Mesmo depois de banida pela República, a família imperial tinha documentos brasileiros e, em 1922, foi mimada com passaportes diplomáticos.

Já passaram pela tribuna da Oxford Union figuras como Winston Churchill, Elton John, Ronald Reagan, Madre Teresa de Calcutá, Albert Einstein e Marine Le Pen. Como toda sociedade de debates, ela estimula a controvérsia.

Negando a Temer o direito de viajar por poucos dias, o juiz Bretas arrisca entrar para a história da Oxford Union como um patrocinador de silêncio. Felizmente existe a possibilidade de um recurso.

O regime democrático brasileiro mostra seu vigor quando se vê que Lula, condenado em duas instâncias, cumpre sua pena em regime fechado, mas dá entrevistas periódicas a jornalistas.

Temer não foi condenado em qualquer instância. Bretas tornou-o réu em dois processos e chegou a prendê-lo numa decisão, revertida pelo Superior Tribunal de Justiça, que lhe delegou o controle do passaporte.

Durante os dias do espetáculo da prisão de Temer apareceram histórias segundo as quais poderia fugir do país. Ele nunca trocou de endereço.

No despacho em que negou o pedido, Bretas diz que “não fosse a decisão contrária de instância superior (...) o peticionante provavelmente ainda estaria preso preventivamente, pois os argumentos que aqui apresentou não foram capazes de alterar meu convencimento quanto à necessidade de sua custódia”.

Não fosse o segundo gol do Uruguai, o Brasil teria ganho a Copa de 1950. Ele prendeu Temer, e o STJ, instância superior, mandou soltá-lo, bola ao centro.

A vida da lei não está só na lógica, mas na experiência. A experiência mostra que negar passaportes (no caso, para uma palestra) faz mal à história de um país. Na direção contrária, faz bem àqueles que se afastam do absurdo disfarçado de lógica.

O chanceler Oswaldo Aranha mandou dar passaportes brasileiros aos comunistas que lutavam na guerra civil espanhola e refugiaram-se na França. O senador baiano Luís Viana ajudou a dobrar o SNI, que negava passaporte ao cineasta Glauber Rocha.

*Elio Gaspari, jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".


Vera Magalhães: Prisões coincidem com revés da Lava Jato e disputa intensa entre instituições

Juiz Marcelo Bretas testa os limites e a extensão de decisão do Supremo Tribunal Federal, de que crimes relacionados a outros eleitorais devem ser julgados pela Justiça Eleitoral

A prisão de Michel Temer, dois de seus ex-ministros e o amigo João Batista Lima Filho, o notório Coronel Lima, ocorre num dos momentos mais críticos para a Operação Lava Jato em seus cinco anos de existência. À parte a consistência ou não das revelações do dono da Engevix, José Antunes Sobrinho, o fato é que elas são conhecidas pelo menos desde outubro do ano passado, quando sua delação premiada foi homologada.

Já estava no horizonte da política e dos meios judiciais que Temer poderia ser preso. O próprio emedebista tinha essa preocupação no radar: despachava diariamente com assessores e advogados no escritório que mantém há muitos anos no Itaim, em São Paulo. Evitava entrevistas, dedicava horas a esmiuçar os vários inquéritos e a tentar rebatê-los juridicamente. Mas o caso Engevix não estava entre suas principais preocupações. Antes dele figuravam o chamado inquérito dos portos, a delação dos executivos da J&F – que ensejou a primeira denúncia contra ele, ainda em 2017 – e a acusação de recebimento de recursos da Odebrecht, negociados em jantar no Palácio do Jaburu em 2014.

A prisão preventiva coincide com um momento de intensa disputa de poder entre várias instituições e entre agentes públicos e políticos. Estão no tabuleiro as iniciativas do Supremo Tribunal Federal para ao mesmo tempo conter o “lavajatismo” e reagir a críticas, ataques e investigações contra a corte e seus integrantes; a necessidade de a própria Lava Jato reagir a sucessivos reveses que atingem a força-tarefa; as agruras do ex-juiz e ex-símbolo da Lava Jato Sérgio Moro se adaptar à sua nova condição de ministro e, portanto, ator da política; a dificuldade do governo de articular uma base de apoio no Congresso e votar a reforma da Previdência, e a maneira como o Congresso e, por conseguinte, a classe política tentam se recuperar do processo no qual foram dizimados pela Lava Jato e perderam força de negociação com o governo.

Todos esses episódios, de forma combinada ou específica, contribuem ou sofrem as consequências da escalada quase diária dessa disputa institucional por poder e prerrogativas, da qual a prisão do segundo ex-presidente em um ano é um dos capítulos mais dramáticos.

Ao ordenar as prisões, o juiz Marcelo Bretas, que tem sido muito vocal nas manifestações políticas nas redes sociais e se notabilizou graças à Lava Jato e na esteira da popularidade alcançada por Moro, testa a extensão de decisão do STF da semana passada, de que crimes relacionados a outros eleitorais devem ser julgados pela Justiça Eleitoral. Na delação, o dono da Engevix diz ter repassado R$ 1 milhão para a empresa do coronel Lima como fachada para esconder uma contribuição ao PMDB – que reverteria em benefícios em contratos já existentes para Angra 3 e concessões aeroportuárias.

Se fosse levada ao pé da letra, a ponto de representar o “fim da Lava Jato”, como preconizaram procuradores que atuam na operação, a delação e as investigações dela decorrentes poderiam ir para a Justiça Eleitoral. Bretas decidiu ignorando essa interpretação. A defesa dos presos já se movimenta para contestar as prisões tendo a decisão do STF como parâmetro. E caberá à corte, mais uma vez, dirimir a controvérsia.

Uma análise imediata das prisões de Temer permitiria tirar a conclusão de que elas são uma boa notícia para Bolsonaro, por atingirem um grupo político que foi apeado do poder com sua eleição e por vir num momento em que sua popularidade cai. Será? O tumulto político atingindo o sogro do presidente da Câmara – Moreira Franco, preso nesta quinta, é casado com a sogra de Rodrigo Maia – e um partido que detém 30 votos coloca em xeque a já conturbada negociação da reforma da Previdência. Mais: se já era latente o conflito entre os políticos e Moro antes dessa nova investida da Lava Jato, agora as condições para que o ministro da Justiça tenha êxito em sua negociação para a aprovação do pacote anticrime se deterioram ainda mais.

A prisão de Temer e dos demais aliados deve acentuar um movimento que já vinha ocorrendo: uma união tácita entre STF e Congresso para tentar conter o que ministros chamam de “perenização” da Lava Jato. É entendimento comum a políticos e ministros da corte que a Lava Jato deixou de ser uma operação – algo circunscrito a um objeto definido – e uma força-tarefa (por definição algo provisório) há muito tempo. Em cinco anos, a Lava Jato foi de uma ação contra doleiros de Brasília ao petrolão e, de lá, ao infinito e além. A ponto de hoje ter tentáculos em setores como elétrico e de transportes (em vários modais), atingir múltiplos partidos e se espraiar para governos dos Estados.

O discurso de que deve haver um fim da Lava Jato, cinco anos depois, já não é apenas entoado nos bastidores: ele começa a ser expressado publicamente. Resta saber nessa equação como vai se portar Bolsonaro, eleito em parte como consequência da “lavajatização” da política e tendo em seu ministério o símbolo máximo da operação, mas ao mesmo tempo premido pela necessidade de destravar a economia, tarefa para a qual precisa contar com o Congresso.