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Rogério F. Werneck: Compromisso com o erro
Governo agride a China enquanto o Brasil se tornou crucialmente dependente de insumos chineses para a fabricação de vacinas
Entre as incontáveis deficiências do governo, uma lhe tem sido fatal. Faltam-lhe mecanismos eficazes de correção de erros. Bolsonaro é capaz de persistir meses a fio em linhas de ação equivocadas, ao arrepio dos seus melhores interesses, sem que isso deflagre as correções requeridas no seu processo decisório.
O Brasil levou 38 dias para reconhecer a vitória de Joe Biden, sem que houvesse, em Brasília, uma boa alma capaz de demover o presidente de tamanho despropósito. E, mesmo assim, o Planalto não se deu por satisfeito. Há não mais que 15 dias, ao comentar a brutal invasão do Capitólio, Bolsonaro se permitiu voltar a insinuar que a eleição presidencial nos EUA fora fraudada.
Pouco depois de Trump ter sido banido do Twitter, do Facebook e do Instagram, Bolsonaro saiu do seu caminho para aconselhar seus milhões de seguidores a passar a usar aplicativo alternativo, mais tolerante com a proliferação de fake news e a pregação da violência, em linha com o que já vinham disseminando as piores hostes trumpistas.
Tudo indica que o governo continua completamente despreparado para a guinada que Joe Biden promoverá nas relações dos EUA com o resto do mundo. E que será atropelado pela súbita restauração do compromisso norte-americano com o multilateralismo, sobretudo pelo realinhamento da postura dos EUA quanto ao aquecimento global e ao controle ambiental de forma geral.
Bolsonaro continua aferrado aos delírios de seu ministro das Relações Exteriores. E certo de que poderá enfrentar o que está por vir com Ricardo Salles à frente do Ministério do Meio Ambiente. Ainda não há sinais críveis de que, nessas áreas, o Planalto esteja contemplando correção significativa de rumo.
Os segmentos mais lúcidos do agronegócio brasileiro têm agora razões redobradas para se alarmar com o discurso destrambelhado do governo sobre a preservação da Amazônia. Ao desgaste crescente que já vinha sendo observado com países da União Europeia, deverão se somar desavenças com o governo Biden, advindas de pressões da ala ambientalista do Partido Democrata, desta vez, alegremente reforçadas pelo velho lobby agrícola norte-americano. O que está em jogo é nada menos que o promissor projeto de expansão desimpedida das exportações agropecuárias brasileiras.
Já às voltas com um contencioso potencial preocupante com os EUA e a União Europeia, o governo continua propenso a abrir novos pontos de atrito com a China, país que já absorve um terço das nossas exportações e dá sinais cada vez mais claros de alinhamento com as preocupações ambientalistas do mundo desenvolvido. Excessos verbais do entorno familiar do presidente Bolsonaro têm sido fonte recorrente de agressões gratuitas à China. Tudo isso num momento em que o Brasil se tornou crucialmente dependente de insumos chineses para a fabricação de vacinas.
É um desvario a mais a marcar não só a política externa, como a obstinada inconsequência com que o governo tem conduzido o combate à pandemia e, ao que parece, conduzirá a campanha de vacinação.
O surgimento de vacinas contra a covid-19 abriu a Bolsonaro a oportunidade de compensar, ao menos em parte, os desatinos que, por longos meses, perpetrou no enfrentamento da pandemia. Era o momento de tentar dar a volta por cima e criar condições para que o governo federal assumisse a liderança que dele se esperava na coordenação do colossal esforço requerido para levar adiante uma campanha eficaz de vacinação, num país mais de 200 milhões de habitantes com as dimensões territoriais do Brasil.
Mais uma vez, contudo, faltou a Bolsonaro a estatura requerida para promover a mudança de rumo requerida. Como já vinha fazendo no combate à pandemia, o presidente preferiu insistir no discurso negacionista e obscurantista e fazer da vacinação mais um palco para a pequena política, marcada por atritos tolos com os governos subnacionais. Tampouco há, nessa área, sinais de correção de erros. Bolsonaro continua apegado ao patético pau-mandado a quem, há oito meses, entregou o Ministério da Saúde.
*Economista, doutor pela Universidade Harvard, é professor titular do Departamento de economia da PUC-Rio
Cristiano Romero: Encruzilhada fiscal e social
Retomada desigual do PIB e fim do auxílio fomentam crise social
Não é desprezível o risco de o país enfrentar nos próximos meses uma grave crise social. Todos sabemos que 2020 só não foi mais trágico, do ponto de vista econômico, porque o Congresso Nacional e o governo federal agiram rapidamente para instituir novo mecanismo de transferência de renda e, assim, compensar o fato de que, devido à pandemia, milhões de trabalhadores formais e informais perderam subitamente seu ganha-pão
O auxílio emergencial funcionou razoavelmente bem e impediu que a contração da economia fosse muito superior à esperada. Muitos analistas chegaram a projetar queda acima de 9% para o Produto Interno Bruto (PIB) em 2020. Segundo cálculos do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da FGV-Rio, o PIB pode ter caído 4,7% no ano passado e crescerá 3,6% em 2021.
O que evitou um mergulho maior do PIB foram os bilhões de reais transferidos a pouco menos de 70 milhões de brasileiros entre abril e dezembro. Uma parte significativa desse contingente - cerca de 45 milhões de pessoas - é beneficiária do programa Bolsa Família e, por essa razão, continua recebendo o benefício, embora num valor bem inferior ao do auxílio emergencial - aproximadamente, R$ 150 por pessoa, em vez de R$ 600 (quantia paga entre abril a setembro) e R$ 300 (de outubro a dezembro).
O auxílio expirou em 31 de dezembro. Neste mês, ainda há um resíduo a ser transferido, mas, depois disso, acaba. Enquanto isso, assistimos, apreensivos, ao recrudescimento da pandemia no país. Seus efeitos negativos sobre a economia logo aparecerão, comprometendo a recuperação esperada. Grosso modo, 30 milhões de cidadãos viverão doravante sem renda alguma.
A equipe econômica do governo alega que a situação fiscal do país já era claudicante antes da pandemia e tornou-se desesperadora ao longo de 2020. O setor público consolidado, isto é, as contas de União, dos Estados e municípios, registrou déficit primário, nos 12 meses acumulados até novembro, de R$ 664,6 bilhões (8,93% do PIB).
Chama-se esse conceito de “primário” porque não inclui a despesa com juros da dívida. É a diferença entre o que o Estado arrecada por meio de tributos e o que gasta. Desde 2014, essa diferença é negativa. No ano passado, por causa da pandemia, é compreensível que, por causa do enfrentamento da pandemia, o rombo tenha aumentado.
Bem, se o setor público da Ilha de Vera Cruz não consegue arrecadar o suficiente para cobrir as despesas do Estado, como faz para honrar despesas como aposentadoria e pensões de mais de 30 milhões de brasileiros, salários do funcionalismo e gastos obrigatórios com saúde e educação? Ora, endividando-se.
Nos 12 meses até novembro de 2021, o déficit nominal, conceito que inclui o serviço da dívida, isto é, a despesa com juros, alcançou R$ 978,0 bilhões (13,14% do PIB). A Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG), que compreende governo federal, INSS e governos estaduais e municipais, alcançou R$ 6,559 trilhões em novembro (88,1% do PIB). Em apenas um ano, cresceu mais de dez pontos percentuais de PIB.
Ninguém em sã consciência dirá que a situação fiscal deste país não é grave. O problema é justificar o fim da ajuda humanitária a quem precisa com o argumento de que, se houver deterioração adicional das finanças públicas, o país quebrará, investidores (nacionais e estrangeiros) fugirão daqui, a cotação do dólar visitará a estratosfera, haverá calote da dívida...
Não se tente convencer um pai de família desempregado a entender esse argumento ou de que sua situação é esta por não ter estudado) ele pode mostrar que, felizardo (porque a maioria não chega tão longe), estudou, sim, em escola pública durante toda a sua vida, ganhou bolsa do Fies para cursar ensino “superior” em faculdades com ação na bolsa e sócio estrangeiro, mas de péssima qualidade, e ainda assim está na miséria, como outros milhões de compatriotas neste momento terrível do país e da humanidade.
Por que não se usa o mesmo argumento fiscal para “convencer” grupos de interesse específico a entregar parte do butim, que faz deste imenso território um lugar rico habitado por uma minoria rica e uma maioria esmagadora, pobre?
“O Brasil chega a 2021 mais enredado do que nunca nas complexidades e contradições de múltiplas expectativas e demandas. É preciso voltar a crescer, mas também há que se responder a uma teia cada vez mais ampla de direitos democráticos em temas como saúde, segurança, transporte de qualidade, meio ambiente, combate ao racismo, empoderamento feminino, reconhecimento de identidades de gênero etc.”, observa Luiz Guilherme Schymura, presidente do Ibre-FGV.
Há uma visão, diz Schymura, segundo a qual, a retomada do crescimento seria suficiente para que os rendimentos do mercado de trabalho preenchessem a lacuna deixada pelo fim do auxílio emergencial. O impacto social, portanto, não seria dramático. O problema é que, talvez, muitos dos que acreditam nessa possibilidade não tenham considerado dois fatores: o aumento exponencial dos casos de covid-19, algo que pode obrigar prefeitos e governadores a reinstituir regras de isolamento social, e o fato, inacreditável, de que o governo Bolsonaro simplesmente não planejou a vacinação dos 210 milhões de viventes que moram neste canto do planeta. Sem vacina e imunização planejada, não teremos recuperação econômica. Teremos, sim, o agravamento da crise sanitária que já ceifou a vida de 210 mil brasileiros.
Há um terceiro problema. A economista-chede do Ibre, Sílvia Matos, conta que a retomada pós choque econômico da pandemia é muito desigual. “Chegou-se a criar a expressão ‘recuperação em k’ para se referir ao fato de que, enquanto a indústria e o comércio saíram na frente, os serviços, mais afetados pelo distanciamento social, ainda dão sinais de fraqueza”, diz Schymura.
Exemplo da heterogeneidade no próprio setor de serviços. Os que são prestados às famílias e que empregam bastante, medidos pela Pesquisa Mensal de Serviços (PMS), estavam em outubro 32% abaixo do nível pré-pandemia, em fevereiro do ano passado. Já os serviços de tecnologia da informação registraram avanço de 12% na mesma comparação, beneficiados pelo trabalho em casa, a comunicação a distância.
“É nessa encruzilhada extremamente difícil que se encontra o país neste início de 2021, e não se deve nutrir a esperança de que a retomada econômica pós covid resolverá os muitos dilemas e impasses. Mais do que nunca, será preciso um grande entendimento nacional para que se encontre um caminho viável que evite simultaneamente crises agudas no campo fiscal e social”, comenta Schymura.
José Luis Oreiro: Presidente do Ipea quer que o Brasil volte a ser uma grande fazenda
Na entrevista concedida hoje ao jornal Valor Econômico, o presidente do IPEA, o economista Carlos Von Doellinger, disse que “a gente precisa se conscientizar que o Brasil precisa apostar em suas vantagens comparativas, suas vantagens competitivas. Não somos bons em produzir materiais de transporte, não somos bons nisso (….) nosso caminho não é a indústria manufatureira, a não ser aquela ligada a beneficiamento de produtos naturais, minérios”.
O Presidente do IPEA, fiel a tradição liberal brasileira de Bulhões et caterva acha que indústria é algo que está acima da capacidade cognitiva dos brasileiros. Ele diz que devemos nos contentar com nossas vantagens comparativas na produção de soja e minério de ferro (até porque a vantagem competitiva na produção de café já perdemos para outros países, para ver isso é só passar numa loja da Nespresso e ver quantas linhas de cápsulas de café são produzidas com café brasileiro). Esse é um argumento rídiculo e totalmente contrário a evidência empírica disponível. Entre 1930 e 1980 o Brasil cresceu a uma taxa média de 8% a.a. puxado pelo crescimento do setor manufatureiro, que ampliou a sua participação no PIB de 16% em 1948 para 27% em 1974 (vide figura abaixo).
O período de redução do crescimento e posterior estagnação da economia brasileira coincidiu precisamente com a desindustrialização, ou seja, a perda de participação da indústria de transformação na economia brasileira. Além disso, vantagens competitivas não são um dado da “natureza”; mas são construídas ao longo do tempo a medida que se acumula conhecimento técnico e científico (complexidade econômica) e o crescimento do tamanho do mercado interno permite a obtenção de economias estáticas e dinâmicas de escala, as quais levam a redução do custo marginal de produção dos produtos manufaturados (A esse respeito ver Ros, 2013, capitulos 7 e 8). Eventualmente o tamanho do mercado interno se torna insuficiente para o desenvolvimento da indústria de transformação, o que exige que o país passe da fase de industrialização por substituição de importações para a fase de industrialização liderada pela exportação de produtos manufaturados (Kaldor, 1967).
Austrália, Canadá e Nova Zelândia foram países que passaram por um processo de industrialização, mas cuja elevada renda per-capita e elevada acumulação de capital humano permitiram a transição para uma economia de serviços sofisticada. Sobre o caso de como a Austrália e a Nova Zelândia conseguiram escapar da “maldição dos recursos naturais” sugiro a leitura deste excelente post de meu colega Paulo Gala (Austrália, Nova Zelândia e Canadá conseguiram escapar da maldição dos recursos naturais – Paulo Gala / Economia & Finanças)
A desindustrialização ocorrida na economia brasileira não é um fenômeno natural, mas precoce, como argumentei no artigo ” Deindustrialization, economic complexity and exchange rate overvaluation: the case of Brazil (1998-2017)” publicado no numero de dezembro da prestigiosa PSL Quarterly Review (os interessados podem obter o artigo em ( 3d45ce8fcb6c3444952951dea88388c7dc012729.pdf (joseluisoreiro.com.br). Além disso a evidência empírica disponível, publicada em diversas revistas científicas que o presidente do IPEA parece desconhecer, mostra que a participação da indústria de transformação no PIB tem um impacto positivo e estatisticamente significativo sobre a taxa de crescimento da renda per-capita de uma amostra de países. Com efeito, na tabela 2 abaixo reproduzida no artigo “MANUFACTURING, ECONOMIC GROWTH, AND REAL EXCHANGE RATE: EMPIRICAL EVIDENCE IN PANEL DATA AND INPUT-OUTPUT MULTIPLIERS” escrito por Luciano Ferreira Gabriel, Luiz Carlos de Santana Ribeiro, Frederico Gonzaga Jayme Jr e José Luis Oreiro e publicado no número de março da PSL quarterly Review (ver Manufactoring, economic growth, and real exchange rate: Empirical evidence in panel data and input-output multipliers | Gabriel | PSL Quarterly Review (uniroma1.it) observa-se que para uma amostra de 84 países (desenvolvidos e em desenvolvimento) para o período 1990-2011 a variável participação da manufatura no PIB (vamanu) mostrou ter um impacto positivo e estatisticamente significativo tanto na amostra ampla, como nas amostras recortadas pelo nível de hiato tecnológico, sendo mais forte no caso dos países com nível intermediário de hiato tecnológico como é o caso do Brasil.
Table 2 – Dynamic Panel Estimations (GMM) – Arellano and Bond (Diff GMM – two steps Robust) with Windmeijer (2005) standard errors, years 1990-2011
Primary and Manufacturing | All sectors | |||||
GDPpcg | Broad sample | Intermediate Technological Gap | High Technological Gap | Very High Technological Gap | Developing Countries | |
l.GDPpcg | 0.0120 | -0.0202 | 0.146 | -0.266 | -0.00585 | -0.0713 |
(0.36) | (-0.49) | (1.81) | (-0.64) | (-0.15) | (-1.70) | |
l.misxrate | 7.103*** | 6.404*** | 6.681* | 7.538* | 5.558*** | 7.662*** |
(5.44) | (4.34) | (2.55) | (2.48) | (3.78) | (4.48) | |
misxrate | -4.038 | -4.160 | -1.342 | -0.803 | -3.624* | -5.231** |
(-0.56) | (-0.79) | (-0.40) | (-0.28) | (-2.36) | (-2.83) | |
gaptec | -0.0520* | -0.0494** | -0.165*** | -0.0330* | -0.0616** | -0.0936*** |
(-2.56) | (-2.87) | (-3.58) | (-2.02) | (-2.90) | (-3.78) | |
vaserv | -0.156* | -0.109* | ||||
(-2.10) | (-2.03) | |||||
vamanu | 0.214** | 0.661** | 0.223** | 0.198** | 0.112** | 0.0868** |
(2.94) | (2.71) | (2.63) | (2.69) | (2.82) | (2.65) | |
vaprim | -0.115* | -0.0810** | -0.0630** | -0.0369 | -0.312*** | -0.210** |
(-2.04) | (-2.72) | (-2.92) | (-0.74) | (-4.40) | (-2.60) | |
humank | -0.0152 | -0.0285 | 0.0829 | 0.0749 | -0.0263 | -0.0342 |
(-0.55) | (-1.12) | (0.53) | (0.29) | (-0.81) | (-1.03) | |
infla | -0.00249** | 0.000307 | -0.131** | -0.0352*** | -0.00153 | 0.000332 |
(-3.39) | (0.10) | (-2.62) | (-3.81) | (-0.37) | (0.09) | |
ainv | 0.261*** | 0.342*** | 0.0304*** | 0.253*** | 0.200*** | 0.265*** |
(6.84) | (7.53) | (4.70) | (4.15) | (5.24) | (6.72) | |
govexp | -0.444*** | -0.489*** | -0.0910* | -0.233* | -0.376*** | -0.269** |
(-5.15) | (-4.01) | (-2.57) | (-2.45) | (-4.25) | (-2.84) | |
ttrade | -0.00999 | -0.00381 | -0.0422** | -0.000792 | -0.00999 | -0.00171 |
(-1.13) | (-0.35) | (-3.12) | (-0.06) | (-1.07) | (-0.15) | |
pop | -0.944** | -1.414*** | -0.146** | -0.686** | -0.692* | -1.207** |
(-2.76) | (-3.33) | (-2.81) | (-2.92) | (-1.99) | (-2.90) | |
eci | 0.0149 | |||||
(0.12) | ||||||
Temporal Dummy | Yes | Yes | Yes | Yes | Yes | Yes |
Arellano and Bond’s test for AR(1) – A | z = -14.14 Pr > z = 0.000 | z = -10.04 Pr > z = 0.000 | z = -13.34 Pr > z = 0.000 | z = -9.02 Pr > z = 0.000 | z = -10.58 Pr > z = 0.000 | z = -11.17 Pr > z = 0.000 |
Arellano and Bond’s test for AR(2) – A | z = -0.32 Pr > z = 0.752 | z = -1.53 Pr > z = 0.126 | z = 0.07 Pr > z = 0.942 | z = 1.43 Pr > z = 0.154 | z = 1.77 Pr > z = 0.176 | z = -0.99 Pr > z = 0.323 |
Sargan’s test for over-identified restrictions – B | Prob > chi2 = 0.571 | Prob > chi2 = 0.231 | Prob > chi2 = 0.113 | Prob > chi2 = 0.757 | Prob > chi2 = 0.571 | Prob > chi2 = 0.205 |
N | 1256 | 673 | 181 | 135 | 987 | 778 |
Notes: t (s) statistics in brackets; * p<0.05, ** p<0.01, *** p<0.001. In A – The null hypothesis: there is no “n” order correlation in the residues. In B – The null hypothesis: the model is correctly specified, and all over-identifications are correct. Results generated using the xtabond2 command in Stata, and assuming exogeneity of time dummies (see Roodman 2005),REPORT THIS AD
Os economistas estruturalistas Raul Prebish e Celso Furtado, considerados como (sic) “comunistas” pela corja de incompetentes e ignorantes sobre princípios elementares de economia que comanda a política econômica hoje no Brasil, advertiam nos anos 1940 e 1950 que a industrialização e a consequente diversificação da pauta exportadora era absolutamente necessária ao desenvolvimento econômico sustentado. Isso porque produtos primários como soja e minério de ferro possuem uma baixa elasticidade renda da demanda, ao passo que os produtos manufaturados possuem uma elevada elasticidade renda da demanda. Assim se a renda mundial crescer, digamos, 3% a.a as exportações de produtos primários deverão crescer, no longo-prazo algo como 1,5 a 2% a.a porque a elasticidade renda da demanda é inferior a um. Já se a renda doméstica de um país exportador de produtos primários crescer 4% a.a (como deseja o Presidente do IPEA), as importações de manufaturados irão crescer entre 5 a 7% a.a, dado que a elasticidade renda da importação é muito superior a um. Dessa forma, um ritmo de crescimento de 4% a.a é insustentável no longo-prazo porque implica num aumento das importações num ritmo superior ao das exportações e, consequentemente, num aumento do déficit em conta-corrente; o que irá implicar num aumento do endividamento externo. Ao contrário do endividamento interno, o qual é feito na moeda corrente do país, existem limites estreitos para o endividamento externo, como bem nos lembra a crise da dívida externa de 1980, a qual deu origem a “década perdida”.
Em suma, se queremos que o Brasil volte a crescer de forma sustentada a um ritmo de 4% a.a (o que é bem diferente de crescer 4% em 2021, valor que eu acho superestimado, mas que embute um carregamento estatístico de 2,6% do ano de 2020, sendo portanto bem menos impressionante do que o presidente do IPEA nos quer levar a acreditar), não há outra alternativa do que a reindustrialização do país. Nesse contexto, a única reforma que pode atuar nesse sentido é a proposta de reforma tributária baseada no estudo do Centro de Cidadania Fiscal, elaborada, entre outros, pelo economista Bernard Appy. O que o Presidente do IPEA defende é o retorno do Brasil ao período pré-1930, o período da República Velha, no qual os bancos, o capital estrangeiro e os grandes fazendeiros controlavam, com mão de ferro, os destinos desse país. Cabe aos bons brasileiros impedir tamanho retrocesso.
Referências
Kaldor N. (1967), Strategic factor in economic development. Ithaca, NY: New York State School of Industrial and Labor Relations, Cornell University.
Ros, J. (2013). Rethinking Economic Development, Growth and Institutions. Oxford University Press: Oxford.
DW Brasil: Qual será o legado da presidência de Trump?
Os quatro anos de mandato do republicano deixarão marcas que devem ser sentidas por décadas, da economia e do Judiciário americanos à relação dos EUA com o mundo
Gerações futuras terão que se confrontar com o legado de Trump.
Após quatro tumultuosos anos, a presidência de Donald Trump chega ao fim nesta quarta-feira (20/01), deixando um legado misto, a ser estudado por décadas.
Desde que o magnata imobiliário e astro de reality TV adentrou a Casa Branca, seu governo esteve infestado por controvérsias e escândalos. A reação atrasada à pandemia de covid-19, seu papel no violento ataque ao Capitólio , em Washington, em 6 de janeiro, assim como o segundo impeachment, vão se sobrepor a qualquer coisa que ele haja implementado em seu mandato.
Talvez mais do que o de qualquer outro presidente dos Estados Unidos, o legado trumpista será visto por duas lentes fortemente contrastantes. Conservadores, a abastada classe empresarial e a direita religiosa o reverenciarão como um dos grandes presidentes de todos os tempos.
A maioria dos americanos, entretanto, o condenará com desprezo, como evidencia uma consulta popular do Pew Research Center, segundo a qual Trump deixa o cargo com apenas 29% de aprovação, a pior de toda a sua presidência.
Isso, porém, não impede adeptos e aliados de o louvarem por ter abalado as bases do establishment e implementado rapidamente parte das promessas de sua campanha eleitoral de 2016.
Onda conservadora no Judiciário
O impacto de Trump sobre o sistema judiciário federal certamente será seu legado mais duradouro, a ser sentido por gerações futuras. Ele nomeou três juízes para cargos vitalícios na Suprema Corte, cimentando o maior viés conservador do órgão, com repercussões que vão desde os direitos LGBTQ+ e de reprodução, até a assistência de saúde, imigração e políticas trabalhistas.
Além disso, Trump indicou mais de 200 juízes para os tribunais federais, os quais decidirão em favor dos republicanos e conservadores em suas magistraturas vitalícias.
"Esse foi o acerto que ele fez com a direita evangélica e com as elites do Partido Republicano, e colocou esses juízes", afirma Michael Cornfield, professor associado e diretor de pesquisa do Centro Global de Gestão Política da Universidade George Washington.
De acordo com um relatório de 2019, um de cada quatro dos atuais juízes das circuit courts americanas foi nomeado por Trump, todos ferrenhos conservadores ideológicos, cumprindo uma promessa de campanha feita a seu eleitorado.
Gordos cortes tributários para os ricos
Trump terminou seu primeiro ano no cargo assinando uma lei que trouxe enormes e permanentes cortes dos tributos corporativos, de 35% para 21%. Também houve redução dos impostos das pessoas físicas, embora essas mudanças tenham sido temporárias e menos significativas.
Os cortes representaram uma bonança para os mais ricos dos EUA e os grandes conglomerados, muitos dos quais aplicaram o dinheiro extra na recompra de ações e em bônus para os executivos, em vez de aumentar os salários de seus empregados.
Tais medidas também poderão deixar em apuros os contribuintes: o apartidário Departamento Orçamentário Congressional estimou que eles acrescerão em US$ 1,9 trilhão o déficit americano nos próximos dez anos.
Além disso, os críticos do ainda presidente temem que os baixos assalariados e os mais vulneráveis é que vão pagar o pato, já que os conservadores consideram equilibrar o orçamento cortando programas de seguridade social.
Derrubar e renegociar acordos
Trump ascendeu ao poder, em parte, graças à promessa de derrubar e renegociar antigos acordos comerciais entre e os EUA e outros países. E cumpriu, embora muitas vezes de modo caótico, desencadeando guerras comerciais com a China e trazendo insegurança às empresas nacionais.
Por outro lado, Trump conseguiu anular um pacto comercial crucial, o Tratado Norte-Americano de Livre-Comércio (Nafta, na sigla em inglês), que ele tachara de "pior acordo comercial do nosso país" e datava do governo Bill Clinton, substituindo-o por um acordo renegociado, que até mesmo seus críticos reconheceram ser melhor.
O substituto, denominado Acordo Estados Unidos-México-Canadá, inclui proteções trabalhistas mais modernas, assim como cláusulas ambientais e trabalhistas reivindicadas por muitos críticos de Trump no Congresso. Até mesmo alguns dos críticos mais severos do magnata – como a presidente da Câmara dos Representantes, democrata Nancy Pelosi – admitiram que o pacto renegociado é melhor que o Nafta.
"America first", o circo
As conquistas da administração Trump não são sempre aferidas por suas medidas políticas, mas por terem alterado o modo como os americanos e o mundo veem Washington. A agenda "America first" era muitas vezes vaga, mas fez o resto do mundo prestar atenção.
Nos estágios iniciais da campanha eleitoral de 2016, Trump zombou das políticas exteriores e comerciais do governo Barack Obama. Num artigo de opinião em 2015, ele as condenou como "desorientadas e incompetentes", assegurando que uma "administração Trump vai nos transformar novamente em vencedores".
A partir daí, ele governaria de maneira anticonvencional e imprevisível. Na avaliação de Jason Grumet, presidente do Bipartisan Policy Center de Washington, o "presidente Trump antagonizou numerosas instituições" e "rompeu as normas de governos anteriores".
E ele levou esses métodos anticonvencionais até o palco internacional, abalando normas diplomáticas de longa data. Em 2017, retirou seu país do Acordo do Clima de Paris, acusando-o de ser "injusto no maior grau com os Estados Unidos".
Além disso, detonou o Acordo Nuclear do Irã, transferiu arbitrariamente a embaixada americana em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, e tentou estabelecer laços diplomáticos com o ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-un.
"Tuiteiro-Chefe" e seu eleitorado dos despossuídos
Muito disso tudo Trump realizou através de sua conta do Twitter. Apesar de ela agora estar suspensa, ele teve impacto inegável sobre a forma como as redes sociais podem usadas para fazer campanha política e governar.
Ele usou as postagens para estabelecer sua marca política e, durante toda sua legislatura, atacar adversários políticos, demitir altos funcionários do governo e interagir diretamente com seus leais seguidores. Isso lhe valeu o apelido de "Tweeter-in-Chief" ("Tuiteiro-Chefe").
"O presidente Obama utilizava as redes sociais de um jeito que era mais tradicional", comenta Jason Mollica, diretor de currículo da escola de comunicação da American University: Trump "rompeu a forma como vemos a mídia social".
Graças a sua abordagem bombástica e tiradas frequentes, passou a ser venerado por um bloco eleitoral composto por indivíduos majoritariamente brancos e evangélicos, que alegam ter sido despossuídos pelas assim chamadas "elites de Washington". Isso trouxe novo reforço ao Partido Republicano.
"Politicamente, ele conseguiu reunir uma coalizão que eles [os republicanos] nunca haviam visto antes", comentou à DW Laura Merrifield Wilson, professora assistente de ciência política da Universidade de Indianápolis. "Ele trouxe o seu próprio nicho de apoio."
Luiz Carlos Trabuco Cappi: Acredite nas oportunidades
Depois da pandemia, o Brasil de 2021 precisa do sentimento de urgência e de superação
A sensação, neste começo de ano, é a de abrir um livro em branco, que será escrito por todos os brasileiros. As possibilidades positivas são muitas. O ano de 2020 foi quase sabático para o mundo. A atual pandemia do novo coronavírus mudou a visão de futuro do Brasil – e, como todas as anteriores, provocou transformações importantes na estrutura econômica e social dos países.
A praga Justiniana, em 542, matou entre um quarto e metade da população romana, abalou o poder econômico e militar de Roma.
A peste negra teve seu pico de contaminação entre 1347 e 1351, com surtos até o século 18. A estimativa de mortes chega a 200 milhões, e teve como uma de suas consequências o declínio do sistema feudal. Com menos gente, a escassez de mão de obra incentivou inovações na agricultura, como o arado, a rotação de culturas, a fertilização com esterco e a urbanização. Abriu caminho para o início do Renascimento, um período de grandes mudanças e ganhos de produtividade.
Há paralelos entre essas pandemias e a dos dias de hoje. Mostraram que se pode mudar rápido e o mundo se reinventar, com o meio ambiente no centro das prioridades. A inclusão social é outro pilar da mudança.
A Segunda Guerra Mundial foi a maior crise do século XX. Como resultado, fez com que o mundo avançasse na sua integração, a partir da criação da ONU, da OMC, do Banco Mundial e do FMI, cujos objetivos incluem trabalhar em convergência pela paz e pelo crescimento.
A pandemia continua, mas o início da vacinação em massa abre esperanças de que ela pode ser controlada. A recuperação econômica tende a ser desigual, muitas empresas se recuperarão, algumas deixarão de existir e outras se reinventarão.
Na política econômica, o desafio é a gestão dos estímulos e os auxílios aos mais pobres, gerenciando a dívida pública. O que se percebe é que a expansão das dívidas fiscais pode aumentar a tributação em quase todos os países.
Milhões de empregos foram destruídos e é, portanto, importante focar na criação de opções.
Os indicadores apontam para a recuperação econômica, com crescimento de cerca de 4% do PIB, e equilíbrio externo.
O foco, agora, precisa ser o futuro. Aprovação das reformas, incentivos ao empreendedorismo e inclusão digital são necessários para gerar mais investimentos e mais empregos.
Seria possível aumentar a produtividade da economia com o ensino a distância, pela ampla oferta de educação individualizada e material didático de qualidade a todos os brasileiros. E revolucionar o papel dos professores.
Estão aí as novas descobertas em saúde. Possibilitam diagnósticos mais rápidos e seguros. A telemedicina, em lugares remotos, ajuda os médicos locais. Aproxima e iguala o acesso aos nossos centros de excelência, que estão entre os melhores do mundo. É um caminho viável para melhorar a saúde de toda a população.
O setor bancário brasileiro vive uma das maiores transformações de sua história. Mudanças na estrutura de mercado, avanços em tecnologia e novo ambiente institucional, além do open banking, vão dar nova configuração competitiva ao setor.
Todas as empresas devem redesenhar seus modelos de negócio e promover mudanças organizacionais. O papel das áreas de recursos humanos tornou-se ainda mais central na gestão da transformação, com vistas à geração de outros valores e propósitos do capital humano.
Finalmente, vamos torcer pela realização das Olimpíadas adiadas no ano passado, com o melhor do esporte mundial em Tóquio. Recordes seriam batidos. Um paradigma da vontade do ser humano de se superar, no esporte e na vida.
Teremos, outra vez, novas fontes de inspiração para seguirmos em frente.
A pandemia mostrou como o tempo pode ser acelerado. O Brasil de 2021 precisa do sentimento de urgência e de superação, pois as possibilidades de construção de um país melhor só dependem da união de todos nós. Vamos aproveitar as oportunidades.
*PRESIDENTE DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DO BRADESCO. ESCREVE A CADA DUAS SEMANAS
Alon Feuerwerker: A urgência faz a diferença
A pandemia da Covid-19 está demorando mais a passar do que inicialmente se previa, ou sonhava. A gripe espanhola durou mais de dois anos. Nessa hipótese, estamos a meio caminho no ciclo. E se a duração projetada está mudando, ou se a ficha está caindo (tanto faz), mudam junto os cenários políticos. Alguns personagens entram em zona de risco e outros veem abrir-se a janela de oportunidade. E na política não tem mercê.
Se olhados só os números, uma bela quantidade de países estão mal na foto, ou ficando mal. Quem ainda navega bastante bem é a Nova Zelândia, sempre lembrada como exemplo positivo. Mas é uma pequena ilha, ou um conjunto de pequenas ilhas. Fácil controlar a entrada e a saída. Claro que não é só isso, há muitas outras ilhas sem os mesmos bons resultados. Mas ajuda bem.
O Brasil nunca esteve bonito nos números da Covid-19. Porém algumas estrelas na largada agora também sofrem. Um exemplo é a Argentina, do lockdown mais longo e rígido (pelo menos no papel). Quase um ano depois, os vizinhos estão numericamente acima do Brasil em mortes por milhão de habitantes e terão registrado ano passado uma recessão mais que o dobro da nossa. A notícia boa? Os números da pandemia ali parecem estar caindo. Sorte aos hermanos.
Um país em que a curva de mortes vai firme para cima é a Alemanha, cuja chanceler é um prodígio global de construção de imagem, pois vai passando incólume por este último grande teste de management e popularidade do seu longo reinado. Outro ex-exemplo de eficiência é Portugal, que nas taxas proporcionais de mortes pela Covid-19 anda junto com seu irmão maior e mais poderoso da União Europeia.
O que Argentina, Alemanha e Portugal têm em comum, além dos números ruins e de seus governantes estarem apesar disso atravessando a borrasca só com escoriações leves, até agora? Claro que as simpatias político-ideológicas explicam em parte, mas creditar só a isso teria algo de teoria da conspiração. Melhor procurar outras razões. Uma? Seus líderes costumam exibir na pandemia um sentimento de urgência, até quando erram.
Na véspera das festas de fim de ano, a chanceler alemã fez um apelo dramático para as pessoas não confraternizarem presencialmente com os entes queridos de mais idade. Nunca se saberá se foi atendida, mas pelo menos mostrou estar preocupada. Mesmo quem não a atendeu - e os números destes dias podem ser um indicador de que muitos não deram mesmo pelota - notou que Angela Merkel estava sinceramente preocupada. Ou pelo menos parecia.
Se além de mostrar preocupação o líder também consegue agir, aí já sobe para outro patamar. Em Israel, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu enfrenta crises políticas sucessivas provocadas por acusações seriais de corrupção e precisa sobreviver mostrando serviço. A Covid-19 para ele foi um achado. É lockdown atrás de lockdown, e agora opera a maior (proporcionalmente), mais rápida e mais bem propagandeada vacinação do planeta.
Ninguém está certo o tempo todo, e errar é humano. Mais que provar que estão com a razão, governos precisam mesmo é mostrar nas grandes crises que têm senso de urgência e estão tomando providências. Do contrário, viram alvos fáceis para o inimigo. E a política, de novo, é como a guerra: quem pode mais chora menos.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Marcus Pestana: As repercussões globais dos acontecimentos nos EUA
A democracia americana é uma grande referência mundial. Daí a repercussão global dos acontecimentos do último 6 de janeiro. O que lá acontece, respinga para além de suas fronteiras.
Como citou, certa vez, o senador americano Daniel Patrick Moynihan, “Todo mundo tem direito às suas próprias opiniões, mas não a seus próprios fatos”. Donald Trump, seus “engenheiros do caos” e suas verdades alternativas creem que é possível impor uma narrativa descolada da realidade a partir da repetição exaustiva da mentira e da manipulação dos algoritmos nas redes sociais, e assim, mudar as regras do jogo político e a face da sociedade.
A insistência exaustiva sobre fraudes nas eleições foi disseminada bem antes. Diante dos resultados, sucessivos recursos judiciais alimentaram o clima golpista desejado. Paralelo a isso, se deu a pressão sobre as eleições dos delegados ao Colégio Eleitoral. Já na reta final, Donald Trump pressionou o secretário de estado da Geórgia, o republicano Brad Raffensperger, a “encontrar votos” que lhe dessem a vitória. Não satisfeito, Trump infernizou a vida de seu vice e presidente do Senado, o republicano Mike Pence, para que não sancionasse a vitória de Biden.
Todas as manobras visavam um acontecimento inédito na história da democracia americana: barrar a posse do presidente eleito e criar o ambiente social necessário para as ruidosas manifestações que sitiaram o símbolo da democracia americana, o Capitólio. A gota d’água para estimular a agressão ao Congresso foi o discurso de Trump, incentivando a marcha que resultou nos dramáticos acontecimentos ocorridos, inclusive cinco mortes. Ainda sobrevive no ar uma névoa de dúvidas sobre o que poderá acontecer até a posse de Joe Biden.
Imediatamente, houve ampla reação internacional com pronunciamentos contundentes de líderes como Macron e Merkel, entre outros, preocupados com o estímulo a reações semelhantes de agressão à democracia no restante do mundo.
O posicionamento da sociedade civil, da imprensa, de partidos, de setores empresariais, nos EUA e mundo afora, foi unânime em condenar o atentado e defender a democracia. As redes sociais bloquearam as contas de Trump.
Para o Brasil ficam lições importantes. É preciso, até 2022, fortalecer a cultura democrática. O nacional-populismo autoritário não é obra de lideranças, loucas e/ou fascistas, isoladamente. É um fenômeno social de massas a partir da insatisfação de diversos segmentos sociais e não só do núcleo ideológico radical. Precisamos defender com firmeza a integridade de nosso sistema eleitoral e da urna eletrônica, que desde 1996, produziram um dos mais modernos processos de votação e apuração do mundo. Defender as instituições, a Constituição e as regras do jogo. Estancar a tentativa de politização das Forças Armadas e das polícias estaduais e a liberalização excessiva da venda de armas e munições. As milícias ideológicas armadas existentes nos EUA ainda poderão produzir tristes fatos até a posse de Biden. Não é um bom exemplo a seguir.
Democracia é liberdade, debate aberto, contenção no uso do poder, respeito aos adversários, debate, diálogo, formação de consensos, eleição e subordinação às regras e à alternância no poder.
Os acontecimentos de 6 de janeiro fortalecem a convicção que quase nunca o que é bom para os EUA é bom para o Brasil.
*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)
Benito Salomão: Crescer, Estabilizar, Preservar e Distribuir
Este é o meu primeiro artigo de 2021 e também o meu primeiro artigo desta década que se inicia agora. Para mim simbólico porque em 2020 completei 10 anos desde meu primeiro artigo de jornal publicado em 22 de setembro de 2010. Ao contrário do que imaginava quando eu me lancei neste desafio de dialogar com o público sobre os grandes temas nacionais, os desafios do Brasil se ampliaram em muito. Na passagem da década de 2000 para a de 2010, o Brasil não apresentava os agudos problemas fiscais, ou a exacerbação das desigualdades e era a 6ª economia mundial. Era ainda considerado uma potencia ambiental e uma nação capaz de influenciar decisões internacionais como as missões de pacificação no Haiti e as negociações sobre o programa nuclear do Irã.
Dez anos se passaram e o Brasil é hoje a 12ª economia mundial e tem a difícil missão de reverter a trajetória de exacerbação das desigualdades, da pobreza, da miséria e da fome em um contexto de estabilização fiscal. As soluções perpassam por uma conciliação política aparentemente distante de se alcançar sobre a infeliz liderança de Jair Bolsonaro.
O título deste artigo resume bem os desafios a serem enfrentados nesta década que se inicia.
Crescer porque ao longo da década passada a taxa média de crescimento da economia brasileira foi próxima de 0%, o que indica um per capita negativo. O Brasil tem hoje um PIB per capta de igual magnitude ao que tinha em 2007, ou seja, todos (ou quase todos) se tornaram mais pobres. A melhor literatura que estuda o desempenho de longo prazo das economias atribui esta capacidade ao formato institucional. As instituições criam incentivos e os incentivos estimulam os agentes econômicos a pouparem e, portanto, acumularem capital (físico ou humano) e o processo de acumulação de capital dirige, ao lado dos aumentos de produtividade, o desempenho das economias. Para que o país volte a crescer é preciso que volte a poupar e para tanto é preciso de instituições estáveis que deem previsibilidade e segurança às relações econômicas.
Estabilizar porque, antes de mais nada, as instabilidades macroeconômicas desestimulam a poupança e o investimento. O Brasil tinha uma dívida pública de 51% do PIB em dezembro de 2013, em 2020 este endividamento segue para 92% do PIB. Esta trajetória de dívida pública que praticamente dobrou em 7 anos tornam as incertezas quanto a solvência do governo ainda mais fortes. Não se pode vislumbrar um futuro de médio prazo que não contemple volatilidade na taxa de câmbio; pressões inflacionárias; elevações da carga tributária e também da taxa de juros.
Preservar devido às características do capitalismo do século XXI. Por várias razões. Primeiro, os setores industriais de grande produtividade e de fronteira científica são, por definição, sustentáveis. Isto porque são setores relacionados a energias renováveis (baixo carbono, telecomunicações, inteligência artificial, nanotecnologia que dão escala à produção, poupando recursos. Investir em um padrão de desenvolvimento poluente é insistir em uma economia de segunda revolução industrial, de baixa produtividade e alto custo. Se o Brasil não for capaz de abandonar o padrão tradicional de crescimento e adentrar na quarta revolução industrial, conciliando isto com um padrão ambiental rigoroso, não será possível recuperar o crescimento perdido.
Por fim distribuir. Em uma análise retroativa de longo prazo, o padrão de desenvolvimento do milagre econômico (anos 1970) foi calcado no crescimento com concentração de renda. A partir da promulgação da Constituição dita cidadã, o padrão foi deslocado para a distribuição sem crescimento. O desafio desta década é crescer e distribuir simultaneamente. A distribuição aqui precisa assumir uma conotação mais ampla do que a simples mitigação da fome e da pobreza. Para tanto é preciso mais do que políticas de transferência de renda aos moldes do Bolsa Família ou do Auxílio Emergencial, é preciso educar centenas de milhares de brasileiros. É preciso dar a eles a possiblidade de um futuro melhor do presente, com melhores empregos, melhores condições de vida o que só será possível investindo pesadamente em educação de base.
Mas como distribuir em um cenário de insuficiência de recursos públicos por esgarçamento da situação fiscal do país? É preciso rever privilégios, sobre isto, retomo em artigo futuro. No momento desejo a todos um feliz ano novo e uma década nova mais promissora do que a que vivemos até aqui.
*Benito Salomão é economista.
Alon Feuerwerker: Números relativos
Israel já vacinou mais de 20% da população, e uns 80% dos idosos. Claro que não dá para comparar um país de nove milhões de habitantes (bem menos que a cidade de São Paulo) com um das dimensões do Brasil, mas é campo interessante para acompanhar resultados da vacinação.
A vacina ali aplicada é a da Pfizer e alguns resultados iniciais mostram taxas de infecção entre os vacinados caindo cerca de 50% catorze dias após a primeira dose. Há porém números concorrentes. Outro estudo diz que essa queda é de 33%. Um outro diz que é de 60%.
Fica a dica: qualquer certeza absoluta sobre números a esta altura é perigosa, muito perigosa. Na prática, os estudos sobre efeitos das vacinas estão caminhando junto com a vacinação, dado o caráter de emergência do problema sanitário global trazido pela Covid-19.
No mundo ideal, deixaríamos o marketing e as disputas políticas para depois e procuraríamos vacinar a maior população possível o mais rapidamente possível. Não sabemos que número vai dar no final, mas podemos ter certeza de que mais gente vai sobreviver à doença se fizermos isso.
Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
El País: Polarização se revela como fator de risco na pandemia
Ideologia e partidarismo atrapalham a resposta à expansão do coronavírus, segundo muitos estudos. Um novo trabalho encontra correlação entre posicionamentos políticos e as mortes por covid-19 em certas regiões
“O vírus se tornou um indicador de identidade tribal”, advertia recentemente o psicólogo social Jonathan Haidt nas páginas do The New York Times. Referia-se à sociedade norte-americana, onde muitos estudos observaram que o cumprimento ou não das restrições para frear contágios de coronavírus está intimamente ligado ao voto dos cidadãos: o partidarismo influi mais no comportamento que a gravidade dos contágios no entorno. Um novo estudo aproxima agora esta realidade tribal ao contexto europeu e, pela primeira vez, mostra uma correlação direta entre as mortes por covid-19 e a crispação política em 153 regiões de 19 nações do continente. “Uma maior polarização social e política pode ter acabado por custar vidas durante a primeira onda da covid-19 na Europa”, conclui esse trabalho.
“Observamos que maiores níveis de polarização predizem [um excesso de] mortes significativamente maior. Por exemplo, a diferença no excesso de mortes entre duas regiões, uma sem polarização das massas (2,7%) e outra com níveis máximos (14,4%), é mais de cinco vezes maior”, aponta o estudo, em processo de publicação por uma revista científica. “Queríamos testar essa possibilidade da que tanto se falou e observamos que há uma associação bastante clara, correlações que vão nessa linha. Há indicadores claros de que [a polarização] prejudica seriamente o desempenho”, afirma Víctor Lapuente, da Universidade de Gotemburgo (Suécia), que assina o trabalho com seus colegas Nicholas Charron e Andrés Rodríguez-Pose, da London School of Economics.
Ou seja, os estragos decorrentes da pandemia aumentavam em regiões europeias onde havia mais divisão entre apoiadores e detratores dos seus respectivos Governos. A polarização é entendida como tribalismo identitário e animosidade contra o outro. Porque, como mostra este estudo, as maiores diferenças em excessos de mortalidade por covid-19 não se dão entre países, e sim entre os territórios dentro dos próprios países. Os autores propõem três mecanismos que explicariam esse fenômeno. Primeiro, que é mais difícil para os Governos construírem um consenso político sobre as medidas; segundo, que as prioridades são definidas em função das exigências dos grupos de pressão (empresários, por exemplo), em detrimento da saúde pública; e, terceiro, porque com a polarização as políticas se tornam mais populistas e menos baseadas em critérios de especialistas.
“Subjaz o medo da reação da mídia, de que a oposição caia matando. Nestas condições, não é possível tomar as melhores decisões, porque o contexto atende aos governantes”, comenta Lapuente, professor da escola de negócios ESADE. Os líderes ficam paralisados pelo medo de exagerarem ou ficarem aquém das circunstâncias, quando, contra a pandemia, a rapidez e a consistência são essenciais. “Seja rápido, sem remorsos. Se você precisar ter razão antes de se mexer, nunca ganhará”, avisou Michael Ryan, diretor de Emergências Sanitárias da OMS, já em 13 de março de 2020. “A Espanha é um caso particularmente sério”, observa Lapuente, “onde o debate foi muito dicotômico e a estratégia da comunicação domina a política”. Em um editorial, a revista médica The Lancet Public Health disse que “a polarização política e a governança descentralizada da Espanha também poderiam ter prejudicado a rapidez e a eficiência da resposta de saúde pública”.
Durante a gestão da pandemia, em alguns países medidas sanitárias que em princípio não têm nada de ideológico acabaram se politizando até níveis extremos. A atitude de Donald Trump sobre as máscaras determinava seu uso nos EUA, assim como o distanciamento social era maior entre eleitores democratas nos EUA, e menor entre partidários de Jair Bolsonaro no Brasil. Um estudo publicado na Nature Human Behaviour detecta “uma forte associação entre os níveis de animosidade partidária dos cidadãos e suas atitudes sobre a pandemia, assim como as ações que adotam em resposta a ela”. Outro, no Science Advances, é mais taxativo: “Nossos resultados apontam para uma conclusão inequívoca: o partidarismo é um determinante muito mais importante da resposta de um indivíduo à pandemia que o impacto da covid-19 na comunidade desse indivíduo”.
Joaquín Navajas, neuropsicólogo do Conicet (agência argentina de pesquisa científica), acaba de realizar um estudo analisando a polarização na resposta popular em quatro países com trajetórias pandêmicas muito interessantes de comparar: Argentina, Uruguai, EUA e Brasil. Primeiro perguntaram às pessoas sobre a quantidade de mortos que haveria em seu país, e não houve surpresas: quanto maior o apoio ao Governo, menor o número de mortos previsto. “O que nos surpreendeu muitíssimo é que não havia absolutamente nenhuma relação entre o prognóstico do número de mortes que citavam e seu grau de concordância com as políticas públicas pensadas para combater a covid”, observa Navajas, diretor do Laboratório de Neurociência da Universidade Torcuato Di Tella. De maneira aparentemente irracional, na Argentina e Uruguai os partidários da oposição prognosticavam mais mortes, mas mostravam menor apoio às restrições impostas por seus líderes para evitá-las.
Neste trabalho, também observaram que a ideologia não é determinante, já que não havia diferenças entre a Argentina e Uruguai, cujos governos têm sinais políticos distintos: os partidários do Governo opinavam da mesma forma em ambos os países, assim como os da oposição – só que um país é governado pela esquerda, e o outro pela direita. “O que importa é o tribalismo partidário”, sustenta Navajas. E acrescenta: “A incerteza sobre a falta de informação nos leva a procurar soluções na liderança. Não é estranho que esses tribalismos tenham se acentuado, durante milênios funcionou nos refugiarmos em nossa tribo para sobreviver”.“Em circunstâncias de alta desinformação e falta de informação, as pessoas observam os exemplos. Só podemos ser racionais se nossos líderes forem racionais”
“Em circunstâncias de alta desinformação e falta de informação, as pessoas observam os exemplos. Só podemos ser racionais se nossos líderes forem racionais”, argumentava recentemente a cientista política Sara Wallace Goodman, da Universidade da Califórnia. Ela publicou um estudo segundo o qual “os norte-americanos interpretam a pandemia de uma maneira fundamentalmente partidarista, e as condições objetivas da pandemia desempenham quando muito um papel menor na configuração das preferências das massas”.
Líderes e falsos dilemas
“Nas crises curtas isso não acontece porque todo mundo segue o líder e se considera traição [não fazê-lo]”, diz Eloísa del Pino, pesquisadora de políticas públicas do CSIC (agência espanhola de pesquisa científica), que estudou a gestão dos asilos para idosos durante a pandemia. “Mas quando essas crises se prolongam e aumenta o potencial de culpabilização, esses fenômenos se dão, e quando as medidas sanitárias se politizam, perdem eficiência”, resume.
A cada fator em disputa surge um falso dilema nas elites políticas e midiáticas, gerando tensão entre os cidadãos, que se sentem empurrados a decidir com teimosia identitária sobre assuntos científicos que desconhecem. Há alguns meses, saiu um estudo que explicava como o apoio político polarizava repentinamente assuntos até então neutros, podendo gerar uma animosidade inclusive maior: “O efeito positivo gerado entre os simpatizantes do partido e do seu líder é compensado pelo aumento da rejeição dos detratores”. Neste momento, o maior apoio à vacina contra a covid-19 na Espanha se dá entre os votantes dos partidos que governam, enquanto os seguidores do partido ultradireitista Vox são os que manifestam maior receio.“É grave que muitíssimas pessoas que morreram teriam se salvado com outra atitude. Isso mostra também que é mais difícil mudar o comportamento humano que conseguir a vacina em menos de um ano”
“Este trabalho [de Lapuente] demonstra que o resultado da pandemia também tem muito a ver com o comportamento das instituições e dos representantes políticos”, aponta Arantxa Elizondo, professora da Universidade do País Basco. Segundo ela, há duas questões que estão constantemente atrapalhando a resposta: o medo da paralisação econômica “e a busca por rentabilidade eleitoral sobre o bem-estar coletivo”. “E isso não é só uma falta de humanidade, é um erro colossal”, denuncia Elizondo, presidenta da Associação Espanhola de Ciências Políticas e da Administração. “Se for assim, a polarização custou vidas, é grave que muitíssimas pessoas que morreram teriam se salvado com outra atitude. Isso mostra também que é mais difícil mudar o comportamento humano que conseguir a vacina em menos de um ano”, resume Elizondo.
À medida que a pandemia transcorria, descobriu-se que idosos e pessoas com doenças pré-existentes corriam mais risco. Mais adiante, acrescentaram-se aqueles com menos recursos e com piores condições de vida. Agora, se as conclusões destes estudos se confirmarem, podemos acrescentar outro fator de risco: viver em um país polarizado.
Luiz Fux: A nova face da Justiça
Hoje ela tem intensa participação social na busca de solução para os problemas coletivos
Em tempos de crise, o trabalho, a fé e a criatividade fazem a diferença. Ex nihilo nihil fit. Sem esforço nada floresce, nada vem do nada. Com ele e com muita dedicação, os obstáculos se dissipam e o que não importa perde relevância.
Deveras, a Justiça não se limita ao julgamento de casos difíceis (hard cases) ou escolhas trágicas. A novel Justiça é hoje um órgão de intensa participação social na busca de solução para os problemas coletivos.
Para esse fim a sociedade brasileira conta com o braço forte do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão nacional ainda adolescente, com 15 anos de idade, que oferece à luz das suas atribuições um amplo leque de proposições de uma nova justiça social. Trata-se de uma usina com notável capacidade de transformar o ideal em real.
Comecemos por destacar os dois grandes observatórios criados com a participação de personalidades de destaque nacional. O primeiro, o Observatório de Direitos humanos, tem como escopo detectar violações de direitos humanos para, em resposta, propor políticas públicas e ações concretas. Em recente interação virtual, a Corte Interamericana de Direitos Humanos lavrou, por sua presidente, Elizabeth Benito, homenagens ao Brasil pela notável criação.
Com esse mesmo fim, protegendo minorias vulneráveis, o CNJ propôs cotas raciais no âmbito do Poder Judiciário, instituiu o programa Fazendo Justiça, com a inserção de ex-presidiários no mercado de trabalho, criou os Escritórios Sociais e adotou medidas concretas contra o assédio sexual, o assédio moral e a violência doméstica, mediante atos regulatórios a serem aplicados pelo Judiciário nacional.
O segundo, o Observatório do Meio Ambiente, volta-se precipuamente para ações preventivas e repressivas na defesa desse nosso valor intergeracional, com ênfase na Amazônia Legal.
Adicionalmente, não se pode ignorar que a humanidade, que outrora navegava pelos mares, hoje navega na internet. É tempo de uma Justiça virtual, ágil e eficiente. Alguns programas merecem destaque, o Juízo 100% Digital assegura ao cidadão brasileiro o direito de escolher a tramitação integralmente virtual do seu processo judicial. O sucesso é tão grande que em curto espaço de tempo o projeto já é adotado em mais de 900 varas.
A realização de acordos por meio de uma plataforma digital hodiernamente é possibilitada por esse notável instrumento denominado Online Dispute Resolutions (ODRs). Nesse caminhar digital, propõe-se em breve a criação dos balcões digitais, dispensando o comparecimento dos profissionais aos Fóruns físicos para o acompanhamento processual.
Por outro lado, não se podem esquecer os recentes ataques de hackers aos sistemas públicos informatizados. Nesse campo, a expertise há de ser excepcional. Imediatamente a seguir a esses eventos, o CNJ criou o Comitê de Segurança Cibernética do Poder Judiciário, integrado pelos maiores especialistas brasileiros no tema, os quais já produziram protocolos diversos, aprovados à unanimidade pelo conselho.
Não se podem perder de vista, porém, dois outros grandes campos de atuação do CNJ: a corrupção e o ambiente de negócios. O conselho criou programas interligados de eficiência máxima de combate à corrupção e lavagem de dinheiro, esse flagelo que assola o País por intermédio de agentes ímprobos, delinquentes de colarinho branco que atacam os cofres públicos neste momento da tragédia da pandemia, roubando leitos de hospitais, saneamento básico, até mesmo a verba destinada às tão necessárias vacinas. Parcerias de tal modo eficientes foram firmadas pelo CNJ que cada transação com dinheiro sujo será surpreendida pelos órgãos de controle.
Por fim, nosso Brasil reclama soerguimento, que virá do trabalho, da moralidade das licitações e do investimento nas obras e nos setores que geram emprego, capital de giro e recursos para o Estado atender às necessidades coletivas.
Investimento reclama conjurar o risco País. Nessa seara, o que o investidor pretende é segurança jurídica, tanto no campo jurisprudencial quanto legal. A jurisprudência não pode ser instável, não há lugar para surpresas. A Justiça não é método que permita guarda de trunfos.
O excesso de leis e de burocracia torna perplexo o ambiente de negócios. Por isso, por meio do controle do respeito aos precedentes e do controle da euforia legiferante, o CNJ dispõe de um laboratório de sugestões legislativas minimalistas e um monitoramento constante do cumprimento da jurisprudência pacificada.
Essa é a nova face da Justiça em prol da sociedade.
A crise provocada pela pandemia, não tarda, acabará. Mesmo nos momentos mais tormentosos fica a certeza de que no amanhã da Justiça brasileira teremos condições de colher todos os frutos semeados neste difícil período pelo qual passa a humanidade. Ad astra per aspera. É pela dificuldade que se chega às estrelas. E, não demora, o seu brilho, fruto do trabalho árduo, aparecerá em forma de constelação.
PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA
BBC Brasil: Enem vai expor nova camada de exclusão entre alunos mais pobres
O Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), que realizará sua edição 2020 em 17 e 24 de janeiro, vai escancarar novas camadas de desigualdade na educação surgidas durante a pandemia do coronavírus e que prejudicam principalmente os jovens mais vulneráveis no terceiro ano do ensino médio
Paula Adamo Idoeta, BBC News Brasil em São Paulo
A avaliação é de José Francisco Soares, especialista em mensuração de desigualdade de ensino que entre 2014 e 2016 foi presidente do Inep, órgão do Ministério da Educação responsável pela aplicação do Enem e das demais avaliações da educação no país.
É também professor emérito da UFMG e cocriador do Indicador de Desigualdades Educacionais e Aprendizagens (IDeA), índice que avalia, em cada município brasileiro, o nível de aprendizagem e suas desigualdades entre diferentes grupos sociais e raciais.
Na prática, essas novas camadas de desigualdade a que se refere Soares farão com que alunos com melhores condições de estudar - por exemplo, os que tiveram segurança alimentar, acesso à internet e às aulas - ou que já tivessem concluído o ensino médio terão mais chance de conseguir vagas em universidades via Enem.
Isso em detrimento dos alunos mais vulneráveis, que ficarão mais distantes do ensino superior e, como consequência, com menos chance de renda maior e de oportunidades melhores de empregos no futuro. Os mais prejudicados, na visão de Soares, tendem a ser os alunos de ensino médio que não conseguiram acompanhar as aulas.
Criaria-se, assim, uma nova exclusão, mesmo entre grupos que tradicionalmente já tinham dificuldades de acesso ao ensino superior.
Para Soares, a despeito dos novos entraves para a realização do Enem, depois de um ano de ensino remoto e em meio a um novo pico de casos de covid-19 no país, não faria sentido adiar o exame novamente - ele avalia que o Inep tem estrutura logística suficiente e que, ao adiar as provas, jogaria-se no aluno o ônus por seu possível mau desempenho, em vez de tratar o problema como algo estrutural.
"Prefiro dizer: há um problema novo (de desigualdade) que a gente precisa tratar", opina.
O tema, porém, tem despertado intensos debates nos últimos dias. Na sexta-feira (8/1), a Defensoria Pública da União entrou com uma ação na Justiça pedindo o adiamento do exame, afirmando que "não há maneira segura para a realização de um exame com quase seis milhões de estudantes neste momento, durante o novo pico de casos de covid-19".
Em entrevista à BBC News Brasil, Soares comentou também sobre outras manifestações crônicas da desigualdade de ensino e de estratégias para combatê-las - usando, inclusive, a tecnologia, que na pandemia ganhou espaço inédito na educação.
Veja a seguir trechos da conversa, divididos por tópicos:
Enem: logística e desigualdades
Questionado pela reportagem se este será o Enem mais desafiador dos cerca de 20 anos de história do exame, Soares diz que a equipe técnica do Inep está preparada para as questões logísticas da prova mesmo nas condições impostas pela pandemia.
"Costumo falar que se o Brasil entrasse numa guerra, o coordenador logístico teria que ser alguém dessa equipe (do Inep), que há muitos anos vem conseguindo fazer o exame no país: a prova chega, os fiscais chegam, é muito impressionante. O Brasil tem essa capacidade logística também nas vacinas, nas eleições. Esse é um lado que dá um certo conforto", diz.
"Neste ano tem o desafio do distanciamento social, mas o número (de 5,7 milhões de inscritos) é muito menor. Não estamos batendo nos 9 milhões. Esse grupo experiente vai abrir os espaços necessários (para a realização da prova)."
Do ponto de vista de ensino durante a pandemia, porém, a questão é mais grave, diz Soares.
Apesar de acreditar que a desigualdade de acesso ao ensino superior é bastante amenizada pela Lei das Cotas - que reserva 50% das vagas de universidades e institutos federais a alunos de escolas públicas -, o Enem deste ano vai escancarar problemas que se aprofundaram.
"A vantagem (dos jovens) que estudam em escolas privadas e que têm na família um apoio maior vai se compondo de tal maneira que, quando chega a hora do Enem, é quase um jogo de carta marcada. Ele escancara as desigualdades. Só que neste ano isso ficou pior, porque criamos uma nova desigualdade, entre os alunos que estão terminando o ensino médio (e não conseguiram acompanhar as aulas) e os que já tinham terminado. Uma nova desigualdade entre os mais pobres. Criamos uma exclusão nova", explica.
"Não estou dizendo que a gente deve adiar o Enem, que não deve ter Enem. O que estou dizendo é que a gente precisa tratar disso de forma concreta. (...) Uma hipótese provável é que vamos ter menos estudantes de ensino médio das escolas públicas sendo admitidos (em universidades públicas, em favor de alunos que já haviam concluído o ensino médio antes da pandemia). Não é fácil, porque é uma distinção entre dois grupos que já eram excluídos. Por isso falo que estamos inventando uma nova desigualdade."
Uma possível solução, embora de implementação difícil, seria reservar vagas nas universidades públicas para alunos que estavam no terceiro ano, em proporção semelhante ao que cada universidade aprovou no ano anterior, diz ele.
Debate sobre adiamento do Enem
Embora as soluções não sejam fáceis, Soares acha mais eficiente focar os esforços nelas do que em discutir um eventual novo adiamento do Enem - que tem sido defendido por parte dos estudantes, analistas de educação e grupos políticos, para dar mais tempo de preparo aos jovens e tentar sair do pico da pandemia.
"Acho que (adiar) não teria nenhum efeito, basicamente. Temos um processo de seleção, infelizmente, que vai separar (jovens admitidos ou não no ensino superior). Prefiro perceber que houve uma nova desigualdade e não deixar esses alunos padecerem. Mas acho que o sistema tem que continuar", afirma.
"O Brasil tem (o hábito) de transferir culpa. Então, quando adio o Enem, estou também criando uma fantástica justificativa: 'você não passou, o problema é seu'. Prefiro dizer: há um problema novo que a gente precisa tratar. Não vai ser com algo episódico (adiamento) que vamos resolver."
Evasão escolar, a 'batalha' principal de 2021
Pesquisas de opinião recentes com pais de alunos da rede pública de ensino sugerem que um alto índice deles - até um terço - teme que os filhos abandonem a escola por conta da pandemia.
Para Soares, evitar a evasão escolar será o maior desafio da educação neste ano.
"Com todas as críticas que a gente pode ter, o país vinha melhorando ao longo desses anos. A primeira melhoria foi levar o aluno para a escola. (...) Onde começa o problema? Aos 13 anos. A criança entra na adolescência e começa a desistir (da escola). É isso que a pandemia vai acirrar", afirma.
Especialistas apontam que, ao sair da escola e entrar precocemente no mercado de trabalho - particularmente em um momento de crise econômica -, esse jovem iniciará uma trajetória de piores perspectivas profissionais, menores salários e menor chance de mobilidade social.
"Temos que cuidar para a criança não sair da escola. Esse é o esforço de todo mundo - da igreja, da cidadania, dos partidos, de quem for. Essa é a batalha deste ano. Com acolhimento, preciso criar um ambiente para trazer o aluno para a escola. Tem também os professores, que passaram um ano muito difícil. E eles precisam ganhar prioridade na vacinação. A gente precisava sinalizar que isso é importante. Falta no Brasil essa vontade de colocar a criança no centro (das políticas públicas)."
A evasão e a repetência escolares são também uma grande fonte de desperdício de recursos, uma vez que mantêm o sistema educacional mais inchado para atender alunos que demoram a completar - ou sequer completam - o ciclo de anos de estudo.
"Quando a criança sai ou toma bomba, eu tenho um sistema maior do que preciso. Então a criança precisa ficar na escola."
Desigualdades educacionais crônicas
O mais recente Índice Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), principal mensuração da qualidade do ensino no país e divulgado pelo Ministério da Educação em setembro, apontou avanços na educação geral do Brasil, embora poucos Estados tenham alcançado as metas previstas.
Mesmo esses avanços devem ser lidos com cautela, explica Soares, porque mascaram desigualdades educacionais invisíveis aos dados.
"Eu colocaria a 'melhora no Ideb' entre aspas. Porque o Ideb (mensura o desempenho escolar) das crianças que estão na escola. As que saíram, já era. É algo tipicamente brasileiro", diz o pesquisador.
"Imagina: você é brasileiro e saiu da escola por um motivo qualquer. Você é quem mais precisa da escola. Mas você não impacta o indicador. Isso é de um cinismo estrutural. (...) Além disso, temos uma expectativa muito baixa" em relação à educação pública, argumenta.
Estratégias para avançar: de tecnologia a ensino integral
"A pandemia trouxe problemas novos para os quais não temos solução. Como fazer a escola funcionar em uma situação como esta? Mas tem uma coisa importante que a pandemia está nos ensinando a amadurecer à força: está nos dizendo que, para vencer a desigualdade, preciso da tecnologia", defende Soares.
"Na saúde, estamos perto de ter um prontuário único (para cada paciente), algo que traz muitos problemas em potencial, mas também muita facilidade: quando você for atendida, o médico vai conhecer toda a sua história. Mas na educação a gente não tem esses dados. Com a tecnologia, talvez a gente tenha uma ferramenta (para acompanhar todo o desenvolvimento escolar), não preciso esperar até o aluno estar no cursinho (para diagnosticar problemas)."
Um avanço que tem sido comemorado por Soares e outros especialistas em educação é a aprovação recente, pelo Congresso, do Fundeb, fundo de dinheiro público para a educação básica que passa a ser permanente e obrigatoriamente ganhará mais recursos por parte do governo federal.
"Isso é uma coisa boa, mas temos que usar bem: oferecendo escola de tempo integral, para professor e aluno. (...) E uma quantidade enorme de jovens gostaria de, durante o ensino médio, ter alguma certificação (técnica). Uma vez, uma pessoa que veio instalar uma antena na minha casa me disse: 'terminei o ensino médio e não sabia nada. Precisei pagar (para se capacitar e conseguir seu emprego)'. De novo, olha como o país é: não deu nada a ele e, para ele ter emprego, teve de pagar."
"Então essa é uma primeira mudança razoável: junto com a escola, ter uma certificação. E colocar o ensino superior no horizonte (dos jovens de escolas públicas). Tem muita iniciativa interessante. As escolas de tempo integral de Pernambuco, por exemplo, têm uma disciplina de projeto de vida. Não é dizer ao aluno: 'sonhe'. É dizer 'você está aqui, pense no que vai ser feito (para crescer)'".
Mas o ponto de partida é de fato enxergar cada brasileiro como merecedor de uma educação de alta qualidade e de acesso pleno à cidadania, opina Soares.
"O Brasil é um país que tem uma porta de entrada para a cidadania. Nós precisamos vencer isso. É uma decisão que precisa estar na nossa cabeça: todo brasileiro tem que ser brasileiro. O sonho brasileiro é ser o opressor. 'Eu quero estar no seu lugar'. (Mas) o projeto que vai nos mover é dizer: 'eu vou puxar todo mundo para cima'."