Brazil Conference
Fernando Luiz Abrucio: Para o País sair do pesadelo, é preciso oposição mais forte
É preciso ter mais debates públicos, não só pela internet, como o da Brazil Conference neste sábado, mas também pela imprensa escrita e televisiva
Quem assistiu ao debate organizado pela Brazil Conference com cinco potenciais candidatos à Presidência da República – Ciro Gomes, João Doria, Fernando Haddad, Luciano Huck e Eduardo Leite – teve contato com diagnósticos precisos e bem elaborados sobre a realidade brasileira. A despeito das diferenças políticas, e numa discussão que evitou a polarização tóxica, prioridades comuns foram destacadas: melhorar a educação, combater a desigualdade, criar um modelo de desenvolvimento sustentável, modernizar a gestão pública, fortalecer a saúde pública, em suma, sintonizar o País com os desafios do século 21.
O problema é que o Brasil está sendo governado por uma postura oposta. Vigora o negacionismo científico frente à pandemia, o descaso educacional, o desastre ambiental, a postura presidencial autoritária e a incompetência governamental. As luzes do debate de ontem se contrapõem ao pesadelo vivido pelo País hoje.
Mas 2022 pode repetir 2018, não se pode esquecer disso. Duas coisas podem evitar isso. Primeiro, todos devem estar contra Bolsonaro e aumentar sua pressão contra o presidente. O sofrimento diário dos brasileiros na pandemia precisa de uma oposição mais forte do que a atual. E a grande lição deste sábado: é preciso ter mais debates públicos, não só pela internet, mas também pela imprensa escrita e televisiva. Isso não pode ocorrer somente no período eleitoral de dois meses. Em boa medida, a falta de discussão política da última eleição favoreceu a escolha que gerou o pesadelo. Melhores ideias precisam vencer o populismo autoritário.
*Doutor em Ciência Política pela USP e professor de Gestão Pública da FGB-EAESP
Ricardo Noblat: Todos juntos contra Bolsonaro
O primeiro debate entre aspirantes a candidato a presidente
O painel de encerramento da sétima edição da Brazil Conference at Harvard & MIT, evento organizado pela comunidade de estudantes brasileiros de Boston (EUA), em parceria com o jornal O Estado de São Paulo, reuniu ontem, pela primeira vez, cinco aspirantes à candidato a presidente do Brasil na eleição de 2022.
O que mais uniu Ciro Gomes (PDT, os governadores João Doria (PSDB-SP) e Eduardo Leite (PSDB-RS), o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) e o apresentador de televisão Luciano Huck: duras críticas ao presidente Jair Bolsonaro e ao seu governo, embora todas elas feitas sem que perdessem o prumo.
Ninguém desafinou quanto a isso. O clima foi cordial entre eles, que defendem que é preciso “curar as feridas provocadas pela polarização política” e construir “um projeto de país” para barrar a eventual reeleição de Bolsonaro. As críticas mais ácidas ao presidente partiram de Doria, Ciro e Haddad.
Os três chegaram a taxar de “genocida” a atuação do governo no combate à pandemia do coronavírus. E apontaram como traços do comportamento antidemocrático do presidente sua revolta com decisões do poder Judiciário e as tentativas de interferir na Polícia Federal bem como nas polícias militares estaduais.
Doria: “Lembro que o Brasil responde por 12% dos óbitos (no mundo) e menos de 3% da população (mundial). Significa dizer que 270 mil brasileiros morreram não em função do vírus, mas em função da péssima gestão que se faz da pandemia. É preciso pressionar o governo para que acelere o ritmo da vacinação”.
Haddad: “Quando o presidente é acusado de genocídio, ele não está sendo ofendido, são dados objetivos que mostram que o governo brasileiro falhou na grave crise que estamos enfrentando”. E acrescentou “que a palavra genocida” não é modo de falar, mas “uma descrição” da conduta de Bolsonaro ao longo da pandemia.
Ciro não seria Ciro se não usasse palavras mais fortes para distinguir-se dos demais debatedores. Chamou o governo de “fascista”, e Bolsonaro de “genocida boçal”. E vaticinou que “o delírio do presidente é formar uma milícia para resistir de forma armada à derrota eleitoral que se aproxima”.
Leite e Huck preferiram se ater mais à questão ambiental. O governador do Rio Grande do Sul citou os sucessivos recordes nos índices de desmatamento na Amazônia em outras regiões, dados que a seu ver têm sido motivo de desprestígio para o Brasil aos olhos de outros países do mundo.
Houve um momento do debate em que Huck censurou os seus colegas. Foi quando disse: “Só estou enxergando narrativas pelo retrovisor, vendo dificuldade de olhar para frente. Temos que deixar de lado nossas vaidades e entender que, mesmo com o enorme potencial, o Brasil não deu certo”. Para quê falou isso…
Ouviu de Haddad em troca: “Olhar para trás é um aprendizado, não é de todo ruim”. Doria também afirmou que entender o passado pode ajudar a projetar adequadamente o que fazer no presente. Ciro declarou “que é preciso, sim, conhecer o passado para que os erros não sejam repetidos”.
Huck recuperou-se ao voltar ao tema do meio ambiente: “A Amazônia tem tudo para ser o vale do silício da biotecnologia global. Tem muito dinheiro na mesa. Estima-se que tem mais de 50 trilhões de dólares no mundo para serem investidos em energia limpa, investimentos que iam para petroquímica, óleo e gás”.
O debate terminou com um afago de Haddad em Doria e Leite: “Quero me solidarizar com os dois governadores que são do PSDB, mas que têm sofrido ataques indignos e intoleráveis. Queria manifestar o meu repúdio ao tratamento que os governadores em geral vêm recebendo. Todo mundo aqui merece ser respeitado”.