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Luiz Werneck Vianna: Manter fechada as portas do inferno
Fora a interrupção da vida democrática, a saída deste pandemônio parte da política que está aí
Parece que desse mato não sai cachorro, por mais alarido que se faça no Ministério Público, na Polícia Federal, na mídia e nas ruas. Cada agonia cede lugar a outra, agora é a das salsichas, mas também essa não promete durar.
Os desencontros se atropelam, anseia-se por uma saída, quem sabe uma reforma política, das relações trabalhistas ou da Previdência, um sonho de valsa ou qualquer coisa à toa, o que quer que seja é logo abafado pelo coro dos descontentes, e as propostas não se sedimentam nem se abre um debate racional sobre elas. O outro é um inimigo, não cabe diálogo com ele, e grassa o rancor, acolhido pela mídia, que não disfarça mais sua complacência com o azedume de suas manifestações em seus veículos.
A política tem horror ao vazio, e na cena pública em escombros já está à espreita a figura nossa arquiconhecida do messias, do personagem providencial, do sebastianismo que temos encravado em nosso DNA, avaliando se chegou a sua hora. Desta vez, por tropelias do destino, sua sombra não se projeta dos quartéis, mas, dentre outros lugares igualmente indesejáveis, também dos tribunais, como novo lugar de criação de heróis de salvação pública.
O juiz se apresenta como um intérprete geral da sociedade, chegando alguns a preconizar que se contorne a instituição do Legislativo, por designação constitucional, o lugar em que se deve expressar a soberania popular. Há pouco, não vimos uma eminente personagem dos nossos tribunais pontificar no sentido de que temas da reforma política, com a inextricável complexidade intrínseca a eles, deveriam ser confiados a uma deliberação popular? Não seria isso exemplar de um populismo institucional, jabuticaba nova no nosso repertório político?
Mas seria injusto julgar o atual protagonismo de alguns juízes e tribunais como uma prática buscada intencionalmente por eles. Chegou-se a esse cenário patológico de judicialização da política pela ação desastrada dos nossos principais partidos, inclusive, e talvez principalmente, por aquele que contava com a preferência do voto popular, o PT, os quais recorreram a métodos antirrepublicanos a fim de assegurar sua permanência no poder. Decerto que tais métodos foram facultados pela nossa mal concebida institucionalidade política, fruto de políticas sem lastro no conhecimento do País e de sua História, como se Assis Brasil, Oliveira Vianna, Vitor Nunes Leal e até a ficção de um Mário Palmério, para ficar apenas com esses nomes clássicos, tivessem refletido sobre uma realidade distante da nossa.
No caso, não se pode omitir o fato de que o legislador atentou, ainda tempestivamente, para o desastre que tal institucionalidade prometia, criando uma cláusula de barreira para que partidos com baixa representação eleitoral não encontrassem acesso no Parlamento. E também não pode ficar sem registro que tal legislação foi posta por terra pela Suprema Corte, por motivos de fundo populista, na crença de que o livre movimento dos interesses e das ideias acabaria, por si só, de secretar uma estrutura partidária capaz de favorecer a organização de uma sociedade que nasceu, como a nossa, sob o signo da fragmentação e de uma marcante heterogeneidade social e regional.
Se o nosso Estado-nação nasceu, como sustentou Euclides da Cunha, genial intérprete do País e de suas mazelas, de uma teoria política que deveria impor-se pela ação pedagógica de elites ilustradas sobre uma sociedade informe – caberia ao Estado moldar a Nação –, os movimentos que nos trouxeram a democracia e a Carta de 88, respondendo à cultura da época, optaram por conceder primazia aos temas sociais. A agenda da institucionalidade política cedeu lugar à da igualdade, confiando-se à ação do tempo o seu aggiornamento às circunstâncias do País.
Nesse sentido, boa parte das inovações de alcance mais fundo da nova Carta foram dirigidas à reformatação do Poder Judiciário, ao qual se confiou o papel estratégico de garantir efetivação dos direitos sociais criados por ela, recriando o Ministério Público sob um figurino inédito aqui e alhures, deslocando-o de suas tradições estatais e pondo-o a serviço da defesa da sociedade e dos seus interesses. Na mesma direção, institucionalizou a Defensoria Pública, que, com o tempo, passou a rivalizar com o Ministério Público em matéria de intervenções em políticas públicas.
Sob essa arquitetura robusta, amparada pelos seus vértices institucionais, como o Supremo Tribunal Federal, logo o Poder Judiciário veio a se contrastar com os Poderes políticos, em particular com um Legislativo que se deixou enredar pelo tipo de prática espúria a que passou a recorrer o nosso presidencialismo de coalizão na produção de leis, que sabemos agora, como no caso das salsichas, de que forma têm sido feitas. Devemos isso à intervenção da chamada Operação Lava Jato, que, a par de vir sanear a esfera pública de práticas atentatórias à vida democrática, traz consigo a denúncia incontornável do nosso sistema político, cujos males não têm como encontrar solução nos artigos do Código Penal.
Fora a interrupção da vida democrática, hipótese de que juízes nem sequer podem cogitar, sob pena de perjúrio – quando definitivamente as portas do inferno se abririam para nós –, a saída desse pandemônio que nos aflige não conhece outro ponto de partida senão o da política que aí está. Se a guerra é muito importante para ficar apenas nas mãos dos generais, igualmente a política não pode ser confiada a magistrados, com as luzes que tenham.
Não há remédio: temos de nos socorrer das salsichas de que dispomos, descartando pelo devido processo legal ou pelo voto, quando chegar a hora, as imprestáveis para o consumo. Como se dizia, o Brasil não se fez em um dia, e as lições que aprendemos agora são dessas que não se esquecem.
*Luiz Werneck Vianna é sociólogo
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Fonte: http://gilvanmelo.blogspot.com.br/2017/04/manter-fechada-as-portas-do-inferno.html
Cristovam Buarque: Aliança pelo futuro
Desde a autonomia política, o Distrito Federal tem se dividido nas eleições entre forças vermelhas e forças azuis. Essa disputa não está satisfazendo. A população está descontente com os eleitos e seus resultados. Eles exigem uma disputa não mais entre azuis e vermelhos, mas entre o passado e o futuro, independentemente da tradição dos partidos do passado.
A primeira condição do futuro é entender o DF como parte do Brasil. Não há mais espaço para tomarmos nossa unidade da federação com direito a desperdícios, enquanto os outros estados sofrem com a escassez de recursos. O resto do Brasil não vai aceitar o financiamento de estádio de futebol quase inútil ao custo de R$ 2 bilhões, com a venda de terrenos que nos foram dados para garantir nosso futuro. Também não aceita mais que o Fundo Constitucional nos remunere com salários muito acima da média nacional, sem justificativa plausível e retorno que justifique. Daqui para frente, a nação brasileira exigirá que o DF use sua autonomia com responsabilidade.
O amanhã vai exigir eficiência em todos os gastos. A disputa política não deve ser entre quem propõe gastar mais e, sim, quem permite gastar melhor, fazendo mais com menos custos. Isso exigirá menos corporativismo e mais sentimento coletivo de amor e responsabilidade com a cidade, seu povo e seu futuro. É possível que o poder das corporações ainda prevaleça e, na próxima eleição, a população ainda vote olhando para o passado por um espelho político retrovisor. Nesse caso, chegaremos em 2022 ainda mais comprometidos, endividados, descrentes e desacreditados, a tal ponto que podemos levar o DF a perder nossa autonomia política.
A austeridade, a eficiência e o compromisso público serão condições fundamentais para o que está por vir. Precisamos sair do velho debate entre os privatistas e os estatizantes, colocando no lugar a publicização dos serviços sob responsabilidade do governo: servir aos interesses do público, sua população de hoje e sua população futura. As propostas devem representar e defender os interesses do cidadão nas ruas, dos doentes nos hospitais, das crianças nas escolas, dos passageiros nos ônibus e no metrô. A gestão deve visar o bem comum, não de construtores, sindicatos ou políticos. Mais importante do que ser estatal ou privado, o fundamental será ser eficiente e justo. Esse debate não deve ser feito com base nos velhos preconceitos vermelhos ou azuis, privatistas ou estatizantes. Nossos candidatos para o futuro não devem cair no reacionarismo concentrador, nem no populismo destruidor.
O futuro exige a gestão pela prevenção dos problemas e não pelas promessas em corrigir aqueles criados pela omissão de administrações anteriores. O DF já foi exemplo dessas alternativas de boa gestão como saneamento condicional, saúde em casa, paz no trânsito, poupança escola, bolsa escola e tantos outros exemplos de políticas públicas que evitam que os problemas apareçam. Daqui para frente, o mundo inteiro viverá na austeridade e deverá, cada vez mais, conduzir o futuro com uma gestão preventiva, no lugar de corretora: cuidar para reduzir a necessidade de leitos, oferecer medidas preventivas no lugar de prisões e, graças à educação, evitar acidentes de trânsito por regras apropriadas.
Muito mais do que as velhas promessas genéricas, o futuro vai demandar soluções simples para problemas do cotidiano. A população quer saber como sua quadra terá mais segurança e não qual será a política de segurança; quer suas escolas limpas, bem cuidadas, com aulas, seus filhos bem atendidos e com bom aproveitamento, deixando para os professores as decisões sobre os métodos teóricos da pedagogia que serão usados. Enfim, quer soluções diretas.
Este será o debate do tempo que está por vir, para que possamos construir uma aliança, que exigirá sair da velha tradição de acordos eleitorais entre vermelhos e azuis. A aliança não deve ser mais entre siglas para beneficiar os eleitos, mas entre aqueles que se comprometerem a construir o futuro a serviço da população e de Brasília. Mais importante do que saber de que lado partidário estava o candidato no passado, a aliança para 2018 deve ser de que lado do futuro os candidatos prometem e têm credibilidade para se apresentar. Em qualquer das siglas existentes há pessoas comprometidas com o futuro e em qualquer delas há pessoas viciadas no passado. No lugar delas, que nos deixaram na situação atual nada satisfatória, precisamos de uma aliança esperançosa pelo futuro.
Fonte: www.cristovam.org.br
Míriam Leitão: Resposta ao desemprego
O principal problema da economia brasileira hoje é o desemprego. Ele é o fruto mais amargo da grave crise na qual o país entrou por má condução da política econômica. Foi o governo Dilma que jogou o emprego nesta queda livre, mas o governo Temer não tem sabido dar uma resposta efetiva. O mercado de trabalho terá outro ano difícil em 2017, mas começará a colher algumas boas notícias.
O país passou nos últimos dois anos pela maior destruição de empregos da história recente. Só no ano passado, foram 3,3 milhões de desempregados a mais. Desde a eleição presidencial, 5,78 milhões. A taxa pulou de 6,8% no final de 2014 para 12% no fim de 2016. Na média do ano passado, ficou um pouco menor, 11,5%, mas isso não chega a reduzir o problema. Há vários sinais dessa deterioração: no emprego, na renda e no trabalho de qualidade. Segundo o IBGE, houve uma queda de 2,3 milhões de pessoas com carteira assinada. Os empregos criados no fim do ano foram temporários e sem carteira. E mesmo em período em que sazonalmente se cria mais postos de trabalho não está havendo uma recuperação da taxa.
Este ano haverá alguns paradoxos. Segundo o economista Bruno Ottoni, do Ibre/FGV, a população ocupada vai crescer ao longo dos meses, mas a taxa de desemprego cairá pouco. Parece contraditório, mas é um fenômeno que já ocorreu em outras saídas de crise. Como há muito desemprego por desalento — gente que não procura emprego porque acha que não vai encontrar — quando a economia começar a melhorar, haverá uma procura maior por vagas. Por isso, haverá elevação da população ocupada, porém a taxa de desemprego cairá pouco, porque mais pessoas estarão voltando ao mercado de trabalho.
— O indicador que vai determinar o ponto de virada no mercado de trabalho é o da População Ocupada, porque ele vai medir o número de empregos gerados na economia. A taxa de desemprego terá uma influência muito grande do desalento, pessoas que hoje estão tão desanimadas que nem sequer saem de casa para procurar emprego — explicou Ottoni.
Pelas estimativas da FGV, a População Ocupada aumentará em 1,2 milhão ao longo do ano. Já a quantidade de desempregados, na mesma comparação, cairá de 12,3 milhões para 11,9 milhões, uma queda de apenas 400 mil. Outro fenômeno é a falta de confiança das empresas na recuperação.
— O número de horas trabalhadas nas empresas ainda está baixo. E, antes de os empresários voltarem a contratar, eles vão aproveitar ao máximo a mão de obra empregada. Além disso, será preciso ter mais certeza de que a recuperação é duradoura. Em um primeiro momento, as vagas devem ser temporárias, com uma remuneração mais baixa — disse.
A recessão ajudou a criar esse quadro e ele foi resultado dos erros de condução da política econômica no governo Dilma. Mas uma parte do problema é estrutural. A economia, em qualquer país do mundo, não está conseguindo criar emprego de qualidade. O desafio é global e até em países onde a taxa está baixa, como os Estados Unidos, o assunto é uma agenda permanente da sociedade. Um dos paradoxos do momento atual é o presidente Donald Trump que, num país com índice de apenas 4,7% de desemprego, se elegeu com a promessa de trazer de volta as vagas supostamente roubadas por outros países através do comércio.
A economia hoje cresce, em qualquer setor, criando menos emprego do que no passado, pelo avanço da tecnologia e pela mudança nos processos de produção.
Os governos petistas apostaram que se dessem forte volume de subsídio estatal para as empresas elas criariam emprego. O resultado durou pouco e os efeitos colaterais ficaram. O governo Temer precisa ter uma agenda de políticas de apoio à criação de vagas que não repitam os erros do passado recente.
Uma parte dessa agenda é sem dúvida a reforma trabalhista. Mercados mais flexíveis criam emprego em maior volume e saem mais rapidamente das crises. E a regulação excessiva do mercado brasileiro encolhe a oferta das vagas formais e expõe mais trabalhadores à total falta de proteção do mercado informal. A reforma trabalhista é uma parte da política pró-emprego, mas não pode ser a única. A esta altura o governo Temer precisa dar uma resposta, independentemente de quem tenha criado o problema.
* Miriam Azevedo de Almeida Leitão é uma jornalista e apresentadora de televisão brasileira.
Fonte: http://gilvanmelo.blogspot.com.br/2017/02/resposta-ao-desemprego-miriam-leitao.html
Fernando Rezende: A reconstrução do Estado. Qual é o caminho a seguir?
A primeira etapa de um percurso que visa à reconstrução do Estado é a que trata da reforma do processo orçamentário. Ao longo das ultimas décadas, a importância do orçamento público para o fortalecimento do Estado e a vitalidade da democracia foi solenemente ignorada. O orçamento deixou de ser o principal instrumento para garantir o equilíbrio dos Poderes para se transformar numa das próprias causas para a multiplicação dos conflitos.
A destruição do processo orçamentário acarretou a irrelevância do orçamento enquanto instrumento fundamental para organizar as ações do Estado e criar as condições necessárias para a eficiência e a eficácia das políticas públicas, com a consequente ineficiência da gestão e o desinteresse dos profissionais mais qualificados em exercer as funções burocráticas. Na ausência de estratégias assentadas num planejamento competente, o horizonte do orçamento foi ofuscado e o Estado abandonou uma ação proativa para se acomodar numa atitude reativa.
Na primeira etapa desse percurso, o passo inicial consiste na restauração da credibilidade do orçamento mediante a recuperação do espírito que guiou a instituição da Lei de Diretrizes Orçamentárias (a LDO) pela Constituinte de 1988. Conforme estipula o texto da Constituição, cabe à LDO estabelecer as metas fiscais, definir as diretrizes orçamentárias, o programa de investimentos e a política de financiamento das agências financeiras oficiais, o que nunca chegou a ser feito como deveria. Desde o primeiro momento esse espírito foi desvirtuado, transformando a LDO numa lei que trata de inúmeros detalhes sem tratar de fato do essencial.
Não é preciso dispor de poderes sobrenaturais para evocar o espírito que presidiu à instituição dessa lei. Basta seguir à risca o que diz a Constituição. E isso começa com o rigor na previsão das receitas orçamentárias, abandonando a prática antiga de superestimar recursos para abrigar maiores demandas de gasto e o vício adquirido há algum tempo de contar com receitas extraordinárias para cumprir as metas fiscais. Um passo nessa direção foi dado pelo atual governo com a disposição de exibir números mais realistas para o déficit primário, mas o resultado anunciado ainda depende de receitas extraordinárias e não explicita um grave problema, que é a insuficiência das receitas correntes para cobrir despesas obrigatórias.
A credibilidade do orçamento não depende apenas de previsões confiáveis para as receitas. É preciso deixar claro o crescente avanço das despesas obrigatórias sobre as receitas correntes e a impossibilidade de sustentar o equilíbrio fiscal no médio prazo sem pôr em discussão o desequilíbrio nas prioridades orçamentárias, que cresceram à sombra do foco na meta anual para o resultado primário. Isso é essencial para restaurar a credibilidade das projeções inseridas no anexo de riscos fiscais da LDO, de modo a dar início a um processo de planejamento orçamentário de médio prazo que não focalize apenas o equilíbrio macroeconômico, mas também as diretrizes a serem seguidas com vista à redução dos desequilíbrios nas prioridades orçamentárias.
Um planejamento orçamentário de médio prazo também é essencial para articular as medidas necessárias para sustentar a estabilidade macroeconômica com aquelas que devem cuidar da promoção do desenvolvimento. Daí o mandato constitucional que determina destacar na LDO as iniciativas voltadas para alavancar o crescimento mediante a formulação de um programa de investimentos e a concomitante definição da política de financiamento das agências financeiras oficiais. As regras da LDO são claras. Ao Estado cabe cuidar da ordem, para manter a estabilidade, e do progresso, para garantir a felicidade da Nação. Está na hora de seguir à risca o preceito constitucional.
Para dar conta dessa dupla responsabilidade é necessário tratar da recuperação do investimento público e do saneamento financeiro das agências de financiamento. Daí a importância de as diretrizes orçamentárias definirem metas para a redução dos desequilíbrios nas prioridades, de modo a abrir espaço fiscal para ampliar os investimentos governamentais e restaurar a capacidade das agências de fomento de apoiarem os investimentos privados, buscando atacar o principal motivo da perda de confiança da sociedade no Estado, que viceja na falta de perspectiva para uma queda rápida e significativa dos índices de desemprego.
Não convém insistir apenas na renovada aposta de que a falência do investimento público poderá ser substituída por privatizações e concessões. Isso é importante, mas não é uma panaceia. Uma política de investimentos orientada por uma visão estratégica de futuro precisa sair do trivial e fazer escolhas capazes de alavancar uma nova rodada de desenvolvimento industrial, que combine medidas relevantes para fortalecer o Estado com a incorporação de avanços tecnológicos para criar empregos de maior qualidade e gerar efeitos multiplicadores em toda a economia.
Também importante para a retomada da confiança da população no Estado é a recuperação da sua capacidade de executar o que foi prometido. O povo está cansado de promessas nunca cumpridas e para mudar isso é preciso que o tema esteja presente nos primeiros esforços de retomada do planejamento. Para evitar que isso se repita é essencial que o compromisso com o realismo das propostas seja complementado por medidas que visem a reforçar a capacidade de operação da máquina pública em áreas estratégicas para o País, de modo a instilar confiança na população com respeito a capacidade do Estado de liderar uma saída mais rápida da crise e dar início a uma nova etapa de desenvolvimento.
* FERNANDO REZENDE É ECONOMISTA, PROFESSOR DA ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DE EMPRESAS DA FGV, FOI PRESIDENTE DO INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA
Silvio Pons: A História do Comunismo e o Mundo Atual
O historiador italiano Silvio Pons um dos mais respeitados estudiosos do marxismo, esteve no Brasil para o lançamento de “A Revolução Global - História do Comunismo Internacional 1917-1991”, e falou ao programa Milênio (GloboNews)
Fonte: http://gilvanmelo.blogspot.com.br/2017/01/silvio-pons-historia-do-comunismo-e-o.html?spref=fb
Marco Aurélio Nogueira: Morte de Teori exacerba cultura da conspiração e faz crescer o imponderável
Tem muita gente que não se esforça para entender o quadro. Alguns não entendem mesmo. Outros posam de sabichões. Há quem pegue a parte pelo todo e há quem se satisfaça em pegar uma evidência isolada para transformá-la em explicação definitiva. Todos, abraçados ou não, formam uma legião de agitadores, pescadores de águas turvas, inocentes úteis e inúteis.
Assim caminha a humanidade. No Brasil, sobretudo. Não há muito o que fazer.
Nessa turma, há quem ache que Moro está lavando a alma da República e há quem o veja como o bandido da história, aquele que faz o trabalho sujo. São pessoas que não conseguem compreender a envergadura da operação – sua objetividade, sua execução “dura”, seu apoio nos fatos – e a reduzem a uma espécie de caça seletiva ao Lula. Ou a uma faxina ética geral, contra todos os políticos.
Trata-se de gente que flutua: que aplaude quando um tucano cai na rede e vaia quando a presa é um petista. Ou vice-versa.
Pessoas assim formam a linha de frente das conspirações. Fornecem o caldo de cultura de que elas necessitam, pois sempre pensam que os conspiradores estão logo ali, na primeira curva. No fundo, torcem para que suas fantasias se convertam em realidade. Querem um pouco de emoção adicional.
Não é por outro motivo que todos os que integram essa turma vejam na morte de Teori a mão suja do atentado criminoso. Nem bem se organizaram as exéquias das vítimas e sem nem dar tempo dos familiares chorarem suas perdas, uns passam a dizer que a queda do avião foi planejada por Romero Jucá, outros porque acham que aconteceu para salvar a pele do Lula. Agiram assim quando JK morreu na Dutra, quando Jango não acordou depois de ter ido dormir, quando caíram o helicóptero de Ulysses Guimarães em 1992 e o avião de Eduardo Campos em 2014. Viram as garras do demônio até mesmo no acidente da Chapecoense. E, evidentemente, na morte de Hugo Chávez.
Dá para imaginar o que seria dito se algum acidente afetasse Lula, Temer ou Alckmin. Ou Tite. Papa Francisco, Trump ou Obama.
Lembremo-nos de Dom Quixote: “yo non creo en brujas, pero que las hay, las hay”. É um erro descartar sumariamente atentados políticos: eles existem e são praticados com frequência. Tão grave quanto, é um erro esquecer que acidentes também. Falhas humanas ou técnicas, armadilhas do destino, azares do clima.
O importante é investigar e descobrir tudo, sempre, até o osso. Mas ainda mais importante é enxergar por entre a névoa e avaliar os desdobramentos: o processo.
Nisso a morte de Teori introduz um complicado fator de imponderabilidade, que não pode ser desprezado. Perde-se o homem, perde-se o juiz competente e discreto, peça-chave da Lava Jato. Uma mola escapa, desarranja o fluxo e faz crescer a confusão.
De inocentes, ingênuos e apressados o inferno está cheio.
*Marco Aurélio Nogueira é professor titular de teoria política e coordenador do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais da Unesp
Fonte: http://politica.estadao.com.br/blogs/marco-aurelio-nogueira/morte-de-teori-exacerba-cultura-da-conspiracao-e-faz-crescer-o-imponderavel/
Luiz Carlos Azedo: A regra nos presídios
Há algo mais de muito errado no sistema prisional. Talvez uma espécie de acordo tácito entre autoridades carcerárias e os chefões do tráfico para manter a paz
O presidente Michel Temer resolveu recorrer às Forças Armadas para impor a ordem nos presídios. Mas essa não é uma questão que possa se resolver apenas com as operações de varredura nos presídios com emprego de soldados ou fuzileiros navais, embora não exista mesmo outra alternativa nos casos onde a situação saiu completamente do controle, como aconteceu no Amazonas, em Roraima e no Rio Grande do Norte. Essa decisão foi tomada diante de informações dos órgãos de inteligência do governo federal de que as rebeliões poderiam ocorrer em outros estados, em particular no Rio de Janeiro, onde agentes penitenciários e policiais civis estão em greve.
É uma crise anunciada. Há décadas os especialistas vêm advertindo as autoridades de que o problema carcerário está aumentando. Os números disponíveis são mais do que suficientes para tornar evidente o tamanho do problema. Somente neste começo de ano, ou melhor, em duas semanas, 134 detentos foram assassinados nas prisões da forma mais brutal, com casos escabrosos de degola e esquartejamento. A opinião pública costuma encarar esse assunto anestesiada, mas, diante das cenas macabras exibidas nas redes sociais por detentos, a maioria das pessoas ficou chocada e a repercussão internacional foi enorme.
Mas não devemos nos iludir. O senso comum entre agentes penitenciários e policiais é que é vantajoso para a sociedade que os presos se matem. A maioria da população está se lixando para o que acontece nas prisões, até que a crise transborde para as ruas. Não é levado em conta o fato de que a matança é um sintoma de escalada da atuação das organizações criminosas, cada vez mais poderosas, especialmente o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, e o Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro. O protagonismo da facção Família do Norte (FDN) no massacre de Manaus foi uma reação à expansão do PCC, que ninguém se iluda.
O Brasil tinha 622.202 pessoas encarceradas em dezembro de 2014, segundo o último levantamento nacional. Desses detentos, 55% têm entre 18 e 29 anos, 61,6% são negros e 75% têm até o ensino fundamental completo. Ou seja, esse perfil demográfico mostra uma relação direta com as nossas desigualdades sociais, em especial quanto à distribuição de renda e à educação, além da discriminação racial. Temos a quarta maior população carcerária do mundo, atrás apenas de Estados Unidos (2.217.000), China (1.657.812) e Rússia (644.237). O mais grave é o fato de que 40% dos presos são provisórios, ou seja, não foram julgados e condenados, o que revela mais uma vez que o nosso sistema judicial reproduz essas desigualdades.
Há muita divergência entre as autoridades quanto ao tratamento dado à questão. Uns defendem o endurecimento das penas; outros, a liberação do uso de drogas; alguns acham que separação dos detentos por facção resolve o problema, outros só aceitam a divisão por periculosidade. Enquanto não se chega a um acordo, os presídios se tornaram verdadeiros bunkers das quadrilhas que comandam o tráfico de drogas no país, mantendo seus líderes protegidos e possibilitando que o comando tenha pleno controle dos integrantes das quadrilhas que estão fora dos cárceres. Essa rede, porém, não poderia existir apenas se contasse com os familiares e os amigos; pelo contrário, sua existência está associada à corrupção na administração penitenciária e nas polícias Civil e Militar. O episódio de Manaus mostrou isso. Ou seja, o “sistema” se retroalimenta.
Regras do jogo
Há outras questões que precisam ser debatidas profundamente. A primeira, de responsabilidade do Congresso, é o fracasso da política de endurecimento das penas, a qual aumenta o estoque de presos. Essa tendência, caso não seja contida, acabará levando à aprovação da pena de morte, que já deve contar com o apoio da maioria da população. A segunda, é a morosidade da Justiça, que não julga os presos provisórios e deixa-os mofando na prisão, o que é uma forma de punição que extrapola o chamado devido processo legal. Tanto o Congresso como o Judiciário, nesse aspecto, são sócios da crise.
Há algo mais de muito errado no sistema prisional. Talvez uma espécie de acordo tácito entre autoridades carcerárias e os chefões do tráfico para manter a paz nos presídios e fora deles, desde quando o PCC tocou o terror em São Paulo, o que só serve para permitir que as quadrilhas se fortaleçam ainda mais. Essa parece ser uma espécie de regra do jogo, na qual os traficantes, e não as autoridades, estabelecem o próprio código de conduta. É aí que está o maior dos problemas.
* Luiz Carlos Azedo é Jornalista e colunista do Correio Braziliense
Fonte: http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-regra-nos-presidios/
FMI reduz a previsão de crescimento para o Brasil e a América Latina
Fundo confirma que a América Latina deve superar a recessão, mas diminui previsão de crescimento
O Fundo Monetário Internacional tenta ser mais otimista ao afirmar que o crescimento ganha mais vigor neste ano após um 2016 decepcionante. Segundo a última revisão dos números da economia global, a América Latina superará dessa forma a recessão, ao se expandir 1,2% nesse ano. Mas também será menor do que o esperado. São quatro décimos a menos em relação ao projetado há três meses e o órgão alerta sobre o impacto negativo da incerteza política em um cenário de baixa produtividade, investimentos frágeis e comércio internacional sem incentivo.
A saída da recessão na região é atribuída ao salto dado pela economia brasileira, a maior do subcontinente. A diminuição das tensões políticas internas e a recuperação do mercado das matérias-primas ajuda. Isso permitirá que ao invés de se contrair 3,5%, cresça um tímido 0,2% nesse ano e acelere a 1,5% no próximo. Mas a expansão é três décimos menor do que o esperado — em outubro a previsão do Fundo para o Brasil era de um crescimento de 0,5%.
As economias latino-americanas terminaram o ano com uma contração de 0,7%, um décimo pior do que o previsto no final do ano. Dessa forma, já se adiantou o pior cenário e que o índice cairia dois pontos percentuais ao longo de 2017. O de 2018 se mantém em 2,1%. O crescimento para a região nesse ano fica assim a menos da metade do caminho do 3,4% esperado para a economia global. As economias emergentes e em desenvolvimento crescerão 4,5%.
O Banco Mundial publicou a atualização de suas projeções há uma semana. O órgão calcula que a expansão da economia global irá acelerar 2,7% nesse ano. O crescimento no grupo dos países emergentes e em desenvolvimento subirá de 3,4% em 2016 a 4,2% em 2017. A América Latina crescerá 1,2%. Mas o Banco Mundial alerta que, apesar a da melhoria, a incerteza domina.
A equipe liderada por Maurice Obstfeld, o economista chefe do FMI, faz uma análise semelhante. A conjuntura global enfrenta um panorama mutável. “Os riscos são significativos e de difícil previsão”, indicam. Citam expressamente o impacto das políticas isolacionistas e protecionistas. Na América Latina, dizem, a revisão para a queda reflete uma menor expectativa de recuperação a curto prazo na Argentina e no Brasil e os problemas que o México enfrentará em relação aos EUA.
Represálias comerciais
O México, pelo contrário, estancou. A expansão passará de 2,2% em 2016 a 1,7% nesse ano. É uma diminuição de seis décimos na previsão, a segunda maior depois da Arábia Saudita. O pessimismo é atribuído à vitória de Donald Trump e ao fato das condições financeiras serem mais restritivas pelo enfraquecimento da taxa de câmbio. A previsão para 2018 também é de queda, 2%. Na espera de que as reformas estruturais comecem a dar frutos, o temor é o impacto da nova direção da política comercial nos EUA.
Os efeitos da mudança de governo em Washington vão em duas direções. Por um lado, o incremento dos investimentos em infraestrutura e o corte de impostos podem acelerar o crescimento dos EUA. Isso, a princípio, é bom para os países que fazem negócios com a maior economia do mundo. Mas o protecionismo de Donald Trump pode acabar com esse impulso e criar tensões, o que se soma a uma aceleração do aumento da taxa de juros.
O impulso do plano econômico do presidente eleito ainda demorará dois anos para ser sentido e dependerá, de qualquer forma, do que for adotado no Congresso. A maior potência do planeta crescerá 2,3% nesse ano, saindo de um anêmico 1,6% em 2016. É uma revisão com aumento de um décimo em relação ao previsto há três meses. E crescerá dois décimos em 2018, até 2,5%, quase meio ponto percentual a mais.
O FMI volta a afirmar que as reformas estruturais são a prioridade por conta do fraco ritmo de crescimento da produtividade. Na maior parte dos casos vê a possibilidade de apoiá-las com incentivos fiscais. Ao mesmo tempo, defende uma maior integração econômica pela via da formação dos empregados para assim conseguir enfrentar o desafio da globalização e da mudança tecnológica, que se intensificará no futuro.
Fonte: brasil.elpais.com
Paulo Alcantara Gomes: Sem pesquisa, não há futuro...
Há pouco tempo, num artigo publicado nesta coluna (Blog do Noblat, O Globo), mencionei que um dos maiores problemas que temos é a profunda dificuldade em compreender o valor da ciência e da tecnologia para a construção do desenvolvimento.
Na última semana, o Globo mostrou as dificuldades atualmente encontradas por cientistas em dar continuidade aos seus projetos de investigação, muitos deles com expressiva relevância para o nosso crescimento, pois da ciência e da tecnologia surgem as novas oportunidades de geração de emprego e renda, o aumento da competitividade das empresas, a formação de novos quadros de pesquisadores e, consequentemente, um comportamento melhor da nossa economia.
A dimensão da economia brasileira, mesmo vivendo a crise atual, exige que se dê mais atenção ao financiamento às atividades de desenvolvimento científico. Estima-se que hoje estamos investindo pouco mais de 1% (1,28%) do Produto Interno Bruto em Ciência e Tecnologia. A Coreia do Sul, por outro lado, aplica 4,5% do PIB em C&T. Resultado: no início dos anos 70 a renda per capita da Coreia do Sul não chegava a US$ 250, cerca de metade da brasileira na época, e o nosso PIB era quatro vezes maior que o da Coreia. Hoje o PIB per capita deles (US$ 36 mil) é mais do que o dobro do nosso (US$ 15 mil).
Como isto foi conseguido?
Priorizando a educação, promovendo a articulação universidade-empresa, apoiando a iniciativa privada, subsidiando áreas estratégicas para o seu desenvolvimento, facilitando o crédito, criando novos postos de trabalho e, evidentemente, estimulando a tecnologia e a inovação. A Coreia do Sul transformou-se numa das líderes na tecnologia da informação e na indústria eletrônica.
A atividade científica depende de dois parâmetros: a garantia de continuidade e o aporte financeiro necessário para a sua manutenção. Quando tais parâmetros não são seguidos adequadamente, alguns cientistas com reconhecimento internacional são obrigados a tomar a difícil decisão de deixar o país, na medida em que desaparecem os insumos para os seus laboratórios, os equipamentos se tornam obsoletos e, consequentemente, muitos resultados são perdidos. Outros tentam dar andamento aos seus projetos e esbarram em dificuldades para aceitação de seus trabalhos em revistas científicas com credibilidade internacional.
A longo prazo, os danos à ciência serão incalculáveis, pois os reflexos sobre os cursos de doutorado, que dependem da qualidade das teses produzidas e dos trabalhos publicados, serão imensos.
Sofrem as universidades e os institutos de pesquisa e também sofrem as empresas que, cada vez mais, utilizam em seus quadros mestres e doutores em áreas estratégicas.
É fácil e é triste imaginar o que vai ocorrer, pois, além da falta de recursos no que sobrou do Ministério da Ciência e Tecnologia, muitas Fundações de Amparo à Pesquisa, como a do Rio de Janeiro, já anunciaram que não vão sequer honrar compromissos anteriormente assumidos.
A diminuição dos recursos também é responsável pela perda da mobilidade internacional, traduzida por pesquisadores visitantes nos laboratórios universitários ou pela participação de pesquisadores nacionais em laboratórios estrangeiros.
No que concerne ao apoio às empresas torna-se imperioso revitalizar as agências de fomento, assegurar o financiamento na modalidade “subvenção econômica”, estimular, utilizando a capacidade instalada nas universidades, a geração de redes laboratoriais que deem apoio aos projetos das empresas (as centrais analíticas) e de centrais de insumos, facilitadoras da importação de materiais de consumo e de componentes.
Na prática, tudo isto significa dar a verdadeira e merecida dimensão ao trabalho dos cientistas e empreendedores que inovam, de forma a garantir o nosso crescimento.
Em caso contrário, o ajuste fiscal, determinante para a recuperação econômica, estará comprometido.
* Paulo Alcantara Gomes é ex-reitor da UFRJ e ex-presidente do SEBRAE/RJ
Fonte: http://noblat.oglobo.globo.com/artigos/noticia/2017/01/sem-pesquisa-nao-ha-futuro.html
Luiz Eduardo Soares: Tranquila e infalível como Bruce Lee
Os primeiros nove meses do governo Dilma, na segurança pública, foram decepcionantes.
A decepção decorre do contraste entre as expectativas suscitadas pelos excelentes nomes escalados para enfrentar o desafio e a postura da presidente, que prefiro descrever a qualificar, por respeito ao cargo e à sua biografia.
O começo foi alvissareiro, com a nomeação do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que encheu de esperança até os céticos.
O primeiro ato do novo ministro justificou o otimismo. Foram convidados Regina Mikki e Pedro Abramovay para as secretarias de segurança e de políticas para as drogas.
Escolhas irretocáveis, cujos significados prenunciavam avanços. Some-se a isso uma vitória do ministro ao obter o deslocamento da secretaria responsável pela política sobre drogas para o Ministério da Justiça. Ainda que o ideal fosse inseri-la no Ministério da Saúde, tratava-se de um passo positivo da maior importância.
Na sequência, mais um alento: em entrevista a O Globo, Pedro mostrava quão perversa vinha sendo a escalada do encarceramento no Brasil, cujas taxas de crescimento já eram campeãs mundiais: desde 2006, o tipo penal que concentrava o foco das ações repressivas correspondia à prática da comercialização de drogas ilícitas sem armas, sem violência, sem envolvimento com organizações criminosas.
De meados dos anos 90 até hoje, passamos de 140 mil a mais de 500 mil presos. Em termos absolutos, só perdemos para a China e para os Estados Unidos. Era preciso mudar a abordagem do problema.
Por aí ficou Pedro, mas já era suficiente para disseminar o entusiasmo em tantos de nós.
Enquanto a taxa média nacional de esclarecimento de homicídios dolosos é de 8% (92% dos homicidas permanecem impunes, nem sequer são identificados nas investigações policiais), o país entope penitenciárias de jovens pobres, com baixa escolaridade, não violentos, que negociavam drogas no varejo.
Ao condená-los à privação de liberdade em convívio com grupos profissionais e organizados, que futuro estamos preparando para eles e para a sociedade?
Não há uso mais inteligente para os R$ 1.500 mensais gastos com cada jovem preso que não cometeu violência? É preciso impor limites, mas também ampará-los na construção de alternativas.
Veio a primeira frustração: a presidente ordenou ao ministro que desconvidasse Pedro Abramovay. A ordem presidencial caiu como um raio, fulminando a confiança que se consolidava e expandia.
Enquanto isso, o Brasil continua sendo o segundo país do mundo em números absolutos de homicídios dolosos — em torno de 50 mil por ano —, atrás apenas da Rússia.
Para reverter essa realidade dramática, uma equipe qualificada do ministério trabalhou todo o primeiro semestre na elaboração de um plano de articulação nacional para a redução dos homicídios dolosos, valorizando a prevenção mas com ênfase no aprimoramento das investigações.
Um plano consistente e promissor, que não transferia responsabilidades à União, mas a levava a compartilhar responsabilidades práticas. Em meados de julho, chegou a data tão esperada: o encontro com a presidente. O ministro passou-lhe o documento, enquanto o técnico preparava-se para expô-lo.
Rápida e eficaz, tranquila e infalível como Bruce Lee, a presidente antecipou-se: homicídios? Isso é com os Estados. Pôs de lado o documento e ordenou que se passasse ao próximo ponto da pauta.
Luiz Eduardo Soares é antropólogo e autor, entre outros, de Justiça (Nova Fronteira, 2011). Foi secretário nacional de Segurança Pública (2003).
Fonte: http://www.acessa.com/gramsci/?page=visualizar&id=1422
A interminável crise política pode adiar a retomada econômica
Delação "do fim do mundo" e o avanço das investigações sobre a chapa Dilma-Temer colocam em xeque a habilidade do Governo para aprovar novas reformas
A convulsão política interminável no Brasil fez crescer o temor de que a ansiada retomada da economia não se concretize em 2017, ou seja aquém da esperada. Segundo economistas ouvidos pelo EL PAÍS, as investigações em curso derivadas da LavaJato têm potencial para desestabilizar o Governo de Michel Temer e podem comprometer a habilidade do presidente promover novas reformas econômicas consideradas essenciais para o país, como a da Previdência e a trabalhista. Assim, mesmo com a troca de poder no Executivo, a crise instaurada em Brasília foi às alturas sob a luz das investigações sobre corrupção. O imbróglio político torna-se, assim, o maior entrave para tirar o país do atoleiro em que se encontra, segundo os especialistas.
Com um amplo horizonte de dificuldades, as estimativas de crescimento neste ano são bastante modestas. As estimativas das instituições financeiras sobre a atividade econômica brasileira também não são animadoras. O mercado financeiro projeta que o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil feche 2016 com uma queda de 3,49% e calcula, para o ano que vem, um crescimento lento de 0,5%, segundo o último boletim Focus - o levantamento que escuta centenas de economistas de instituições financeiras.
"Estamos vendo o presidente sangrar com a crise ao redor dele. Há um temor muito grande em relação à delação da Odebrecht e o quanto ela pode atingir em peso o Governo Temer e afetar seu capital político", explica Sérgio Valle, economista-chefe da consultoria MB Associados. Para ele, com o ambiente rodeado de turbulências, é provável que Temer enfrente dificuldades em aprovar a impopular reforma da Previdência, considerada imprescindível para garantir o equilíbrio nas contas públicas brasileiras.
A possível decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2017, sobre a possibilidade de cassação da chapa Dilma-Temer apontam um futuro imprevisível no próximo ano. As investigações se iniciaram com uma ação do PSDB, que suspeitava que a campanha eleitoral daquele ano tivesse sido financiada com recursos públicos desviados – algo que tanto a ex-presidenta quanto o atual chefe do Executivo negam. "Se a chapa for cassada e Temer sair da Presidência, haverá uma forte instabilidade, o que atrasaria ainda mais a retomada econômica e afugentaria os investimentos. Seria algo muito turbulento", opina Valle.
É certo que há alguns sinais positivos no cenário, como a tendência de baixa dos juros nos próximos meses, depois que a inflação cedeu, uma vez que a recessão colaborou para a queda de preços. Além disso, há uma expectativa positiva de um ano próspero par ao setor agrícola, com uma esperada supersafra. Uma alta de matérias-primas pode contribuir para uma melhoria no âmbito internacional. A Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) projeta um aumento de 7,2% das exportações brasileiras em relação a 2016. Já as importações devem avançar 5,2% frente aos números registrados neste ano.
Até a chegada do controverso presidente americano Donald Trump à Casa Braca poderia trazer surpresas. Num momento em que ele assume uma postura provocativa com a China, o xadrez do comércio internacional poderia ganhar novos lances e beneficiar, indiretamente o Brasil. “Somos concorrentes dos EUA em alguns produtos agrícolas que poderíamos importar para a China, por exemplo", explica.
Mas nada de concreto que assegure um futuro alentador para um governo frágil, sujeito até mesmo a ser cassado. O processo no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que investiga as contas de campanha presidencial de 2014, pode ser definido em 2017, coloca uma espada na cabeça de Temer. Se houver comprovação de fraude, o TSE poderia pedir a cassação da chapa vencedora das eleições (Dilma-Temer), o que aponta um futuro imprevisível no próximo ano. As investigações se iniciaram com uma ação do PSDB, que suspeitava que a campanha eleitoral daquele ano tivesse sido financiada com recursos públicos desviados. "Se a chapa for cassada e Temer sair da Presidência, haverá uma forte instabilidade, o que atrasaria ainda mais a retomada econômica e afugentaria os investimentos ”, opina Valle.
Para além da sombra da cassação, Temer é a vidraça em meio a uma colheita ruim de dados econômicos derivados da recessão, como o desemprego que penaliza 12,1 milhões de brasileiros – 1,9 milhão deles perderam seus empregos nos últimos 12 meses – e que deve piorar no ano que vem. É ainda o mandatário que aplica remédios amargos garantindo que é o único caminho para reverter o mau agouro. Depois de empenhar-se em aprovar um ajuste fiscal que estabeleceu um teto de gastos por 20 anos, ele trabalha para a reforma da Previdência no próximo ano que afeta diretamente os mais vulneráveis. Assim, sua popularidade, que já é baixa – 8% de aprovação – fica ainda mais comprometida com essa coquetel de más notícias.
Ciente do tamanho da encrenca que precisa administrar, Temer decidiu anunciar na semana do Natal um pacote de medidas para tentar reagir ao cenário pessimista: antecipou a liberação dos saques do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), prometeu a redução dos juros de cartão de crédito e repaginou um programa de manutenção de emprego herdado de Dilma Rousseff.
Para o economista Nelson Marconi as medidas anunciadas são uma resposta ao cenário político deteriorado. “A economia continua patinando e o apoio político está diminuindo. Ele apresenta propostas paliativas, não são de estímulo real à demanda", explica. “O que a economia brasileira precisa é retomar o investimento público. Ao investir, o Governo demande produtos, serviços, contrata mais pessoas e estimula a economia”, explica Marconi.
Silvia Matos, pesquisadora da área de Economia da FGV, observa que parte do inferno astral que o país vive veio de um excesso de otimismo de que haveria uma melhora com o impeachment de Dilma que não se concretizou. “Ficou parecendo que tudo estaria resolvido para a retomada da atividade econômica, mas estamos passando por uma recessão severa, que necessita reformas estruturais muito radicais”, explica.
Os desafios de retomar o crescimento do país não estão concentrados apenas no ano que começa, mas também no cenário político de 2018. Entre os especialistas escutados pela reportagem, há um consenso de que a estabilidade econômica só deverá voltar de forma definitiva caso haja uma eleição presidencial razoável daqui a dois anos. "Dada essa turbulência que estamos vendo nos últimos anos, a chance de você ter um cenário político bem atípico, com muitos nomes, com muitas incertezas está crescendo. Aí a chance de alguém, um salvador da pátria ganhar, e continuar com a instabilidade aumenta", explica o economista Sérgio Valle.
A economista-chefe da corretora XP Investimentos, Zeina Latif, também concorda que há risco das eleições de 2018 serem tumultuadas com candidatos com agendas que não são de continuidade do ajuste fiscal, comprometendo ainda mais a retomada do crescimento. Por isso, para a economista, o curto prazo e o 2017 serão fundamentais para a qualidade da política em médio e longo prazo. Em um cenário benigno, Lafit acredita que uma inflexão da atividade econômica pode ocorrer no último trimestre do próximo ano. "No entanto, até lá, ainda há muito em jogo", afirma.
Fonte: brasil.elpais.com
Governo faz pressão para que bancos públicos reduzam taxas de juros
Avaliação é que, com o corte na Selic Caixa e BB devem capitanear a queda nos juros para forçar os bancos privados a fazerem o mesmo; estratégia já foi usada pela equipe de Dilma, mas governo diz que condições são diferentes
A equipe econômica e o Palácio do Planalto começam a pressionar os bancos públicos a iniciar um processo de redução das taxas de juros e fomentar a concorrência com os concorrentes privados. A avaliação é que esse movimento será respaldado pela queda dos juros básicos da economia, principalmente a partir de 2017, quando o Banco Central aumentar o ritmo dos cortes.
Além disso, o governo acredita que os bancos terão os custos reduzidos com ações que serão divulgadas hoje pelo BC, como a desburocratização na obrigatoriedade de cumprimento do depósito compulsório – dinheiro que os bancos são obrigados a deixar no BC remunerado à taxa Selic.
O uso de bancos públicos para ajudar na política econômica recebeu muitas críticas nos governos dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, quando Banco do Brasil e Caixa financiaram o aumento do consumo e capitanearam uma queda forçada nas taxas de juros. Uma das consequências dessa estratégia foi o aumento da inadimplência dessas instituições, principalmente na Caixa.
Mas, segundo fontes da área econômica, a redução das taxas de juros que será feita pelos bancos oficiais se diferenciará da que ocorreu em 2012, no governo Dilma, porque desta vez o governo não adotará medidas intervencionistas, como obrigar as instituições a tocar programas que a própria área técnica condenava, a exemplo do “Minha Casa Melhor” – linha destinada a financiar móveis para os mutuários do Minha Casa Minha Vida.
Também está descartada a criação de um programa específico como o “Bom Para Todos”, do Banco do Brasil, que promoveu redução de juros em várias linhas para pessoas físicas no sentido de aumentar o consumo das famílias.
Para um integrante da equipe econômica, os bancos oficiais precisam resolver a equação entre proteger os balanços – ainda mais neste momento em que o Tesouro Nacional não tem como aportar recursos – e evitar que a “seletividade” em ofertar crédito e as altas taxas cobradas prejudiquem ainda mais a retomada da economia e, consequentemente, o próprio setor.
Para o governo, a pressão é importante para obrigar esse movimento e os bancos públicos não podem se furtar a esse papel. “É bom os bancos privados ficarem espertos porque vamos para o jogo”, disse uma fonte do governo.
Balanço. Mas, segundo Roberto Troster, sócio da Troster & Associados, esse tipo de pressão no passado recente aumentou a inadimplência dos bancos oficiais e obrigou as instituições a adotar medidas para limpar o balanço, como a venda de carteiras de crédito podre. “No curto prazo, você dá um gás, mas a conta vem lá na frente”, afirma. “A rentabilidade do sistema está caindo e a margem dos (bancos) estatais está baixa.”
O economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas, diz que a taxa Selic caiu um pouco, mas o spread cobrado pelos bancos aumentou. “Isso mostra que os bancos não estão querendo emprestar. Nem para reestruturar dívida”, diz.
A Caixa já repassou o corte de 0,25 ponto porcentual da Selic para as taxas dos financiamentos à casa própria e deve acelerar o movimento acompanhando o BC. O Banco do Brasil é mais resistente. O presidente do BB, Paulo Caffarelli, disse, na sua primeira entrevista, ao Estado, que procura aumentar a rentabilidade do banco para patamar semelhante ao dos privados.
De acordo com dados do BC, os bancos públicos não têm as taxas mais baratas em algumas linhas. O Santander, por exemplo, tem os juros mais baixos no financiamento de veículos (1,85%) e crédito pessoal sem desconto na folha de pagamento (4,25%), segundo informações do dia 29/11 a 05/12.
Por: Adriana Fernandes, Murilo Rodrigues Alves, Vera Rosa , O Estado de S.Paulo.
Fonte: economia.estadao.com.br