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Marcos Troyjo: Com China sendo a maior potência, devemos estudar inglês ou mandarim?

Em algum momento entre 2025 e 2030, o PIB nominal da China deverá superar o dos EUA. A economia chinesa será a maior do planeta.

O fato antecipará em cerca de 20 anos as previsões de Jim O'Neill, criador do acrônimo "Brics". Ele apostara inicialmente que o "C" da sigla superaria a economia norte-americana em 2047.

Quando isso ocorrer, o acontecimento virá revestido de significado. Até a Revolução Industrial desencadear inéditas forças produtivas, sobretudo a partir de meados do século 18, a China era a maior economia do mundo.

Quando, na próxima década, a China superar em tamanho a economia dos EUA, observaremos um eclipse bem raro. Chegará ao fim uma primazia que vem desde 1880, quando os EUA ultrapassaram a economia britânica.

À época, a Rainha Vitória regia um império "sobre o qual o Sol jamais se punha". O inquilino da Casa Branca era o pouco conhecido Rutherford Hayes.

Naturalmente, essa impressionante escalada chinesa repercute na maneira como as pessoas estão se preparando para a economia global.

Quando eu era estudante no ensino médio, fiz intercâmbio numa high school americana. Jamais, há 30 anos, passaria pela minha cabeça ou de minha família estudar na China ou aprender mandarim.

Apenas para ficar no caso de nosso país, é importante reconhecer que desde tenra idade alguns pais já colocam suas crianças para aprender os rudimentos de mandarim, com a mesma convicção e naturalidade que até há um tempo se fazia, por exemplo, com o francês ou o alemão. Muitas escolas de elite em nível fundamental passaram também a oferecer o mandarim como diferencial atrativo.

Nos cursos de bacharelado em relações internacionais —os mais disputados da área de humanas— é que crescente o número daqueles que estudam mandarim. Mais que isso, querem fazer intercâmbio na China. Desejam estagiar e trabalhar em empresas chinesas.

Mesmo em áreas como economia ou administração, estou impressionado como alunos brasileiros hoje pensam e repensam antes de tomar a decisão de estudar inglês e complementar estudos num país anglófono ou aprender mandarim e estudar na China.

Numa recente palestra em universidade brasileira sobre como construir uma carreira global, perguntaram-me se os jovens estariam se preparando melhor para o futuro da economia mundial se tivessem de mergulhar prioritariamente nos aspectos de "soft power" da civilização anglófona ou chinesa.

Comentei o assunto com amigos chineses, uns do ramo empresarial, outros da vida acadêmica. Alguns com negócios em têxteis, infraestrutura ou computadores e outros são professores universitários. Perguntei a eles especificamente o que era melhor para os próximos 25 anos, estudar inglês ou mandarim?

Todos me responderam com firmeza: o inglês. Dizem que hoje há 300 milhões de pessoas estudando inglês na China. Projetam que metade da população chinesa com menos de 50 anos será fluente em inglês até 2035.

Salientam, ainda, que a distância entre o mandarim corrente e o erudito é enorme. E, claro, que apenas o mandarim não resolve a imensa diversidade étnica e linguística da China. Apontam também que os chineses "importam" universidades americanas e britânicas para o solo chinês.

Meus interlocutores chineses defendem, se possível, dominar inglês e mandarim como o melhor dos mundos, mas que aí não sobra tanto tempo para estudar outras coisas talvez mais importantes.

Para nós, brasileiros, além de nos aprimorar cada vez mais no português, é importante perceber que, mesmo para os sempre patrióticos —mas pragmáticos— chineses, o idioma corrente dos negócios continuará sendo o inglês.

Marcos Troyjo é economista, diplomata e cientista social, dirige o BRICLab da Universidade Columbia em NY, onde é professor-adjunto de relações internacionais e políticas públicas. 


O Estado de São Paulo: O valor probatório da delação

É muito oportuna a decisão do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4.ª Região afirmando que colaboração premiada, sem outras provas, não basta para condenar um réu

Editorial

Num momento em que pairam acaloradas discussões sobre o papel das delações no processo penal, é muito oportuna a decisão do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4.ª Região afirmando que colaboração premiada, sem outras provas, não basta para condenar um réu. No caso, a 8.ª Turma, por maioria de votos, absolveu o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, condenado pelo juiz Sergio Moro a 15 anos e 4 meses de prisão – por considerar que não havia prova suficiente, existindo apenas delações premiadas.

O TRF da 4.ª Região não costuma abrandar penas. Em geral, a Corte confirma as punições aplicadas pelo juiz Sergio Moro e, não raro, as aumenta. Tanto é assim que, na mesma decisão que absolveu o sr. João Vaccari Neto, os desembargadores mais que dobraram a pena de Renato Duque, ex-diretor de Serviços da Petrobrás. Eles entenderam que havia ocorrido concurso material nos crimes de corrupção, e não simples continuidade delitiva. Com isso, a pena inicialmente aplicada ao sr. Renato Duque, de 20 anos e 8 meses, pelos crimes de lavagem de dinheiro e associação criminosa, passou a ser de 43 anos e 9 meses de reclusão.

A decisão do TRF manifesta uma exemplar sintonia com a lei. No art. 4.º, § 16 da Lei 12.850/2013 é expresso: “Nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador”. Diante da clareza da lei, não é possível transigir e achar que, em algum caso excepcional, haveria a possibilidade de condenar alguém com base apenas em delações premiadas. A corrupção e a impunidade não serão vencidas com manobras interpretativas da lei. Justamente por ser tão urgente conferir outro grau de respeito à lei urge ser muito estrito na aplicação da lei, também quando ela não agrada a todos.

É muito pedagógico que um tribunal decida pela absolvição de um réu por falta de provas, mesmo havendo delações premiadas que o apontem como culpado. Na decisão de absolver não há uma afirmação definitiva de que o crime pelo qual ele foi acusado não foi cometido. Diz-se apenas que o Ministério Público (MP), mesmo tendo obtido várias delações premiadas, não produziu as provas necessárias.

Tal ponto tem uma enorme importância nos dias de hoje, diante de uma distorção que vem se tornando cada vez mais frequente. Na forma como foi concebida e é aplicada em outros países, a delação premiada é ponto de partida para investigações criminais. A partir das informações prestadas pelo colaborador da Justiça, os agentes da lei realizam investigações com o objetivo de produzir provas robustas, que fundamentarão, a seu tempo, o processo penal. No Brasil, parece às vezes que as delações são vistas como o término da investigação. O trabalho da Polícia Federal e do Ministério Público seria destinado a conseguir delações premiadas. Uma vez obtidas, estariam prontos – essa é a impressão – para levar o caso à Justiça.

Ora, a delação premiada não deve substituir a investigação. A experiência tão positiva dos outros países, que levou a que o ordenamento jurídico nacional ampliasse cada vez mais o uso da colaboração premiada, aponta que a eficácia do acordo de delação está justamente em ser auxílio à investigação. Ao contrário do que se poderia pensar, a colaboração premiada não diminui o trabalho investigativo da Polícia e do MP. Ao abrir novas frentes de investigação, apontando crimes antes desconhecidos, ela as amplia enormemente.

A proibição da Lei 12.850/2013 de se condenar apenas com fundamento em colaborações premiadas preserva, portanto, o sentido original das delações, de auxílio às investigações. Caso meras palavras, ditas por quem se beneficia em dizê-las, pudessem servir para provar crimes, o processo penal ficaria seriamente enviesado. Em vez de ser um instrumento para alcançar a verdade dos fatos – finalidade de todo processo judicial –, as delações se transformariam num obstáculo adicional para o juiz saber o que realmente ocorreu, já que se atribuiria valor probatório a informações transmitidas em contexto não isento.

É preciso reconhecer que conteúdo de delação que não foi provado não serve para nada. A decisão do TRF da 4.ª Região talvez possa ajudar alguns a perceber que o passo seguinte à obtenção da delação deve ser a investigação, e não o vazamento. E que nenhuma campanha de convencimento da opinião pública substitui provas, num tribunal honesto.

Fonte: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,o-valor-probatorio-da-delacao,70001869796

 


O Estado de S.Paulo: Lições de uma derrota

A rejeição da reforma trabalhista na Comissão de Assuntos Sociais do Senado serviu para reiterar a duvidosa qualidade da base de apoio a Michel Temer no Congresso

A rejeição da reforma trabalhista na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado foi comemorada como um gol de placa pelo time dos inimigos da modernização do Estado. O senador petista Humberto Costa (PE) chegou a dizer que foi “a maior derrota do governo Temer”. É um evidente exagero, considerando-se principalmente que o revés não altera de nenhuma maneira a tramitação da reforma no Senado e, mantidas as atuais condições, sua aprovação em plenário deverá ser razoavelmente tranquila. Mesmo assim, o episódio serviu para reiterar a duvidosa qualidade da base de apoio ao presidente Michel Temer no Congresso, algo preocupante diante dos imensos desafios que ainda estão pela frente, em especial a reforma da Previdência.

Michel Temer não pode se dar ao luxo de perder nem votações secundárias, como esta na CAS, porque a estabilidade de seu governo está assentada na presunção de que ele controla uma boa bancada no Congresso, capaz de levar adiante as impopulares reformas. Ao se descuidarem dessa maneira, permitindo que governistas rebeldes prejudicassem os esforços do Palácio do Planalto, os operadores políticos do governo ajudaram a alimentar uma imagem de fragilidade que, somando-se aos problemas jurídicos de Michel Temer, coloca em questão a capacidade do presidente de concluir sua agenda reformista.

É preciso também destacar o papel negativo do PSDB nesse episódio da votação na CAS. Os tucanos precisam decidir se estão mesmo na base de apoio ao presidente Temer e se são favoráveis às reformas, como garantem seus dirigentes. A rejeição à reforma trabalhista contou com a ajuda do senador Eduardo Amorim (PSDB-SE), que na planilha do Palácio do Planalto havia sido contabilizado como um voto a favor. Como o placar foi de 10 a 9, pode-se concluir que esse voto foi decisivo para a derrota. Mas é digno de nota também o comportamento irresponsável de outros governistas na CAS. Cinco senadores da base aliada simplesmente não apareceram para votar.

E há também a sabotagem, pura e simples, capitaneada por Renan Calheiros, líder do PMDB no Senado. Sem fazer parte da comissão, Renan pediu a palavra e tratou de desqualificar todas as reformas encaminhadas pelo governo, acrescentando ainda críticas aos “erros em série da política econômica”. Segundo o senador, que falava como se fosse um sindicalista da CUT, a equipe econômica está levando o País a um “quadro desesperador”.

Nominalmente, o senador Renan Calheiros é do mesmo partido do presidente Michel Temer, mas, na prática, seu partido sempre foi ele mesmo. Neste momento, Renan, alvo de múltiplos inquéritos sob acusação de corrupção, parece acreditar que sua salvação se encontra numa aliança tácita com o chefão petista Lula da Silva, ainda muito forte entre eleitores do Nordeste. De quebra, espera que essa proximidade com Lula ajude o filho, Renan Filho (PMDB), a conseguir a reeleição como governador de Alagoas.

Como era esperado, o governo deu o troco a Renan, usando a linguagem que o Congresso entende: demitiu apadrinhados do senador Hélio José (PMDB-DF), que é do grupo de Renan e votou contra a reforma na CAS.

Mas apenas isso não basta. É preciso denunciar, com a máxima crueza possível, que esses parlamentares são a vanguarda do atraso. Não está em jogo apenas um punhado de mudanças na legislação trabalhista ou no sistema previdenciário. O que está em jogo é a definição do futuro imediato do País.

É urgente enfrentar os problemas estruturais que condenam o Brasil ao desenvolvimento medíocre e à baixa produtividade. As reformas em curso, tímidas diante do desafio, são apenas o começo desse processo, que tem de servir principalmente para romper a lógica segundo a qual tudo neste país começa e termina no Estado. Os inimigos das reformas são justamente aqueles que construíram relações privilegiadas com o Estado, seja na forma de subsídios e isenções em geral, seja como obséquios para funcionários públicos, em detrimento do resto da população, que deve arcar com os impostos que sustentam essa relação viciada. A derrota do governo é a vitória dessa gente.

 

Fonte: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,licoes-de-uma-derrota,70001854590

 


Samuel Pessoa: Não há no Brasil expansão fiscal autofinanciável

Política contracíclica de 2009 e 2010 não trouxe os resultados esperados

Por muito tempo acreditei que a política contracíclica fiscal e parafiscal praticada entre 2009 e 2010 no Brasil tinha sido bem-sucedida. Houve excessos, mas o resultado em geral teria sido positivo.

Hoje penso diferente. Acho que, se não tivéssemos feito nenhuma política contracíclica fiscal e parafiscal, teria sido melhor.

E o motivo é que a ausência desse tipo de política contracíclica teria produzido forte queda da inflação, o que permitiria um ciclo sustentável de queda da taxa de juros -forma mais eficiente de política contracíclica em economias com juros reais e inflação elevados.

Uma forma de avaliar a política contracíclica realizada no biênio 2009-2010 é comparar o desempenho econômico do Brasil com nossos pares, os países da América Latina excluindo o Brasil, grupo que chamarei de AL-ex.

Entre 1985 e 1994, o crescimento da AL-ex foi de 3%, ante 2,8% do Brasil. De 1995 até 2002, foi de 2,1%, ante 2,4% para o Brasil; e de 2003 até 2008, de 5%, ante 4,2% para o Brasil. Com exceção do período FHC, rodamos um pouco abaixo da AL-ex, mas próximos.

No biênio 2009-2010, a AL-ex andou a um ritmo anual de 1,6%, enquanto o Brasil cresceu 3,6% em média. Esses números sugerem que a política contracíclica que praticamos no biênio foi bem-sucedida. No entanto, quando olhamos um período um pouco mais longo, entre 2009 e 2014, a AL-ex cresceu 2,9% na média anual, comparado a 2,6% do Brasil.

Ou seja, com todo o ativismo observado entre 2009 e 2014, nosso desempenho foi pior do que o de nossos pares. A comparação é ainda pior, pois no final de 2014 o Brasil tinha acumulado desequilíbrios que comprometeram ainda mais o crescimento posterior.

Senão, vejamos. O Brasil registrava, no final de 2014, inflação de 6,5% e com forte inércia, pois a média da inflação entre 2010-2014 fora de 6,1%; represamento dos preços administrados de 20%, o que viria a adicionar cinco pontos percentuais na inflação (de um ano); e deficit externo de 4,5% do PIB, o que viria a requerer ajuste do câmbio, novamente com efeitos inflacionários; além de um deficit primário, somente da União, de 1% do PIB.

O ativismo não compensa. Rapidamente chega uma conta bem salgada.

Há uma crença - principalmente entre economistas heterodoxos brasileiros - de que o ativismo fiscal é autofinanciável. Isto é, que o ganho de crescimento promovido pelo aumento do gasto público é tão intenso que, no médio prazo, o ativismo fiscal produz redução da relação dívida-PIB: a elevação da dívida pública que financia o ativismo fiscal é mais do que compensada pelo crescimento econômico adicional.

Os professores J. Bradford DeLong, da Universidade de Berkeley, e Lawrence H. Summers, da Universidade Harvard, no artigo "Fiscal Policy in a Depressed Economy", publicado no Brookings Papers on Economic Activity, no fascículo da primavera de 2012, derivaram a condição para que o ativismo fiscal seja autofinanciável.

O leitor curioso pode conferir a expressão matemática número (7) à página 239. Em economias de juros reais elevados, não há a menor possibilidade de a condição ser atendida: não há no Brasil expansão fiscal autofinanciável.

Se alguém discordar e conseguir provar o contrário, terá em mãos um excelente trabalho acadêmico, que com certeza será publicado em um "top journal" (isto é, no seleto grupo das melhores revistas acadêmicas de economia do mundo).

O desafio está lançado.
* Samuel Pessôa é físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador associado do Ibre-FGV.

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2017/06/1893791-nao-ha-no-brasil-expansao-fiscal-autofinanciavel.shtml


O Estado de São Paulo: A soberba de Lula

Ao se descortinar os fatos graves contra o ex-presidente, ficou demonstrado que o mito do herói petista serve melhor à literatura do que à política

O Estado de S.Paulo

O oportunismo que marcou a trajetória política do ex-presidente Lula da Silva, desde sua ascensão como líder sindical, foi tomado durante muito tempo como uma das virtudes capazes de levar um ex-metalúrgico a ocupar a Presidência da República. A realidade dos fatos, sobejamente documentada nos autos de um número constrangedor de processos judiciais a que responde, encarregou-se de demonstrar que o mito do herói serve melhor à literatura do que à política. Ao descortinar aos olhos dos cidadãos minimamente informados fatos graves que só a fé cega em um demiurgo é capaz de obliterar, as investigações sobre a conduta do ex-presidente revelaram que de virtuoso o oportunismo não tem nada.

Em evento de posse da nova direção do Partido dos Trabalhadores (PT) no sábado passado, na Assembleia Legislativa de São Paulo, Lula se apresentou como o único cidadão capaz de tirar o País da crise. Trata-se da imodéstia de quem se vê acima de qualquer responsabilidade que possa recair sobre seus atos, alguém ungido por um especial desígnio que justificaria qualquer desvario político. “Se o PT deixar, serei candidato para voltar a ver uma sociedade mais igual”, disse o ex-presidente. Poucas vezes uma afirmação de Lula soou tão embusteira. O PT é Lula, o rumo do partido é a expressão máxima de sua vontade. Portanto, o PT não tem qualquer ingerência sobre sua eventual candidatura à Presidência em 2018. Aliás, ainda que tivesse, esta prerrogativa, hoje, é exclusiva do Poder Judiciário, que pode torná-lo inelegível pela Lei da Ficha Limpa.

Durante o discurso, Lula mostrou que além de soberbo é incapaz de compreender a grandeza do cargo que ocupou e que sonha em voltar a ocupar. Afirmando que para voltar à Presidência “não precisa convencer os não convencíveis”, pois lhe bastariam “50% mais um” dos eleitores, Lula deixou clara a visão mesquinha que tem da Presidência da República, como se uma vez eleito estivesse comprometido apenas com o destino daqueles que o apoiam, e não com o de todos os brasileiros.

Ao arvorar-se em único capitão habilidoso o bastante para conduzir um navio à deriva, Lula esconde o papel determinante que teve na construção da pior crise política, econômica e moral da história recente, o mais eloquente atestado do desastre que o lulopetismo representou para o País. Em um misto de vaidade e desfaçatez, o ex-presidente afirmou em seu discurso na Assembleia Legislativa que “a melhor experiência de governança neste país foi do PT”. Para ele, a profunda recessão econômica e os 14 milhões de brasileiros desempregados são “fatos alternativos”.

Citado na delação superpremiada do empresário Joesley Batista como beneficiário de uma conta milionária abastecida com dinheiro de propina, Lula não se deu por constrangido e lançou mão de seu conhecido senso de humor rasteiro. “Estou quase fazendo delação para pegar os meus US$ 82 milhões”, ironizou. O problema seria encontrar um possível delatado, já que as investigações realizadas até agora colocam Lula no topo do esquema de corrupção engendrado para pilhar os recursos do Estado.

Mas não foi só a soberba, a imodéstia e a desfaçatez que marcaram o discurso de Lula na posse da nova direção de seu partido. O cinismo também deu as caras quando o ex-presidente afirmou que “o País nunca precisou tanto do PT como agora”. Prometendo resgatar o “Lulinha Paz e Amor”, o ex-presidente disse que “o PT é o único capaz de devolver a alegria ao povo brasileiro”. Lula é o grande artífice da grave crise por que passa o Brasil e por meio de seu discurso agressivo e excludente disseminou a cizânia e implodiu todas as pontes para uma reconciliação nacional em torno de um projeto de retomada do crescimento econômico, do desenvolvimento social e do debate de ideias próprio da democracia em um ambiente menos anuviado.

Se em meio à crise paira a incerteza sobre qual caminho o País deverá seguir em 2018, o lulopetismo já apresentou razões mais do que suficientes para a Nação saber qual deve ser evitado.

Editorial - O Estado de São Paulo

 

 


Fernando Gabeira: Mala preta aos três anos da Lava-Jato

Apertem os cintos: a isso o que chamam estabilidade nós chamamos turbulência

O Brasil não é para principiantes. Tantas vezes ouvimos essa frase que se tornou lugar-comum. A fase de combate à corrupção iniciada há três anos pela Lava Jato pode levar-nos a conclusões maniqueístas, do tipo bem contra o mal, republicanos contra patrimonialistas.

Olhando de perto, a frente que se coloca contra o trabalho da Lava Jato é muito mais ampla do que o grupo dos grandes partidos que articulam para destruí-la, no governo e no Congresso.

Líder entre os juízes do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que absolveram a chapa Dilma-Temer, apesar das provas, Gilmar Mendes fixou-se num argumento importante: o da estabilidade. Quem a rejeita, num país com 14 milhões de desempregados? O argumento de estabilidade deveria sempre estar sobre a mesa.

No entanto, conforme mostrou Bolívar Lamounier, em intervenção recente, um julgamento visto por todo o País no qual se enterram as provas é um fator de instabilidade. Cava um novo fosso entre a sociedade e as instituições, revelando uma Justiça Eleitoral, pouco conhecida até então, como um artefato de outra galáxia.

Em outra posição dentro da grande frente adversária estão os responsáveis, jornalistas próximos ao Planalto e o próprio PSDB, que saltou para a enganadora maciez dos cargos no governo.

Interessante classificar os que pedem a queda de Temer como irresponsáveis. Já que estamos usando a palavra, é bom lembrar que não somos presidentes nem recebemos um empresário investigado à noite, sem anotação na agenda, usando senhas no portão de entrada.

Não nos parece responsável um presidente que mantém aquele tipo de diálogo, tarde da noite, com o dono da Friboi. Tampouco parece responsável designar como interlocutor do empresário Joesley Batista um assessor especial que, horas depois, é filmado carregando a mala com R$ 500 mil.

Para ficar no universo mínimo de uma só palavra, a irresponsabilidade decisiva foi de Temer. Supor que três anos depois da Lava Jato não só tudo terminaria em pizza, como o dinheiro da propina seria pago diretamente na Pizzaria Camelo.

Foi Temer sozinho que arruinou suas chances de conduzir as reformas e jogou para fora da pinguela uma grande parte da sociedade, já constrangida com ela, mas vendo-a como a única saída momentânea. A maioria tem o direito de rejeitar um presidente que se envolve em práticas tão sospechosas. De achar que ele deva ser investigado, mas que os dados já expostos o desqualificam para o cargo.

Neste instante, a pergunta dos que defendem a instabilidade: se Temer cair, não pode ser pior, o caos não tomaria conta? A hipótese das diretas é bom tema para uma pajelança, mas não é uma proposta viável, na medida em que sua aprovação depende do Congresso.

Não tenho ilusões sobre um presidente eleito pelo atual Parlamento. Também ele seria escolhido com base numa promessa de neutralizar a Lava Jato. Independentemente de seu perfil, ele terá, de alguma forma, de comandar a frente contra as investigações.

Lula cumpriu o seu papel, a cúpula do PMDB e o presidente do PSDB também o cumpriram. Nesse particular, até o momento foram derrotados.

Temer está em guerra aberta contra a Lava Jato. Usa a mesma tática de Lula contra Moro. Agora o general a abater nas hostes adversárias é o ministro Edson Fachin. Esta semana surgiu a notícia de que Temer teria usado a Abin para investigar a vida de Fachin, descobrindo seus pontos fracos. Atribui-se a notícia a um assessor de Temer. Se isso foi mesmo assim, fico em dúvida se ele queria atingir seu chefe ou deixar no ar uma suspeita sobre Fachin.

Na Câmara, um dos veteranos da batalha Eduardo Cunha, o deputado José Carlos Marin, tornou-se vice-líder do governo. E disse que é perfeitamente legal a Abin investigar um ministro do STF.

Marin e outros veteranos da batalha de Cunha articulam uma CPI da JBS e o objetivo principal é levar Fachin para depor. Fachin é o Moro de Temer, até que Temer caia do governo nos braços do próprio Moro.

Estranha estabilidade a que nos oferecem os defensores da presença de Temer. Nos tribunais as provas não valem. Durante as investigações também pouco importam: em vez de se defenderem, os acusados passam a atacar os investigadores.

A máquina do Estado volta-se agora contra as instituições que realmente estão trabalhando com seriedade, desvelando o esquema continental de corrupção. Temer assumiu a mesma tática de Lula. E sem nenhuma combinação prévia se prepara para gastar dinheiro com um pacote de bondades que o tire do isolamento de hoje. Nem os próprios defensores da estabilidade econômica pensavam num desdobramento como esse.

Quando se desenha uma estabilidade com um presidente na corda bamba, as pretensões, mesmo legítimas, vão esbarrar a cada instante na sua própria negação. Ao invés do termo estabilidade, para conservar o que já existe, prefiro uma expressão para mudar o que está aí: equilíbrio dinâmico.

Se Temer incorreu em crime, ele precisa sair. Um novo presidente, eleito pelo Congresso, fará parte do mesmo bloco contrário ao da sociedade que apoia a Lava Jato. Mas como seria o último a tentar a batalha final, talvez tivesse algum cuidado – nessa guerra já caíram alguns dos principais expoentes da política brasileira. Num ano eleitoral existe uma chance de a sociedade controlar um pouco mais o Parlamento e o presidente escolhido por ele.

Não é um futuro dos sonhos. É um caminho difícil no rumo das mudanças, mas é o que a Constituição nos oferece. Teremos muito ainda que suportar. Mas será um fardo menor que enterro de provas nos tribunais e guerra contra investigações que podem destruir o gigantesco esquema de corrupção.

Por enquanto, vamos assistir à guerra de Temer contra a Lava Jato. Apertem, pois, os cintos: o que chamam de estabilidade nós chamamos de turbulência.

* Fernando Gabeira é jornalista.

 


José Roberto de Toledo: Ibope, Internet e voto

Web virou maior influência para eleger um presidente

Pela primeira vez, uma pesquisa extraiu da boca do eleitor o que urnas e ruas sugeriam mas faltavam elementos para provar: a internet virou o maior influenciador para eleger um presidente. Sondagem inédita do Ibope revela que 56% dos brasileiros aptos a votar confirmam que as mídias sociais terão algum grau de influência na escolha de seu candidato presidencial na próxima eleição. Para 36%, as redes terão muita influência.

Nenhum dos outros influenciadores testados pelo Ibope obteve taxas maiores que essas. Nem a mídia tradicional, nem a família, ou os amigos - o trio que sempre aparecia primeiro em pesquisas semelhantes. Muito menos movimentos sociais, partidos, políticos e igrejas. Artistas e celebridades ficaram por último.

TV, rádio, revistas e jornais atingiram 35% de "muita influência" e 21% de "pouca influência", somando os mesmos 56% de peso da internet. A diferença é que seus concorrentes virtuais estão em ascensão - especialmente junto aos jovens: no eleitorado de 16 a 24 anos, as mídias sociais têm 48% de "muita influência" eleitoral, contra 41% da mídia tradicional.

No total, conversa com amigos chega a 29% de "muita influência" para escolha do candidato a presidente, contra 27% das conversas com parentes. Movimentos sociais alcançaram 28%. A seguir aparecem partidos (24%), políticos influentes (23%), líderes religiosos (21%) e artistas e celebridades somados (16%).

Por que a internet tem um peso tão grande na eleição? A constatação do Ibope é importante por levantar essa questão, mas, sozinha, não é suficiente para respondê-la. Outras pesquisas baseadas em resultados eleitorais e estudos empíricos ajudam a entender o fenômeno, mesmo que indiretamente.

Lançado em 2016 nos EUA, o livro "Democracy for Realists" vem provocando polêmica por contestar o conceito popular de que, na democracia, o eleitor tem preferências claras sobre o que o governo deve fazer e elege governantes que vão transformá-las em políticas públicas. Para os autores, e dezenas de fontes que eles compilam, não é bem assim. O "do povo, pelo povo, para o povo" funciona na boca dos políticos, mas não na prática.

No mundo real, pessoas elegem representantes mesmo cujas ideias e propostas estão em desacordo com o que elas pensam. Não fosse assim, os congressistas brasileiros deveriam sepultar em vez de aprovar as reformas da Previdência e trabalhista, rejeitadas pela maioria dos que os enviaram para Brasília.

Segundo Achens e Bartel, o eleitor não vota em ideias, mas em identidades. Elege quem ele imagina que representa o seu lado contra o outro - sejam quais forem os lados. É aquela piada irlandesa. "Você é católico ou protestante? Ateu. Mas você é ateu católico ou ateu protestante?". Ou seja: de que lado está?

Nos EUA, essa linha é mais fácil de traçar porque as identidades se resumem, eleitoralmente, a duas legendas. Mesmo na disruptiva eleição de Trump, 95% tanto de republicanos quanto de democratas votaram nos candidatos de seus partidos. E no Brasil, onde dois em cada três eleitores dizem não ter preferência partidária?

Nas eleições de 2004 a 2014, a geografia separou petistas de antipetistas. Bairros, cidades e Estados mais pobres ficaram majoritariamente de um lado; enquanto moradores dos locais mais ricos, em geral, ficaram do outro. Em 2016, não mais. A internet misturou e segue confundindo essas fronteiras. A construção de identidades virtuais via Facebook e Twitter aproxima forasteiros e afasta vizinhos. Proximidade física importa, mas menos.

Quanto mais tempo ele passar online, mais a internet influenciará o eleitor. O celular bateu a TV também na urna.

* José Roberto de Toledo é jornalista

Fonte: http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,ibope-internet-e-voto,70001836115

 


Ricardo Tavares: Trazer a política industrial brasileira para o século XXI

País enfrenta a perda de competitividade internacional, visto que os nossos parceiros comerciais mais competitivos penetram o nosso mercado e deslocam a produção brasileira de mercados tradicionais de nossas exportações industriais, como a América Latina.

A produção industrial mudou nas últimas décadas com fábricas e cadeias produtivas nacionais cedendo lugar a cadeias de produção transfronteiriças aonde tarefas e componentes atravessam vários países, frequentemente, mais de uma vez, até que o produto seja finalizado numa zona de baixo custo de mão de obra. O Brasil ficou à margem deste processo, procurou adensar as suas cadeias produtivas nacionalmente e utilizou abundantemente políticas de “conteúdo local”.

Isto resultou, nas palavras do economista Otaviano Canuto, em cadeias de produção “densas demais”, que levaram à perda de competitividade internacional. Subsídios setoriais e políticas de proteção já não são mais suficientes para dar sobrevivência à indústria brasileira, visto que os nossos parceiros comerciais mais competitivos penetram o nosso mercado e deslocam a produção brasileira de mercados tradicionais de nossas exportações industriais, como a América Latina.

O debate no Brasil, especialmente entre economistas na academia, no entanto, continua resistente à ideia de que o país precisa reavaliar sua politica industrial na direção de maior integração com cadeias globais. Os argumentos são variados, mas aqui vão três deles:

A fragmentação dos processos produtivos não é boa para os sócios mais fracos, porque só países centrais mantêm os melhores empregos e salários;

A China define a ordem industrial atual e nossa integração nos desindustrializa e nos torna meros fornecedores de commodities;

Finalmente, surge o argumento de que não valeria a pena o Brasil se inserir em cadeias globais exatamente quando a Indústria 4.0, com tecnologias como a Internet das Coisas, Robótica, Impressão 3D, Inteligência Artificial e Realidade Virtual irão reverticalizar a indústria e reduzir a importâncias destas mesmas cadeias.

O economista Richard Baldwin notou que os países do G-7 em 1990 tinham cerca de 70% da renda mundial, mas hoje possuem algo como 45% e caindo. Este significativo deslocamento de renda se deveu à fragmentação da produção e à expansão de cadeias globais de valor. Seis países em desenvolvimento se beneficiaram fartamente deste processo por sua integração a cadeias globais: China, Coréia do Sul, Índia, México, Polônia e Tailândia. O Brasil ficou à margem deste processo. Centenas de milhões de pessoas saíram da faixa de pobreza. Assim, a ideia de que as cadeias globais simplesmente criam injustiça nos países em desenvolvimento é mais complicada do que a simplicidade do argumento indica.

A China hoje ocupa papel central nas cadeias produtivas de várias indústrias-chave. Ganhou esta posição saindo debaixo, importando bens de capital e componented e subindo a ladeira das cadeias de valor. As políticas chinesas vão muito além do simples livre comércio, mas são baseadas em importar para exportar, agindo estrategicamente em vários setores, integrando-se e buscando papel mais central nas cadeias. No entanto, não é responsabilidade da China que o Brasil tenha aproveitado o ciclo de commodities para aumentar o consumo sem crescer seus investimentos, ou que tenha optado por adensar cadeias locais antes de se integrar ao dinâmico processo de formação de cadeias globais. Estas responsabilidades são exclusivamente nossas.

Quanto à Indústria 4.0 está claro que terá impacto nas cadeias produtivas globais. O que não está claro é qual será a direção deste impacto. O Fórum Econômico Mundial (WEF), por exemplo, está promovendo debates sobre a questão. No caso da Impressão 3D, o WEF concluiu que o impacto é mais restrito a produtos industriais de baixa escala e alto valor. Outras tecnologias vão ser integradas à produção nos próximos anos. Vale a pena esperar sentado pela reverticalização enquanto a bola continua rodando em cadeias transfonteiriças? Como será a indústria brasileira em cinco ou dez anos sem ajustes? Além disso, estas novas tecnologias permitirão aos países do G7 recapturar nacos da renda mundial, agora junto com a China? Uma reverticalização da indústria num novo patamar tecnológico daria mais ou menos oportunidades ao Brasil?

Ao invés de questionar a importância da integração, seria mais útil discutir como o Brasil pode se beneficiar de cadeias globais de valor, que na verdade tendem a se estruturar regionalmente. Trata-se de uma tarefa gigantesca. As políticas não podem mudar radicalmente do dia para a noite, visto que isso terminaria por destruir a indústria. É importante pensar um processo de transição de cadeias densas demais para maior integração.

O governo Dilma Rousseff (2011-2016) é responsável por políticas de conteúdo local que levaram painel da Organização Mundial de Comércio (OMC) a condenar o Brasil por programas como o Inovar-Auto e a Lei de Informática. Mas ironicamente criou o RECOF, programa aduaneiro especial que deu à indústria exportadora intensa em tecnologia mais flexibilidade para importar insumos à produção sem pagamento de impostos imediatos, com a isenção se configurando quando produto é exportado. Isto certamente está dando impulso à maior integração do Brasil em cadeias internacionais e à melhoria das condições de competitivade das nossas exportações industriais em setores de intensidade tecnológica.

A Embraer por seu turno está procurando fazer, com o apoio da Associação Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), um programa de localização de fornecedores de insumos industriais diferente do passado, estimulando o desenvolvimento de sua cadeia local de fornecedores de componentes não somente para suprir a Embraer mas para exportar para a indústria aeronáutica international. O conteúdo local para vender somente no próprio país não faz qualquer sentido e destrói a competitividade internacional da indústria. Devemos pensar em iniciativas semelhantes para outros setores.

A política industrial brasileira dos últimos 10 anos ficou parada no século XX. É preciso fazê-la chegar ao século XXI. O RECOF deu um passo importante. A próxima etapa é sem dúvida a modernização da política comercial.

* Ricardo Tavares é cientista político e consultor de empresas; é presidente da TechPolis, empresa de consultoria internacional.


Luiz Sérgio Henriques: Democratas de esquerda – a hora e a vez?

 

A esquerda brasileira gira em círculos em torno de seus anacronismos e tabus

O quadro partidário em ruínas e o destino incerto de tantos personagens de primeiro plano tornam particularmente opaca a cena pública a pouco mais de um ano de eleições gerais. Não há muitos termos de comparação para nossas agruras e a referência inevitável para este nó aparentemente insolúvel entre questões judiciais e questões políticas continua a ser a Operação Mãos Limpas, italiana, na década final do século passado (na foto, Antonio di Pietro, o procurador da República encarregado do caso).

Diferentemente do caso brasileiro, em que partidos frouxamente organizados conduziram a transição e dominaram o poder central até 2002, a Primeira República Italiana, que nasceu no segundo pós-guerra, era uma República de partidos de massa, dois dos quais se tornaram reconhecidos até fora do país: a Democracia Cristã (DC) e o Partido Comunista (PCI). Ambos portavam visões de mundo comunitaristas, não necessariamente antagônicas, admiravelmente retratadas na arte culta ou popular. Para dar um exemplo divertido, foram tempos de Don Camillo e Peppone, o pároco e o prefeito comunista – criaturas de Giovannino Guareschi – que se comportavam expressivamente ora como adversários, ora como aliados.

Positivamente, aquela República fez nascer a Itália moderna; negativamente, reduziu-se muitas vezes, segundo os críticos, a uma “partidocracia”, em que cargos e nomeações, em toda a estrutura do Estado, se dividiam segundo regras bizantinas de filiação partidária. Sempre no poder, a DC e seus aliados de centro ou centro-esquerda; eternamente na oposição, o PCI – uma disposição que se tornaria disfuncional em razão, precisamente, do veto que os condicionamentos da guerra fria impunham à alternância.

A Mãos Limpas levou à implosão daquele sistema bloqueado: dois partidos tradicionalíssimos, a DC e o Partido Socialista, entre outros menores, foram tragados na grande crise. Forza Italia, a agremiação berlusconiana, e os separatistas da Liga Norte dariam voz à nova direita. O PCI continuaria o processo de reconstrução que o levaria muito além do comunismo de origem. E na margem a galáxia ultraesquerdista, a praticar “rachas” e cisões, seu esporte preferido.

Começada de forma casual, a Lava Jato terá topado, progressivamente, com um esboço de “sistema de poder” à italiana, estruturado não só a partir de nossa maior empresa pública, mas, pelo que se vê, espalhado por fundos de pensão, bancos e demais órgãos públicos. As regras de repartição saíram do âmbito artesanal: não se tratava mais de dar, ao sabor de pressões momentâneas, “diretorias que furam poços e acham petróleo” para este ou aquele personagem folclórico, mas de criar máquinas eleitorais poderosas e alianças parlamentares imbatíveis, roçando a unanimidade.

Não se pode dizer, de forma alguma, que o mecanismo fosse inteiramente inédito, salvo na proporção que passou a assumir. Mudanças quantitativas, como se diz, acarretam saltos de qualidade e no auge de sua vigência o mecanismo pareceu capaz de autorreprodução: mal se descobriam feitos e malfeitos que deram vida ao “mensalão”, surgiram indícios de algo mais grave a envolver empresas públicas e privadas numa escala que nos assusta ainda agora.

Alguém poderá lembrar que Sérgio Motta, um dos ministros mais fortes do primeiro governo FHC, certa vez vaticinou um domínio de 20 anos para consolidar as reformas liberais de então. A lembrança é cabível, mas não de todo pertinente: essa espécie de reforma é normalmente impopular, independentemente das justificativas que possa ter, e costuma minar as bases de sustentação de qualquer governo. E, ainda mais importante, os tucanos, como de resto seus aliados do antigo PFL ou do PMDB, eram partidos à moda antiga, fortes eleitoralmente, mas com pouca ou nenhuma vida orgânica ou elaboração autônoma. A adesão que obtinham, no mais das vezes, era de tipo passivo; salvo na implantação da nova moeda e em algumas outras situações, não entusiasmavam nem mobilizavam seus eleitores ao longo do tempo. Não lhes davam argumentos para a boa luta cotidiana, em meio às pessoas comuns.

Uma forte assimetria, ao contrário, caracterizou o sistema de poder petista. Longe de ser um partido comunista, especialmente se considerado o conjunto de fins (realizáveis ou irrealizáveis) que caracterizava esse tipo de partido, o PT sempre trouxe em si algo dos velhos PCs: a centralização, a disciplina e, ai de nós, o culto do chefe, não raro imantado dos dotes de messianismo e infalibilidade. Em contato com tradicionais “partidos de Estado”, que a ele se aliaram a partir do segundo mandato de Lula, o PT pôde exercer por alguns anos, quase sem contestação, seus pendores hegemonistas e seus vezos de cooptação. De fato, o “franciscano” toma lá dá cá atingiu o estado da arte, muito além dos desvios – intoleráveis! – de caixa 2 eleitoral e “sobras de campanha” que sempre atingiram os amorfos partidos brasileiros.

As democracias estão sob ataque por toda parte. Inútil buscar situações exemplares ou receitas definidas. Os partidos, em particular, veem-se assediados por “não políticos”, que estimulam a vaga populista contra a “casta” e disso se beneficiam – até porque, reconheçamos, há muito de “casta” no comportamento político convencional. Os italianos não estão fora do abalo sísmico que varre o mundo. Contudo, sem contar flutuações conjunturais, apontaram um caminho promissor ao tentarem associar num só “partido democrático” os reformistas egressos do comunismo e do catolicismo social.

A esquerda brasileira até agora não contou com tal sabedoria. Gira em círculos em torno de seus anacronismos e tabus. Reduz-se à defesa de seu chefe único e se fecha ao aggiornamento. Parece não ver que é necessário resgatar a si mesma – consciente de que “esquerda” é hoje um conceito desonrado – e contribuir para a missão comum de renovar a política, o Estado e, não por último, a sociedade brasileira.

*Luiz Sérgio Henriques é tradutor e ensaísta. É um dos organizadores das 'obras' de Gramsci no Brasil.

 


Alberto Aggio: A disjuntiva gramsciana

De um lado, o Gramsci da ‘política democrática’ e, de outro, o Gramsci da ‘política revolucionária’

Neste ano relembramos os 80 anos da morte de Antonio Gramsci, líder político comunista, reconhecido como um dos mais importantes pensadores da Itália. Depois da derrota do fascismo e do fim da 2.ª Guerra, suas ideias ajudaram a fertilizar o terreno que redundaria na construção da moderna República Italiana. Encarcerado por Mussolini em 1926, Gramsci não pôde ver essa tarefa realizada. Sem ter nunca publicado um livro, a difusão do seu pensamento se deve a seus editores, depois do resgate das notas que escreveu na prisão. Desse resgate resultaram as diversas edições dos famosos Cadernos do Cárcere, editados no Brasil desde a década de 1960.

Bastante conhecido no Brasil, o texto gramsciano presta-se a infindáveis polêmicas em torno da interpretação e dos usos dos seus conceitos. Muitos o veem como um ameaçador seguidor de Marx e Lenin, um revolucionário comunista sem mais. Outros o admiram por sua capacidade de perceber as mudanças de sua época, anunciando os traços da complexidade social que viria a se edificar com mais vigor bem depois de sua morte.

O pertencimento de Gramsci ao marxismo e ao comunismo é patente, ainda que ele seja reconhecido como um formulador original e considerado um “clássico da política”. Inicialmente, foi visto como um “pensador da cultura nacional-popular” e um “teórico da revolução nos países avançados”, de cuja obra se extraíram os conceitos que o tornaram um autor assimilado em grande escala. Recentemente, a partir de uma “historicização integral” da sua trajetória, visando a apanhar simultaneamente vida e pensamento (Giuseppe Vacca), aliada à recepção e ao tratamento de fontes inéditas ou até ignoradas, vem emergindo uma nova inserção de Gramsci na política do século 20. Essa perspectiva analítica tem permitido a superação dos diversos impasses e bloqueios que marcaram por longos anos os estudos gramscianos.

Mesmo na prisão, Gramsci continuou sendo um homem de ação. Tudo o que escreveu, das reflexões anotadas nos cadernos à correspondência com familiares e amigos, indica que ele permaneceu atuando como um dirigente político. Nessa condição, procurou fazer chegar à direção do Partido Comunista Italiano (PCI) suas avaliações do cenário italiano e mundial, bem como seus questionamentos a respeito de algumas orientações do PCI que lhe pareciam equivocadas. É desse comprometimento que emergem os termos de uma “teoria nova”, hoje reconhecida no mundo da política e dos intelectuais.

Nos Cadernos do Cárcere foi se sedimentando um novo pensamento, com o qual Gramsci imaginava poder mudar as orientações do movimento comunista. Do texto de Gramsci se pode apreender uma superação clara do bolchevismo, notadamente em relação à concepção do Estado, à análise da situação mundial, à teoria das crises e à doutrina da guerra como parte intrínseca da revolução.

Não foi por acaso que dessas reflexões emergiu a proposta de luta pela convocação de uma Assembleia Constituinte. Isso implicava deslocar o PCI da preparação da revolução proletária para a conquista da Constituinte. Em outras palavras, estrategicamente a luta pela democracia deixava de ser pensada apenas como fase de transição para o socialismo e assumia autonomia plena. No mundo do comunismo da década de 1930 tratava-se de um ato de ruptura. Assim, o ponto de chegada dos Cadernos foi a elaboração de uma nova visão da política como luta pela hegemonia, o que, em termos objetivos, representaria a adoção de um programa reformista de combate ao fascismo e, com ele, a reconstrução da nação italiana.

Essa nova teoria, dramaticamente elaborada no interior das prisões fascistas, resultava do enfrentamento dos impasses que o atormentavam como dirigente político: a derrota para o fascismo e a perda de propulsão do movimento comunista soviético, bloqueado pelo “estatalismo” e pelo autoritarismo. Os conceitos de Gramsci, tais como “hegemonia”, “guerra de posições”, “revolução passiva”, “transformismo” e “americanismo”, entre outros, evidenciam uma linguagem própria, não mais bolchevique ou leninista, de quem, mesmo na prisão, pensava de maneira inovadora os desafios que estavam postos diante da construção política da modernidade no Ocidente.

Em meio às lutas pela democracia, diversas gerações de intelectuais brasileiros que se aproximaram do pensamento de Gramsci buscaram uma tradução dos seus conceitos para nossas circunstâncias. Da década de 1970 para cá, parecia haver consenso na assimilação dos conceitos do pensador sardo, mas a realidade não confirmou essa tese.

Hoje há uma disjuntiva explícita: de um lado, o Gramsci da “política democrática”, ou seja, da política-hegemonia, enquanto “hegemonia civil”, não mais “proletária” ou “socialista”; de outro, o Gramsci da “política revolucionária”. Na primeira “leitura”, a revolução não é mais o centro da elaboração política e a perspectiva se deslocou no sentido de exercitar o conceito de revolução passiva até seus limites, isto é, acionar permanente e intransigentemente a política democrática visando a inverter a longa “revolução passiva à brasileira” (Werneck Vianna), de marca autoritária e excludente, e dar-lhe novo direcionamento.

Aqui estamos diante de uma tradução do Gramsci que se descolou da sua originária demarcação revolucionária e se distanciou de um marxismo que ainda tem como referência uma época histórica de revoluções. É isso que lhe dá o viço ainda hoje. Inversamente, o “outro” Gramsci permanece prisioneiro de uma representação construída a partir de um duplo sentido: representação de classe, como o fora anteriormente, numa perspectiva revolucionária, e, noutro sentido, como representação da conservação e difusão de um imaginário revolucionário do qual se querem resguardar os signos e significados de uma época revolucionária terminada há décadas.

 


Sérgio Fausto: Reformas são mais do que mudanças de regras

Ainda é tempo de as forças políticas que apoiam o atual governo se jogarem na luta para ampliar o apoio às reformas na sociedade

Tornou-se clichê dizer que o Brasil precisa de reformas. E é verdade. Habitualmente tomamos reformas como sinônimo de mudanças em regras que regulam áreas específicas de política pública. Falamos em reforma política, tributária, do sistema previdenciário, e assim por diante. Faz sentido proceder dessa maneira porque cada um desses sistemas é complexo em si mesmo e regido por regras próprias.

Há dois problemas nessa abordagem. Primeiro, ela reduz o processo de reformas a mudanças nas regras formais, quando, na verdade, elas implicam também alterações nas mentalidades e nos comportamentos predominantes na sociedade. Segundo, é incapaz de articular as reformas dentro de uma visão sobre o futuro do País.

Numa democracia, reformas requerem a aprovação pela maioria do Congresso, frequentemente por quóruns qualificados. Em qualquer país do mundo o Parlamento abriga, em maior ou menor grau, interesses locais, setoriais e pessoais, a começar pelo interesse de cada parlamentar de se reeleger. A leitura acurada desse mapa de interesses é fundamental para aprovar reformas. Daí a importância dos operadores políticos.

É um grande equívoco, porém, supor que para o sucesso das reformas basta ganhar no Congresso. Importa ganhar na sociedade também, não apenas porque essa vitória ajuda a vencer no Parlamento, mas igualmente – ou ainda mais – porque a persuasão da sociedade é chave para a mudança de mentalidades e comportamentos que, ao fim e ao cabo, é a garantia de que as reformas produzirão efeitos duradouros. Tarefa para a liderança política, não para os operadores políticos.

Dada a gravidade da crise, em boa hora o atual governo retomou a agenda de reformas posta à margem nos governos petistas. Não apenas as que já tramitam no Congresso, mas também as que ainda estão em gestação no Executivo, pertencentes à chamada agenda microeconômica. Ninguém com conhecimento razoável dos desarranjos da economia brasileira poderá negar a necessidade de aprová-las, ainda que com modificações introduzidas no Congresso, como é natural. Elas são necessárias, mas nem de longe suficientes para estabelecer condições adequadas a que o Brasil avance para se tornar um país mais desenvolvido e mais justo. Continuá-las é tarefa que caberá ao futuro governo.

Dessa perspectiva, o atual deveria estar mais empenhado em, se não ganhar, ao menos não perder a batalha do convencimento da sociedade quanto à necessidade das reformas. Talvez empenho não seja o que falta ao governo. Faltam-lhe condições para ser um bom porta-voz de reformas que poderiam e deveriam ter sido desde o início apresentadas, em particular a da Previdência, como passos não só na direção do equilíbrio fiscal, mas também, e principalmente, de uma sociedade com mais igualdade e menos privilégios.

Vista desse ângulo, a proposta do governo deveria desde logo ter sido trabalhada com base em dois critérios de justiça distributiva: entre os beneficiários de uma mesma geração, mostrando os privilégios existentes nas aposentadorias do setor público e a concentração das aposentadorias por tempo de serviço nos estratos de maior renda no setor privado; e entre a geração de hoje e as gerações futuras, que não receberão benefício algum se as atuais regras previdenciárias forem mantidas.

Bobagem chorar sobre o leite derramado. Ainda é tempo de as forças políticas que apoiam o atual governo se jogarem na luta para ampliar o apoio às reformas na sociedade, sob pena de pagarem caro nas eleições de 2018, se não o fizerem. Os argumentos para tanto estão muito bem expostos no excelente artigo de Mansueto Almeida e Marcos Mendes publicado na Folha de S.Paulo (26/3).

As iniquidades sociais e as ineficiências econômicas no Brasil são tantas e estão em geral tão umbilicalmente associadas que é largo o caminho para avançar simultaneamente em reformas que reduzam tais iniquidades, simbolizadas pelo privilégio de corporações públicas e privadas, e aumentem a eficiência na economia, prejudicada por mercados fechados, mal regulados, capturados por empresas politicamente bem conectadas.

É preciso mostrar que a corrupção não cai do céu, nem deriva de um déficit moral insanável do País. Ela viceja nesse terreno fértil de iniquidades sociais e ineficiências econômicas e as fortalece. Por isso a Operação Lava Jato é aliada, e não inimiga das reformas, entendidas estas como processos amplos de mudança de regras, mentalidades e comportamentos. Quem quiser ser candidato em 2018 terá de dizer isso em alto e bom som e ter autoridade para fazê-lo.

Deverá dizer também que entre a eficiência econômica e a equidade social o Brasil deve escolher as duas. O País precisará aumentar muito a eficiência econômica para ter taxas de crescimento que permitam responder às demandas da sociedade. Da mesma maneira, necessitará reduzir as iniquidades sociais, não apenas para obter mais crescimento, com mais equidade, mas também para recuperar um mínimo de crença nas instituições, sem o que não haverá nem crescimento, nem governabilidade, nem democracia.

Está mais do que na hora de construir uma visão de futuro em torno das ideias-força do não aos privilégios de corporações públicas e privadas e do não à corrupção; do sim à justiça social, entendida como igualdade real de oportunidades para todos, e do sim também à eficiência econômica, como condição necessária para que se possa avançar na concretização progressiva deste que deve ser o objetivo último de qualquer sociedade decente: dar a cada criança, independentemente de sua origem social e familiar, a mesma chance de se desenvolver como indivíduo e como cidadão.

A reforma da Previdência, ao evitar que em algumas décadas os orçamentos públicos sejam consumidos exclusivamente pelo pagamento de aposentadorias e pensões, é um importante passo nessa direção.

*Sergio Fausto é cientista político e superintendente do iFHC.


Fonte: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,reformas-sao-mais-do-que-mudancas-de-regras,70001731243


Sérgio C. Buarque: A vanguarda do atraso

Conservador é quem rejeita mudanças, indicando que está satisfeito com a situação e que imagina possível manter as regras atuais no futuro, embora sejam evidentes os sinais de reestruturações econômicas e sociais. Quem é contra as reformas em discussão no Brasil não quer mudança e, portanto, é conservador. Os sistemas de regulação na sociedade e na economia não podem ser rígidos e definitivos, porque devem se adaptar e renovar para acompanhar as transformações das estruturas e das relações de produção, de modo a garantir o equilíbrio entre proteção social e eficiência econômica. Como as estruturas e relações de produção estão mudando radicalmente no mundo e no Brasil, manter as velhas e rígidas regras do século XX é reacionário, anacrônico e insustentável. Isto vale, principalmente, para a reforma da previdência e para a reforma trabalhista, considerando dois fenômenos de grande relevância: a profunda mudança demográfica e as intensas transformações tecnológicas, com impactos nas relações de produção e de trabalho.

O sistema previdenciário brasileiro, construído quando a estrutura demográfica era predominantemente jovem, não cabe mais num país que envelhece de forma acelerada. Em 2040, o Brasil terá mais idosos que crianças e adolescentes, quase 20% da população terão mais de 65 anos, resultado de um crescimento médio de 3,68% ao ano, muitas vezes acima do crescimento de apenas 0,42% ao ano da população total. Os benefícios dos trabalhadores inativos vão crescendo muito mais rápido do que a contribuição dos ativos, anunciando a falência do sistema. Mas os conservadores querem simplesmente manter o sistema previdenciário atual, cheio de injustiças e privilégios, deficitário e insustentável no futuro. A manutenção das regras atuais da previdência vai provocar a implosão do sistema, com prejuízo de todos, inclusive dos atuais aposentados que não serão atingidos por nenhuma reforma devido ao chamado “direito adquirido”. É bom lembrar da Grécia, onde o sistema implodiu e atropelou mesmo estes direitos adquiridos.

Grupos e partidos conservadores defendem também a manutenção das rígidas regras trabalhistas definidas no século passado, quando a produção era também rígida, hierarquizada e verticalizada. Essas regras não cabem mais nas relações de produção e de trabalho que emergem com a revolução tecnológica e organizacional, e que demandam um sistema de regulação compatível com a flexibilidade do trabalho e com o declínio do emprego tradicional, substituído por novas e inovadoras formas de trabalho (flexível, dinâmico e instável) e novo perfil de profissões, empresas e negócios. A manutenção da atual legislação trabalhista não ajuda a proteger o trabalhador do vendaval das mudanças tecnológicas que estão redefinindo as relações de produção e a organização do trabalho. Por outro lado, esta manutenção compromete gravemente a competitividade da economia e, como resultado, a geração de emprego no Brasil, melhor forma de proteger os trabalhadores.

A discussão não pode ser contra ou a favor das reformas, mas, entendendo que são indispensáveis, sobre a natureza e os conteúdos das mudanças que criem novos mecanismos de regulação, capazes de equilibrar proteção social e eficiência econômica, nas condições emergentes do novo paradigma de desenvolvimento. Mas ser simplesmente contra reformas é conservador e reacionário. Como dizia o saudoso Fernando Lyra noutro contexto, os segmentos organizados da sociedade e os partidos políticos que se mobilizam hoje contra as reformas são a “vanguarda do atraso”.

Sergio Buarque é economista com mestrado em sociologia


Fonte: http://revistasera.ne10.uol.com.br/a-vanguarda-do-atraso-sergio-c-buarque/