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Desafios de Lula passam por garantir auxílios e aumentar salários
Gabriel Carriconde*, Brasil de Fato
Desde a eleição, o atual presidente e candidato derrotado Jair Bolsonaro sumiu e o país parece estar sem governo até 31 de dezembro. Até por isso, muito das especulações e do sobe-e-desce da economia vêm sendo atribuídos a falas do presidente eleito, Luiz inácio Lula da Silva. Numa disputa em que os chamados “mercados” e mesmo a imprensa corporativa pretendem enjaular o próximo presidente para que ele não faça mudanças na economia prometidas em campanha.
Num momento em que os truques de Bolsonaro para tentar ganhar a eleição já começam a dar com os burros n’água, com, por exemplo, alta nos preços, depois de uma deflação ocasionada pela tirada de impostos dos combustíveis dos estados. Além dos muitos furos no orçamento do ano que vem, enviado por Bolsonaro, que o novo governo vem tentando enfrentar desde já.
O discurso do presidente eleito contra a fome, no encontro com parlamentares aliados em Brasília, por exemplo, no último dia 10, foi usado nessa especulação, por conta de uma suposta flexibilidade fiscal e o rompimento do teto de gastos para garantir dinheiro para programas sociais.
“Qual é a regra de ouro deste país? É garantir que nenhuma criança vá dormir sem tomar um copo de leite e acorde sem ter um pão com manteiga para comer todo dia. Essa é a nossa regra de ouro”, disse Lula. O discurso “assustou” o mercado especulativo e fez o índice Bovespa cair 3% e o dólar subir para R$ 5,32 em um dia.
Pressão
Para a economista Juliane Furno, o sistema financeiro, que vem especulando a respeito das decisões que Lula tomará na economia, irá cumprir um papel de pressão política. “O mercado vai fazer o que já fez em outros governos Lula, que é pressionar politicamente o governo. O que provavelmente eles irão defender é uma estabilidade nos preços, com controle da inflação e pressionar para um controle dos gastos do estado”, afirma.
O presidente eleito ainda não confirmou os nomes para comandar a economia e negocia com o Congresso um Projeto de Emenda à Constituição (PEC) para garantir o pagamento de 600 reais do Auxílio Brasil em 2023. Os nomes de Pérsio Arida e André Lara Resende, mais liberais, e de Nelson Barbosa e Guilherme Mello, mais ligados ao PT, formam o grupo de trabalho econômico no governo de transição.
Com a pluralidade de visões da equipe econômica de transição, reunindo nomes históricos ligados ao PSDB, caso de Lara Resende e Pérsio Arida, Furno reflete que algumas linhas deverão ser seguidas. “Temos dois nomes mais ligadas ao PT, o Pérsio Arida, que é mais liberal, e o Lara Resende, que é um crítico do teto de gastos. O que esse grupo irá desenhar em curto prazo é uma fuga do teto de gastos, em médio prazo é uma nova regra fiscal, que possibilite uma meta de gastos, e não só de contenção”, reflete.
Com o orçamento reduzido em diversas áreas sociais, como o Farmácia Popular, Auxílio Brasil, e até para a saúde, o desafio do futuro governo será garantir promessas de campanha como o aumento do salário mínimo e a recuperação de programas sociais, com um orçamento apertado, apresentado pelo governo Bolsonaro.
Estado de tragédia
Em entrevista para uma rádio de Curitiba, o deputado federal e membro do grupo do Planejamento, Orçamento e Gestão, Ênio Verri, afirmou que o orçamento federal para 2023, elaborado pelo governo Bolsonaro, é trágico.
“O orçamento de 2023 está em estado de tragédia, teremos enormes desafios. Com o teto de gastos, está faltando, para atingirmos o mínimo necessário, 15 bilhões”, disse.
Verri ainda afirmou que a prioridade do novo governo será a manutenção do Auxílio Brasil, recuperar obras paradas e o retorno do Farmácia Popular. “O desafio que nós temos é garantir o Auxílio Brasil, garantir o aumento do salário mínimo, garantir os recursos para saúde, recuperar o Farmácia Popular e recuperar as obras paradas'', afirmou.
Entenda o que está em jogo agora
- Teto de gastos: Criado no governo Temer por uma emenda constitucional, o teto de gastos impede que o governo aumente seus gastos primários além da inflação por 20 anos desde a adoção da medida. Resumindo, não pode aumentar despesas com saúde, educação etc. É bom lembrar que a medida não impede o aumento das despesas com juros, o que beneficia os bancos e o tal “mercado”.
- Salário mínimo e auxílios: Nos últimos quatro anos, não houve aumento real do salário mínimo. Lula está tentando negociar com o Congresso medidas para voltar a dar aumento para o salário, além de garantir a continuidade do Bolsa Família e dos Auxílios Emergenciais maiores, que não têm recursos previstos no orçamento.
- Geração de empregos: Outro ponto importante, é conseguir recursos para programas como o Minha Casa Minha Vida para a geração de empregos no país. A queda na taxa de desemprego nos últimos meses está ligada principalmente ao crescimento do trabalho informal e com salários mais baixos.
*Texto publicado originalmente no site Brasil de Fato
Míriam Leitão: Visão de mercado
O Ibovespa afundou ontem 2,6% num dia em que no mundo inteiro houve quedas fortes. O temor é que o banco central americano suba os juros mais rapidamente este ano. O S&;P teve queda de 4,1%, e o Dow Jones, o maior recuo em pontos da história. No Brasil, espantosa foi a alta anterior. A bolsa teve o melhor janeiro em 12 anos, e a entrada de capital estrangeiro em um mês foi quase do tamanho de 2017.
Em janeiro, a alta no mercado brasileiro foi de 11% e houve quebras de recordes sucessivos. Nos últimos 12 meses, em que o país viveu crise fiscal e tensão política, as ações na bolsa tiveram uma valorização, segundo cálculo feito pela Economática para a coluna, de mais de R$ 800 bilhões. O cálculo foi feito com o pico, antes das últimas duas quedas.
O movimento de ontem foi mundial e não tem muita ligação com o que acontece aqui. Mas o interessante é se perguntar, mais do que a oscilação negativa dos últimos dois pregões, o que levou ao movimento de alta.
Num seminário na semana passada do banco Credit Suisse, continuava a aposta de que as reformas seriam aprovadas. Se não forem pelo governo Temer, deverão ser por quem for eleito em outubro, independentemente do viés político. Outro motivo da visão positiva é que a previsão mais comum é de crescimento por dois ou três anos, para recuperar a perda da recessão.
Quem cruza os dados da conjuntura política e fiscal do país com o movimento do Ibovespa não pode deixar de se espantar. Nos últimos 12 meses, terminados no fim de janeiro, o índice saiu da casa dos 60 mil pontos para 85 mil, o que representou uma valorização nominal de R$ 823 bilhões das empresas brasileiras, segundo o estudo elaborado por Einar Rivero, da Economática. A queda de sexta e de ontem levou o índice para 81 mil.
Apesar do temor de mudança da política monetária americana, o cenário externo não é ruim. Os EUA estão com PIB mais forte, assim como a Europa, e não há risco de desaceleração abrupta da China. Há bastante liquidez no mundo, e esses dólares buscam mercados emergentes como o Brasil porque estão mais dispostos a correr riscos. Em janeiro, o saldo do investimento estrangeiro na bolsa foi de R$ 9,54 bi. No ano passado inteiro foi de R$ 13,4 bi.
Mas, além disso, há a avaliação interna. O economista Luis Stuhlberger, que gere o Verde, um dos fundos de investimento mais rentáveis do país, explicava na semana passada o movimento positivo com a tese de que o mercado financeiro está olhando para o curto prazo e para a possibilidade de crescimento mais forte do Brasil nos próximos dois ou três anos. Pelas suas contas, a alta do PIB pode ficar acima de 3% entre 2018 e 2020.
Amanhã o Banco Central deve reduzir novamente a taxa Selic, para 6,75%. Essa sequência de quedas, que levou a taxa de juros de 14,25% para a nova redução esta semana, será um dos motores da alta do PIB em 2018. Como a inflação está baixa, o mercado financeiro estima que os juros reais também ficarão baixos, o que irá facilitar o pagamento de dívidas, os investimentos e o consumo.
O dólar normalmente sobe em anos de muita incerteza eleitoral, mas em 2018 alguns pontos são favoráveis: o déficit em conta-corrente é muito pequeno, e as reservas cambiais, muito altas. Esse abundância de dólares aqui, que se soma ao fluxo de entrada de capital, faz com que o cenário mais provável seja de a volatilidade ser menor do que em 2002. Haverá, claro, volatilidade. E ontem isso ficou claro.
Em qualquer evento do mercado os dados apresentados são de um país em grave crise fiscal em que os gastos obrigatórios, entre eles o previdenciário, têm subido demais, reduzindo outras despesas necessárias. E, apesar disso, a bolsa teve sucessivas altas.
A conclusão é a de que o Brasil tem um bom curto prazo, com crescimento do PIB, inflação e juros baixos, altas reservas cambiais. O futuro tem entraves que parecem imensos, mas a avaliação mais comum feita no mercado é a de que a situação chegou a tal ponto que qualquer que seja o eleito ele será naturalmente empurrado para uma agenda de reformas para aumentar sua capacidade de governar.
Evidentemente não é tão simples. Se o mercado mundial entrar numa fase de queda de bolsas e aversão a risco, as análises todas terão outro viés. E as crises brasileiras pesarão muito mais.