Brasília
Política Democrática || Reportagem Especial: Sincretismo religioso mostra força do poder espiritual de Brasília
Capital federal atrai famosos para rituais de consagração; misticismo se fortalece com várias opções na região
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
Elas caminham com vestidos longos coloridos, seguram lanças com pontas afiadas e enchem de bijuterias braços e cabelos. Aos poucos, lotam o Templo do Vale do Amanhecer, que há 50 anos reúne centenas de médiuns em Planaltina, a 50 quilômetros do Congresso Nacional, em Brasília. As ninfas, como as mulheres são chamadas pela doutrina, entram nos rituais de consagração e mediunidade acompanhadas de parceiros, sempre uniformizados com calça marrom e camisa preta.
O Vale do Amanhecer mostra a força do sincretismo religioso na região de Brasília, que também se mantém como capital mística do Brasil. Todo esse movimento em torno da capital federal, segundo sociólogos e antropólogos, tem relação com o aumento do número de pessoas sem religião no país, que, em 2010, era equivalente a 8% da população. O dado é do Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
No Brasil, de acordo com levantamento realizado por cientistas britânicos, pelo menos um quarto das pessoas sem religião acredita em reencarnação e quase um terço, na existência de vida após a morte. O estudo é do programa Understanding Unbelief, segundo o qual não seguir alguma religião não significa que a pessoa não acredita em um Deus ou mais.
No Vale do Amanhecer, os fiéis se reúnem em torno da mediunidade, e, segundo eles, trabalhos de cura espiritual são realizados com frequência. A simbologia presente é sincretista. Jesus de Nazaré divide orações com Mãe Iara, do Rio Amazonas, e Iemanjá, das águas salgadas. O enredo principal da consagração se desenvolve a partir do Pai Seta Branca, reencarnação de São Francisco de Assis como cacique tupinambá e espírito líder da religião.
“Aqui vem todo tipo de gente, cristão, espírita, católico, umbanda, ateu, agnóstico”, afirma o presidente do Vale do Amanhecer, Raul Zelaya (72 anos), caçula de quatro filhos da sergipana Neiva Chaves Zelaya, conhecida como Tia Neiva, autodenominada clarividente. Antes de fundar a doutrina, cuja bandeira leva as palavras “humildade, tolerância e amor”, a líder trabalhou como caminhoneira na construção de Brasília, em 1957. Ela morreu em 1985, aos 60 anos.
A doutrina surgiu em 1959, com uma comunidade de espiritualistas, no Núcleo Bandeirante, fundada por Tia Neiva. Construído 10 anos depois, sob o Morro da Capelinha, em Planaltina, o templo-mãe do Vale do Amanhecer, como chamam seus seguidores, logo atraiu milhares de fiéis e curiosos, transformando-se também em ponto turístico. Na época, Tia Neiva passou a designar seguidores para erguer outros locais de cura espiritual.
Saiba mais
Hoje, segundo os dirigentes, existem quase 1.000 templos do Vale do Amanhecer, a maioria deles espalhada pelos 26 estados brasileiros, além do Distrito Federal. Outros países, como Estados Unidos, Suíça e Portugal, também têm unidades da doutrina construídas por seus seguidores.
O presidente do Vale do Amanhecer conta que atores globais, cantores e políticos frequentam o templo de Planaltina, assim como muitos estrangeiros, principalmente japoneses. Paola Oliveira, Miguel Falabella e Elba Ramalho estão entre os famosos que já visitaram o espaço. A reportagem apurou que, no início dos anos 1980, o então presidente do Brasil, João Baptista Figueiredo, também compareceu ao local, que, segundo os dirigentes, se mantém com a ajuda voluntária dos frequentadores e venda de uniformes da doutrina. Não há cobrança de dízimo.
Apesar de receber políticos, a direção do templo diz proibir qualquer tipo de campanha ou apoio declarado a um candidato ou partido. “Nosso templo é para o vencido e para o vencedor. Não existe comício aqui, nem defender candidato, nem pedir voto”, explica Raul.
Além disso, segundo o mestre João Nunes, a doutrina condena a prática do aborto. Em relação a casamento entre pessoas do mesmo sexo, ainda não tem uma posição claramente definida, apesar de nunca ter realizado uma cerimônia como essa. “Sabemos que, no nosso meio, tem vários homossexuais, assim como muitos heterossexuais, mas não estamos aqui para julgar”, afirma Nunes.
Além de reunir adultos e idosos em sua maioria, o Vale do Amanhecer também desenvolve ações de caridade em grupos de crianças, adolescentes e jovens. Por outro lado, de acordo com seus dirigentes, o Estado ainda não reconhece o local, oficialmente, como templo religioso e, por isso, deve pagar impostos.
Da busca por novas experiências a aumento de evangélicos
No Brasil, O aumento do número de pessoas sem religião é reflexo da busca por novas formas religiosas ou sincréticas, de acordo com o sociólogo e professor da Universidade de Brasília (UnB) Eurico Antônio Gonzalez Cursino dos Santos. “Elas não são arrebanhadas por alguma forma religiosa tradicional, como catolicismo ou cristianismo evangélico, e, por isso, são muito levadas à experimentação religiosa”, explica o pesquisador.
Santos observa que Brasília sempre foi palco do que ele chama de “manifestação religiosa não regulada ou espontânea”. “Caracteriza-se por pouca doutrina e pouca regulagem institucional na vida das pessoas” afirma. Ele reforça que, na medida em que aumenta seu número, as pessoas sem religião não necessariamente adotam o ateísmo, mas buscam novas formas de experimentar a espiritualidade.
Não é só o número de pessoas sem religião que tem aumentado no país. Em 2022, se mantida a tendência atual de crescimento da quantidade de evangélicos, os católicos devem representar menos de metade da população brasileira. Desde os anos 1990, o catolicismo registra queda significativa no número de fiéis: em 2010, 64% dos brasileiros professavam a religião, contra os 91% registrados em 1970.
No ano 2000, 26,2 milhões de pessoas se declaravam evangélicas, o que representava 15,4% da população. Dez anos depois, esse número saltou para 42,3 milhões de pessoas, o equivalente a 22,2% dos brasileiros. Em 1991, os evangélicos somavam 9% e, em 1980, 6,6% da população brasileira. Todo esse movimento tem reflexo na política. A bancada evangélica hoje tem 91 parlamentares no Congresso Nacional.
VOCÊ SABIA?
As urnas reforçaram a bancada evangélica no Congresso Nacional. Para a Câmara dos Deputados foram eleitos 84 candidatos identificados com a crença evangélica – nove a mais do que na última legislatura. No Senado, os evangélicos eram três e, em 2019, serão sete parlamentares. No total, o grupo que tinha 78 integrantes ficará com 91 congressistas.
O levantamento é do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), com base nos dados disponíveis no portal do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em 2014, o Diap identificou 75 deputados seguidores da doutrina evangélica. Em 2010, a bancada tinha 73 representantes na Câmara.
Na avaliação do professor da UnB, o catolicismo lida bem com a secularização, conceito que descreve a perda da importância da religião nas posições de poder e socialização no mundo. “O protestantismo evangélico se incomoda muito com isso, já que está tomando espaço na política e quer governar o país em nome de Cristo”, afirma. “O processo de secularização, antes de tudo, se manifesta pelas leis, que tiram da religião o poder e vão colocando-o em instâncias, pessoas, instituições e crenças laicas. Hoje, a ciência que é a base”.
A análise sobre a expansão evangélica envolve comparações com o funcionamento da igreja católica, cujas relações com o que hoje é denominado Estado remontam à chegada dos portugueses em 1500, acompanhados de integrantes do clero, de acordo com a antropóloga Paula Montero, da Universidade de São Paulo (USP). Desde 2015, ela coordena projeto de pesquisa sobre o secularismo brasileiro.
Até o final do Império, eram os religiosos católicos os responsáveis por atividades de registro civil (nascimentos, casamentos e mortes) e pelo gerenciamento de boa parte das escolas, hospitais e cemitérios. Com o processo de secularização – separação oficial entre Igreja e Estado, a partir da Proclamação da República em 1889 e, mais especialmente, com a Constituição de 1891 –, escolas e cemitérios passaram a ser administrados por organizações públicas.
Nova mudança viria com a promulgação da Constituição Federal, em 1988. “Na ocasião, houve uma ruptura no entendimento da nação brasileira como sincrética e católica”, afirma Paula. Essa ruptura, explica ela, desencadeou um processo de valorização do pluralismo religioso, motivando diferentes doutrinas, entre elas a evangélica, a buscar formas de ampliar sua visibilidade na sociedade.
Objetos voadores fortalecem misticismo em Alto Paraíso
Diversas teorias tentam sustentar o suposto caráter místico de Brasília e região. "Sabemos de histórias de que a cidade foi construída na mesma disposição de pirâmides do Egito. A própria construção do local é muito mística, com alguns relatos de que Juscelino Kubitschek era maçom", diz o ufólogo João Silveira (55 anos), da Associação Brasileira de Ufologia.
De autoria da egiptóloga Iara Kern e do pesquisador Ernani Pimentel, o livro Brasília Secreta: Enigma do Antigo Egito, publicado pela Editora Pórtico, no ano 2000, mostra relatos curiosos sobre a construção da capital federal. O desenho e a disposição dos edifícios se assemelham a uma cidade egípcia erguida pelo faraó Akhenaton, casado com Nefertiti, rainha da 17ª Dinastia do Egito Antigo, em homenagem ao deus Aton.
Místicos transitam entre Brasília e Alto Paraíso, distantes a 240 quilômetros, devido ao interesse em ufologia, que se debruça no estudo de objetos voadores não identificados, os chamados óvnis. “Aqui, já vi objetos voadores descerem e pararem distante. Depois de um tempo, sumiram, de repente, para cima. Quem nunca viu não acredita, mas muitas pessoas que vivem aqui sabem disso”, afirma Silveira.
Pesquisador de óvnis, o morador de Brasília Augusto Rodrigues (57) afirma que a humanidade é dominada por uma elite alienígena metamórfica. De acordo com ele, o planeta Terra está sendo teleguiado por elites reptilianas: "É muita ingenuidade humana acreditar que estamos sozinhos no mundo. Existem forças maiores e vivas no universo, que dominam as elites política e econômica, para impor o que nós, pesquisadores, chamamos de Nova Ordem Mundial", acentua ele.
Moradora de Alto Paraíso, Antônia Augusta dos Anjos (37) diz que a cidade é marcada pela força do misticismo. Ela lembra que, em 2012, o município atraiu 15 mil pessoas, mais que o dobro da população local, para se prepararem para o fim do mundo. De acordo com o calendário maia, o dia 21 de dezembro daquele ano encerraria um ciclo de 5.125 anos e marcaria o fim do mundo, mas, para os místicos, a força dos cristais protegeria a cidade de qualquer profecia apocalíptica.
Em 1996, testemunhas disseram ter visto objeto estranho sobre a barragem do Lago Paranoá e tiraram fotos do fenômeno. A Entidade Brasileira de Estudos Extraterrestres (EBE-ET), localizada em Brasília, tem uma interpretação mais ampla da ufologia, já que, conforme explica, conjuga a ideia do desconhecido com estudo multidisciplinar, integrando física, astronomia, biologia, por exemplo.
Política Democrática: Em 2018, GDF tem segundo pior investimento aplicado na assistência social em 10 anos
Dados revelam desmonte das ações de atendimento à população em situação de rua e são detalhados em reportagem da revista Política Democrática de novembro
Por Cleomar Almeida
Histórias de pessoas em situação de rua, a forma como elas movimentam a economia marginalizada e o desmonte de políticas públicas voltadas a esse segmento da população, com redução de investimentos do Governo do Distrito Federal (GDF) na área de assistência social, são abordados em reportagem especial da edição de novembro da revista Política Democrática online. Dados obtidos pela publicação por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) mostram que o GDF voltou a diminuir as verbas efetivamente aplicadas no setor, chegando ao segundo pior índice em dez anos, atrás apenas do total aplicado em 2016.
Em formato multimídia, a reportagem relata o drama em vídeo, fotos e textos e apresenta uma arte detalhada sobre a diminuição dos investimentos e aponta que o governo não divulga dados detalhados sobre verbas aplicadas especificamente no atendimento à população em situação de rua. Histórias de vida, como as de Márcio Vinícius Peixoto (37 anos) e de Paulo Henrique dos Santos (25), que foram morar na rua depois de perderem o emprego, também levam ao internauta detalhes do drama de quem tem de se virar nas ruas na luta pela sobrevivência.
» Acesse aqui a edição de novembro da revista Política Democrática online
A reportagem lembra que a crise na área de assistência social levou os profissionais do setor deflagrarem greve de 83 dias. Eles reivindicam o pagamento do retroativo do aumento salarial previsto em lei desde 2015 e a realização de concurso público para suprir o desfalque de trabalhadores, que, segundo o Sindicato dos Servidores de Assistência Social e Cultural (Sindsasc), chega a 2.600 pessoas. O governo só prometeu lançar o edital do certame. O pessoal voltou ao trabalho por decisão judicial contrária ao movimento.
Com o título “População em Situação de Rua na Economia Marginal”, a reportagem mostra, ainda, que é crescente o número desse segmento da população no Distrito Federal. O governo informa que, no final de ano, chega a 3.500 o número de pessoas nesse quadro. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) estima que, em 2015, em todo o país, havia 101.854 indivíduos nessa condição de desamparo e invisibilidade social, além de sugerir que esse tipo de levantamento seja incluído no Censo População de 2020.
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FAP lança revista Política Democrática digital
Totalmente on-line e com design responsivo, publicação tem acesso gratuito e traz análises, entrevista e reportagens especiais
Em celebração aos 30 anos da democracia e a quatro dias do segundo turno das eleições no Brasil, a Fundação Astrojildo Pereira (FAP) lança, nesta quarta-feira (24), a revista Política Democrática em formato totalmente on-line e com design responsivo. A publicação contempla análises de renomados articulistas, entrevista exclusiva e reportagens especiais, as quais poderão ser acessadas, de graça, pelos internautas.
Nesta edição de lançamento do formato digital, Política Democrática destaca o drama de imigrantes oriundos da Venezuela que peregrinam no maior êxodo da história da América Latina e conta, em vídeos, fotografias e textos, histórias de quem atravessou a fronteira com o Brasil, em busca de sobrevivência. Repórteres da FAP viajaram a Caracas para mostrar, ainda, os reflexos do colapso político e socioeconômico que assola o país presidido por Nicolás Maduro.
Além disso, a revista também reservou, assim como para outras análises, um espaço para entrevista com a economista Monica de Bolle, única mulher latino-americana a integrar a equipe do Peterson Institute for International Economics, nos Estados Unidos e diretora do Programa de Estudos Latino Americanos da Johns Hopkins University, em Washington, D.C. Na avaliação dela, a agenda fiscal deverá ser prioridade do novo presidente.
Objetividade
Com o propósito de entregar conteúdo de altíssima qualidade para o público em seu novo formato, a revista reuniu um time de profissionais capazes de fazer análises do contexto brasileiro, de forma mais objetiva possível, especialmente das eleições de 2018. “O critério de seleção foi a alta capacidade profissional e interpretativa dos jornalistas e acadêmicos que assinaram as matérias, convicção que, estamos certos, justificará plenamente o título de Política Democrática”, diz o diretor da revista, André Amado.
Em relação às análises, André avalia que a publicação mostra opiniões baseadas em reflexões acadêmicas ou em experiências pessoais, que, por isso, segundo ele, “ganham legitimidade além do marco habitual e distorcido dos maniqueísmos ideológicos”. “Seu lançamento, entre os dois turnos das eleições, incorpora apreciação dos resultados da primeira volta e afina as perspectivas para a reta de chegada das candidaturas, apesar do clima visceral com que se vêm desenrolando as campanhas de um e de outro”, afirma o diretor, referindo-se aos candidatos do PT, Fernando Haddad, e do PSL, Jair Bolsonaro, à Presidência da República.
» Para acessar a revista, clique na imagem acima ou no link abaixo:
http://www.fundacaoastrojildo.com.br/2015/2018/10/24/revista-politica-democratica-online/
Relevância e agilidade
O período eleitoral, de acordo com o editor da revista, Paulo Jacinto Almeida, faz com que a revista sirva como palco de debates sobre os projetos propostos para o país. “É de extrema relevância neste momento em que estamos escolhendo o próximo presidente da República”, destaca ele. “É a continuidade de um projeto existente desde o início do século, que vem debatendo política, democracia, esquerda e cultura na conjuntura brasileira e se torna fundamental ao auxiliar o internauta com informações e análises sobre este momento decisivo em nossa história”, acrescenta.
O editor ressalta que a publicação digital poderá ser acessada em qualquer plataforma, como celular, tablet ou desktop, e a qualquer momento. Segundo ele, a nova revista poderá otimizar um fator cada vez mais importante na sociedade do conhecimento: o tempo. “Ele (internauta) ganha agilidade e praticidade para se manter informado e acessar análises de temas cruciais para o nosso país”, diz Paulo.
A seguir, confira a relação de conteúdos da revista e seus respectivos autores:
*Lições do primeiro turno (Caetano Araújo)
*O que esperar de Jair Bolsonaro (Creomar Lima Carvalho de Souza)
*O que esperar de Fernando Haddad (Creomar Lima Carvalho de Souza)
*A verdade do oráculo digital (Sergio Denicoli)
*Quadrinhos (JCaesar)
*Reportagem de capa: Um país à beira do abismo (Cleomar Almeida e Germano Martiniano)
*Um olhar crítico sobre a democracia (João Batista de Andrade)
*Por quem os sinos dobram (Alberto Aggio)
*Ameaças à democracia (Elimar Pinheiro do Nascimento)
*Entrevista com Monica de Bolle: Agenda fiscal terá de ser prioridade do próximo presidente (André Amado, Caetano Araújo, Creomar de Souza e Priscila Mendes)
*Fernando Gasparian e a morte do nacional-desenvolvimentismo (Jorge Caldeira)
*Yuval Noah Harari investiga as inquietações do presente em “21 lições para o século 21” (Dara Kaufman)
*Atropelado pelas Emergências (Sérgio C. Buarque)
José Antonio Severo: Bolsonaro e Prestes, os dois capitães que chegaram ao topo na política
Há um ditado dos Exércitos: ”como a Cavalaria, rápido e malfeito”. Arma de ruptura, a Cavalaria, nas batalhas antigas, ia na frente, abrindo as linhas inimigas, mas deixava o serviço completo para a Infantaria, que vinha atrás, consolidando a vitória e ocupando o território. Esse chiste é sempre lembrado quando o general Mourão faz das suas, como candidato a vice-presidente na chapa do capitão Bolsonaro.
A pior comparação do irrequieto general veio do candidato do PDT, Ciro Gomes, que o cognominou de “jumento de carga”, metáfora do animalzinho usado nos campos de batalha para levar alimentos e munições para os combatentes na linha de frente. Indiferentes às balas e estrondos de bombas e canhões, os asininos chegam onde outros carregadores não vão. Entretanto, um chiste que poderia ser um elogio no interior de uma caserna, soou como uma ofensa aos ouvidos leigos do eleitorado, dando a entender que Mourão carregaria humildemente seu capitão Jair às costas.
Entretanto, para um político, pior que uma carga de cavalaria é uma ex-mulher na rua. Mesmo mudando de lado deixam tantas arestas que ficam impossíveis de aplainar. Como neste caso da ex de Bolsonaro, Ana Cristina: ela mudou de lado outra vez, recuperou o nome dele, mas deixou para trás um processo escabroso com todas as baixarias inconvenientes neste momento. Pior que a diabruras do general Mourão.
Luiz Carlos Prestes
Bolsonaro é o segundo capitão a pontificar na política brasileira. O primeiro foi o gaúcho Luiz Carlos Prestes, da arma de Engenharia. Bolsonaro, sessentão, parece confirmar o estigma e a imagem histórica dos capitães, pois era firme e desassombrado, tal como o candidato do PSL de nossos dias. O legendário “Cavaleiro da Esperança” (epíteto que lhe foi atribuído pelo escritor Jorge Amado) faleceu nonagenário, irrequieto, como um autêntico capitão, intransigente e audaz como se estivesse comandando uma carga de seus guerreiros na legendária Coluna Prestes.
Prestes deixou um legado: ele foi o personagem seminal da esquerda brasileira. Por mais que os partidos e facções divirjam ideologicamente, todos mantêm uma postura inspirada no Castilhismo do capitão, que constitui o etos dessas correntes. Sua postura é atribuída erroneamente, por algumas semelhanças, ao stalinismo do comunismo dos anos 40/50. Prestes já era assim como sempre foi muito antes de se converter ao comunismo. Deixou para seus pósteros uma esquerda castilhista.
Floriano Peixoto
Essa doutrina do caudilho gaúcho é uma visão própria do positivismo (assim como Lênin fez sua interpretação do marxismo), a mesma de Bolsonaro, oficial de artilharia como Floriano Peixoto , Hermes da Fonseca e Ernesto Geisel.
O “Marechal de Ferro” foi parceiro de Júlio de Castilhos na paz e na guerra. O governador gaúcho, com sua Brigada Militar (que em 1893 era uma milícia do Partido Republicano), foi o sustentáculo da repressão aos levantes dos maragatos, no Rio Grande, e da Armada, na baia da Guanabara. Floriano, por seu turno, assegurou a Castilhos a continuidade da vigência de sua constituição singular, diferente daquela da nascente Estados Unidos do Brasil. A constituição de 14 de Julho, do Rio Grande do Sul, não tinha três poderes (o executivo mandava em tudo) e permitiu cinco reeleições (quatro sucessivas) do seu sucessor Borges de Medeiros. Bolsonaro é o herdeiro desse positivismo adulterado.
Entre ditadores e presidente, a Infantaria deu três (Dutra, Castello e Costa e Silva), a Cavalaria de dois (Médici e Figueiredo). Com Bolsonaro podem ser quatro da Artilharia.
Outra comparação que se faz de Bolsonaro é com seu colega paraquedista Hugo Chávez, da Venezuela. Os dois vêm dessa nova especialidade dos soldados alados, tipos de índole arrojada, impetuosos, temerários, preparados para lutar atrás das linhas inimigas. Com isto, diz-se que Bolsonaro vai tirar a pele de cordeiro e se projetar como um nacionalista ferrenho, tal qual Chávez, que assumiu se lançou na política com imagem de golpista de direita, foi eleito presidente pelos liberais e conservadores e depois deu meia-volta à esquerda. Também pode haver uma certa analogia, pois assim como Bolsonaro, o ditador venezuelano não era general, mas um simples tenente-coronel. Não foi por isto que os generais de seu país lhe negaram continência.
A grande diferença entre os dois seria o legado histórico que cada qual teria no campo da política externa. O Brasil é um País de índole pacifica, mas que nunca deixou barato aos que lhe profanaram o território. Solano Lopez e Adolf Hitler que o digam.
Já Chávez julgava-se herdeiro do fundador do pan-americanismo, com deveres e obrigações com os demais povos de nosso subcontinente latino-americano. Como Simon Bolívar, o libertador da metade norte da América do Sul, ele arvorou-se a cumprir o legado de seu antecessor, criando o bolivarianismo. Naquela época da conferência do Panamá, o Brasil não aderiu ao Libertador. Pelo contrário, o patriarca venezuelano considerava o Brasil um corpo estranho na América Espanhola. Chávez perdoou os falantes lusitanos, deixando de fora apenas os anglo saxões. Menos mal.
Por fim a questão da hierarquia militar. Não obstante nada impeça um capitão de ser comandante em chefe das Forças Armadas, se a Lei lhe conferir esse poder, soa estranho para o público leigo um general fazer continência para baixo, como se diz. Seria humilhante. Isto não é verdade em quaisquer sentidos, pois nas Forças Armadas o que há de mais importante é a antiguidade. Nesse quesito, Jair Bolsonaro é da mesma turma dos generais do alto comando presente. Se tivesse continuado no Exército, feito tudo direitinho, estudado e se comportado de acordo com os regulamentos, poderia hoje ser um quatro estrelas. Então também não há continência para baixo. Bolsonaro trata seus generais por “você”, como a qualquer colega de turma na Academia e nos primeiros passos da vida profissional.
*José Antônio Severo é jornalista
Correio Braziliense: Brasília Patrimônio Vivo - Cinema
Brasília, para sempre, um eterno cineclube
Como sempre, houve o dedo dos criadores, que trouxeram a nata da intelectualidade brasileira para fazer da capital um projeto inovador. Com o cinema, não foi diferente. Graças a pioneiros, como Paulo Emílio Sales Gomes e Nelson Pereira dos Santos, tivemos o primeiro curso superior de cinema no país e temos um dos mais prestigiados festivais. A 13ª edição do Brasília, patrimônio vivo: os protagonistas da história da capital mostra talentos da produção audiovisual.
Sem fronteiras nem limites, um fluxo constante de sonhos
Estamos falando de cinema, e quem o descreveu assim, como uma caminho ilimitado, para a imaginação, foi Orson Welles. Brasília permanece firme nessa trajetória
"Sem fronteiras nem limites, um fluxo constante de sonhos". Este texto poderia ser composto só de nomes, além da frase do ator, produtor e cineasta norte-americano Orson Welles: “O cinema não tem fronteiras nem limites. É um fluxo constante de sonho”. Em Brasília, não faltou nem falta a ousadia para sonhar e transformar roteiros em arte nas telas.Foram tantos os que contribuíram para tornar Brasília um importante polo do cinema nacional, que fica difícil resumir, numerar, escalar, elencar ou reduzir a páginas. Atores, produtores, diretores, professores, há um sem número de pessoas que transformaram Brasília em referência na produção e na disseminação da produção audiovisual brasileira.
Referência porque aqui foi concebido o primeiro curso superior de cinema no Brasil. Porque para cá vieram, por força da Universidade de Brasília, as grandes cabeças do cinema nacional. Porque a capital é sede ainda hoje de um dos mais prestigiados e queridos festivais, que premia e evidencia os talentos da produção brasileira.
O 13° suplemento da série Brasília, patrimônio vivo: a história dos protagonistas da capital, parceria entre o Correio Braziliense e o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), é sobre cinema. Resgatamos a história de alguns pioneiros, mas também mostramos quem são os novos talentos que estão movimentando a arena cinematográfica da capital.
Recordar é viver; lembrar é homenagear
Afonso Brazza
O que dizer do ator e cineasta Afonso Brazza, o Rambo do Cerrado, nosso bombeiro-cineasta? Ele começou cedo e, infelizmente, morreu cedo, aos 48 anos, em 2003, por complicações decorrentes de um câncer no esôfago. Nasceu José Afonso dos Santos Filho, em São João do Piauí. Foi criado no Gama, para onde os pais migraram, e teve uma infância difícil.
Legítimo representante do cinema trash, Brazza deixou um filme inacabado, Fuga sem destino. Coube ao amigo e também cineasta Pedro Lacerda, diretor de Vidas vazias e as horas mortas, finalizar a produção, apresentar a Brasília e lutar pela preservação do acervo e da memória do nosso Rambo.
Paulo Emílio Sales Gomes
Historiador, crítico de cinema, ensaísta, professor e militante político, o paulista Paulo Emílio tem enorme importância para o cinema brasileiro e, especialmente, para Brasília se firmar como polo de produção audiovisual. Criador da Cinemateca Brasileira, do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, ele chegou a Brasília logo após a inauguração.
Em 1964, a convite de Pompeu de Souza, criou, com Nelson Pereira dos Santos e outros, o curso de Audiovisual da Universidade de Brasília, o primeiro do tipo no Brasil. No ano seguinte, o curso seria dissolvido após o governo militar cassar 15 professores da universidade – em solidariedade, os outros professores demitiram-se.
Em 1965, Paulo Emílio integrou uma comissão de intelectuais, escolhidos pela Fundação Cultural do Distrito Federal, para fundar a 1ª Semana do Cinema Brasileiro, que, dois anos depois, seria renomeada como Festival de Brasília, o mais antigo do país.
Em homenagem ao professor, em 2016, ano do centenário de nascimento de Paulo, o Festival criou, como homenagem a figuras da área, a medalha “Paulo Emílio Sales Gomes”, que foi dada a Jean-Claude Bernardet, outro criador do curso da UnB, e Nelson Pereira dos Santos. Foi um ferrenho defensor e militante do cinema nacional. Morreu em 1977, aos 60 anos.
Aos 12 anos, foi morar em São Paulo. Lá, conheceu José Mojica, o Zé do Caixão. Trabalhava numa pastelaria de manhã e, à noite, frequentava a Boca do Lixo, participando da equipe técnica e elenco de diversas produções.
Voltou a Brasília, já casado com a atriz Claudete Joubert, tornou-se bombeiro, mas nunca deixou de ser cineasta. Sem recursos, filmava do jeito que dava e ganhou um público especial. O autor de Inferno no Gama e Gringo não perdoa, mata chegou a conseguir público recorde com Tortura selvagem, mantendo-se no cinema por quatro semanas.
Geraldo Moraes
Ele foi um dos grandes responsáveis pelo crescimento e reconhecimento da produção audiovisual brasileira. O cineasta Geraldo Moraes, que morreu no ano passado, aos 78 anos, foi presidente do Congresso Brasileiro de Cinema e secretário de Audiovisual e Planejamento do Ministério da Cultura. Coordenou a regulamentação da lei do audiovisual, além de outras atuações políticas importantes para o cinema nacional.
Radicou-se em Brasília em 1967, depois de ampla vivência com o cinema em Porto Alegre, onde viveu a infância e a adolescência, e em Goiânia, para onde seguiu depois do golpe de 64, ajudando a montar o Departamento de Cinema do estado de Goiás.
Na capital federal, foi professor da UnB, onde criou o CPCE — Centro de Produção Cultural e Educativa, a partir de um convênio com o BID, onde produziu ampla documentação audiovisual da Região Centro-Oeste.
Nos anos 1970, realizou dois curtas-metragens, escreveu e dirigiu peças teatrais e começou a preparar seu primeiro longa, A difícil viagem (1981). Dirigiu também os longas Círculos de fogo (1990), No coração dos deuses (1997) e O homem mau dorme bem (2009).
O cineasta tinha também vários livros publicados. Seus seis filhos seguiram no ramo de comunicação: Márcio (diretor de animação), Marta (jornalista), Denise (cineasta e professora de cinema), Paulo (produtor de televisão), André (músico e diretor de cinema e televisão) e Bruno (ator e cineasta).
Nelson Pereira dos Santos
Ele levou para as telas clássicos da literatura, como Vidas secas e Memórias do cárcere. Montou o primeiro longa-metragem de Glauber Rocha, Barravento. Foi precursor do Cinema Novo e o primeiro cineasta a ocupar cadeira na Academia Brasileira de Letras. Foi vencedor do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, com Tenda dos Milagres, em 1977. Premiado também em Cannes, Gramado e Havana. Também foi homenageado no festival e com a medalha Paulo Emílio Salles Gomes.
O genial mestre de clássicos, como Rio, 40 graus, foi um dos grandes mentores do cinema brasileiro. Também tem um vínculo estreito com Brasília. Jornalista, documentarista da realidade nacional, tornou-se um dos pioneiros fundadores do curso de cinema da UnB, de onde foi professor. Também fundou o Polo de Cinema e Vídeo do Distrito Federal. Tinha grande ligação com a capital, que ambientou parte de suas produções, como Brasília 18 graus. Nelson era paulista e morreu no Rio de Janeiro, aos 89 anos, em abril deste ano.
Brasília por quem é daqui
Nascido em Brasília, o diretor, roteirista e editor Santiago Dellape, 35, busca retratar a cidade fora dos lugares-comuns de quem conhece a capital por cartões-postais. Funcionário público há oito anos, ele sabe bem como é a rotina burocrática da cidade e transporta para as telas particularidades da vida brasiliense. Com um longa, seis curtas e um telefilme no currículo, Santiago encara o cinema como uma segunda profissão e acumula projetos e planos para novas produções.
O gosto pelo cinema cresceu na época da faculdade. Filho de jornalistas, ele seguiu o caminho dos pais, mas, ainda na UnB, se envolveu com audiovisual e fez seus primeiros filmes. “Peguei dupla habilitação. Eu me formei em jornalismo e em audiovisual ao mesmo tempo. Uma banca foi às 8h e outra, às 10h”, conta.
Nada consta, um dos curtas apresentados como projeto de conclusão de curso, recebeu o prêmio de melhor roteiro no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro de 2007. “Foi o primeiro reconhecimento relevante da minha carreira”, diz ele.
Desde então, foram várias premiações. Entre as mais importantes, uma menção especial do júri do Fantasporto, maior festival de cinema de Portugal e um dos maiores festivais de gênero do mundo, em 2017, pelo longa A repartição do tempo. E o prêmio de melhor curta pelo júri popular de Gramado para Ratão, em 2010. “A gente acertou a mão bonito no Ratão, deu muito certo e virou meu melhor portfólio”, admite.
Fã de filmes da sessão da tarde e de diretores como John Hughes, Robert Zemeckis e Richard Donner, responsáveis por clássicos dos anos 1980 e 1990, ele tem clara referência estética nas produções a que assistia na infância e adolescência. “Esses filmes despertaram em mim a paixão pelo cinema. Gosto dessa coisa meio despretensiosa e de gêneros pouco explorados pela produção nacional, como terror, ficção científica e ação”, explica. Entre outras inspirações, estão os irmãos Coen — diretores de O Grande Lebowski, seu filme favorito —, Quentin Tarantino, e os brasileiros Fernando Meirelles, José Padilha e Beto Brant.
Longa
Dividido entre vários projetos, Santiago concluiu em 2016 seu primeiro longa, A repartição do tempo. Da concepção à chegada às telas, no início deste ano, foram mais de seis anos. Ele trabalha, agora, para levar o filme aos Estados Unidos. “As exigências para entrar no mercado do país são inacreditáveis e, ironicamente, o filme fala exatamente sobre burocracia”, diz Santiago, que investiu dinheiro do próprio bolso para finalizar a obra.
O longa inspirou o telefilme Meio expediente, produzido para a Rede Globo, no fim de 2017, na qual foram mantidas “as cores de Brasília”, como o elenco, a equipe e a trilha sonora da cidade. O filme foi exibido em rede nacional e em 77 países.
“Era para ter sido exibido só no DF, mas acho que o resultado ficou tão legal que eles passaram em todo o Brasil, no dia 26 de dezembro”, comemora. “Marcamos 14 pontos, o que significa que cerca de 14 milhões de pessoas assistiram à transmissão. Foi indescritível, acompanhei a resposta nas redes sociais e foi muito bem avaliado.”
Sócio da produtora Gancho de Nuvem desde 2016, ele se juntou ao antigo sócio, o diretor Gui Campos, para o próximo especial de Natal da emissora, que vai se chamar Fuga de Natal. “Estamos procurando locação e fazendo ensaio com os atores”, revela. Baseado no curta Rosinha, de Campos, o filme começa a ser rodado nesta semana e conta a história de três idosos que decidem fugir do asilo na véspera do feriado, para reviver memórias da cidade. “A direção é de Gui Campos, eu faço produção e edição, e estou feliz porque não tenho muitas oportunidades de trabalhar com montagem.”
Outros dois longas estão em fase de desenvolvimento. O verão da lata vai lembrar a história real da tripulação de um navio, proveniente da Austrália, que lançou na costa brasileira cerca de 22 toneladas de maconha enlatada, em setembro 1987, temendo problemas com a polícia local. O outro, Saçurá, é um terror de época, uma adaptação da lenda de Saci-Pererê. “Juntar Saci e o terror me parece óbvio, todos os detalhes são sombrios. Não sei quando pensei nessas ideias, mas são antigas, da época da faculdade”, conta.
Com especializações em roteiro, Santiago se organiza para participar de cursos de verão na mesma área, na Universidade da Califórnia (UCLA). “Consigo uma licença capacitação e não preciso parar minha produção de cinema”, diz, explicando a opção por um curso rápido.
“Gosto dessa coisa meio despretensiosa e de gêneros pouco explorados pela produção nacional, como terror, ficção científica e ação”
Santiago Dellape
Escultor de memórias
Um dos principais cineastas brasileiros, o paraibano de Itabaiana Vladimir Carvalho foi um dos primeiros a apontar a câmera para um Brasil pouco visto nas telas de cinema. Com um olhar crítico e, ao mesmo tempo, poético e sensível, ele mostra personagens reais, recupera memórias da história do país e perpetua em imagem e som a complexidade e a contradição da realidade nacional.
Vladimir, que neste ano completou 83, está intimamente ligado à história da capital. Em Brasília desde 1970, ele realizou, no Centro-Oeste, algumas de suas obras mais icônicas, mas sua contribuição para o cinema começou anos antes, depois que uma projeção de O homem de Aran, de Robert Flaherty, mudou sua perspectiva sobre o cinema documental.
O pontapé para a carreira foi uma parceria com Linduarte Noronha, seu antigo professor de geografia, e João Ramiro Mello, amigo de toda a vida, com quem coescreveu o roteiro de Aruanda (1959). O curta-metragem foi considerado um manifesto da geração de cineastas que viveu a agitação política e social dos anos que antecederam o golpe militar. Apontado como precursor do Cinema Novo, Aruanda estampou a aridez da Serra do Talhado e as precárias condições de subsistência no Nordeste canavieiro, influenciando uma série de trabalhos que o sucederam.
Em 1962, realizou com João Ramiro o documentário Romeiros da guia, que acompanha uma romaria anual de pescadores rumo às ruínas da Igreja de Nossa Senhora da Guia. Em seguida, partiu para Salvador, onde terminou o curso de filosofia e fez amigos que também se destacariam na cena cultural e política brasileira. Na capital baiana, viveu um período de efervescência artística dividido com Glauber Rocha, Caetano Veloso, Carlos Nelson Coutinho, Torquato Neto e outros jovens que fomentaram a produção nacional.
Foi na Bahia que recebeu o convite de Eduardo Coutinho para assumir a assistência de direção de Cabra marcado para morrer, filme que mistura ficção e documentário para contar a história de João Pedro Teixeira, líder camponês de quem Vladimir se tornara amigo antes de seu assassinato. Com o golpe de 1964, as gravações foram interrompidas e, perseguido por militares, Vladimir entrou para a clandestinidade, protegendo a viúva de João Pedro, Elizabeth Teixeira.
Antes de se mudar para Brasília, passou uma temporada no Rio de Janeiro. Trabalhou como repórter e como assistente de direção de dois filmes de Arnaldo Jabor.
À época, começou a elaborar o clássico País de São Saruê, finalizado em 1979. Agraciado com o Prêmio Especial do Júri do Festival de Brasília, a produção dividiu opiniões, mas foi classificada pelo crítico José Carlos Monteiro como “uma obra tão perturbadora que resistirá aos modismos e tropismos do real”.
Mudança
Em 1969, Vladimir veio a Brasília para participar do festival de cinema com o curta A bandoleira. Ele se lembra da primeira impressão que teve da cidade quando saiu do Hotel Nacional para conhecer a capital. “Vi a rodoviária e o Congresso ao fundo. Era um domingo, não tinha ninguém em lugar nenhum.” Hoje, vê a cidade como um “reflexo de todo o Brasil”.
Durante o festival, ele encontrou Fernando Duarte, diretor de fotografia de Cabra marcado para morrer, que o convidou para organizar na UnB um “núcleo cinematográfico do Centro-Oeste”. O chamado era, na verdade, uma artimanha de Duarte, que queria convencer o amigo a integrar o corpo docente do curso de cinema. Deu certo. “Vim para passar dois meses e estou há 48 anos. Nos dois meses, comecei a ver a cidade como uma caixa de ressonância para os problemas brasileiros. O centro nervoso do país é aqui. Um projeto nacional, se existisse, passaria por Brasília. Adotei a cidade e acho que Brasília também me adotou.”
Na cidade, rodou Vestibular 70, que registra a participação de candidatos de todo o país na prova de admissão da UnB. Vladimir também dirigiu os longas Conterrâneos velhos de guerra e Barra 68, Sem perder a ternura, e o curta Brasília, segundo Feldman, que são um contraponto à ideia utópica dos idealizadores da nova capital.
Em Barra 68, ele expõe o esvaziamento do projeto de universidade pensado por Darcy Ribeiro, causado pela invasão de tropas do Exército no campus. Nos outros dois, lembra o trabalho árduo dos candangos que foram, majoritariamente, esquecidos pelas narrativas da capital. “O Conterrâneos é praticamente a síntese de todo o meu trabalho, me marcou muito porque é uma memória que começa com a construção de Brasília e vem até os dias de hoje.”
Cinememória
Pouco antes de completar 80 anos, Vladimir doou sua casa, com tudo o que há nela, à UnB. O Cinememória é uma espécie de museu particular da história do cinema nacional, localizado na W3 Sul. O local abriga 5 mil títulos, a maioria ligada ao cinema, além de câmeras, equipamentos antigos, fotografias e centenas de outras lembranças colecionadas ao longo de mais de cinco décadas.
É na casa, onde viveu por anos com a esposa, a escritora Lucília Garcez, que ele concentra também o seu trabalho de escultor. O dom da carpintaria, herdado do pai, é mais do que uma distração. Desde a juventude, Vladimir surpreende amigos com um trabalho primoroso de esculturas e xilogravuras. “Gosto muito desse trabalho, mas nunca expus.”
Torcedor do flamengo e leitor fervoroso, Vladimir garante que não se aposentará. Embaixador cultural de Brasília, ele foi homenageado em 2015 pelo festival de cinema, sendo premiado na abertura do evento.
No ano passado, lançou seu longa mais recente - Cícero Dias, o compadre de Picasso.
“Comecei a ver a cidade como uma caixa de ressonância para os problemas brasileiros”
Vladimir Carvalho
"Sentia que seria a minha vida"
A vocação de atriz surgiu muito por acaso na vida de Camila Márdila, 30 anos. O pai e a mãe vieram para Brasília em busca de condições melhores, deixando para trás uma vida rural. Apesar de os pais representarem a primeira geração alfabetizada na família humilde, ela não tinha livros em casa e muito menos o hábito de frequentar o teatro e o cinema. O lado artístico de Camila teve seu despertar quando entrou na escola.
Nascida em Brasília, Camila morou em Taguatinga a vida inteira e estudou no colégio Jesus Maria José, que, segundo ela, tinha um movimento cultural muito interessante. Era ela que lia a poesia no Dia das Mães e também nas missas da escola católica. “Muito intuitivamente, comecei a fazer peça nas aulas e a dirigir as amigas pequenininhas”, comenta. A mãe perguntou se ela não gostaria de fazer um curso.
Curiosamente, Camila não gostava de fazer teatro infantil. Até que, aos 11 anos, conheceu a atriz e diretora brasiliense Luciana Martuchelli, que, na época, dava aulas na Faculdade Dulcina, no Conic. “Assim que comecei a estudar a interpretação e o ofício de ser ator, coloquei todo meu empenho naquilo. Eu via aquilo como trabalho e sentia que aquilo seria a minha vida”, ressalta.
Camila começou a trabalhar muito nova, como monitora de cursos e fazendo publicidade como atriz-mirim. Aos poucos, foi construindo uma poupança para investir na carreira. Em 2009, fez uma oficina com os irmãos Guimarães e começou a trabalhar com eles de maneira mais profissional, viajando com peças. “Percebi a carreira como algo permanente.”
Que horas ela volta?
A mãe sempre sugeria que ela buscasse a televisão, mas não era esse caminho que ela queria trilhar. “Eu queria fazer teatro e cinema, a televisão seria consequência disso.” Foi o que aconteceu. Após a formatura em comunicação social na UnB, Camila se mudou para o Rio de Janeiro para entrar em um coletivo de atrizes. Depois de um tempo, foi para São Paulo, onde mora atualmente.
Na opinião dela, o papel que mais marcou sua trajetória foi a Jéssica – personagem que interpretou no filme Que horas ela volta?, de Anna Muylaert, interpretando a filha de uma empregada doméstica vivida por Regina Casé. Segundo Camila, uma obra que marcou a cinematografia brasileira e virou um conceito. Com ele, ganhou prêmios de melhor atriz no Festival de Sundance e melhor atriz coadjuvante no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro. “A Jéssica foi uma personagem muito relevante, que até hoje me marca muito e as pessoas me falam sobre se sentirem Jéssicas. O maior privilégio que um ator pode ter é um papel conceito como este”, reconhece.
Também tem outros filmes no currículo, como Entre idas e vindas e Cora Coralina, todas as vidas. Atuou ainda na série Justiça, da Globo. Para o futuro, Camila Márdila deseja ter mais personagens incríveis e que tragam alguma história relevante para o mundo. Além disso, está escrevendo, dirigindo e produzindo. “Acredito que tenho que participar ativamente e criativamente de tudo que eu faço, reescrevendo cenas, propondo novas ideias”, complementa.
A atriz de origem brasiliense vem para Brasília duas ou três vezes por ano, sendo uma das visitas durante o festival de cinema, e afirma que, quando não está aqui, sente falta dos amigos e familiares. “Além disso, tem a paisagem. Como não falar do céu de Brasília? A luz é especial e tem períodos do ano em que a cidade realmente fica muito mágica.”
Grandes Talentos
O mineiro migrou para a Ceilândia ainda pequeno, com os pais, nos anos 1970. Foi jogador de futebol, professor particular e funcionário público até ingressar no curso de cinema da UnB, aos 28 anos. Seu trabalho de conclusão de curso, o curta-metragem Rap, o canto de Ceilândia, recebeu diversos prêmios. Seus longas-metragens A cidade é uma só? (2011) e Branco sai, preto fica (2014) também foram premiados em importantes festivais brasileiros. Também comandou o documentário Era uma vez Brasília, com ênfase das questões da periferia. A fita foi exibida no Festival de Locarno, na Suíça.
André Luiz Oliveira
Meteorango Kid — O herói
intergalático foi o filme que apresentou André Luiz Oliveira, em 1969, ao público brasiliense. O diretor baiano chegou a Brasília em 1991 e aqui continuou a trabalhar com as câmeras. Também músico, conquistou o troféu Candango de melhor filme, no 28º Festival de Brasília, em 1994, com o filme Louco por cinema, que reuniu um elenco de muitos artistas locais. Também ganhou o prêmio pelo Zirig Dum
Brasília, documentário sobre Renato Matos, em 2014.
René Sampaio
Ele levou 1.500.000 de pessoas ao cinema para ver Faroeste caboclo, lançado em maio de 2013, que foi exibido mundo afora e levou inclusive o Prêmio Especial do Júri em Direção em um festival de Dallas. É também o filme vencedor do 13º Grande Prêmio do Cinema Brasileiro em 7 categorias, incluindo melhor filme de ficção. O longa recebeu também o 10º Prêmio Fiesp 2014 do Cinema Brasileiro como Melhor Filme. Antes disso, havia abocanhado sete Candangos com o curta Sinistro. Formado em jornalismo e publicidade, René também tem uma carreira bem-sucedida nessa área, tendo alcançados vários prêmios, como o Leão de Cannes.
Iberê Carvalho
Ele nasceu em Brasília em 1976. Estudou antropologia, jornalismo e fez pós graduação em direção cinematográfica em Madrid, na Espanha. Seus filmes já foram exibidos em diversos festivais no Brasil e no exterior. Foi vencedor do prêmio de melhor Curta-metragem latino-americano no Festival de Havana, com o filme Para pedir perdão. Outro longa, Procura-se, foi reconhecido no Festival Prix Jeunesse Iberoamericano. No Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, foi agraciado com um candango pelo curta Suicídio cidadão.
José Eduardo Belmonte
Formado na Universidade de Brasília, o cineasta já tem longa trajetória no cinema. Em 2003, fez sua primeira investida em longas-metragens, com Subterrâneos. O filme Alemão, exibido em 2014, fez grande sucesso comercial. Em 2015, fez uma série da HBO, O hipnotizador. No ano seguinte, elenco bastante conhecido, como Ingride Guimarães, Fábio Assunção, Alice Braga e Rosanne Mulholland, estreou o filme de Belmonte, intitulado Idas e vindas. Dirigida por ele, a série Carcereiros, foi premiada em Cannes, na França.
Dácia Ibiapina
Ela tem uma vasta produção cinematográfica. Diretora e roteirista dos filmes Palestina do Norte: o Araguaia passa por aqui (1998), O chiclete e a rosa (2001), Vladimir Carvalho: conterrâneo velho de guerra (2004), Cinema Engenho (2007), Entorno da beleza (2012), O gigante nunca dorme (2013), além de Ressurgentes: um filme de ação direta (2014). Em 2017, seu filme Carneiro de ouro foi selecionado para diversos festivais e mostras de cinema, como o 50º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro e na 21ª Mostra de Cinema de Tiradentes. Há uma forte presença da questão social em seus filmes, como seu primeiro longa-metragem, Entorno da beleza, que aborda os concursos de miss.
Animação em destaque
Apaixonado por animação, Fernando Guitiérrez, 41, precisou abrir caminhos na área para trabalhar em Brasília. Depois de investir em especializações fora da cidade, ele retornou à capital, onde promove o estilo tanto em sala de aula, como professor, quanto na produção do Brasilia Animation Festival (BAF), mostra local voltada para a animação.
Fernando dirigiu quatro curtas na área, participou de diferentes etapas de criação em diversos projetos e se prepara para dirigir seu primeiro longa, O sonho de Clarice, cujo roteiro foi inspirado na filha de 6 anos.
Filho de pai boliviano e mãe cearense, ele nasceu em La Paz e se mudou para o Plano Piloto aos 2 anos. O interesse por animação foi despertado na adolescência, quando, motivado pelos pais arquitetos, começou a desenvolver desenhos técnicos para projetos do casal.
“Sempre gostei de mexer com peças e eletrônicos, por isso, achava que ia gostar de estudar engenharia elétrica, mas me sentia em um lugar entre as exatas e as humanas, e fui percebendo que o curso não era para mim”, conta, sobre a escolha feita na faculdade.
Fernando passou pelo curso de artes cênicas, participou de grupos alternativos de teatro, e se formou em publicidade pelo UniCeub. Ele já flertava com a animação quando decidiu se jogar de cabeça no cinema. “Era concursado da Caixa e aproveitei esse momento em que eu tinha salário e estava solteiro para ir São Paulo estudar”, lembra.
Depois de vários cursos de curta duração, passou quatro anos na capital paulista, onde se especializou em computação gráfica 3D, deu aulas no Sesc e na Universidade Anhembi Morumbi e trabalhou com grandes produtoras de desenhos animados.
Seu primeiro curta, O mascote, tem quatro minutos e é inspirado na trajetória de sua mãe, que saiu do Ceará para viver em Brasília. “Apesar de uma certa ingenuidade em termos de linguagem audiovisual, ele teve uma repercussão muito boa”, diz. A animação recebeu prêmio de melhor curta no festival de Cabo Frio, foi exibido em diversos festivais nacionais e acumula mais de 600 mil visualizações em plataformas digitais.
Brasília é cenário para outros curtas, como Devaneios, que mostra a viagem psicológica de um motorista estacionado em uma quadra do Plano Piloto, e José, história de um senhor que espera a volta do filho. “Ele mora em um lugar que lembra os condomínios do Lago Sul, uma área rural que acabou sendo transformada pela presença do urbano.”
Reconhecimento
José foi o primeiro filme de Fernando selecionado para o Anima Mundi (Festival Internacional de Animação do Brasil), o maior do país, e foi uma das produções que entraram para a grade do festival no Canal Brasil. “Sou muito fã e sempre tive o sonho de participar. Fiquei extremamente feliz, emocionado, quando o filme foi aceito. Acho que é um reconhecimento inigualável do meu trabalho.”
Fernando é direto sobre os planos de fomentar a produção brasiliense. Para O sonho de Clarice, que assina junto com Cesar Lignelli, o animador pretende organizar cursos de capacitação e preparar profissionais para o trabalho. Ele destaca que a prática é comum em estúdios de São Paulo e Rio, que, apesar de maiores, também sofrem com a escassez de mão de obra qualificada.
“Meu sonho é contribuir para que Brasília realmente se transforme em um polo de animação. Para isso, a gente não pode terceirizar os trabalhos.” Ele ressalta que, hoje, o acesso à informação, a tutorias e a cursos de qualidade é muito maior .
Em 2015, Fernando produziu o Animecê (Festival de Animação do Cerrado), um embrião do Brasilia Animation Festival. A edição foi uma contrapartida para uma produção do animador, que organizou uma mostra na Galeria Alfinete e no Gama, onde os filmes foram exibidos em um trailer.
A transformação em BAF aconteceu pela insistência de outro companheiro, o também animador Fernando Nisio. “Eu estava desanimado, mas ele botou muita pilha e era o que eu precisava”, diz.
A dupla organizou duas edições com exibições, cursos e palestras gratuitos. “Não conseguimos realizar a terceira, mas planejamos concretizá-la em 2019. Queremos estimular a produção, viemos para somar o que o Anima Mundi já faz.”
“Meu sonho é contribuir para que Brasília realmente se transforme em um polo de animação”
Fernando Gutiérrez
Olha transformador
Com participação em mais de 10 filmes, o diretor e diretor de fotografia Alan Schvarsberg não sonhava em trabalhar com cinema, não assistia a filmes com frequência, não cresceu cercado por referências, não foi aficcionado pelos clássicos. Graduado em jornalismo pelo UniCeub, Alan estudou ciências sociais na UnB, e enveredou para o audiovisual defendendo causas sociais, como a proteção do Santuário dos Pajés, alvo da especulação imobiliária no setor Noroeste.
“Fiz um percurso muito fluido. Quando me dei conta, estava trabalhando com cinema, pagando minhas contas com isso e me realizando profissionalmente”, conta. Aos 33 anos, se preparando para iniciar seu primeiro longa como diretor, Alan trilhou um caminho consistente, com trabalhos premiados, como o curta Ninguém nasce no paraíso, de 2015, que conta a história de gestantes impedidas de dar à luz em Fernando de Noronha.
A obra conquistou o prêmio de melhor curta-metragem pelo júri popular na Mostra Brasília, parte do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, e o de crítica, no Festival Internacional de Cinema Ambiental (FICA). Também foi exibido em mostras estrangeiras, como Havana Film Festival e o GATTFEST Film Festival, na Jamaica.
Rodado com uma equipe de produção exclusivamente feminina, o curta é um exemplo da crescente participação das mulheres no cinema de Brasília. “Foram 20 dias de trabalho muito pesado, com pouco descanso. Os homens reclamam muito mais, até porque, se elas reclamarem, vão dizer que fazem isso porque são mulheres. Mas elas estão cada vez mais presentes e engajadas e esse filme é só um de muitos exemplos”, assegura.
Na edição deste ano do festival de Brasília, ele participa com três produções — o longa A roda da vida e os curtas O homem banco e Entre parentes. Alan assina a direção de fotografia de todas elas.
Com a carreira no cinema iniciada no videoativismo, tendo trabalhado em projetos do Centro de Mídia Independente (CMI), ele mantém o foco em perspectivas políticas, sociais e de luta por direitos. “Acredito realmente no cinema como ferramenta de transformação e em seu impacto na vida das pessoas. Tento seguir com um cinema crítico e reflexivo, que, de alguma maneira, mude a sociedade.”
Nascido no Rio de Janeiro, mas brasiliense de criação, Alan cresceu imerso pela consciência política e cultural que herdou dos pais. A infância livre pelas ruas de Brasília rendeu a ele um olhar observador e sensível, que pode ser percebido em seu trabalho. A transformação da cidade e dos hábitos, o crescimento do medo da violência e a construção de muros em busca de proteção são o tema do híbrido de ficção e documentário Gradear, cuja gravação está prevista para o início do próximo ano.
Tendo passado por várias áreas do cinema, ele encontrou, na direção de fotografia, um espaço para focar “na construção artística da narrativa por meio da câmera e da luz”. Foi nessa área que passou a receber mais convites de trabalho. “Busquei uma atuação no cinema em que as pessoas me chamassem, viessem até mim com seus projetos, e tive a sorte de ter recebido propostas interessantes”. Em 2017, ele concluiu um mestrado em direção de fotografia pela Escola Superior de Cinema e Audiovisual da Catalunha (Escac).
Limites
Alan também assina a direção de fotografia de O Processo, de Maria Augusta Ramos, documentário estreado neste ano, que mostra os bastidores do impedimento da presidente Dilma Rousseff. “Foram sete meses acompanhando o impeachment no Senado. Presenciar um jogo de cartas marcadas foi muito duro, tanto física quanto emocionalmente”, lembra.
O excesso de trabalho e a dedicação a projetos complexos levaram Alan a reavaliar prioridades em 2016. No mesmo ano, participou das gravações do documentário Voices of Children, que registra a perspectiva de crianças de cinco países sobre seus direitos. A iniciativa do World Forum Fundation, levou a equipe a Salvador, aos Estados Unidos, ao Quênia, à Singapura e à Índia.
“Na primeira noite em Nairobi, estava muito cansado, absolutamente exausto, e não conseguia dormir”, lembra. Enquanto os colegas de produção descansavam, Alan teve uma síncope convulsiva por estresse fisiológico e desmaiou. “Quando dei por mim, estava sentado, chacoalhando a cabeça, todo ensanguentado, batendo os dentes e vendo pedaços deles no chão.”
Depois de uma visita às pressas ao dentista, o desespero foi amenizado pela carência que viu nas ruas do país e pelo carinho que recebeu das crianças que participaram das gravações. Apesar de não ter impedido a continuação das filmagens, o episódio foi um divisor de águas. “Me fez aprender a colocar limites, parei de priorizar sempre o trabalho”, ressalta.
Desde então, a prática de escalada e a fuga para a natureza ganharam mais importância. Além de treinos semanais, ele faz escalada em pedras ao menos uma vez por semana e participa de campeonatos. “Ir para rocha, para lugares onde o celular não pega, ver o pôr do sol, ver a lua nascer, estar em absoluto contato com a natureza é terapêutico, um escape espiritual”, diz ele.
“Tento seguir com um cinema crítico e reflexivo, que, de alguma maneira, mude a sociedade”
Alan Schvarsberg
Para voos mais altos
Roteirista do curta A arte de andar pelas ruas de Brasília, vencedor de mais de 20 prêmios, Rafaela Camelo mira os longas-metragens
Quando o assunto era que carreira seguir, a brasiliense Rafaela Camelo, 32 anos, sempre soube que gostaria de estar na área da comunicação. “Sempre gostei de ler e escrever, achava que queria ser jornalista”, afirma. Atualmente, ela não atua como jornalista, mas isso não significa que o palpite inicial estivesse tão fora da realidade que lhe aguardava. À medida que o vestibular foi se aproximando, Rafaela descobriu outra possibilidade dentro do curso de comunicação: o audiovisual.Em 2004, ao ser aprovada para o curso de comunicação social da Universidade de Brasília (UnB), percebeu que poderia escolher entre jornalismo, publicidade e audiovisual para experimentar. Ainda sem muita convicção, optou pela última opção. “Eu pensei: qualquer coisa, eu mudo de novo”, relembra. Isso não aconteceu.A adolescente que cresceu entre as prateleiras da tradicional locadora de filmes LOC Vídeo se encontrou. Tímida, quieta e meio nerd, os filmes eram a maneira que ela encontrava de passar o tempo livre e aprender mais sobre determinados assuntos. “O meu fim de semana se resumia em ir à LOC, alugar cinco filmes, assistir, devolver e pegar outros cinco”, comenta.Apesar do interesse pelo assunto, suas escolhas eram feitas de maneira totalmente intuitiva. O proprietário da videolocadora sempre a acompanhava e fazia indicações, mas, muitas vezes, a escolha era baseada nas capas. Nem sempre as bonitas ou interessantes honravam sua expectativa. “Lembro que, uma vez, eu peguei Calígula, achando que ia me ensinar sobre a história romana, e era totalmente inadequado para a minha idade”, diverte-se.Rafaela garante que nunca se enxergou fazendo roteiros ou dirigindo filmes. Imaginava que seria produtora. Apenas no fim do curso ela decidiu se arriscar a escrever e dirigir. “A área é um pouco restrita. Então, às vezes, é difícil entender qual é o papel de cada um dentro de um filme. Eu demorei bastante tempo para descobrir qual área me agradava mais.”
Premiação
O curta-metragem A arte de andar pelas ruas de Brasília foi um dos primeiros roteiros escritos por Rafaela. A ideia partiu de uma vivência pessoal dela com uma amiga. As duas estudavam em escolas diferentes, mas se encontravam diariamente no ônibus que passava pela W3.
“Foi um filme que circulou muito bem em diversos festivais, foi muito visto em Brasília e em festivais LGBT. As pessoas se identificaram muito com ele”, reconhece. Além disso, a obra ganhou em torno de 20 prêmios nacionais e internacionais.
Entre os projetos mais recentes, estão duas séries para televisão, nas quais Rafaela atua como roteirista ao lado de João Amorim. Manual de sobrevivência para o século XXI, com o ator Marcos Palmeira, foi exibida no canal CineBrasil TV. Já Belas raízes é uma série documental com a apresentadora Bela Gil, que ainda está em fase de desenvolvimento e será exibida no Canal Futura.
Simultaneamente, Rafaela se prepara para o lançamento de seu próximo curta, durante o Festival de Cinema de Brasília. Em O mistério da carne, a cineasta brasiliense volta a alguns temas de A arte de andar pelas ruas de Brasília, abordando o universo lésbico, a anorexia e a bulimia. “É um filme com o qual eu me identifico mais, acho que me soltei, trouxe referências de que eu gosto. Tem muito a ver comigo e estou ansiosa para mostrá-lo”, complementa.
Rafaela reconhece a influência da capital nas histórias que cria. “É a Brasília a que sempre recorro quando estou em busca de novas referências”, defende. Ela não se vê saindo da cidade e não enxerga a necessidade de fazer isso por razões profissionais.
Para Rafaela, Brasília tem muitas possibilidades. No momento, ela está se dividindo entre Brasília e São Paulo, onde faz um curso voltado à criação de longa-metragem.
“É a Brasília que sempre recorro quando estou em busca de novas referências”
Rafaela Camelo
Uma vida de dedicação
Nascido no Rio de Janeiro, Sérgio Moriconi, 61 anos, veio para Brasília em 1960 para encontrar o pai, pioneiro que se mudou dois anos antes para participar da construção da cidade. “Me considero um brasiliense.”
Quando a família chegou, foram morar no núcleo habitacional da Papuda, onde estavam as cerâmicas que produziam os tijolos que foram usados para construir a capital. Depois, moraram no Plano Piloto durante anos, o que permitiu que a família frequentasse assiduamente o Cine Brasília, o Cine Cultura e a Escola Parque para assistir aos mais variados tipos de filmes.
Estudou o científico no Colégio do Carmo, que oferecia várias especialidades em artes, entre elas, cinema. Sérgio fez o curso e foi percebendo os primeiros indícios de uma vocação. Apesar disso, entrou na Universidade de Brasília para cursar arquitetura. Acabou com duas formações diferentes: é sociólogo e jornalista. Porém, a admiração pelo cinema continuou presente em sua vida.
“Conheci alguns professores da comunicação e eles me pediram para fazer um documentário sobre Ceilândia, assim fui me reaproximando do cinema.” Na faculdade de comunicação, fez o primeiro filme profissional, um curta chamado Carolino Leobas, que Sérgio fez sob a coordenação de Vladimir Carvalho e uma equipe maior.
Os curtas foram a maneira que ele encontrou de praticar o cinema. O primeiro emprego foi na Radiobrás, editando telejornais. Após um ano na empresa, recebeu um convite para participar da instalação do Centro de Tecnologia Educacional e desenvolver programas educativos para a Fundação Educacional, um projeto da Unesco.
Construiu uma carreira na Fundação, fazendo vídeos educativos, e se tornou professor de cinema no Espaço Cultural Renato Russo, por 20 anos. Paralelamente, ele produzia roteiros de filmes e escrevia críticas de cinema para o Correio e outros veículos da cidade. “Aos poucos, fui me orientando para o cinema”, afirma.
Sérgio Moriconi também escreveu um livro sobre o cinema local: Cinema de Brasília – apontamentos para uma história. Como profissional da área, Sérgio participou do roteiro do longa-metragem do cineasta André Luiz Oliveira, Louco por cinema, vencedor dos principais prêmios do Festival de Brasília de 1994. Em 1998, Sérgio escreveu o roteiro e dirigiu o curta Athos (documentário sobre o artista plástico Athos Bulcão), vencedor do Prêmio Especial do Júri do Festival de Brasília.
Cine Brasília
Durante muitos anos, o cineasta integrou a comissão curadora do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro e participou de outras maneiras do grandioso evento: organizando seminários, participando dos júris de seleção e de premiação dos filmes. “Ao longo dos últimos 25 anos, eu sempre participei de alguma forma do Festival.”
Atualmente, ele não organiza mais o evento. Trabalha na Secretaria de Cultura e, desde que o Cine Brasília reabriu as portas, há cinco anos, Sérgio é o responsável pela programação cultural do local. “É um cinema com uma vocação cultural, exibe alguns filmes de maior público e filmes cults, que fazem parte do conceito de proporcionar uma programação de alta qualidade para a população”, ressalta.
Uma memória forte da época de adolescente – em que assistia a muitos filmes, mas não tinha tanto conhecimento da área – foi no festival de 1971, que ocorreu no Cine Atlântida, no Conic. Um dos filmes foi censurado e, no lugar dele, foi exibido o documentário Brasil Bom de Bola, que falava de futebol e mostrava o craque Pelé em ação. O menino achou o filme incrível e não entendeu quando as pessoas começaram a vaiá-lo. “Meu Deus, estão vaiando o Pelé”, pensou.
“É um cinema (o Cine Brasília) com uma vocação cultural: proporcionar uma programação de alta qualidade para a população”
Sérgio Moriconi
Um salto para a luz
A carreira do ator João Campos, 34 anos, começou após um momento de muita dúvida e indecisão. João é formado em jornalismo pela UnB e trabalhou durante quatro anos na redação do Correio Braziliense, sempre conciliando as pautas com as peças de teatro. No fundo, ele já tinha percebido que o teatro o fazia mais feliz, porém o medo de largar tudo e se arriscar no mundo das artes cênicas o segurou por muito tempo.
Brasiliense, fruto da união entre pai goiano e mãe mineira, João reconhece o esforço constante dos pais para dar a ele e ao irmão uma condição de vida melhor do que tiveram na roça. Os servidores do Banco do Brasil garantiram aos filhos acesso a boas escolas, prática de esportes e aulas de violão. Essa última foi, ao olhar de João, o primeiro contato com a arte. “A música entrou de uma forma muito forte nas nossas vidas, montamos uma banda cover de Ramones e estávamos sempre tocando”, afirma. Ao longo dos anos, João participou de várias bandas e tocou os mais diversos estilos musicais.
Apesar dessa aproximação inicial com o mundo artístico, o ator garante que seu foco era apenas a música. Artes cênicas não eram um plano. “Eu era uma criança muito tímida, aquela que se esconde embaixo da mesa na hora do parabéns”, justifica.
O primeiro contato com o teatro foi aos 16 anos, quando namorava Marieta Cazarré, irmã do ator Juliano Cazarré, que já estava estudando na área.
A família Cazarré tinha o hábito de frequentar o teatro. João começou a acompanhá-los e, aos poucos, foi construindo a sua própria relação com o teatro, ainda que apenas como um espectador.
Quando começou a cursar comunicação social na Universidade de Brasília, João ainda estava envolvido com a música, mas fez alguns amigos que tinham um grupo de teatro e o convidavam para participar das peças de uma maneira mais técnica, fazendo trilha, operando luz e som.
Um dia, foi com o amigo Roberto de Martin assistir a uma peça no Teatro Garagem. Na saída, viram um cartaz de um curso de teatro com a Luciana Martuchelli. O Beto (como João o chama) sugeriu que os dois fizessem o curso. “Pensei: Será? Ator? Mas decidi fazer e aí lascou-se. Não parei mais”, brinca.
Teatro e cinema
“O teatro chega de uma forma muito voraz na vida”, analisa. Segundo João, no primeiro momento, existe uma dimensão quase terapêutica em atuar, e a mestra Luciana gostava de fazer exatamente esse aprofundamento. Foram, aproximadamente, quatro anos estudando com ela. João largou a banda, já estava em cena com os amigos da faculdade, foi se relacionando com os colegas que faziam audiovisual e tateando o teatro e o cinema amador.
Em 2012, já trabalhando como repórter, João tomou a decisão de largar o jornalismo. “Estava ficando difícil conciliar as agendas. Aos poucos, eu fui me preparando psicologicamente e financeiramente para dar esse passo”, explica.
João define essa mudança de vida como um verdadeiro salto no escuro, porque a carreira artística é complicada de ser construída. Entretanto, ele garante não ter arrependimentos. Em 2013, ele contratou um agente em São Paulo e começou a fazer testes para a televisão. Fez uma participação na série Felizes para sempre, da TV Globo, e interpretou o jornalista Elio Bataglia na novela A lei do amor.
No cinema, atuou em 18 produções, com destaque para os curtas-metragens Confinado, Tormenta e Cidade nova — este último lhe rendeu o Troféu Candango de Melhor Ator em curta e média-metragem em 2015. Destacam-se ainda a participação nos longas Faroeste caboclo, Os fins e os meios e O homem de barro, do qual fez também a direção de elenco.
Recentemente, participou da série Se eu fechar os olhos agora, também da Globo, ainda não exibida. Também está finalizando as gravações da série Mais leve que o ar, para a HBO, que conta a história do aviador Santos Dumont, além de ter atuado em tantas peças e filmes que fica díficil contar.
“Não acho que a minha carreira aconteceu de forma rápida, foi construída passo a passo. Eu sou o primeiro artista da minha família a assumir isso como profissão, nunca tive um trampolim.”
Mesmo com tantas gravações fora de Brasília, João ainda consegue manter sua casa na capital. Atualmente, mora em uma chácara e defende que essa ligação forte com a terra é uma herança dos pais.
“Gosto de lidar com essa questão ambiental, agrofloresta, permacultura. A escolha da chácara é um dos motivos por trás da escolha de ficar em Brasília.”
“Não acho que a minha carreira aconteceu de forma rápida, foi construída passo a passo. Eu sou o primeiro artista da minha família a assumir isso como profissão, nunca tive um trampolim.”
João Campos
Expediente
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Cristovam Buarque: Cuidar de Brasília
Neste ano, a população brasiliense terá o direito e a obrigação de escolher seu governador e seus parlamentares. As pesquisas mostram que, mesmo os candidatos em vantagem de intenção de votos, perdem para as opções branco, nulo, não sabem, evidenciando-se a recusa dos eleitores aos candidatos sugeridos. Isso se explica pelo desânimo da população com a classe política e com as siglas a que os candidatos estão filiados. Muitos políticos com mandato frustraram o eleitor no que se refere ao comportamento ético e à seriedade nas prioridades, enquanto as siglas se divorciaram do que propunham antes. O eleitor, que deveria ir à urna com esperança no futuro, está desiludido, perplexo e com raiva.
O ânimo voltaria se ele sentisse que vai escolher não apenas quem governará a cidade. O sentimento seria diferente se, no lugar de votar para eleger deputado ou senador, o eleitor soubesse que escolhe os representantes para definir as prioridades, fiscalizar o governador, buscar apoio do Brasil para o Distrito Federal e representar o DF no Brasil. Certamente haveria ânimo entre os eleitores para escolher quem vai cuidar dos 3 milhões de habitantes que hoje estão com medo da violência, do desemprego, dos engarrafamentos; em especial das aproximadamente 400 mil crianças e jovens sem boas escolas, sem atividades culturais, sem perspectivas de emprego; dos doentes em filas, sem médicos e remédios; dos pobres sem moradia.
O encanto voltará ao eleitor quando ele perceber a possibilidade de eleger pessoas honestas, tanto no comportamento pessoal quanto na definição das prioridades; ou quando ele compreender que o propósito do político não é beneficiar-se de mordomias e vantagens, nem levar sua sigla ao poder, mas se unir aos que se propõem e têm competência reconhecida para cuidar de toda Brasília.
Cuidar de Brasília é olhar para as crianças e os jovens: o governador, os deputados e os senadores agindo como protetores, colocando em funcionamento as escolas, a formação profissional, promovendo diversão cultural, lazer, sobretudo esperança; apoiando os idosos; sensibilizando-se e encontrando soluções para o desemprego e para a falta de moradia.
Cuidar de Brasília exige respeitar a vontade legítima do povo, sem cair no vício político de atender reivindicações de interesses pessoais vindas dos parlamentares; da mesma forma, respeitar os servidores, sem os quais não é possível cuidar da cidade, mas não ceder às pressões corporativas quando sacrificam a população e os usuários dos serviços.
Cuidar de Brasília é não deixar que as vias estejam maltratadas por buracos ou lixo; tampouco é deixar que as edificações em prédios ou viadutos ameacem desabar; é prever o risco de escassez de água e tomar as medidas em tempo para evitar o racionamento. É ter capacidade para eliminar as filas nos hospitais graças a programas de prevenção da saúde da família, instalação de saneamento e boa gestão para que não faltem profissionais, equipamentos nem remédios nos hospitais.
Cuidar de Brasília exige responsabilidade com o uso dos recursos financeiros de que dispomos. O GDF, em 2018, terá receita estimada de R$ 42,4 bilhões. São cerca de
R$ 13.250 por habitante. Desses bilhões, 32,07%, ou seja, R$ 13,6 bilhões vêm do Fundo Constitucional, financiado por brasileiros de outras partes do país, inclusive de regiões pobres. A média da receita per capita dos municípios brasileiros é inferior a
R$ 3 mil e eles transferem R$ 4.500 para cada habitante do DF. Ao tomar conhecimento de desperdícios, tal qual fazer um estádio de futebol ao custo de quase R$ 2 bilhões, em breve o Brasil se recusará a transferir recursos para financiar nossos gastos. Por isso, cuidar de Brasília é ser eficiente no gasto dos recursos que recebemos.
Cuidar de Brasília é fazer um grande encontro das lideranças, independentemente de seus partidos, visando colocar a cidade e seus habitantes, pobres ou ricos, crianças ou adultos, do presente e do futuro, como o propósito da política e da eleição, mesmo que para isso seja preciso deixar de lado preconceitos, divergências e interesses pessoais. Brasília exige esse encontro — cada líder colocando a coragem, a ética e a população acima dos interesses dos políticos e de suas siglas para cuidar bem da cidade. (Correio Braziliense – 05/06/2018)
Cristovam Buarque, senador pelo PPS-DF e professor emérito da UnB (Universidade de Brasília)
FAP participa da 34ª Feira do Livro de Brasília
Obras publicadas pela Fundação poderão ser conhecidas pelos visitantes da Feira, que será aberta na sexta-feira (08/06). Evento foi adiado em função da greve dos caminhoneiros
A Câmara do Livro de Brasília e o Instituto Latinoamerica confirmaram a realização da 34ª Feira do Livro de Brasília para os próximos dias 8 a 17 de junho, das 10h às 22h, no Patio Brasil Shopping. O tradicional evento reunirá, como de costume, escritores, leitores, estudantes, professores, especialistas e pessoal do mercado de livros para, a partir da literatura infantil e infanto-juvenil, promover a aproximação do público em geral com o diversificado universo da literatura. E a Fundação Astrojildo Pereira (FAP) não poderia deixar de estar presente no evento: o nosso estande será o de número 57.
No estande da Fundação os visitantes poderão conhecer as diversas obras já publicadas pela FAP e Editora Verbena, como ‘O impeachment de Dilma Rousseff – Crônicas de uma queda anunciada’, do jornalista Luiz Carlos Azedo e “Brasil, Brasileiros – Por que Somos assim?”, coletânea de ensaios sobre “o Brasil e o modo-de-ser dos brasileiros” organizada pelo senador Cristovam Buarque (PPS-DF), Zander Navarro e Francisco Almeida. No estande também serão distribuídos, gratuitamente, algumas das publicações da FAP.
O tema escolhido para esta 34ª edição é “Literatura infantil: a invenção do sonho. Vamos brincar de inventar?” Ele aponta para um gênero literário que vem se consolidando como campeão de vendas no mercado nacional – a ponto de registrar, nos últimos anos, expressivo crescimento em importância, relevância e sobretudo qualidade. Com efeito, dados do Sindicato Nacional dos Editores de Livros mostram que o crescimento das vendas do gênero infantil, em 2016, na comparação com 2015, foi de 28%, contrastando fortemente com a queda de 9,7% do mercado como um todo no mesmo período.
Outro fato que pesou na escolha do tema se relaciona com os desafios que envolvem a popularização da leitura desde a infância, num país ainda tão carente de avanços educacionais. Assim, a Feira do Livro de Brasília renova seu propósito de contribuir para ampliar o acesso aos livros, popularizar a leitura e tornar conhecidos a literatura – tanto a local e regional quanto a nacional e internacional – e seus expoentes.
O olhar especial sobre os gêneros infantil e infanto-juvenil renova, também, o compromisso inequívoco dos organizadores com a construção de um futuro melhor para o Brasil – soberano, culturalmente avançado e consciente de seus reais desafios. Como se sabe, o hábito de leitura entre crianças e jovens contribui para aproximar pais e filhos, desenvolver a oralidade, o pensamento abstrato, construir repertórios cognitivos e vocabulares, além de estimular o imaginário e a fantasia – atuando como poderosa ferramenta para a socialização, a construção da identidade, a formação da cidadania e a difusão da cultura.
As atividades artísticas e de entretenimento – todas elas gratuitas – também estarão presentes nas dependências do Pátio Shopping, local da Feira. Elas compreenderão shows musicais com artistas daqui e de fora, espetáculos teatrais de grupos da cidade, palestras com autores e estudiosos, bate-papos com escritores de renome nacional e internacional e oficinas – que ocorrerão simultaneamente e de forma inter-relacionada à exposição de livros na Feira.
Estão previstas atividades com pelo menos, 18 autores de Brasília, 12 autores do Entorno, quatro deles de grande expressão nacional, três autores internacionais – intelectuais de forte relevância lançando seus livros e dialogando sobre seu processo criativo – além de contadores de histórias e grupos teatrais de Brasília.
Terão lugar na Feira, ainda, conversas sobre mercado editorial, políticas de livro, leitura, bibliotecas e direitos autorais, vendas pela internet, livros eletrônicos e literatura inclusiva. Serão realizados o III Encontro Nacional de Escritores Jovens e o III Encontro Nacional de Blogueiros Literários – em continuidade aos eventos que lotaram a Feira do Livro de 2017.
Ao movimentar a cidade – e não somente o mercado livreiro – a Feira do Livro de Brasília agrega valor à agenda anual de atrações e aos roteiros de turismo da capital federal. Dessa forma, além de fomentar a geração de empregos, cumpre sua função social, contribuindo para o fortalecimento da marca de Brasília enquanto polo cultural de destaque no cenário nacional.
Saiba mais:
34ª Feira do Livro de Brasília
Data: de 8 a 17 de junho de 2018
Horário: 10h às 22h
Local: Pátio Brasil Shopping - Setor Comercial Sul Quadra 07 Bloco A – Asa Sul, Brasília – DF, 70307-902
Estande da FAP: Nº 57
Cristovam Buarque: Mesmos compromissos
Na semana passada, ao descer do apartamento onde moro desde 1980, encontrei minha vizinha Maria José Conceição, a conhecida Maninha, que foi a criadora e executora do programa Saúde em Casa, quando Secretária de Saúde do meu governo entre 1995-98. Há quase 40 anos, somos vizinhos no mesmo bloco na Asa Norte. De maneira simpática, ela e o Toninho, seu marido, que foi Secretário de Administração, reclamaram da foto nas redes sociais que me colocou ao lado de políticos do DF que já estiveram em lados diferentes daquele em que ela e eu estávamos. A pressa para um compromisso meu em Arniqueiras não permitiu aprofundarmos o debate sobre outra foto em que eu deveria estar na eleição deste ano e, com isso, recomendar o voto do eleitor.
Não seria na foto dos que desistiram, achando que tudo ficou igual e corrupto na política; não seria na foto dos que ainda se consideram os únicos donos da cor vermelha; nem dos que se negam a fazer uma autocrítica diante dos erros éticos, políticos e estratégicos que cometeram.
Até pouco tempo atrás, ela e eu, e uma imensa legião de militantes idealistas, fazíamos parte do chamado bloco vermelho da política do DF, que se opunha ao bloco azul. Nestes 25 anos, a política no Brasil passou por um terremoto ideológico e moral. A pureza ética do bloco vermelho foi manchada; muitos se afastaram por causa disso; outros, ao perceber que a crise moral tinha uma causa anterior: a perda de substância do bloco vermelho para fazer as necessárias reformas estruturais de que o povo precisa, principalmente na educação; nem as reformas econômicas e sociais para o Brasil não ignorar as transformações que ocorrem no mundo. Partidos que se diziam de esquerda perderam substância transformadora, antes de perder a vergonha.
Deixaram de perceber mudanças fundamentais na realidade, desejos novos da população, especialmente dos jovens; de perceber a realidade da globalização, da robótica, da importância decisiva da educação, do empreendedorismo e da inovação. A velha esquerda ficou reacionária para os novos tempos da civilização; deixou de ser vanguardista no entendimento da realidade e nas propostas para transformar a realidade. Ao se opor às transformações na realidade e nos sonhos dos jovens, o vermelho amarelou. A velha esquerda não entendeu que não se faz justiça social sem economia eficiente e sem equilíbrio nas contas públicas; não entendeu que a robótica exige novas leis nas relações do capital com o trabalho; nem percebeu que as elites dirigentes usaram o Estado para servir aos seus interesses, quebrando as finanças públicas, deixando Previdência e fundos de pensão arruinados; não entendeu que o Estado foi privatizado e colocado a serviço do partido no poder, de empreiteiras, de políticos e de sindicatos, sem colocar os órgãos estatais a serviço do público.
Hoje, o “lado certo” está com aqueles que, não importa a sigla partidária, defendem a ética no exercício do poder, colocam os interesses do povo e do público na frente dos empresários, dos deputados e senadores, dos partidos e dos sindicatos; usam as mais modernas ferramentas para fazer os serviços públicos mais eficientes; têm menos preocupações com obras e mais com os serviços.
Para tentar levar adiante esses compromissos, é preciso não cair na omissão, o que é uma tentação, sobretudo para quem nenhum benefício pessoal recebe do cargo político, nem mesmo salário. A alternativa não é se unir àqueles que não entenderam as transformações em marcha. O que está em jogo não é apenas lutar por bandeiras antigas, mas construir as novas bandeiras que o mundo exige. Nosso antigo lado perdeu substância no comportamento e nas propostas, na política e na ética. A pergunta não é mais como continuar no mesmo lado, mas quais são os sonhos e os projetos do lado certo neste momento; e ter coragem de dar o passo em direção a ele.
Na administração de 1995-98, Maninha não precisou de obras caras para melhorar a saúde; conseguiu isso com saneamento, levando o atendimento médico às casas dos doentes e com boa gestão nos hospitais. Mas esse período em que fui governador e Maninha, secretária, só foi eleito porque contou com o apoio do PSDB, na eleição de 1994. Eu vou continuar insistindo, tentando, com os compromissos de sempre, com as ideias adaptadas à realidade, mantendo os sonhos e em fotos com aqueles que quiserem se unir comprometidos por um grande encontro por Brasília, olhando para o futuro.
Relatório do Seminário “Desenvolvimento sustentável e inclusão social” - Brasília (10/03/2018)
Seminário “Desenvolvimento sustentável e inclusão social” - Brasília (10/03/20018)
Relatório: professora Maria Amélia Enríquez
Não se pode debater “desenvolvimento sustentável” e tampouco “inclusão social”, com a profundidade que o tema requer, dissociados da discussão do modelo econômico do país, tendo em conta que é na reprodução da vida material que os impactos socioambientais são gerados, mas é também na esfera econômica que os impostos que financiam as políticas públicas, inclusivas ou não, são arrecadados.
Dessa forma, não é exagero afirmar que o modelo econômico adotado pelo Brasil, que é resultante das escolhas políticas feitas ao longo do tempo, é um dos principais obstáculos para a busca por um futuro com mais prosperidade, mais justiça social e sustentabilidade para todos. Tal modelo está assentado no tripé: 1) sistema financeiro distorcido; 2) sistema produtivo focado em commodities; e 3) sistema de inovação nacional frágil. Esse tripé tem feito do país um dos campeões de concentração de renda, de exclusão social e de desigualdades regionais.
Para o ano de 2017, o lucro do setor financeiro registrará um crescimento de 20%, em relação a 2016, o equivalente a R$ 70 bilhões. Nesse período, o crescimento do PIB será, no máximo, de 1%. O próprio setor financeiro reconhece que "não adianta ser uma empresa rica, num país pobre"[1]. Os altos juros historicamente praticados pelo sistema financeiro nacional desestimulam investimentos produtivos, afetam negativamente as expectativas dos investidores produtivos e, por conseguinte, inibem a criação de novos empregos e de renda; mas um dos principais facilitadores desses altos juros é o próprio governo, por causa do déficit público, cuja escalada é crescente.
Dessa forma, a nova política deve ter em conta que é necessário:
» Assumir o compromisso com uma gestão cuidadosa do dinheiro público. Deve-se recordar que juro é o preço do dinheiro, e cada vez que o governo demanda esse bem no sistema financeiro ele joga este preço lá para cima – não há mágica que possa mudar isso, a não ser a responsabilidade fiscal. Então é urgente uma clara definição de quais as prioridades sociais devem ser atendidas, já que o cobertor é curto e as necessidades são imensas. A história mostra que a sociedade aceita sofrer algum tipo de privação no presente, para assegurar uma vida mais justa e sustentável no futuro, mas é indispensável um diálogo muito claro sobre as perdas e ganhos.
» Resgatar o papel dos bancos de agente de financiamento da produção, a fim de que o dinheiro que entra no circuito não sirva apenas para alimentar o próprio sistema, mas sim retorne a sociedade por meio de crédito e a taxas decentes.
A alta dependência das exportações de commodities, de baixo valor agregado, alto custo socioambiental e baixo retorno tributário, conduziu o país à armadilha dos saldos comerciais superavitários, bem difícil e complexa de se destravar. Embora as exportações representem 13% do PIB nacional (dados de 2016)[2], as divisas que geram são indispensáveis para manutenção da estabilidade cambial e consequente equilíbrio macroeconômico, mas também o atual modelo exportador de commodities, é um forte limitante da capacidade de inovação do país, que é o esteio da verdadeira sustentabilidade do desenvolvimento.
Em 2017, o país exportou 218 bilhões de dólares, dos quais 61% compostos por produtos básicos e semielaborados, com predomínio das commodities agrícolas e minerais (MDIC[3]), foram aproximadamente 100 milhões de toneladas de grãos, 400 milhões de toneladas de minérios[4], além de 400 mil cabeças de boi vivo[5], entre outros, gerando renda e emprego de qualidade em outros países e, o mais grave, sem a contrapartida da geração de impostos, uma vez que estão isentos do ICMS, de PIS/COFINS e, ainda podem ter redução de até 75% de imposto de renda, caso a produção ocorrer nas áreas da SUDAM, SUDENE e SUDECO[6]. Há uma estimativa do Tribunal de Contas da União (TCU) de que apenas as perdas decorrentes da Lei Kandir, que desonerou do recolhimento de ICMS os produtos básicos e semi-elaborados, entre 1996 e 2016[7], estão estimadas em R$ 707 bilhões, reforçando o rombo das contas públicas, principalmente dos estados exportadores. Assim, se por um lado é imperativo gerar divisas ao país, por outro, deve-se questionar qual o retorno socioambiental das atividades que estão gerando tais divisas?
O avanço das monoculturas, pela rápida expansão da fronteira agrícola, tem deixado um rastro de dano ecológico, pelo uso desenfreado de pesticidas, fungicidas e agrotóxicos em geral, afetando qualidade da água e a biodiversidade, além de gerar danos sociais, não apenas na fase da produção, mas em toda cadeia logística para o escoamento da produção. Práticas inadequadas do manejo do solo são responsáveis pelo avanço de grandes áreas desertificadas[8], principalmente na região Nordeste do Brasil, além do comprometimento dos aquíferos pelo excesso de NPK[9]. A extração mineral gera poucas conexões produtivas, mas compete fortemente com outras formas de uso e ocupação do território e potencializa riscos socioambientais – água, solo, ar e deslocamentos compulsórios – como cruelmente revelou o desastre de Mariana[10], em 2015. No caso das exportações de boi vivo, o Pará vivenciou, também 2015, um desastre ambiental de enormes proporções resultante do naufrágio do navio Haidar com cinco mil bois[11] e 700 toneladas de óleo a bordo, cujas carcaças ainda submergem no porto de Barcarena, grupos de ativistas e o Ministério Público (MP) impediram as exportações de 27 mil bois vivos no Sul do país[12], entre outros motivos, pelos impactos do transporte no centro da cidade.
Em síntese, a permanência da resignação histórica do Brasil ao seu papel global de exportador de commodities, de baixo valor agregado, pouca intensidade em P&D, ainda continua a responder por boa parte das mazelas socioambientais em que o pais se encontra. A questão é saber quais as alternativas para sair dessa armadilha? É importante frisar que não há soluções milagrosas e imediatas, mas é preciso começar a promover urgentemente a transição para uma economia assentada no conhecimento, que é a real fonte riqueza de qualquer sociedade, e isso requer:
» Direcionar parte dos ganhos da exportação de commodities para fortalecer a nova economia sustentável baseada em conhecimento que está latente, mas que não consegue tomar fôlego por falta do oxigênio de políticas modernas consistentes e estáveis. Uma economia que possa gerar emprego e renda para muitos, afinal somos 208 milhões de brasileiros, que mobilize o potencial criativo, artístico e inovador de cada região, a partir de seus atributos e potencialidades. É preciso levar em conta que as intensas mudanças tecnológicas estão reconfigurando totalmente o mundo do trabalho[13]. Há que preparar, principalmente, a juventude para essas mudanças, que já estão ocorrendo em ritmo acelerado. Isso significa investir mais em ciência, em tecnologia e, fundamentalmente, em fomento à inovação, que é o conhecimento aplicado ao mundo da produção, e preferencialmente nos territórios em que esta produção ocorre, não raras vezes sem nenhum suporte científico e tecnológico que permita elevar a produção e a produtividade. Convém lembrar que um dos componentes fundamentais do crescimento do PIB é o aumento da capacidade de inovação da indústria. Portanto, é mandatório que os superávits do setor exportador de commodities possam financiam com a estabilidade e a regularidade necessária as políticas[14] em prol da inovação.
» Redirecionar os incentivos do modelo de commodities para outro modelo com maior valor agregado, inclusão social e renda. Isso requer uma mudança na política tributária que reveja criticamente o mantra de que “imposto não se exporta”. Ao exportar commodities se estão exportando água, nutrientes do solo, base de biodiversidade, serviços ecossistêmicos (captura de carbono, por exemplo), patrimônio natural que levou bilhões de anos para ser formado e empregos de qualidade, mas nada disso está precificado; muito pelo contrário esses bens e serviços estão saindo como bônus nas mochilas ecológicas dos bens primários exportados [15], por causa da agonia do curto prazo. Há muitos exemplos de países que taxaram fortemente as exportações de commodities e concederam vários incentivos a atividades de maior valor agregado[16], essa sim merecesse ser isenta já que mobiliza os fatores produtivos internamente. Ao invés de produtos básicos, deve-se ter um olhar atento para os serviços que são a base da economia desta 4ª Revolução Tecnológica que já estamos vivenciando, e que tem o potencial de gerar no curto prazo muito empregos. Isso requer mudança substantiva na lógica atual que premia quem exporta commodities, com isenções tributárias, e pune quem agrega valor, emprego, produz e vende internamente, com a alta carga tributária[17].
» Reduzir os custos e a burocracia para quem produz, gera empregos e recolhe impostos no país. Isso requer uma administração pública saneada da corrupção, mais eficiente, mais produtiva e mais engajada em transformar para melhor o país. Há muitos servidores imbuídos com esse espírito público, mas que precisam de protagonismo e voz. O que deve ser feito por meio de mecanismos de controle social bem mais transparentes, com premiação ao mérito e punição exemplar aos maus feitos.
O estímulo excessivo ao consumo interno, como meio de alavancar a economia, que ficou conhecido como “keynesiansmo vulgar”[18], teve vida curta e não produziu os efeitos duradouros desejados. Em grande parte, por limitação do sistema produtivo, pois sem a retaguarda da ciência, da tecnologia e da inovação, para produzir mais com menos desperdício, menos impactos socioambientais, mais eficiência e mais resultados, não há como ser competitivo. Aliás, esse é outro aspecto pouco explorado do modelo econômico que conduziu o país ao quadro recessivo e de insustentabilidade socioambiental. Aumento de consumo não significa necessariamente aumento de produção e de emprego, pois se a demanda for atendida pela importação de bens e serviços, haverá “vazamentos” de renda, e também de empregos, para outras economias. Além do que o aumento do consumo supérfluo é anti-ecológico, reproduz e agrava as injustiças sociais.
Mais uma vez, o desafio é:
» Mobilizar a capacidade criativa, empreendedora e inovadora da sociedade. Embora tenha gerado benefícios socioeconômicos no curto prazo, o estímulo ao consumo interno não se sustenta sem uma base produtiva sólida e, para isso, é indispensável o correto estímulo com foco para atividades sustentáveis. Isso implica em escolhas, às vezes duras, mas absolutamente indispensáveis.
» Priorizar o investimento em capital humano. Educação de qualidade é a melhor forma de inclusão. O modelo apenas assentado em consumo, desconectado de uma educação transformadora, tem gerado milhares de lixões e prefeituras que estão incorrendo em ilícitos ambientais e passivos ambientais impagáveis.
» Mobilizar forças sociais em prol de uma conduta centrada em valores – para além da base produtiva é preciso alimentar a capacidade transformadora da sociedade em cada cidadão se reconheça como partícipe da construção de um país melhor e mais justo para todos. Nenhuma colaboração, por menor que seja, é dispensável. Uma cultura do ego e do ter sem limites, em detrimento à de solidariedade humana e planetária, nos empurra para o caos e para violência desenfreada que vivenciamos a cada dia.
Desde os anos 1990 Amartya Sen[19] alerta que a educação é tanto fim como meio e contribui expressivamente para geração de emprego e de renda não só para o futuro, mas no presente mesmo- pequenas cidades que abrigam centros tecnológicos ou universidade têm experimentado importantes índices de crescimento. Por fim, é preciso permitir o florescimento de uma economia calcada em valores e inovação, recursos que o Brasil dispõe em abundância, que a visão curto-prazista dá pouca importância, mas que será extinta pela nova realidade que está emergindo.
Participaram do seminário: André Amado, Alberto Aggio,Caetano Araújo, Alba Zaluar, Benjamin Sicsu, Dina Lida Kinoshita, Elimar Pinheiro Nascimento, Felipe Salto, Francisco Inácio De Almeida ,George Gurgel De Oliveira, Ivanir Dos Santos, Luiz Carlos Azedo, Maria Amélia R Da Silva Enriquez , Pedro Strozemberg, Sônia Francine Gaspar Marmo, Rubi Martins Dos Santos, Tereza Vitalle , Vitor Missiato, Vladimir Carvalho Da Silva, Elaiane Marinho Faria.
Leia mais:
» Relatório do Seminário “O Brasil em um mundo em transformação” – São Paulo (03/03/2018)
» Relatório da Conferência Nacional “A Nova Agenda do Brasil”
Links:
[1] http://www.valor.com.br/financas/5318767/bancos-terao-que-conviver-com-juros-menores-diz-lazari-jornal
[2] http://unctadstat.unctad.org/CountryProfile/GeneralProfile/en-GB/076/index.html
[3] http://www.mdic.gov.br/index.php/comercio-exterior
[4] http://www.mme.gov.br/web/guest/pagina-inicial/outras-noticas
[5] http://www.canalrural.com.br/noticias/boi-gordo/exportacao-gado-vivo-sobe-2017-71231
[6] Lei 7.827 de 1989, que criou os Fundos Constitucionais.
[7] https://www.diarioonline.com.br/noticias/para/noticia-460314-lei-kandir-criada-pelo-psdb-sangrou-os-cofres-do-para-em-r$-325-bilhoes.html
[8] http://www.mma.gov.br/gestao-territorial/combate-a-desertificacao
[9] http://cetesb.sp.gov.br/aguas-subterraneas/informacoes-basicas/poluicao-das-aguas-subterraneas/
[10] http://www.bbc.com/portuguese/brasil-41873660
[11] https://g1.globo.com/pa/para/noticia/naufragio-de-navio-com-cinco-mil-bois-vivos-em-barcarena-completa-dois-anos.ghtml
[12] https://g1.globo.com/sp/santos-regiao/porto-mar/noticia/navio-com-27-mil-bois-e-retido-no-porto-de-santos-por-ordem-da-justica.ghtml
[13] Entre janeiro de 2012 a abril de 2017, os bancos fecharam 44.830 postos de trabalho, o que equivale a uma redução de quase 10% da categoria. (http://www.redebrasilatual.com.br/trabalho/2017/08/tecnologia-no-setor-bancario-aumenta-lucro-causa-demissoes-e-nao-reduz-tarifa )
[14] Em 2005, quando o Chile impôs a política de royalties minerais, também criou o “Fundo de Inovação para a Competividade” atrelado ao recolhimento desses royalties; o principal argumento é de que “uma atividade de exploração de recursos não renováveis deve alimentar a acumulação de recursos renováveis sob a forma de conhecimento, ciência e inovação” (https://www.razonpublica.com/index.php/internacional-temas-32/7513-chile-modelo-exitoso-de-ciencia,-tecnolog%C3%ADa-e-innovaci%C3%B3n.html )
[15] http://www.resourcepanel.org/reports/international-trade-resources
[16] A China proibiu exportação de bens primários desde XX, modelo que foi seguido pela Indonésia. http://www.europarl.europa.eu/RegData/etudes/STUD/2016/534997/EXPO_STU(2016)534997_EN.pdf
[17] Para uma comparação da carga tributária no setor da mineração acessar “Perspectiva Mineral n,2”( MME-DF) http://www.mme.gov.br/documents/1138775/1732823/SGM+apresenta+estudo+de+tributa%C3%A7%C3%A3o+das+cadeias+produtivas+do+ferro+e+do+alum%C3%ADnio+01/68e6dc11-c1a1-406c-b9dd-6e759c6e7902
[18] https://jlcoreiro.wordpress.com/2014/11/08/o-retorno-do-keynesianismo-vulgar/
[19] “Desenvolvimento como Liberdade” https://www.saraiva.com.br/desenvolvimento-como-liberdade-livro-de-bolso-2880948.html
Cristovam Buarque: Aliança para salvar Brasília
Muitas vezes, a política promove alianças eleitoreiras e em outras, patrióticas. Não é fácil reunir em um mesmo projeto políticos com divergências anteriores. Quando isso ocorre, em geral, estão sacrificando princípios, programas e ideias em função de interesses puramente eleitorais.
Em ocasiões distintas, políticos adversários deixam de lado as divergências para se unirem em defesa de interesses maiores do país ou da cidade. São alianças para salvar a comunidade da crise que atravessa.
O Brasil viu isso quando Prestes, depois de anos preso e sabendo que sua esposa fora enviada para a morte na Alemanha, se uniu a Getúlio Vargas para trazer de volta a democracia; ou quando Mandela se uniu a De Klerk para acabar com o apartheid na África do Sul. São alianças salvadoras. Brasília está precisando de uma dessas.
Governos anteriores do Distrito Federal deixaram uma imagem negativa na política e um desastre fiscal nas finanças. O último governo, além de péssima imagem moral, deixou as contas públicas absolutamente falidas, diante dos compromissos assumidos, irresponsavelmente, para obter votos e se reeleger.
O Estádio Nacional de Brasília Mané Garrincha é o símbolo perfeito desse desastre. Uma obra sem sintonia com as necessidades da população, foco de corrupção de dirigentes, tanto nas prioridades, quanto no comportamento. Gastos de quase R$ 2 bilhões no estádio, no lugar de escolas, saneamento e saúde. Apropriou-se de parte disso sob a forma de propina, segundo a Polícia Federal.
Lamentavelmente, o estádio é uma entre dezenas de outras medidas imorais que destruíram o bom funcionamento da nossa cidade e a credibilidade de nossos políticos. O governador atual assumiu uma cidade com compromissos que não tem como cumprir, sejam aqueles determinados por seu antecessor, sejam alguns que ele prometeu na campanha eleitoral de 2014.
O resultado é que seu governo se arrasta há dois anos e meio no pântano das dificuldades fiscais — todos recursos são para pagar salários e outros poucos custeios. Apesar de receber mais de R$ 13 bilhões do Fundo Constitucional, que o resto do Brasil, inclusive estados pobres, nos transferem anualmente, agora não temos como pagar os salários de nossos servidores em dia.
Quando o governador assumiu, em 2015, deveria ter chamado todas as lideranças políticas, inclusive, os seus opositores, para tentar encontrar um caminho, com apoio de todos, e enfrentar as dificuldades. No lugar disso, preferiu se isolar com um pequeno grupo de auxiliares, que se consideram em condições de resolver todos os problemas. Fracassaram.
Brasília precisa superar sua dupla tragédia: fiscal e moral. Equilibrar suas contas, usar seus recursos para servir à cidade e ao seu povo e recuperar a credibilidade de seus dirigentes. Isso não será tarefa de nenhum líder carismático, de nenhum partido. Exige uma aliança de todos que tenham sentido de responsabilidade e respeito aos interesses públicos.
A aliança para salvar Brasília não deve abrir mão de convicções e não pode ter preconceitos: deve unir todos os políticos, independentemente de suas posições no passado, desde que respeitem princípios como:
— Não estarem sob suspeitas de corrupção;
— Terem responsabilidade no uso dos recursos públicos, não apenas pela ética no comportamento, mas também na responsabilidade do respeito pelas contas do erário;
— Entender que a gestão pública eficiente é um dos maiores compromissos necessários para servir bem à população;
— Não aparelhar e usar a máquina governamental para beneficiar seus partidos;
— Respeitar o mérito dos escolhidos para cargos e comprometer-se com a austeridade que elimine as chamadas mordomias e vantagens pessoais;
— Em nenhum momento cair na demagogia de prometer mais do que poderá fazer. Não se submeter às reivindicações de grupos corporativos, seja de empresários, seja de igrejas, seja de sindicatos de servidores;
— Definir um programa claro para corrigir os graves problemas na saúde, no emprego, na educação, na mobilidade, na segurança, no crescimento da economia e, obviamente, no equilíbrio fiscal.
Em termos políticos, os últimos que governaram Brasília contribuíram para que a população tivesse uma visão negativa do Distrito Federal. É preciso que nossas lideranças tenham grandeza e se unam pela cidade em uma aliança patriótica.
José Roberto de Toledo: Ibope, Internet e voto
Web virou maior influência para eleger um presidente
Pela primeira vez, uma pesquisa extraiu da boca do eleitor o que urnas e ruas sugeriam mas faltavam elementos para provar: a internet virou o maior influenciador para eleger um presidente. Sondagem inédita do Ibope revela que 56% dos brasileiros aptos a votar confirmam que as mídias sociais terão algum grau de influência na escolha de seu candidato presidencial na próxima eleição. Para 36%, as redes terão muita influência.
Nenhum dos outros influenciadores testados pelo Ibope obteve taxas maiores que essas. Nem a mídia tradicional, nem a família, ou os amigos - o trio que sempre aparecia primeiro em pesquisas semelhantes. Muito menos movimentos sociais, partidos, políticos e igrejas. Artistas e celebridades ficaram por último.
TV, rádio, revistas e jornais atingiram 35% de "muita influência" e 21% de "pouca influência", somando os mesmos 56% de peso da internet. A diferença é que seus concorrentes virtuais estão em ascensão - especialmente junto aos jovens: no eleitorado de 16 a 24 anos, as mídias sociais têm 48% de "muita influência" eleitoral, contra 41% da mídia tradicional.
No total, conversa com amigos chega a 29% de "muita influência" para escolha do candidato a presidente, contra 27% das conversas com parentes. Movimentos sociais alcançaram 28%. A seguir aparecem partidos (24%), políticos influentes (23%), líderes religiosos (21%) e artistas e celebridades somados (16%).
Por que a internet tem um peso tão grande na eleição? A constatação do Ibope é importante por levantar essa questão, mas, sozinha, não é suficiente para respondê-la. Outras pesquisas baseadas em resultados eleitorais e estudos empíricos ajudam a entender o fenômeno, mesmo que indiretamente.
Lançado em 2016 nos EUA, o livro "Democracy for Realists" vem provocando polêmica por contestar o conceito popular de que, na democracia, o eleitor tem preferências claras sobre o que o governo deve fazer e elege governantes que vão transformá-las em políticas públicas. Para os autores, e dezenas de fontes que eles compilam, não é bem assim. O "do povo, pelo povo, para o povo" funciona na boca dos políticos, mas não na prática.
No mundo real, pessoas elegem representantes mesmo cujas ideias e propostas estão em desacordo com o que elas pensam. Não fosse assim, os congressistas brasileiros deveriam sepultar em vez de aprovar as reformas da Previdência e trabalhista, rejeitadas pela maioria dos que os enviaram para Brasília.
Segundo Achens e Bartel, o eleitor não vota em ideias, mas em identidades. Elege quem ele imagina que representa o seu lado contra o outro - sejam quais forem os lados. É aquela piada irlandesa. "Você é católico ou protestante? Ateu. Mas você é ateu católico ou ateu protestante?". Ou seja: de que lado está?
Nos EUA, essa linha é mais fácil de traçar porque as identidades se resumem, eleitoralmente, a duas legendas. Mesmo na disruptiva eleição de Trump, 95% tanto de republicanos quanto de democratas votaram nos candidatos de seus partidos. E no Brasil, onde dois em cada três eleitores dizem não ter preferência partidária?
Nas eleições de 2004 a 2014, a geografia separou petistas de antipetistas. Bairros, cidades e Estados mais pobres ficaram majoritariamente de um lado; enquanto moradores dos locais mais ricos, em geral, ficaram do outro. Em 2016, não mais. A internet misturou e segue confundindo essas fronteiras. A construção de identidades virtuais via Facebook e Twitter aproxima forasteiros e afasta vizinhos. Proximidade física importa, mas menos.
Quanto mais tempo ele passar online, mais a internet influenciará o eleitor. O celular bateu a TV também na urna.
* José Roberto de Toledo é jornalista
Fonte: http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,ibope-internet-e-voto,70001836115