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FAP lança Guia Eleitoral para candidatos do Cidadania
Publicação também traz a plataforma eleitoral do partido que será apresentada aos eleitores brasileiros
Com o objetivo de orientar, mas também inspirar os candidatos do Cidadania que disputarão as eleições municipais 2020, a Fundação Astrojildo Pereira (FAP) lançou o Guia Eleitoral, que deixa clara não só as posições do partido sobre a pauta nacional, como apresenta a plataforma eleitoral que apresentará aos eleitores brasileiros este ano.
A pandemia do Coronavírus que levou ao adiamento das eleições municipais de outubro para novembro e deverá alterar completamente a forma de se fazer campanha, reforçou a percepção do Cidadania de que a nova realidade impõe, mais do que nunca, um novo modelo de gestão para os municípios, que pode ser definido a partir de 3 conceitos: Cidade Inteligente, Governo Digital e Gestão Compartilhada.
A nova realidade do Brasil e das cidades brasileiras levou escolas a implantarem diferentes modelos de ensino a distância e empresas ampliaram, o máximo possível, o home office para seus funcionários.
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A partir de experiências bem-sucedidas, como a do prefeito de Vitória, Luciano Rezende, no Espírito Santo, o Cidadania decidiu incluir entre suas bandeiras eleitorais para este ano um novo modelo de governança para os municípios brasileiros, que usa a inovação e tecnologia para fazer mais, melhor e com menos recursos.
Também consideramos fundamental que nossos candidatos e candidatas estejam cientes e preparados para enfrentar os desafios impostos pela pandemia às cidades e à sociedade.
Cientistas políticos adiantam que a primeira pergunta que eleitor vai fazer ao escolher seu candidato nas eleições deste ano é a seguinte: O que você fez ou propõe para resolver os meus problemas ao longo desta pandemia Oferecer uma resposta concreta a essa pergunta pode ser um bom começo para o planejamento de sua campanha eleitoral.
Experiência só se ganha com o passar dos anos, mas é possível queimar etapas a partir de sugestões e ideias compartilhadas por gente que já esteve na linha de frente na construção de políticas públicas.
Foi o que fez o ex-governador, ex-ministro da Educação, ex-senador e professor Cristovam Buarque, oferecendo soluções criativas para se melhorar a gestão municipal. Muitas delas testadas e aprovadas pela população da capital federal durante o período em que governou o Distrito Federal, que continuam atuais, até porque muitos dos problemas dos municípios brasileiros seguem sendo os mesmos.
Segue então um Guia Eleitoral, ao qual você poderá recorrer a qualquer momento para se inspirar ou tirar dúvidas durante a campanha deste ano. Sua participação é decisiva para manter a democracia brasileira viva, ainda mais diante de uma sociedade polarizada e carente de verdadeiros líderes.
Ascânio Seleme: E se Trump ganhar?
Desdobramentos políticos impactarão todo o mundo
Nenhum analista político pode cravar, é cedo, mas evidentemente as chances de Donald Trump perder a eleição em novembro parecem bastante razoáveis. Neste momento, as pesquisas apontam que ele está pelo menos dez pontos percentuais atrás de Joe Biden, o candidato democrata a presidente dos Estados Unidos. Desde o início da pandemia de coronavírus, que teve um efeito devastador sobre a sua liderança, Trump vem perdendo apoios e ganhando antipatias. Os erros em sequência cometidos no enfrentamento do vírus e a deterioração da economia foram os principais elementos para turvar a impressão que os americanos têm de seu presidente.
Sua única possibilidade de reverter o quadro é ver as coisas mudarem daqui até novembro, mês da eleição americana. Para sua sorte e azar do mundo, já há sinais de que estão mudando. Na economia, a recessão aparentemente acabou ainda em abril. Em junho, mais de quatro milhões de empregos foram criados nos EUA. As vendas no varejo cresceram 25% nos últimos dois meses. Uma recuperação importante, que não foi vista em nenhum outro país, mesmo os que já vivem a pós-pandemia. Outros indicadores puxados por estes dois também melhoraram no final do primeiro semestre.
Além de apontar para a pujança da maior economia do mundo, os dados mostram que Trump não está morto. Crescimento econômico com criação de emprego é cabo eleitoral de primeira grandeza em qualquer lugar. Muitos eleitores votam com o bolso, com a geladeira cheia, com o carro na garagem, com a hipoteca da casa paga. Mas há um outro elemento no qual o republicano aposta. Trata-se do voto dos que Trump chama de seus “eleitores invisíveis”. São, na verdade, os envergonhados, que votam num determinado candidato porque intimamente se identificam com ele, mas publicamente não conseguem assumi-lo.
Para seus eleitores conservadores Trump mantém a política de permanente confronto com os manifestantes do “Black Lives Matter”. Estes chamam manifestação de baderna e não se importam com a truculência policial contra negros. Embora não admitam publicamente, muitos concordam com a tese dos supremacistas, são racistas e querem manter a dominância branca na política e na economia. Os envergonhados por vezes dizem o oposto, mas no escuro do seu âmago odeiam manifestações e manifestantes. O envio de tropas federais para conter distúrbios em Portland, no Oregon, na segunda-feira, teve esse cálculo político. Trump quis mostrar ao seu eleitor que continua sendo Trump.
Aos demais, tenta pintar um novo autorretrato. O mais inusitado foi apresentado na semana passada aos jornalistas que cobrem a Casa Branca, durante entrevista sobre o coronavírus. Trump entrou sozinho na sala de briefing, fez uma breve declaração sobre a situação do dia e abriu para perguntas. E então, surpreendentemente, respondeu a cada uma delas sem arrogância, sem ataque a jornalistas, sem ódio. Falou de maneira tranquila e respondeu a todas de modo correto, como deve ser feito, civilizadamente, mesmo as mais venenosas. Estava introduzindo um novo elemento na campanha, que por ora pode ser chamado de Trumpinho Paz e Amor.
Além disso, duas vacinas contra a Covid em testes finais em laboratórios americanos podem estar disponíveis ainda em setembro ou outubro. Será seu último trunfo contra Biden. O tempo dirá, mas a chance de Trump receber das urnas um segundo mandato não pode ser descartada tão cedo, apesar da enorme vantagem de seu oponente. E se ele ganhar, os desdobramentos políticos impactarão todo o mundo.
No Brasil, claro, fortaleceria Bolsonaro. O problema para o capitão reside na derrota de Trump. Ele teria de explicar aos democratas o apoio tão descarado quanto indevido que deu ao presidente republicano. Na verdade, mais do que isso, foi “vergonhoso e inaceitável”, como reclamou anteontem o deputado democrata Eliot Engel, presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados. Referia-se a um dos três zeros de Bolsonaro, que publicou em redes sociais vídeo da campanha de Trump atacando Biden.
Maria Hermínia Tavares: Improviso e dispersão
Brasil e EUA poderiam coordenar de maneira mais eficaz a administração pública para prover saúde
Polarização política, descentralização federativa e desigualdades são condições prévias que permitem entender a dramática situação do país na pandemia. A constatação, que se aplica sem tirar nem pôr ao Brasil, é do cientista político Bruce Cain, da Universidade Stanford, ao falar dos Estados Unidos.
Mas as semelhanças vão além. Ali como aqui, eleições alçaram à Presidência políticos populistas que cultivam a mentira, desprezam a ciência, alimentam-se de conflitos e pouco se importam com a vida humana. Isso posto, o argumento do professor tem a virtude de chamar a atenção para um dado menos perceptível: mesmo se os dois países contassem com dirigentes responsáveis, circunstâncias anteriores restringiriam a capacidade de seus governos de combater a pandemia.
Os antagonismos políticos poderiam ser algo mais civilizados, não fossem Trump e Bolsonaro, a um tempo, suas criaturas, principais agentes e beneficiários. Ainda assim, os outros dois fatores apontados por Cain estariam presentes e de formas distintas continuariam dificultando a luta contra a Covid-19.
A federação, consequência quase inevitável da opção pela democracia em nações de porte continental, requer do governo central, além da aptidão para definir rumos, disposição e engenho político para negociar e coordenar a ação de estados com competências e atribuições próprias.
As desigualdades cumulativas de renda, condições de vida e acesso a serviços públicos básicos tornam virtualmente impossível a aplicação eficiente da principal medida em face da crise sanitária, na ausência de vacinas: o isolamento social. Por essa razão, nos países —entre eles Brasil e Estados Unidos— onde a pobreza é disseminada e as desigualdades, profundas, duas pandemias coexistem, com características e probabilidades distintas de levar à morte: a dos que podem se proteger em casa e a dos muitos para os quais isso é impossível.
Fossem outros os governos em Brasília e Washington, outro seria o debate, e bem maior o aprendizado sobre a forma mais eficaz de coordenar os diferentes níveis da administração pública para prover saúde; como melhor proteger os que não podem se isolar; como usar organizações públicas ou comunitárias para fazer chegar água, comida e regras de cuidado às moradias mais pobres ou para aqueles que vivem nas ruas. Tudo, em suma, o que está sendo feito de maneira improvisada e dispersa.
Para tanto, outro precisaria ser o governo, com ministros à altura do desafio e um presidente antes preocupado em criar consensos do que em dar cloroquina para as emas do Palácio.
*Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
El País: Registro de novas armas no Brasil explode em 2020 em meio à alta de homicídios
Alta na emissão de documentos pela PF para posse de novos armamentos foi de 205% no primeiro semestre, reflexo das novas regras sob Bolsonaro. No DF, aumento foi de mais de 1.400%
Gil Alessi, El País
O número de registros de novas armas de fogo concedidos pela Polícia Federal explodiu em todo o país. A chamada posse de arma é um documento emitido pelas autoridades e permite que, caso cumpram alguns requisitos legais, as pessoas possam ter em suas casas pistolas e revólveres. Quando comparado o primeiro semestre de 2020 com o mesmo período do ano passado, houve um aumento de 205% no total de novos registros emitidos pela PF: foram 24.236 em 2019 ante 73.996 agora. Este crescimento se deve, de acordo com pesquisadores, às portarias e decretos assinados pelo presidente Jair Bolsonaro, que tinha como uma de suas principais promessas de campanha flexibilizar o acesso às armas de fogo. Na prática o mandatário desfigurou o Estatuto do Desarmamento, conjunto de leis voltadas ao controle de armas e responsável por salvar mais de 160.000 vidas, segundo estudos.
Junto com o aumento no número de registros, também ocorreu um aumento na violência letal. Os números preocupam: de acordo com levantamento do Monitor da Violência, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública em parceria com o Núcleo de Estudos da Violência da USP e com o portal G1, houve um aumento de 7% nos homicídios no país nos cinco primeiros meses do ano, puxada principalmente pelos Estados do Nordeste. A pesquisa sobre os homicídios, que utiliza dados oficiais das Secretarias de Segurança Estaduais e do DF, é a mais recente com abrangência nacional. As mortes violentas passaram de 18.120 para 19.382 no período de janeiro a maio. Chama a atenção o fato de que este aumento das mortes em 2020 ocorreu após queda histórica dos homicídios em 2019 (o menor número registrado desde 2007, quando o fórum começou a coletar os dados), que chegou a ser comemorada pelo então ministro da Justiça Sérgio Moro.
- Bolsonaro insistiu em reduzir controle de armas quatro vezes na pandemia para “armar população”
- Consulta pública do Exército de apenas seis dias pode flexibilizar controle de armas sem apoio social
- Como era o Brasil quando as armas eram vendidas em shoppings e munição nas lojas de ferragem
A relação entre aumento de armas e aumento da violência não é estranha para quem estuda segurança pública. “De um ponto de vista amplo, pesquisas apontam que a cada 1% a mais de armas na população temos um aumento de 2% dos homicídios, segundo levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada”, afirma Isabel Seixas de Figueiredo, consultora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. “Mas não é possível cravar nesse caso que existe uma relação entre o aumento no número de armas registradas e homicídios, porque é um fenômeno ainda recente, e o homicídio é um fenômeno multicausal”, diz. Ela alerta ainda para o fato de que estas armas compradas e registradas legalmente podem acabar indo para as mãos do crime organizado: “Entre 30% e 40% das armas apreendidas pela polícia com criminosos foram compradas originalmente por pessoas sem ligação com o crime, e que depois venderam este armamento ou foram roubadas”.
Gabriel Sampaio, coordenador do Programa de Enfrentamento à Violência Institucional da Conectas, concorda com Figueiredo. “Pesquisadores e a sociedade civil organizada sempre falaram que com a flexibilização do Estatuto havia potencial para o aumento de mortes violentas. Isso era dito baseado em dados. Essa relação entre armas e violência já era conhecida há muitos anos, antes das políticas públicas do Governo Bolsonaro para o setor”, afirma . Ele destaca, no entanto, que os dados são novos e ainda precisam ser analisados com mais profundidade. Mas segundo Sampaio, existe um “indicativo” de que o aumento dos homicídios no primeiro semestre de 2020 pode estar ligado ao maior acesso às armas.
O aumento vertiginoso no número de novas armas de fogo registradas em tão pouco tempo também acende um alerta amarelo. “A celeridade administrativa na concessão da posse de armas deixa dúvidas se a avaliação do perfil de quem pede o registro está sendo feita com o devido critério. Esse crescimento mostra ou que estão alocando muitos recursos humanos para analisar estes pedidos, ou então a análise não está sendo feita de forma criteriosa”, diz Sampaio. Antes das mudanças feitas pelo Governo, quem solicitava a posse de arma precisava comprovar a “efetiva necessidade” para tanto, e a decisão final sobre concessão ou não do registro cabia ao delegado da PF. O presidente sempre criticou este ponto, uma vez que no seu entendimento deixava a questão à critério da “subjetividade” da polícia. Este ponto foi alterado via decretos e portarias para facilitar a comprovação da necessidade sem grandes percalços.
Registro de armas cresce em todos os Estados
Todos os Estados brasileiros e o Distrito Federal registraram alta no número de registros de novas armas. No DF o crescimento foi o maior registrado: variação de 1.429% no número de documentos concedidos pelas autoridades. De 235 no primeiro semestre de 2019 para 3.595 no mesmo período deste ano. Apesar do grande aumento de armas, os homicídios tiveram queda no distrito que abriga Brasília. O Rio de Janeiro ficou em segundo lugar no crescimento da concessão de posse de armas, com um aumento de 860%, de 653 para 6.275. O Estado também registrou redução dos homicídios no período. A Bahia vem logo atrás, com variação de 620% nos registros: de 835 para 6.015, e alta dos homicídios. O único Estado com crescimento de apenas um dígito foi a Paraíba: 9%. De 976 para 1.064.
O número de novos registros de armas de fogo, no entanto, pode ser ainda maior tendo em vista que existe uma categoria de posse específica para colecionadores, atiradores esportivos e caçadores (denominada CACs). A autorização para eles é concedida pelo Exército, e não entra nos dados da PF. “Isso é relevante, porque os CACs foram uma das categorias mais beneficiadas pelo Governo Bolsonaro com ampliação no número de armas permitidas por pessoa, bem como a ampliação dos calibres permitidos”, diz Felippe Angeli, gerente do Instituto Sou Paz. Sobre o aumento dos homicídios, ele faz coro com Sampaio e Figueiredo: “É um fenômeno multifatorial. Mas quando se fala de segurança pública, o que se vive hoje é o que você vê no retrovisor, e o que visualizamos é o começo do Governo Bolsonaro, com a desregulamentação do controle de armas”.
Além de afrouxar as regras para facilitar o acesso às armas, o Governo Bolsonaro também tem enfraquecido a regulamentação para rastrear a circulação de armas e munições. Em abril, Bolsonaro anunciou, via Twitter, a revogação de três portarias do Exército com regras para marcação, controle e rastreamento de armas e munições, outro passo amplamente criticado por especialistas. A oposição questionou o Supremo Tribunal Federal a respeito, e ainda espera um pronunciamento do tribunal. Em outro movimento que acendeu alarme, na semana passada, o ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, revogou trechos de uma portaria de sua pasta que obrigava que determinados armamentos de porte dos agentes da Força Nacional tivessem elementos de identificação sigilosa, um passo a mais para o rastreio, caso os dados mais básicos fossem violados.
A reportagem entrou em contato com o Planalto pedindo um comentário sobre o aumento no número dos homicídios e no número de novas armas registradas pela PF, mas não obteve resposta até o momento. A PF informou que “embora tenha havido um aumento na demanda de registros nos anos de 2019 e 2020, o efetivo da Polícia Federal tem conseguido atuar a contento nos processos relacionados ao controle de armas de fogo”. Quanto à declaração de “efetiva necessidade” por parte do solicitante, o órgão informou que cumpre o determinado na lei (alterada por Bolsonaro) onde consta que “presume-se a veracidade dos fatos e das circunstâncias afirmadas na declaração de efetiva necessidade”.
Paulo Wanderley: A força do Time Brasil
Os Jogos Olímpicos, marcados para daqui a um ano, que nos aguardem
Onde você se imagina daqui a um ano? Se me fizessem essa pergunta há 12 meses, não teria dúvida alguma da resposta: em Tóquio, em um estádio lotado. Esperando a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos, com orgulho da delegação brasileira, que entraria em cena para colocar em prática todo o enorme esforço dos últimos anos. Estaria lá, na esperança de ótimos resultados e com a certeza de que tudo valeria a pena. Estaria sentindo na pele a emoção dos valores olímpicos, de amizade e respeito, que são capazes de unir todos dentro e fora das competições.
O mundo, entretanto, parou. Os atletas tiveram de entender, assim como todos nós, que era preciso encarar o rival de toda uma geração. Era momento de cautela e responsabilidade diante da pandemia do novo coronavírus. Mas e os treinos? E a expectativa alimentada durante todo esse ciclo olímpico? Iríamos jogar tudo fora?
O adiamento dos Jogos para 23 de julho de 2021 trouxe alívio para o COB. Desde antes de qualquer decisão formal do COI, o Brasil foi um dos primeiros países a se posicionar entendendo que não havia solução mais assertiva, sensata e prudente. Claro que a tristeza e os questionamentos trazidos acima vieram à tona, mas nunca a dúvida de que seria o melhor caminho.
Não, não vamos jogar tudo fora. Pelo contrário. Estamos nos preparando cada vez mais para o que vem pela frente, colocando em primeiro lugar a segurança, a saúde e a integridade física dos nossos atletas e demais envolvidos com a prática esportiva de alto rendimento no país.
E como estamos a um ano do recomeço? Todos os estudos operacionais para a nossa delegação estão sendo refeitos. Em várias frentes, tivemos de replanejar. Tomamos medidas administrativas necessárias. O pilar desta gestão, de austeridade financeira, nos gerou uma fundamental reserva para contingências, que nos permitiu manter o sistema funcionando sem sobressaltos. Nossos patrocinadores, fornecedores e parceiros, mais uma vez, estão sendo fundamentais nesse processo.
Para que nada saísse do eixo, era preciso agir rápido. Desenvolvemos o Programa Emergencial de Apoio ao Sistema Olímpico. Fizemos uma injeção direta de R$ 7 milhões para que as diversas modalidades pudessem enfrentar essa tempestade.
A Missão Europa, iniciada dia 17 de julho, integra o programa, e a consideramos um marco dessa nova realidade. Em parceria com as Confederações Brasileiras, iniciamos a retomada dos treinamentos de nossos atletas de alto rendimento, com toda a segurança possível. Esse retorno era necessário e traz confiança para todos.
O objetivo é levar mais de 200 atletas até o fim do ano para nossa base em Portugal. O investimento será coberto por parte dos R$ 15 milhões previstos no nosso orçamento deste ano, dentro do Programa de Preparação Olímpica, oriundos da Lei das Loterias, possibilitando ações fundamentais para o desenvolvimento do esporte brasileiro.
Estabelecemos um protocolo de volta às atividades pensado com muito cuidado. E, assim, mais uma fase de nossas medidas de apoio avançou.
A abertura do CT Time Brasil, no Rio de Janeiro, ocorreu no dia 20 e segue todo esse rigoroso protocolo, servindo de referência para qualquer instalação que receber nossos atletas. Novas permissões serão concedidas gradualmente, com cautela.
Os Jogos, na essência do Olimpismo —que gosto de tratar como uma filosofia de vida— devem ser uma mensagem de vitória e superação. Superação essa de que sentimos o gostinho recente nos Jogos Pan-Americanos de Lima, com nosso melhor resultado da história, na segunda colocação geral.
Acreditamos que o trabalho feito dentro e fora das competições irá gerar resultados além das tão sonhadas medalhas. É o momento de desenvolvimento ainda maior de valores que sempre guiaram nosso dia a dia olímpico, como resiliência, trabalho em equipe, planejamento e superação de obstáculos. Vamos passar por essa juntos, como sempre fizemos. E, se nosso Time Brasil já estava unido e pronto antes mesmo da pandemia, 2021 que nos aguarde!
*Presidente do Comitê Olímpico do Brasil
Jamil Chade: Cruzada ultraconservadora do Brasil na ONU
Após se aliar a Arábia Saudita contra inclusão de educação sexual em resolução, delegação brasileira veta expressão "saúde reprodutiva" em texto contra ablação, isolando país
É um mergulho ideológico sem precedentes na diplomacia brasileira. O Governo de Jair Bolsonaro, que já havia se aliado a países ultraconservadores como a Arábia Saudita para vetar a inclusão do termo “educação sexual” em uma resolução na ONU contra a discriminação de mulheres e meninas, agora se opõe a citar “saúde sexual e reprodutiva” num texto proposto por países africanos para banir a mutilação genital feminina. Ainda que o Governo brasileiro defenda lutar contra esse flagelo que atinge cerca de 3 milhões de meninas por ano, a conduta do Itamaraty vem sendo a de pedir a exclusão de qualquer referência ao acesso das mulheres à “saúde sexual e reprodutiva”. O temor da nova ultraconservadora representação do Brasil é que, no futuro, a expressão seja usada para justificar práticas de aborto. Os autores dos textos negam qualquer relação com a interrupção da gravidez e apontam que, no caso da mutilação, tal acesso pode significar a diferença entre a vida e a morte dessas mulheres.
O posicionamento do Governo brasileiro gerou a incompreensão de diplomatas estrangeiros e foi recebido com choque pelas demais delegações. Em Brasília, na sede do Itamaraty, as orientações dadas pela cúpula do ministério também causaram indignação dos próprios funcionários na capital federal. A conduta também vem isolando o Brasil na América Latina, já que o Itamaraty agora é visto como retrógrado pelos países africanos e como bárbaro pelos Governos europeus. O Governo do esquerdista Antonio Manoel López Obrador, do México, por exemplo, chegou a propor a garantia de direitos à saúde sexual para essas meninas submetidas à ablação genital, numa direção diametralmente oposta ao que os diplomatas brasileiros vem sugerindo.
O episódio que turva o debate da resolução contra a mutilação genital, prevista para ir a voto na semana que vem no Conselho de Direitos Humanos da ONU, está longe de ser inédito. A guinada ultraconservadora do Governo brasileiro vem sendo aplicada em diversas reuniões e propostas sob debate nas Nações Unidas. O Itamaraty passou a traduzir em sua política externa uma visão em que só existe o sexo biológico e que não existiria consenso sobre o acesso à saúde sexual e reprodutiva. Termos como “gênero” e “identidade” já tinham também sido questionados.
No entanto, o que surpreendeu os demais países é que, nesse caso, todos os estudos apontam para a importância do tema da saúde sexual e reprodutiva justamente no combate à mutilação genital, que é o corte ou a remoção deliberada de parte da genitália feminina externa —frequentemente lábios vaginais e o clitóris.
Segundo a OMS, 200 milhões de meninas e mulheres vivem em países que praticam a mutilação. A maioria das vítimas tem entre zero e 15 anos de idade e a prática é considerada violação de direitos humanos. Concentrada em países africanos e do Oriente Médio, estima-se que a mutilação poderia atingir 3 milhões de meninas por ano. A agência de Saúde das Nações Unidas explica que a mutilação é “visa assegurar a virgindade pré-matrimonial e a fidelidade conjugal”. “Em muitas comunidades acredita-se que a mutilação reduz a libido de uma mulher e, portanto, ajuda a resistir a atos sexuais extraconjugais”, segue a OMS .
Para a agência e para especialistas, o acesso de mulheres à saúde sexual e reprodutiva, a que o Brasil se opõe, é um importante instrumento para garantir o direito dessas meninas. Num estudo realizado em 2017, a Escola de Medicina Tropical de Liverpool indicou que “aumentar a saúde sexual e reprodutiva de mulheres afetadas pela mutilação só será possível se tomadores de decisão colocaram isso como prioridade”. Entidades como aInternational Planned Parenthood Federation (IPPF) defendem que acesso aos serviços de saúde sexual e reprodutivos seja garantido a todas as mulheres que são submetidas a tal prática.
Contra a educação sexual
A indignação com a guinada da diplomacia brasileira já havia aparecido nos últimos dias. Numa resolução que propõe uma luta contra a discriminação contra mulheres, o Itamaraty também levantou sua placa para dizer que não estava de acordo com termos. O veto brasileiro, neste caso, foi apoiado por Governos ultraconservadores e acusados de violação aos direitos das mulheres. A mesma posição do Itamaraty foi adotada por Arábia Saudita, Catar, Bahrein, Iraque, Paquistão e Iraque. Já todos os ocidentais saíram em apoio ao projeto, proposto pelo México.
No caso da resolução sobre discriminação, o trecho sob disputa cita a garantia de acesso universal à educação sexual. Assim como nos demais casos, o Governo Bolsonaro não explicou o motivo de seu posicionamento.
O projeto toca em assuntos como a necessidade de “eliminar todas as formas de discriminação contra mulheres e meninas”. A meta é a de reforçar a luta pela igualdade de gênero como um dos objetivos das metas de 2030. O texto também deve ir à votação na semana que vem.
Não é a única mudança no projeto solicitada pelo Brasil. Um outro trecho que o Governo quer sua exclusão completa reconheceria que “a gama completa de informações e serviços de saúde sexual e reprodutiva inclui planejamento familiar, métodos seguros e eficazes de contracepção moderna, anticoncepção de emergência, programas de prevenção da gravidez adolescente, assistência à saúde materna, tais como assistência qualificada ao parto e assistência obstétrica de emergência, incluindo parteiras para serviços de maternidade, assistência perinatal, aborto seguro onde não seja contra a legislação nacional, assistência pós-aborto e prevenção e tratamento de infecções do trato reprodutivo, infecções sexualmente transmissíveis, HIV e cânceres reprodutivos”.
A pressão dos Governos islâmicos e o Brasil, porém, não convenceu os autores do projeto a aceitar sua retirada do rascunho do projeto. Ao tomar a palavra, o Governo do México afirmou que seria “difícil” excluir o parágrafo inteiro e alertou que retirar o capítulo de saúde e acesso à saúde reprodutiva minaria o centro da resolução, que é lutar contra a discriminação sofrida por mulheres e meninas.
O impasse entre o bloco ultraconservador e o restante dos Governos deve levar o projeto a ser alvo de intensas negociações nos bastidores até a semana que vem. Num outro trecho do projeto, o Governo brasileiro ainda fez um pedido para que seja reconhecido o papel de entidades religiosas na formulação de políticas públicas para a defesa das mulheres e da igualdade de gênero.
Num outro trecho, o Brasil apoiou Afeganistão e Nigéria ao questionar uma referência no texto a “outros fatores de identidade”. A postura do Itamaraty de aproximação aos Governos mais conservadores tem sido alvo de polêmicas dentro da ONU, que considerava o Brasil como um dos aliados tradicionais no avanço dos direitos das mulheres.
A atitude do governo brasileiro voltou a surpreender ativistas de direitos humanos. “O Brasil mais uma vez dá um vexame internacional e se firma no grupo de países que adotam as posturas mais retrógradas nas discussões sobre gênero nas Nações Unidas”, afirmou Camila Asano, diretora de programas da Conectas Direitos Humanos. “A postura do órgão não condiz com as políticas adotadas no Brasil há anos e com os compromissos internacionais assumidos pelo país em matéria de gênero e direitos sexuais e reprodutivos”, disse.
Durante a reunião na semana passada para apresentar seus vetos, o Governo brasileiro tomou a palavra e explicou que tais termos “geram controvérsias”. O Governo também insistiu que “rejeita a prática do aborto como um método contraceptivo. “Planejamento familiar é um assunto de liberdade do casal e o Estado é responsável por prestar recursos a esse direito, sem coerção”, completou.
Rogério Furquim Werneck: Brasil e Uruguai
Não há espaço para autoengano. No combate à pandemia, nosso país está levando um baile dos uruguaios
Dia 16 de julho, os uruguaios comemorarão 70 anos de sua lendária vitória sobre o Brasil na final da Copa de 1950, perante 199 mil torcedores que abarrotavam o recém-inaugurado Maracanã. Nas décadas seguintes, o Brasil encantaria o mundo com seu futebol, sagrando-se tricampeão mundial, em 1970, e penta, em 2002. Para nós brasileiros, contudo, não importa de que idade, o Maracanazo de 1950 continuou entravado na garganta. Uma amargura mal resolvida que, depois de tantos anos, teima em nos assombrar cada vez que, mesmo como franca favorita, a seleção brasileira enfrenta a uruguaia. Coisas do futebol.
Mas os uruguaios têm agora outra razão incomparavelmente mais importante para comemorar: seu desempenho espetacular no macabro torneio mundial de combate à pandemia. Num momento em que o Brasil já acumula mais de 55 mil mortes decorrentes da Covid-19, o Uruguai registra não mais que 26. Isso mesmo, 26 mortes.
Há que ter em conta, claro, que o Brasil, com 211,7 milhões de habitantes, tem uma população 60 vezes maior que seu vizinho de 3,5 milhões de habitantes. O razoável, portanto, é que a letalidade da Covid-19 nos dois países seja recalculada por milhão de habitantes. No Brasil, a pandemia já trouxe 259,8 mortes por milhão de habitantes. No Uruguai, 7,4 mortes.
A comparação é acachapante. Com base nessa métrica, o desempenho do Brasil no combate à pandemia mostra-se mais de 35 vezes pior do que o do Uruguai. É bom notar que não se trata de comparação com Nova Zelândia, Austrália, Cingapura ou Japão. E, sim, com outro país sul-americano, limítrofe, com o qual temos tanto em comum.
Não faltará quem alegue que, sendo o Uruguai um país pequeno, menos desigual, com população mais educada, melhores condições de saneamento básico e um sistema de saúde mais eficaz, não é surpreendente que venha tendo mais sucesso no combate à pandemia.
Tudo isso, claro, pode e deve ser levado em conta. E talvez pudesse explicar que o desempenho do Brasil fosse, digamos, dez vezes pior. Mas o que os dados mostram, vale repetir, é que nossa performance foi, por enquanto, mais de 35 vezes pior.
Não há espaço para autoengano. No combate à pandemia, o Brasil está levando um baile do Uruguai. A comparação deixa exposta a extensão da trágica lambança que estamos aprontando. E, também, a extraordinária competência com que os uruguaios souberam se mobilizar para combater a Covid-19.
Tal como no Brasil, o Uruguai vem padecendo de inegável polarização política. Mais civilizada do que a que se vê por aqui, mas, ainda assim, acirrada. No segundo turno da eleição presidencial do final do ano passado, Luis Lacalle Pou, à frente de uma coalizão de centro direita, ganhou com 50,8% dos votos válidos, contra 49,2% do candidato de centro esquerda.
Mal empossado em 1º de março, com um discurso de conciliação nacional, o novo presidente se viu às voltas com a chegada da pandemia ao Uruguai. Mas a polarização política não impediu que, extraindo lições corretas dos erros e acertos de países que já haviam sido colhidos pela pandemia, os uruguaios articulassem um combate concertado e extremamente eficaz à Covid-19.
Em contraste com o negacionismo sarcástico e eleitoreiro de um presidente entregue ao obscurantismo sanitário, em Brasília, o que se viu em Montevidéu foi um governo respaldado por assessoria científica de excelente nível e firmemente empenhado em liderar o país no combate à pandemia, com entrevistas coletivas diárias na televisão, em que se revezavam ministros e o próprio presidente da República.
Sem recurso a medidas compulsórias de distanciamento social, o novo presidente soube apelar para o espírito cívico dos uruguaios para conseguir que o país aderisse em massa a longo esforço voluntário de confinamento.
Humberto Saccomandi: Uma epidemia de ódio ameaça EUA e Brasil
O ódio político pode afetar a economia pois leva ao impasse
Cuidado com a sua raiva. Raiva do presidente Jair Bolsonaro, do PT, do STF, do MST, da mídia, do movimento LGBT, dos ambientalistas, do seu colega evangélico, do seu primo que pede intervenção militar. A raiva política, que parece ter o efeito positivo de ressaltar nossas convicções e/ou indignações, provavelmente está trazendo prejuízos a todos. É um epidemia para a qual não existirá vacina tão cedo.
Essa é, adaptada ao Brasil, a tese de Steven Webster, professor de Ciências Políticas na Universidade de Indiana (EUA), que lancará em setembro o livro "American Rage", a raiva americana. Há uma extensa literatura recente que tenta lançar luz sobre o crescente fenômeno da polarização política nos EUA. Webster disse ao Valor que se concentrou nas consequências sistêmicas.
Para ele, a raiva ao oponente político virou a força dominante da política americana. E essa extrema polarização está destruindo a confiança das pessoas nas instituições, o que leva a um governo disfuncional, ameaça a democracia e causa prejuízos à economia. Isso parece ocorrer no Brasil também.
A disfunção ficou evidente na reação catastrófica dos dois países, na área da saúde, à epidemia. Para os apoiadores de Donald Trump/Bolsonaro, a cloroquina era uma solução, apesar da evidências científicas de que o medicamento não funciona. Os presidente não buscaram políticas de consenso nem colaboração com os Estados. Agora, ambos ignoram a disparada no número de casos.
Sempre houve raiva política na história dos EUA. O que há de novo nos últimos 25 anos, diz Webster, é a extensão da raiva dos americanos e a frequência com que eles estão dispostos a expressá-la.
Ele atribui isso a três fatores principais: um é o casamento da identidade partidária com a identidade racial, cultural ou ideológica. “Cada vez mais os republicanos são o partido dos brancos, e os democratas são uma coalizão multiétnica. Essa diferente composição influencia as políticas que os partidos acabam defendendo.”
Os outros dois fatores são: as mudanças na mídia, com a importância crescente da mídia explicitamente partidária; e as novas tecnologias de internet, que facilitam a expressão do ódio. É mais fácil ser agressivo com alguém numa rede social, sentado no sofá de casa, do que fazê-lo socialmente, num bar.
“Trata-se cada vez mais de um jogo de soma zero. Minha vitória é a sua derrota, e vice-versa. Houve uma transição de eu perceber que há pessoas que discordam de mim para eu achar que essas pessoas são oponentes a serem derrotados”, diz Webster. “A raiva leva as pessoas a enxergar os outros pela lente da política, e não como pessoas, numa espécie de desumanização política. Os apoiadores do outro lado são vistos cada vez mais como uma ameaça ao bem-estar do país e até como menos inteligentes.”
Essa polarização pela raiva não foi criada nem por Trump nem por Bolsonaro. Ela os precedeu e é provável que continuará depois deles. Mas ambos deliberadamente a fomentam e se nutrem dela.
Webster diz que os dois principais partidos americanos mudaram e rumam para os extremos. Mas ele condivide a teoria da polarização assimétrica, isto é, que os republicanos foram mais para a direita do que os democratas para a esquerda. E, para se justificarem, precisam tentar colar no oponente a pecha de extremista. Trump repete todo dia que os democratas foram tomados por radicais. No Brasil, qualquer um que se oponha a Bolsonaro vira instantaneamente socialista ou comunista.
“O ódio político pode afetar a economia porque leva ao impasse. Se os eleitores estão com raiva do partido rival, isso cria o incentivo para as autoridades eleitas não façam acordos com membros do outro partido. E sem esse entendimento suprapartidário, é difícil enfrentar grandes questões nacionais”, disse.
O Medicare, o programa de saúde público para pessoas com mais de 65 anos, criado em 1965, no governo do democrata Lyndon Johnson, só passou no Congresso dos EUA graças ao voto favorável de 13 senadores republicanos, pois 7 senadores democratas votaram contra. Quando o Obamacare, seguro saúde compulsório com ampla participação privada, foi aprovado em 2010, nenhum deputado ou senador republicano votou a favor. Trump não conseguiu derrubar o programa, mas o desidratou. Com isso, dezenas de milhões de americanos enfrentam agora a epidemia sem plano de saúde.
Nem todo o mundo é assim, claro. A Dinamarca aprovou nesta semana um ambicioso plano de cortar as emissões de carbono em 70% até 2030. A proposta teve o apoio de mais de 95% do Parlamento. Os principais lobbies empresariais defendem o plano, ainda que ele possa levar a um aumento de impostos para financiar a conversão energética.
No Brasil e nos EUA, esse consenso é impossível. Temas de ambiente e aquecimento global foram colocados no escaninho da esquerda. Viraram não-assunto para a direita. Do mesmo modo, limitar a imigração é tema ignorado pela esquerda, apesar de ser demanda legítima de parte da população.
O candidato democrata, Joe Biden, pode não alimentar o ódio na sua campanha, mas ele quase não precisa disso, pois boa parte do país já tem tanta raiva de Trump e só a presença do presidente nas eleições já basta. “E é muito provável que grupos democratas explorem essa raiva.”
Ainda que a raiva possa ajudar os democratas nas eleições, ela é um risco à democracia, diz Webster. “Quanto mais os EUA ficarem polarizados, mais difícil se tornará manter a democracia. A democracia requer confiança, fazer concessões, um equilíbrio delicado, cada vez mais raro.”
Há saída para essa epidemia de ódio? “Espero, mas sou pessimista”, diz Webster. “Acho que será preciso algo grande e que afete todo o país para fazer as pessoas deixarem de lado a sua natureza partidária. Há evidência de que, quando algo as fazem se enxergar como americanos, e não democratas ou republicanos, isso reduz a hostilidade. Foi o que ocorreu no 11 de Setembro. A confiança no governo aumentou, o presidente George W. Bush teve a sua maior aprovação e muita gente trabalhou junto para um objetivo comum. É difícil saber se isso é factível sem que algo terrível aconteça. E ninguém deseja um ataque terrorista.”
Ele recomenda conter a raiva. “Uma dose de raiva é bom, pois eleva a participação na politica. Precisamos de uma quantidade saudável de raiva, não demais”.
*Humberto Saccomandi é editor de Internacional
William Waack: Guerra perdida
Sem conseguir controlar as várias crises, o governo não controla mais a imagem externa
O “custo” da perda de imagem do Brasil no exterior é difícil de ser colocado em números, mas uma carta enviada ao governo brasileiro e assinada por dezenas de instituições financeiras que operam no mundo inteiro oferece uma base de cálculo. Juntas, elas gerenciam cerca de US$ 3.7 trilhões (mais ou menos o dobro do PIB brasileiro).
Ameaçam retirar parte disso do País, caso continue subindo o ritmo de desmatamento da Amazônia. Alegam que há uma “incerteza generalizada sobre as condições para investir ou proporcionar serviços financeiros no Brasil”, devido ao fato de que não só emissões de dívida do governo brasileiro mas também o valor de companhias expostas à questões ambientais acabam sendo atingidos pelas queimadas.
Pelo jeito, o governo brasileiro, que anda sem ministros para coisas tão básicas como educação e saúde, se esqueceu de que a questão ambiental é considerada básica lá fora. E que exatamente essa ameaça de desinvestimento estava EXPLÍCITA na última cúpula de Davos – a do mundo pré-pandemia. Formulada pelo setor financeiro global, o tal que manipula o oxigênio da economia.
O setor financeiro brasileiro entrou na mesma linha e, num enorme evento da Febraban que deveria discutir tecnologias bancárias para o século 21, os presidentes das maiores instituições nacionais preferiram falar de desmatamento. Eles sabem que a ameaça de desinvestimento é grave e real, atingiria a cadeia inteira de suprimentos no setor agrícola e de pecuária, e não dão tanta bola para a frase “o mundo precisa comer, o Brasil produz comida, logo vão comprar da gente não importa o que aconteça” – muito repetida no setor retrógrado do agro (ele existe, e funciona como bola de ferro para o restante do setor).
Agora que o general Hamilton Mourão assumiu os esforços de colocar um pouco de ordem no caos legal da Amazônia, o governo brasileiro se empenha com ainda mais ênfase em dizer que críticas desse tipo, praticada por instituições financeiras, são “desinformadas”. E aqui está o nó da questão: já não importa se as informações que o governo brasileiro fornece são exatas, confiáveis, precisas, bem apuradas ou não.
A realidade para a qual Brasília abriu os olhos parcialmente e muito tarde é a de que perdemos a guerra da comunicação lá fora, nossa imagem é hoje incomparavelmente pior do que foi no último período em que tal deterioração se constatava (a do regime militar). A crise do coronavírus tornou mais graves e evidentes alguns aspectos que já existiam, como pobreza, desigualdade e incompetência geral do governo, e entre eles está o da imagem externa.
Na questão ambiental, tão básica lá fora, consolidamos a proeza de passar da turma dos países que tem problemas mas pareciam caminhar para resolvê-los para a turma de países vilões que se esforçam em piorar os problemas. Sim, é uma simplificação brutal da questão, mas é em torno de simplificações brutais desse tipo que se dá o amplo debate da formação de opiniões e condutas também em escala mundial – atingindo mídia, consumidores, corporações e governos.
Nesse sentido, a mais recente “proeza” do nosso País é ser rotineiramente citado como mau exemplo no combate ao coronavírus – inclusive pelo “amigo” Trump, que não é exatamente uma boa referência quando se trata de enfrentar uma epidemia. No acumulado de mortes já estamos em segundo lugar no mundo e aproximando-nos dos EUA.
A maneira como esses fatos da realidade são vistos lá fora é devastadora para nossa imagem: é a de um País desigual, pobre, destruidor do meio ambiente e agora, ainda por cima, infectado e infectando. Nas mãos de um governo visto como incapaz de controlar qualquer crise, seja de ambiente seja de saúde pública.
UE prepara lista de países para reabrir fronteiras e Brasil deve ser excluído
EUA e Rússia também não cumpririam os critérios exigidos pelo bloco comunitário
A União Europeia está concluindo uma lista de países considerados suficientemente seguros para que seus cidadãos possam viajar para o bloco comunitário a partir de 1º de julho. Segundo fontes diplomáticas, o documento, que deve ser adotado por consenso, se basearia em três critérios: sanitários, de reciprocidade e vínculos com a UE. Isso deixaria de fora países como Brasil, Estados Unidos e Rússia, que não têm conseguido controlar a pandemia de coronavírus. Entretanto, a confecção da lista está sendo um quebra-cabeça para os 27 países da UE, pela dificuldade em encontrar uma fonte de dados fidedigna para embasar esses relatórios.
A UE fechou sua fronteira externa em 16 de março, com exceção de viagens “estritamente necessárias”, como a repatriação de europeus. À medida que se aproxima o 1º de julho, alguns sócios insistem com mais força na urgência de publicar uma lista antes de começar a abri-la. Há semanas os Governos da UE tentam concluir uma tarefa que várias fontes descrevem como extremamente complexa. Os embaixadores tratarão nesta quarta-feira, em uma reunião, de fixar uma primeira lista de países candidatos a ingressar nessa primeira leva, mas será difícil que isso ocorra. Em todo caso, a intenção é fechá-la antes de 1º de julho, dado o risco de que as capitais nacionais decidam seguir seus próprios critérios.
Um dos pontos mais polêmicos envolve os Estados Unidos, que soma 2,3 milhões de diagnosticados e 120.000 mortos, o que indica que a expansão do vírus está longe de ser controlada. Se forem seguidos critérios epidemiológicos, a UE ainda não deveria abrir suas fronteiras com os EUA. Mesmo assim, a decisão não depende só dos dados sanitários. Os Estados Unidos atualmente não permitem a entrada de viajantes europeus, por isso as capitais podem negar a chegada de cidadãos desse país, por questão de reciprocidade.
Fontes governamentais indicam um terceiro elemento mais subjetivo. Em alguns casos, haverá razões políticas ou de proximidade com o país em questão que induzam a abrir as portas mesmo que não haja reciprocidade. Em nível comunitário, fala-se dos países dos Bálcãs. No caso da Espanha, o foco de interesse é Marrocos, que fechou a sete chaves sua fronteira pouco depois de declarada a pandemia, mas que tem um nível de contágios muito baixo e, portanto, a retomada do fluxo de pessoas vindas desse país acarreta um risco pequeno.
Mas, mesmo sob esse critério, não é fácil tomar uma decisão em favor dos EUA, porque o próprio Donald Trump ignorou a importância da relação transatlântica ao decretar, sem aviso prévio, que se fechassem todas as portas a cidadãos procedentes da UE.
Temporada turística
A pressão para abrir as fronteiras procede sobretudo de países turísticos, em especial a Grécia. Atenas, que elaborou sua própria lista com 30 países que considera seguros, não quer prescindir de grandes mercados, como o russo, e inclusive sugere a possibilidade de abrir suas fronteiras aos cidadãos desses Estados para que as companhias aéreas e operadoras de turismo possam oferecer seus pacotes.
Outros países, por outro lado, estão abrindo suas fronteiras com a máxima precaução. É o caso da Dinamarca, que até o próximo dia 27 só autoriza a entrada de cidadãos da Alemanha, Noruega e Islândia. A Espanha evita dar pistas sobre quais países integrarão a lista europeia, mas assegura que não agirá unilateralmente.
A preparação da lista, entretanto, não é uma tarefa nada simples. Todos os países proporcionam dados sobre o alcance da pandemia. Mas várias fontes diplomáticas duvidam da fiabilidade de muitas dessas estatísticas. “O problema é de confiança”, argumentam fontes comunitárias. A isso se soma que muitos países fazem suas contribuições ao debate com argumentos políticos ou de proximidade, segundo estas fontes.
Os diplomatas, entretanto, esperam chegar a um acordo antes do dia 1º para evitar que o desacordo ponha em risco as garantias sanitárias na fronteira externa da União Europeia. O que, por sua vez, representaria uma ameaça para toda a área Schengen.
El País: Brasil salta de quinto a segundo país com mais mortos por coronavírus no mundo em duas semanas
Com 41.828 óbitos, país ultrapassa Reino Unido. Pesquisadores veem aceleração da doença com reabertura do comércio. Projeção calcula 60.000 mortos até o fim do mês
Bastaram duas semanas para o Brasil saltar da quinta para a segunda posição no ranking de países com maior número de mortes pela covid-19. Nesta sexta-feira, o país ultrapassou o Reino Unido (que tem 41.481 mortes) ao registrar 41.828 vítimas fatais do novo coronavírus. De acordo com os dados do Ministério da Saúde, o país soma 828.810 infecções —com 909 novos óbitos e 25.982 casos notificados em 24 horas— e ainda investiga 4.033 mortes.
Há um mês, autoridades de saúde e cientistas alertam sobre a tendência de que o Brasil se torne o próximo epicentro global da pandemia, posto atualmente ocupado pelos Estados Unidos, com 2.083.548 de casos confirmados e 116.130 mortes. No ranking de óbitos por milhão de habitantes, o Brasil ocupa a 11ª posição global, com 180 mortes por milhão de pessoas. A Bélgica lidera a contagem, com 831 óbitos por milhão, seguida pela Espanha, com 580 mortes por milhão, de acordo com os dados da Organização Mundial da Saúde (OMS).
No início de maio, quando o Ministério da Saúde sequer registrava 8.000 óbitos pelo novo coronavírus, estudos da Universidade Johns Hopkings e um levantamento do Observatório Covid-19 BR indicavam que o país superaria 1,6 milhão de infecções. Na mesma época, especificamente no dia 8 de maio, a Faculdade de Medicina da USP em Ribeirão Preto publicou um estudo que apontava que o Brasil já teria dois milhões de casos de covid-19. Considerando essa estimativa, teríamos, hoje, quatro milhões de casos.
Em 20 de maio, o EL PAÍS estimou que apenas um em cada 20 casos é notificado pelo Governo e que o número de infectados no Brasil pode chegar a 3,7 milhões de pessoas. Esse é o número obtido quando se aplica o método de um grupo de matemáticos e epidemiologistas da London School of Hygiene and Tropical para calcular a subnotificação.
Vitor Engrácia Valenti, doutor em Ciências e professor da UNIFESP, que também trabalha com projeções feitas pela Oxford University de Londres, aponta que o Brasil já pode ser o epicentro global da pandemia. “Era esperado que, com uma estimativa de comportamento da doença, o pico de contágios chegasse em dois ou três meses depois do primeiro caso, mas a covid-19 ainda está em avanço no Brasil”, diz o pesquisador.
Valenti aponta que, com o recente relaxamento das medidas protetivas —comércio e outros serviços reabriram esta semana em São Paulo, a principal cidade do país— o Brasil pode registrar mais de duas mil mortes diárias no começo de julho. Já o professor de medicina Domingos Alves, responsável pelo Laboratório de Inteligência em Saúde (LIS) da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto, esse registro pode ser ainda maior. “Nós somos o único país no mundo que depois do dia 50 estava acelerando no número de casos e de óbitos. Temos projeções que indicam que podemos chegar a 5.000 óbitos por dia em julho”, afirma.
“Como não podemos prever o comportamento das pessoas, se vão respeitar o isolamento social ou não, é possível que tenhamos 3.000 ou 4.000 mortes por dia no próximo mês”, pondera Valeti. Um estudo do qual ele fez parte demonstra que o isolamento salvou pelo menos 10.000 vidas no país. Para o cientista, o que é certeza é que já não existe a possibilidade de se falar em um “cenário otimista” para o Brasil. “Em nossa projeção realista, o país teria 41 mil óbitos por covid-19 no dia 9 de junho, uma cifra muito próxima da registrada oficialmente na data [38.406], considerando a polêmica sobre a transparência nos números divulgados pelo Ministério. De acordo com a projeção pessimista, podemos chegar a 60 mil mortes até o final deste mês”.
El País: Brasil perde status de democracia liberal perante o mundo
Instituto V-Dem diz que país é mera democracia eleitoral. Ataque orquestrados a jornalistas, enfermeiros e cientistas são a ponta do iceberg. Nenhum regime autoritário foi instalado sem uma manipulação prévia de uma parcela da sociedade
Nesta semana, o secretário-geral da ONU, Antônio Guterres, apresentou um dado revelador: no mundo, 40% das postagens numa grande plataforma social sobre a covid-19 eram realizadas por robôs. Se o dado em si é surpreendente, a pergunta que precisa ser feita é óbvia: a quem serve tal esforço? Por qual motivo um movimento disfarçado de indivíduos anônimos ― e portanto de massa ― buscaria influenciar a opinião pública sobre uma pandemia que matou nos EUA mais que a Guerra do Vietnã?
E por qual motivo líderes de nações supostamente democráticas se lançam, ao mesmo tempo, em ataques explícitos ou camuflados de “espontâneos” contra a imprensa, um eventual antídoto à proliferação de desinformação? No domingo, em pleno dia internacional da liberdade de expressão, jornalistas foram atacados em Brasília. A opção da presidência foi por minimizar os eventos. Dias depois, foi a vez do próprio presidente Jair Bolsonaro revelar sua índole mais íntima ao mandar um repórter “calar a boca” e ofender a imprensa.
Os jornalistas são apenas parte de uma nova rotina do poder. Nesta terça, Bolsonaro gritou duas vezes com jornalistas mandando um “cala a boca”, algo que só a ditadura viu no Brasil. Mas os relatos se espalham pelo país sobre como enfermeiras e médicos estão sendo alvos de ataques de apoiadores do Governo. Não faltam agressões morais contra professores, artistas, intelectuais ou cientistas, todos eles vistos como potenciais ameaças. Enquanto isso, nas redes sociais, milhares de robôs e apoiadores autênticos de um movimento violento transformam plataformas em trincheiras da mentira.
Nos discursos, quase nunca de improviso, Deus e ódio se misturam nas mesmas frases. Judas é evocado para atacar antigos pilares do movimento. A religião passa a legitimar abusos de direitos humanos. Pede-se orações para que um líder cuja promessa era a de exterminar o contraditório. Todos se apresentam como pessoas de bem. Todos se apresentam como patriotas, únicos autorizados a vestir as cores nacionais.
Nas ruas, nas praças, no mundo virtual ou na violência diária, todos esses personagens têm algo em comum: o desprezo pela democracia. O ruído causado por esse grupo, instigado por seus líderes, certamente é maior que seu número real de apoiadores. Mas ainda assim tal massa é relevante no cenário em que vivemos. Uma massa que mistura classes sociais sob uma única ideologia, com um comportamento fanático capaz criar uma surdez crônica.
Instrumentalizada, ela cumpre justamente um objetivo, online e offline: o de dar pinceladas de legitimidade popular a um movimento claramente autoritário. “Foi uma demonstração espontânea da democracia”, afirmou o presidente, numa referência aos recentes atos. Nada disso é novo. Nenhum regime autoritário foi instalado sem uma manipulação prévia de uma parcela da sociedade.
Hannah Arendt aponta como, anos antes da chegada ao poder de tais forças na Europa, sociedades de classes foram dissolvidas em massas. Já os partidos foram destruídos e substituídos apenas por ideologias. Em Brasília neste fim de semana, as caravanas do autoritarismo eram a distopia de um sonho de uma cidade erguida para ser a capital de um novo século, democrático. Nas sombras dos traços do arquiteto estavam os reflexos de uma parcela da sociedade que jamais viu a democracia com entusiasmo, que sempre desconfiou da ideia do pluralismo, que jamais entendeu a noção do público e que, com seu egoísmo insultante, nutre a convicção de que as instituições são uma fraude.
Ameaçado pelo vírus e por uma recessão brutal, o Governo mobiliza suas tropas cegas pela ignorância para se defender, aprofundar seu desprezo pela verdade e levar um país ao limite de sua coesão nacional. Todos os sinais apontam na mesma direção: a democracia brasileira está ameaçada e seu desmonte ocorre em plena luz do dia. Em cada desafio disparado a um dos poderes, em cada gesto de violência, em cada mentira disseminada e em cada caixão enterrado.
O Instituto V-Dem da Universidade de Gotemburgo, um dos maiores bancos de dados sobre democracias no mundo, já deixou de classificar o Brasil desde o começo do ano como uma "democracia liberal”. Agora, o país é uma mera democracia eleitoral.
O instituto produz e coleta informações sobre países entre 1789 a 2019 e conclui que, nos últimos dez anos, a deterioração da democracia no Brasil só não foi maior que a realidade verificada na Hungria, Turquia, Polônia e Sérvia. Segundo Staffan Lindberg, um dos autores do informe e diretor do instituto, tal tendência ganhou uma nova dimensão mais recentemente. “O Brasil foi um dos países no mundo que registrou a maior queda nos índices de democracia nos últimos três anos”, alertou.
Na ONU, gabinetes da alta cúpula da entidade são tomados por preocupações em terno do discurso anti-democrático e o encolhimento real do espaço civil. Pela primeira vez em décadas, o país é denunciado nas instâncias internacionais, inclusive por flertar com o risco de genocídio.
Em outras palavras: o direito inalienável de viver numa democracia plena não está garantido. O Centro para o Futuro das Democracias da Universidade de Cambridge foi categórico num recente informe sobre a situação das democracias no mundo: “Para o Brasil, ao que parece, o futuro foi adiado mais uma vez”.
Enquanto essa eterna promessa é uma vez mais torturada, a fronteira entre massa hipnotizada e dos robôs programados para disseminar desinformação parece se desfazer à medida que a crise institucional e de valores se aprofunda. No mundo virtual ou numa praça ensolarada, ambos tem a missão de disseminar um vírus mortal: a pandemia do ódio, capaz de aleijar uma democracia. Como troféu, seu mito governará sobre esqueletos, mordaças e carcaças. Ainda assim, com a fumaça negra desonrando o horizonte do Planalto Central, irá declarar solenemente: “e daí?”.