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Relatório da CPI acusa o governo Bolsonaro de agir com 'dolo' na pandemia

Documento de 1.052 páginas atribui ao presidente e a Pazuello o crime de homicídio qualificado; peça ainda pode ser alterada

André Shalders, Julia Affonso e Vinicius Valfré / O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O relatório final da CPI da Covid, do Senado, conclui que o governo Bolsonaro agiu de forma dolosa, ou seja, intencional, na condução da pandemia e, por isso, é responsável pela morte de milhares de pessoas. O Estadão teve acesso ao documento, que tem 1.052 páginas, e será apresentado aos senadores da CPI na próxima terça-feira. “O governo federal criou uma situação de risco não permitido, reprovável por qualquer cálculo de custo-benefício, expôs vidas a perigo concreto e não tomou medidas eficazes para minimizar o resultado, podendo fazê-lo. Aos olhos do Direito, legitima-se a imputação do dolo (intenção de causar dano, por ação ou omissão)”, diz trecho da peça, que ainda pode ser alterada até terça-feira. No dia seguinte, os senadores devem começar a votação do relatório. 

1.052 páginas tinha a última versão do relatório final, até o início da noite de sábado

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A conclusão será encaminhada aos órgãos de controle, que poderão abrir processos sobre os supostos crimes apontados. Isso ocorre porque a CPI tem poderes de investigação, mas não de punição.

O documento faz um diagnóstico do que, na visão da comissão, provocou a morte de 600 mil pessoas no Brasil. Com base nessas investigações, os senadores afirmam ter encontrado indícios de omissão e “desprezo técnico” durante a tragédia sanitária.

4 é o número de pedidos de indiciamento por homicídio contra Bolsonaro, Pazuello, Elcio Franco e uma médica da Prevent Senior

Em uma mudança de entendimento, o texto passou a imputar a Bolsonaro e ao ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, o mais longevo da pandemia, o crime de homicídio qualificado. Até então, o relatório atribuía a ambos o crime de homicídio comissivo – praticado por omissão. O argumento da CPI é de que Bolsonaro sabia dos riscos que oferecia à população e os assumiu.

A seguir, os principais pontos do documento.

1. Gabinete paralelo

O relatório aponta que um “gabinete paralelo”, composto por médicos, políticos e empresários que não faziam parte do governo, assessorou informalmente Bolsonaro. As orientações não tinham respaldo científico e foram determinantes “para o desastre na gestão da pandemia”. Elas influenciaram ações e discursos do presidente e, consequentemente, o comportamento de milhões de brasileiros. O grupo era formado por Nise YamaguchiOsmar TerraArthur WeintraubCarlos Wizard e Paolo Zanotto.

409 menções há no texto a Bolsonaro

2. Imunidade de rebanho

Por orientação do gabinete paralelo, o governo Bolsonaro estimulou a população a seguir sua rotina e ignorar medidas de proteção, como o uso de máscaras e o distanciamento social. A ideia era contaminar a maior parte da população brasileira para que o País procedesse a uma suposta “imunidade de rebanho”. A estratégia tinha como objetivo forçar a volta da atividade econômica.

3. Tratamento precoce

O governo Bolsonaro fez uma “defesa incondicional e reiterada” de medicamentos com ineficácia comprovada contra a covid, como a hidroxicloroquina, a azitromicina e a ivermectina. A conduta levou brasileiros a abrir mão de medidas como o distanciamento social e o uso de máscaras. Além disso, fez com que o País gastasse milhões de reais em vão, com medicações que não funcionavam. Em 2020, foram R$ 41 milhões para itens do chamado “kit covid”, segundo um cálculo conservador da CPI. A maior parte foi desembolsada quando havia farta evidência de que o remédio não surtia efeito. “A insistência aponta para o presidente como o principal responsável pelos erros de governo.”

4. Oposição a medidas não farmacológicas

O relatório aponta que o governo desestimulou a adoção de medidas não farmacológicas contra o vírus, como o isolamento social e o uso de máscara. O texto afirma que, se as medidas tivessem sido aplicadas, 120 mil vidas poderiam ter sido salvas até março de 2021.

5. Atraso na compra de vacinas

A demora “deliberada” e “injustificável” para a compra de vacinas da Pfizer e a Coronavac foi considerada “a mais grave omissão” do governo federal na pandemia e contribuiu “decisivamente” para o alto número de casos e mortes no País. A imunização não foi uma prioridade, como também uma legislação para aquisição e o uso das vacinas.

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Servidores realizam sepultamento no cemitério Nossa Senhora Aparecida, em Manaus Foto: AP Photo/Edmar Barros

6. Crise no Amazonas

O governo federal foi omisso não apenas no monitoramento da falta de insumos no Amazonas, mas também depois de instalada a crise de desabastecimento de oxigênio. Pacientes internados com a covid-19 morreram por asfixia. Segundo o relatório, o governo Bolsonaro fez do Amazonas um “laboratório humano”. Em Manaus, o Ministério da Saúde incentivou o uso de remédios comprovadamente ineficazes. A propaganda incentivou experiências que violaram princípios éticos e causaram a morte de pessoas. Em seguida, a falta de uma coordenação nacional para o monitoramento do consumo de oxigênio em hospitais criou uma corrida pelo produto em outras partes do País.

7. Vacina Covaxin

O relatório lista uma série de irregularidades na contratação de R$ 1,6 bilhão da vacina indiana Covaxin. O interesse no imunizante foi informado por Bolsonaro em carta de 8 de janeiro de 2021 ao primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi. Na mesma época, o governo ignorava as ofertas da Pfizer. O documento cita ausência de estimativa de preço, aumento de 1.000% no valor estimado do imunizante, entrega de documentos falsos ao Ministério da Saúde e garantia irregular da Fib Bank. As provas entregues pelos irmãos Miranda também são indicadas no documento: pedido de pagamento 100% adiantado e transferência para uma offshore fora do contrato. O relatório sugere o indiciamento de cinco funcionários da Precisa Medicamentos, dentre eles o dono, Francisco Maximiano.

8. Hospitais federais do Rio

A partir de denúncias de corrupção no governo de Wilson Witzel, a CPI identificou fortes suspeitas de mau uso de recursos públicos em hospitais federais do Rio que foram destacados para receber pacientes com a covid-19. Os desvios, portanto, teriam prejudicado o atendimento aos pacientes porque comprometeram a oferta de leitos e as condições de trabalho dos profissionais da saúde. No entanto, a CPI alega que teve pouco tempo para analisar todas as denúncias. Encerrou, então, compartilhando os documentos que obteve com o Ministério Público Federal, para eventual abertura de processos.

9. Caso VTCLog, a operadora de logística

O relatório final indica que a VTCLog, empresa responsável pela logística dos medicamentos no Ministério da Saúde, pode ter feito um truque chamado “jogo de planilha” para aumentar seu lucro. Num aditivo ao contrato, a empresa passou a cobrar R$ 18,9 milhões por um item de seus serviços – a manipulação de itens – que antes estava orçado por menos da metade. O aditivo acabou suspenso, mas o texto final da CPI recomenda nova licitação para substituir a VTCLog, e que a empresa seja investigada pelo Ministério Público Federal e pelo TCU.

Ministério da Saúde
Sede do Ministério da Saúde, em Brasília Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

10. Análise orçamentária da pandemia

Em outro tópico, o relatório traz uma análise minuciosa dos gastos do governo com o combate à pandemia. Até agosto de 2021, a União já destinou R$ 759,7 bilhões para esta finalidade, sendo que R$ 385 bilhões foram para o auxílio emergencial. O gasto com vacinas foi bem menor – R$ 2,9 bilhões em 2020 e mais R$ 5,5 bilhões este ano. O texto também cita uma apuração em curso no Tribunal de Contas da União (TCU) que investiga se a pasta teria usado recursos do enfrentamento à pandemia para despesas cotidianas, não relacionadas à emergência sanitária. O tópico ainda traz uma estimativa dos gastos com o chamado “kit covid”: ao menos R$ 41,07 milhões gastos com cloroquina e hidroxicloroquina; e mais R$ 15,6 milhões com azitromicina.

R$ 30,6 milhões é o valor gasto com cloroquina e hidroxicloroquina

11. Proteção a indígenas e quilombolas

O texto final da CPI usará o termo “genocídio” para qualificar a atuação de Jair Bolsonaro em relação aos povos indígenas. Segundo a comissão, “fica nítido o nexo causal entre o anti-indigenismo do mandatário maior e os danos sofridos pelos povos originários, ainda que, como outros líderes acusados de genocídio, não tenha ele assassinado diretamente pessoa alguma”, diz um trecho. Nem a lei brasileira nem o Estatuto de Roma, que criou o Tribunal Penal Internacional (TPI), exigem a eliminação total de um grupo para caracterizar o genocídio: basta que exista a intenção de fazê-lo. Este seria o intento de Bolsonaro.84 é o número de citações a “genocídio” no relatório

O relatório citará como precedente o caso conhecido como “massacre de Haximu”: uma chacina de 16 índios da tribo ianomâmis por garimpeiros em Roraima, em 1993. O crime é o único julgado como genocídio pela Justiça brasileira até hoje – e, no entendimento do relatório, mostra que o tipo penal não depende do número de vítimas para ser caracterizado. Segundo o texto, a conduta de Bolsonaro também se encaixa na definição do Marco para Análise de Crimes de Atrocidade, um documento editado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2014.

12. Disseminação de fake news

A difusão de notícias falsas na pandemia é um dos pontos mais longos do texto, com quase 150 páginas. O relatório acusa o grupo político do presidente Jair Bolsonaro de criar uma verdadeira organização para difundir as “fake news”, formada por sete núcleos (comando, formulação, execução, núcleo político, operação, disseminação e financiamento). 

Bolsonaro e seus três filhos com carreira política – Carlos, Eduardo e Flávio – seriam os líderes do núcleo de comando da organização. De acordo com a CPI, a organização inclui os assessores do chamado “Gabinete do Ódio”, mas é muito mais ampla. Vai desde empresários como o varejista Luciano Hang, dono das lojas Havan, até dirigentes do Ministério da Saúde, como o médico olavista Hélio Angotti Neto. O texto também relaciona sites e blogs que tiveram “intensa participação” na divulgação das notícias falsas. Endereços como Crítica Nacional, Terça Livre, Jornal da Cidade Online, Renova Mídia, Folha Política, Brasil Sem Medo e Brasil Paralelo tiveram os sigilos bancários quebrados pela CPI para saber se receberam dinheiro público, mas as informações não chegaram a tempo. O relatório pede que os 16 sites sejam investigados por órgãos de controle. Há também a imputação de que meios oficiais – como a Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom) e o Ministério da Saúde – foram usados para difundir “desinformação institucional”.

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Carlos Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro e Flávio Bolsonaro, filhos do presidente Jair Bolsonaro. Foto: Dida Sampaio/Estadão

13. Caso Prevent Senior e planos de saúde

O relatório termina com a descrição da “macabra atuação” da Prevent Senior. Segundo o documento, a operadora de saúde e o governo federal atuaram em parceria. Bolsonaro divulgou os dados da rede como “verdade científica”. A Prevent Senior é acusada de falsificar informações para promover o kit covid, fazer seus associados de “cobaias humanas”, perseguir médicos que se recusaram a prescrever tratamentos ineficazes, ocultar mortes por covid e fraudar declarações de óbito para diminuir o número de mortes nos hospitais da rede. O documento sugere o indiciamento de 11 pessoas, dentre elas uma médica por homicídio, e dois sócios da operadora, Fernando e Eduardo Parrillo e o diretor executivo, Pedro Batista Júnior, por perigo para a vida ou saúde de outrem, omissão de notificação de doença, falsidade ideológica e crime contra a humanidade.

14. Indiciamentos

O documento sugere o indiciamento de aliados de primeira hora do presidente, além de seus filhos Flávio, Eduardo e Carlos Bolsonaro: os deputados do PSL, Carlos Jordy (RJ), Bia Kicis (DF) e Carla Zambelli (SP), o blogueiro Allan dos Santos, empresários bolsonaristas, como Luciano Hang e Otávio Fakhoury, o pastor Silas Malafaia e os assessores Filipe G. Martins e Tercio Arnaud. Todos por incitação ao crime, ao disseminarem fake news e levarem a população a adotar comportamentos inadequados. Ao presidente do Conselho Federal de Medicina, Mauro Luiz de Brito Ribeiro, foi atribuído o crime de epidemia culposa com resultado morte. Em relação ao ex-ministro da Saúde Ricardo Barros é sugerido o indiciamento por formação de quadrilha.66 é o número de pedidos de indiciamento contra pessoas, além de três pedidos contra empresas

15. Propostas legislativas

O relatório traz propostas de mudanças na legislação. Um dos projetos pretende criminalizar a criação e divulgação de fake news e estabelecer direitos e deveres para o uso da internet. Outra proposta quer definir e punir o crime de extermínio, previsto no Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional. O parecer sugere ainda mudanças no Código Penal para endurecer penas de crimes contra a administração pública, quando praticados em situação de calamidade pública ou de emergência em saúde e propõe pensão para órfãos de vítimas da pandemia.

16 é o número de proposições legislativas que serão apresentadas

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Fonte: O Estado de S. Paulo
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Com aprovação do projeto para fixar o ICMS, Lira transferiu a batata quente para o Senado

Caso dê errado, Bolsonaro dirá aos eleitores que tentou conter a alta dos combustíveis e não conseguiu

Adriana Fernandes / O Estado de S. Paulo

O presidente da Câmara, Arthur Lira, achou que conseguiria com mão de ferro dar uma resposta rápida para conter a alta dos combustíveis. Embalado pelas críticas generalizadas da população à escalada dos preços, encampou o discurso do presidente Jair Bolsonaro de transferir a culpa dos preços altos para os governadores.

Em seguida, apresentou uma cesta de propostas “salvadoras”, que incluía não só mexer na cobrança do ICMS (tributo recolhido pelos Estados), mas também criar um fundo estabilizador dos preços com dividendos pagos pela Petrobras ao Tesouro e royalties de petróleo.

Não demorou muito tempo para ele perceber, em conversas com especialistas de dentro e fora do governo, que o buraco era mais embaixo.

Lira partiu, então, para pressionar a Petrobras mais uma vez. Numa ação com pouco ou quase nenhum efeito prático, perguntou se não seria o caso de privatizar a Petrobras.

A fala foi repetida pelo presidente Bolsonaro com a estratégia de pressionar a empresa a dar uma resposta e abrir o bolso para aumentar os recursos destinados ao vale-gás, já que os R$ 300 milhões aprovados pela estatal ficaram muito aquém dos R$ 3 bilhões anunciados por ele mesmo.

Bolsonaro não quer e não vai propor a privatização da Petrobras. Tampouco o mercado financeiro caiu nesse Conto da Carochinha.

A pressão na Petrobras é praticamente um reconhecimento tácito de que não há condições de garantir uma solução que mantenha o preço mais baixo de uma hora para outra. Mesmo lançando mão da prática de uma espécie de “canetada das votações” de projetos, negociados com moeda de troca das emendas parlamentares.

E o que fez depois o presidente da Câmara?

Correu para votar mais uma vez, um projeto mal feito e sem nenhum debate na Casa. Numa votação relâmpago, na noite de quarta-feira, após o feriado, os parlamentares decidiram atropelar a legislação do ICMS e fixaram um valor para a incidência do imposto.

Se o projeto for aprovado pelo Senado, é certo que vai parar nos tribunais. A votação serviu para Lira transferir a batata quente para o Senado e dizer: a Câmara fez a sua parte. Bolsonaro já tinha feito o mesmo antes.

Pura enganação.

É necessário reconhecer que a “operação Lira” mexeu com os Estados. Estão divididos. Eles ficaram assustadíssimos com a forma rápida como a votação evoluiu sem apoio das suas bancadas na Câmara. Terão, agora, que reforçar a articulação no Senado.

O secretário de Fazenda de Alagoas, George Santoro, contou em entrevista ao Estadão a razão para os governadores não terem sensibilizado os parlamentares: “Não dá para competir com as emendas”. Os argumentos técnicos e o bom debate não têm espaço nesse ambiente.

Pressionados, os Estados terão de sair da zona de conforto. Não serve mais a postura inflexível de insistir na versão de que as alíquotas do ICMS não mudaram e que não têm a ver com o problema. De fato, muitos Estados já viram que terão de ceder e sair dessa guerra de narrativas.

Tanto é assim que a proposta de congelamento do preço de referência usado para a cobrança do ICMS até o final de dezembro, antes rejeitada por eles, está sendo vista agora como uma porta de saída para ganharem tempo na votação no Senado.

Os Estados querem incluir a Petrobras e o Ministério da Economia para buscar um caminho para minimizar o problema, e também acenam em mudar o número de vezes em que o preço médio é atualizado. Hoje, isso é feito a cada 15 dias.

A vantagem para os Estados é de que até os técnicos do Ministério da Economia reconhecem que o projeto que saiu da Câmara não tem como ser operacionalizado, mas avaliam que o modelo pode ser reformulado para melhorar o sistema que faz com que o ICMS acabe entrando no preço que vai levar depois ao aumento do próprio imposto.

A batata quente está agora no Senado. Enquanto isso, o presidente Bolsonaro já escolheu outro alvo. Avisou que determinará ao ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, que mude a bandeira tarifária de energia elétrica de vermelha para normal.

Depois o presidente dirá aos eleitores que tentou e não conseguiu. A culpa não será dele. Tem método.

PS: a coluna segue com a contagem regressiva. Faltam 15 dias para o fim do auxílio emergencial. Não há solução anunciada até agora.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,adriana-fernandes-arthur-lira-icms-combustiveis,70003869784


Evandro Milet: O jeito político de dizer as coisas é diferente

Com contorcionismo, esperteza e muitas vezes de forma divertida, políticos de diferentes épocas e matizes ideológicos criaram seus próprios códigos e maneiras de definir a realidade

Evandro Milet / A Gazeta

O mundo político tem seus próprios códigos e maneiras de definir situações, algumas vezes com contorcionismos, outras com esperteza e outras até divertidas. Quando apanhados em situações comprometedoras e pressionados pela imprensa, políticos costumam alegar ser notícia requentada, ou uma ilação sem base, jogo político, manobra de adversários ou interesse eleitoral. Mas sempre explicando que as contas foram aprovadas pelo Tribunal de Contas.

Se são confrontados com opções para o futuro ou cenários de crise, a saída é fazer como Marco Maciel, político pernambucano, quando tentavam cercá-lo, que dizia, em tom suave e enigmático: “É muito difícil falar sobre hipóteses, embora em política não se possa excluir hipótese alguma” ou “Fique atento, pode acontecer tudo, inclusive nada”.

A decantada esperteza mineira é outra fonte de inúmeras histórias e Tancredo Neves participa de várias, como a ocasião em que, eleito Governador de Minas, foi abordado por um correligionário ansioso e oferecido lhe perguntando o que deveria responder à sua base que lhe indagava se seria nomeado secretário. A resposta é uma aula: “Diga que foi convidado e não aceitou”. Também com origem na política mineira, uma reunião deve ser feita só quando o assunto estiver resolvido, nunca deixe seus inimigos sem saída e só se envia carta quando já se sabe a resposta . Isso é seguido na prática política em geral.

Quando um governante quer convidar alguém para um cargo, costuma sondar indiretamente o escolhido por um intermediário camuflado. O convite só acontece se a sondagem tiver resposta positiva. Essa esperteza não é só mineira. O ex-presidente argentino Juan Perón ensinava: “Quando quiser algo, nunca o proponha. Faça com que os outros o proponham, oferecendo, inclusive, certa resistência.”

“A política tem de ser entendida não pela racionalidade do ser humano, mas pela natureza humana, da qual a razão é apenas uma parte, e de jeito nenhum a mais importante”, afirmava o pensador conservador inglês Edmund Burke. Talvez por isso Benjamin Franklin ensinava que, quando você quiser convencer, fale de interesses em vez de apelar à razão. Em um filme sobre a revolução francesa, Robespierre diz a Danton: “cidadão Danton, não se faz política como está nos livros”.

A figura do adversário é predominante, muitas vezes transformado em inimigo na luta pela sobrevivência política, e pode levar a afirmações pesadas como a do poeta alemão Heinrich Heine: “Devem-se perdoar os inimigos, mas não antes que eles sejam enforcados”. Ou a do político britânico Alan Clark: “Não há amigos verdadeiros na política. Nós somos todos tubarões andando em círculos, esperando uma gota de sangue para aparecer”.

Ulysses Guimarães dizia que “se reconciliar com um antigo inimigo é comum, porém difícil é explicar para a família. Você conta em casa tudo que ele fez com você, mas esconde o que você fez com ele”.

A eleição é um momento crítico, mas há histórias de respostas rápidas e cortantes. Um cidadão desafiou Benjamin Disraeli (1804-1881), ex- primeiro-ministro britânico: “Eu, antes de votar no senhor, voto no diabo”. Resposta de Disraeli: “O.K., mas se o seu amigo não se apresentar, conto com seu voto”.

Muitas vezes se reclama de alguma posição, mas como disse um político francês, “não é que os políticos não saibam o que fazer. Eles não sabem como se reeleger se fizerem o que precisa ser feito”.
Escolher equipe pode ser um problema. Getúlio Vargas, conformado com a composição que teve que fazer, certa vez não se conteve : “Metade do meu ministério é totalmente incapaz, a outra metade é capaz de qualquer coisa.” Porém, algumas verdades são incontestáveis. Por exemplo, segundo Maquiavel, “o primeiro método para estimar a inteligência de um governante é olhar para os homens que tem à sua volta”. Alguns não têm jeito e Millôr Fernandes foi na mosca em relação a alguns deles: “Chegou ao limite da própria ignorância. Não obstante, prosseguiu”.

Fonte: A Gazeta
https://www.agazeta.com.br/colunas/evandro-milet/o-jeito-politico-de-dizer-as-coisas-e-diferente-1021


'Todos subestimam Bolsonaro: assim ele virou presidente e pode ser reeleito'

Para Creomar de Souza, oposição se fragmenta ao subestimar força do presidente, o que deve facilitar sua ida ao segundo turno, com chances de vitória

Mariana Schreiber / BBC News Brasil

A ideia de dar um segundo mandato ao presidente Jair Bolsonaro hoje é rejeitada pela maioria da população, segundo diferentes pesquisas eleitorais. Esses mesmos levantamentos mostram o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como favorito para vencer a disputa presidencial do próximo ano.

Apesar disso, o cientista político Creomar de Souza, professor da Fundação Dom Cabral e fundador da consultoria política Dharma, avalia que Bolsonaro se mantém um candidato competitivo, com chances de permanecer no Palácio do Planalto em 2023.

Em entrevista à BBC News Brasil, ele lembra que o presidente mantém nas mãos a "chave do cofre", ou seja, recursos para tentar reverter sua impopularidade com políticas de governo, como o aumento de transferências de renda, seja com a prorrogação do auxílio emergencial ou a ampliação do Bolsa Família.

Além disso, acredita que "o canal paralelo de comunicação" construído por Bolsonaro e seus apoiadores por meio de grupos de WhatsApp e Telegram terão novamente papel importante na eleição, como forma de divulgar mensagens favoráveis ao presidente e "destruir reputações" de adversários. Para Souza, mesmo narrativas que pareçam pouco convincentes para parte da população podem cativar eleitores.


Motociata de Santa Cruz do Capibaribe para Caruaru. Foto: Marcos Corrêa/PR
Foto: Clauber Cleber Caetano/PR
Leilão 5G. Foto: Isac Nóbrega/PR
Reunião com o Emir de Dubai, Mohammed bin. Foto: Alan Santos/PR
Cúpula de Líderes do G20. Foto: Alan Santos/PR
Cúpula de Líderes do G20. Foto: Alan Santos/PR
Cúpula de Líderes do G20. Foto: Alan Santos/PR
Bolsonaro participa de cerimônia do 7 de Setembro, no Palácio da Alvorada. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Cúpula de Líderes do G20. Foto: Alan Santos/PR
Cúpula de Líderes do G20. Foto: Alan Santos/PR
Cerimônia em Memória dos Pracinhas. Foto: Alan Santos/PR
Cúpula de Líderes do G20. Foto: Alan Santos/PR
05/11/2021 Cerimônia de Anúncios do Governo Federal ao Estado
Motociata na cidade de Piraí do Sul com destino a Ponta Grossa. Foto: Clauber Cleber Caetano/PR
Cúpula de Líderes do G20. Foto: Alan Santos/PR
Foto: Alan Santos/PR
Reunião com o representante para Política Externa e de Segurança da União Europeia e Vice-Presidente da Comissão Europeia, Josep Borrell Fontelles. Foto: Alan Santos/PR
Apoiadores na rampa do Palácio do Planalto. Foto: Marcos Corrêa/PR
Encontro com o Presidente da Funai, Marcelo Xavier e lideranças indígenas. Foto: Isac Nóbrega/PR
Visita à Estátua de Padre Cícero em Juazeiro do Norte - CE Foto: Marcos Corrêa/PR
Cerimônia Militar em Comemoração ao Aniversário de Nascimento do Marechal do Ar Alberto Santos-Dumont. Foto: Marcos Corrêa/PR
Solenidade Militar de Entrega de Espadins aos Cadetes da Força Aérea Brasileira. Foto: José Dias/PR
Missa com parlamentares e familiares. Foto: Marcos Corrêa/PR
Bolsonaro bate um pênalti na Arena da Condá, Chape, em Chapecó. Foto: Alan Santos/PR
Presidente, ministros e aliados posam para fotografia nos trilhos da FIOL. Foto: Marcos Corrêa/PR
Motociata de Santa Cruz do Capibaribe para Caruaru. Foto: Marcos Corrêa/PR
Inauguração das novas instalações da Escola de Formação de Luthier e Archetier da Orquestra Criança Cidadã (Recife-PE). Foto: Marcos Corrêa/PR
Motociata pelas avenidas de Goiânia. Foto: Alan Santos/PR
Operação Formosa - 2021. Foto: Marcos Corrêa/PR
Centenário da Convenção de Ministros e Igrejas Assembléia de Deus no Pará. Foto: Isac Nóbrega/PR
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Motociata de Santa Cruz do Capibaribe para Caruaru. Foto: Marcos Corrêa/PR
Foto: Clauber Cleber Caetano/PR
Leilão 5G. Foto: Isac Nóbrega/PR
Reunião com o Emir de Dubai, Mohammed bin. Foto: Alan Santos/PR
 Cúpula de Líderes do G20. Foto: Alan Santos/PR
 Cúpula de Líderes do G20. Foto: Alan Santos/PR
 Cúpula de Líderes do G20. Foto: Alan Santos/PR
Bolsonaro participa de cerimônia do 7 de Setembro, no Palácio da Alvorada. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
 Cúpula de Líderes do G20. Foto: Alan Santos/PR
 Cúpula de Líderes do G20. Foto: Alan Santos/PR
Cerimônia em Memória dos Pracinhas. Foto: Alan Santos/PR
 Cúpula de Líderes do G20. Foto: Alan Santos/PR
05/11/2021 Cerimônia de Anúncios do Governo Federal ao Estado
Motociata na cidade de Piraí do Sul com destino a Ponta Grossa. Foto: Clauber Cleber Caetano/PR
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Foto: Alan Santos/PR
Reunião com o representante para Política Externa e de Segurança da União Europeia e Vice-Presidente da Comissão Europeia, Josep Borrell Fontelles. Foto: Alan Santos/PR
Apoiadores na rampa do Palácio do Planalto. Foto: Marcos Corrêa/PR
Encontro com o Presidente da Funai, Marcelo Xavier e lideranças indígenas. Foto: Isac Nóbrega/PR
Visita à Estátua de Padre Cícero em Juazeiro do Norte - CE Foto: Marcos Corrêa/PR
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Motociata de Santa Cruz do Capibaribe para Caruaru. Foto: Marcos Corrêa/PR
Inauguração das novas instalações da Escola de Formação de Luthier e Archetier da Orquestra Criança Cidadã (Recife-PE). Foto: Marcos Corrêa/PR
Motociata pelas avenidas de Goiânia. Foto: Alan Santos/PR
 Operação Formosa - 2021. Foto: Marcos Corrêa/PR
Centenário da Convenção de Ministros e Igrejas Assembléia de Deus no Pará. Foto: Isac Nóbrega/PR
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"O desemprego, o retorno da fome, a inflação: tudo isso gera uma enorme dificuldade para Bolsonaro. O que o presidente tem feito é jogar a conta da inflação no (discurso do) 'fique em casa durante a pandemia'. Me parece ser uma manobra muito difícil, mas não é uma manobra que não possa colar", afirma.

"Não podemos trabalhar com a ideia de que o eleitor é invulnerável a percepções que nós não consideremos objetivas da realidade. Temos que lembrar que, no fim das contas, muita gente tomou cloroquina e outros medicamentos que não tinham comprovação científica alguma. Isso acontece", reforça.

Para o professor, o cenário de 2018 está se repetindo agora, com uma ampla subestimação do potencial do presidente.

"Todo mundo subestima o Bolsonaro. O Lula subestima o Bolsonaro. Quem está com o Bolsonaro subestima o Bolsonaro. Quem quer fazer terceira via subestima o Bolsonaro. E uma característica bem importante do Bolsonaro como persona política é o fato de que ele chegou onde está com todo mundo o subestimando", lembra.

"Assim ele chegou à Presidência da República. Assim ele vai finalizar provavelmente o mandato sem impeachment, e assim ele pode inclusive ser reeleito", acrescenta.

Na sua visão, ao subestimar Bolsonaro, a oposição tende a se fragmentar, gerando um cenário mais favorável para o presidente estar no segundo turno, com chances de se reeleger.

"Em algum sentido, essa fraqueza aparente do Bolsonaro dá a impressão de que qualquer outro candidato pode derrotá-lo, e esse é o principal vetor que impede a construção de qualquer tipo de coalizão", ressalta.

"Essa é a melhor chance do Bolsonaro. Quanto mais fragmentada for essa oposição, quanto mais candidatos existirem, melhor pro Bolsonaro, porque o Bolsonaro tem uma base concentrada de votantes. Se os (demais) votos estiverem muito diluídos em outros nomes, ele está no segundo turno", diz ainda.

Confira a seguir os principais trechos da entrevista.

Creomar de terno e braços cruzados dentro de escritório
'Quanto mais fragmentada for essa oposição, quanto mais candidatos existirem, melhor pro Bolsonaro', analisa Creomar de Souza

BBC News Brasil - A alta rejeição de Bolsonaro medida nas pesquisas eleitorais tem indicado um caminho difícil para o presidente em 2022. Ele continua sendo um candidato competitivo com chances de se reeleger?

Creomar de Souza - O presidente ainda é competitivo por duas razões. A primeira delas está no campo bem tradicional da política: tem a chave do cofre. E quem tem a chave do cofre pode criar mecanismos, instrumentos, pra reverter percepções negativas sobre si mesmo. Isso não significa dizer que presidente é favorito ou ganharia a eleição com a fotografia que temos hoje. Mas o fato é: hoje o presidente conseguiria estar muito provavelmente no segundo turno. E isso não pode ser menosprezado.

A segunda razão que acho muito importante vem de um elemento mais novo da política, que tem muito impacto a partir de 2018 e acredito que terá muito impacto também em 2022: o presidente foi muito bem-sucedido em construir um canal paralelo de comunicação, se utilizando de WhatsApp e de Telegram de forma que, até onde eu sei, não há outra liderança política utilizando isso de maneira tão eficaz.

E a gente precisa lembrar de alguns dados. Por exemplo, uma pesquisa da consultoria Mckinsey mostra que o Brasil é o quarto país mais plugado à internet. Todo mundo usa WhatsApp, a ponto de quando tem algum problema no WhatsApp as pessoas confundem com queda de internet. Então, isso gera um impacto em termos de jogo político e eleitoral que não é desprezível.

O presidente da República e seus apoiadores têm um canal muito bem construído de construção de informações e de percepções e de destruição de reputação de inimigos. Então, em uma eleição que tem tudo pra ser altamente tumultuada, que caminha pra ter dois protagonistas (Bolsonaro e Lula) que são antagonistas e que despertam muitas paixões positivas e negativas, essa conjuntura gera um caldeirão que acaba diminuindo o componente de uma eleição que seria normal ou racionalizada.

Isso acaba sendo muito bom pro Bolsonaro em específico. Quanto mais raivosa for a eleição, melhor para ele. Porque a gente tem certeza de que os apoiadores do Bolsonaro vão às urnas. A gente não tem certeza se os eleitores nem-nem, que não sejam nem Bolsonaro nem Lula, vão comparecer à cabine de votação.

E tem outras variáveis como por exemplo o voto envergonhado. Aquelas pessoas que não dizem nas pesquisas que votam em Bolsonaro (mas na urna votam). Então, é importante levar todos esses elementos em consideração quando tentamos estabelecer uma compreensão responsável do processo eleitoral e não meramente aquilo que se deseja que seja o processo eleitoral.

BBC News Brasil - Os grupos de WhatsApp e Telegram são canais em que Bolsonaro se comunica com uma base mais fiel e radicalizada. A princípio, esse público não é suficiente para elegê-lo. Qual a importância de ter essa base radicalizada e o que ele precisa fazer pra conquistar apoio fora dela?

Souza - Creio que tem dois elementos importantíssimos nessa construção da persona política do Bolsonaro. A gente vai ter um Bolsonaro do WhatsApp, do Telegram, o Bolsonaro do YouTube, que fala para a base. E essa base é muito importante porque é o ponto de partida dele, a base que pode empurrá-lo ao segundo turno.

De outro lado, teremos um outro Bolsonaro que vai tentar ser mais palatável pra determinados pedaços da sociedade. E aqui tem um elemento que não se pode esquecer: a sociedade brasileira é em grande parte composta por pessoas conservadoras.

E onde essas duas linhas se encontram? Na junção entre a capacidade que os grupos de WhatsApp e Telegram tenham de produzir conteúdo e de manter essa base de apoio agregada, e o fato de que alguns desses conteúdos sejam palatáveis o suficiente pra atingir os concorrentes de Bolsonaro do ponto de vista eleitoral, como requentar as denúncias do Lula acerca de corrupção, falar de alguma característica de caráter do Ciro Gomes, ou fazer algum tipo de ataque a um outro candidato, como Eduardo Leite (governador do Rio Grande do Sul pelo PSDB), João Dória (governador de São Paulo pelo PSDB), (ex-ministro da Saúde, do DEM, Luís Henrique) Mandetta, quem quer que seja.

O entroncamento desses dois elementos me parece criar uma lógica e uma ação que o grupo do presidente hoje acredita que seja o suficiente pra requentar alguns elementos da narrativa de 2018, sobretudo a ideia de que Bolsonaro é um mártir diante de um sistema que é muito corrupto, que é muito pouco engajado na transformação do país, e ele pode usar isso com um mix de "olha, mesmo diante de todas essas dificuldades, nós entregamos algumas reformas".

Para o governo, hoje mais importante do que uma reforma (econômica) que seja boa, é ter reformas. Porque o governo precisa dizer para atores de mercado, para determinados atores da sociedade, que as reformas foram entregues. Se elas vão precisar ser refeitas em 2023 ou não, isso acaba se tornando uma questão menor.

Nesse aspecto, ele tem tido grande apoio do (presidente da Câmara dos Deputados) Arthur Lira (PP-AL), mas de outro lado tem-se uma dificuldade pra que se avance no Senado. Por exemplo, o senador Ângelo Coronel (PSD-BA) deixou muito claro que a reforma do Imposto de Renda não vai avançar e que o governo tem outras alternativas pra prorrogar o auxílio emergencial que não envolvam necessariamente rebatizar o Bolsa Família.

BBC News Brasil - O governo não conseguiu até o momento criar um programa para substituir o Bolsa Família, ao mesmo tempo que desemprego e inflação seguem altos. A economia e a atuação do governo na pandemia são fatores que dificultam a reeleição?

Souza - Sendo bem pragmático, eu creio que a pandemia não será o principal tema da eleição. A vacinação vai avançar, devagar os casos tendem a se reduzir e talvez a gente não tenha (em 2022) uma grande reflexão sobre o que foi a pandemia, sobre o papel do governo. Talvez o timing nesse aspecto da pandemia vai ser mais gentil com Bolsonaro do que foi com (o ex-presidente americano Donald) Trump por exemplo. O Trump entrou no processo eleitoral no meio da tempestade da pandemia. O Bolsonaro vai conseguir se distanciar disso.

Agora, o desemprego, o retorno da fome, a inflação: tudo isso gera uma enorme dificuldade para Bolsonaro. O que o presidente tem feito é jogar a conta da inflação no "fique em casa durante a pandemia". Me parece ser uma manobra muito difícil, mas não é uma manobra que não possa colar. Não podemos trabalhar com a ideia de que o eleitor é invulnerável a percepções que nós não consideremos objetivas da realidade. Temos que lembrar que, no fim das contas, muita gente tomou cloroquina e outros medicamentos que não tinham comprovação científica alguma. Isso acontece.

É uma estratégia que existe desde o primeiro dia de governo: tudo aquilo que é bom é sempre responsabilidade do Bolsonaro, e tudo que está errado ele sempre transfere o ônus. O presidente vai tentar terceirizar o ônus para os governadores e pros concorrentes políticos que foram favoráveis a medidas mais restritivas durante a pandemia.


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A questão é: vai colar? Isso depende da capacidade que o governo tem de por dinheiro na mão das pessoas, principalmente dos mais pobres, que são os que decidem a eleição. Vai depender de conseguir reativar o auxílio emergencial (previsto para acabar em outubro) ou ampliar o Bolsa Família.

BBC News Brasil - A vitória do presidente em 2018 é em boa parte atribuída ao antipetismo, que teria levado pessoas moderadas a votar em Bolsonaro. Esse fator perdeu força agora, dificultando a reeleição?

Souza - Me parece que o antipetismo é uma força de longa duração, assim como o petismo. O sistema político brasileiro da redemocratização é povoado por partidos fisiológicos, os partidos não são orgânicos. Você não vê uma pessoa na rua entusiasmada com uma bandeira do MDB ou do DEM, por exemplo. Já os partidos que são mais orgânicos em sua maioria são nada competitivos. E você tem uma exceção: o PT conseguiu se construir como um partido orgânico e competitivo.

Isso gerou dois elementos muito importantes. O primeiro é dentro do DNA do PT uma lógica de hegemonia. O PT quer ser um partido hegemônico. E os militantes do partido acreditam piamente que tenham direito a essa conquista hegemônica porque são o partido mais orgânico da República.

O segundo elemento é que, como não há uma cultura de vida partidária na sociedade civil como um todo, você desperta encantamento e estranhamento. Esse estranhamento se cristalizou numa lógica de antipestismo que vem mesclada com reminiscências de conservadorismo da sociedade, da ideia de que o PT é um partido comunista e coisas do gênero, que são anteriores até ao próprio partido.

Então eu creio que, assim como o petismo conseguiu sobreviver, saiu ferido mais saiu vivo de toda essa crise que vem de 2013 até 2016, o antipetismo é uma força de permanência.

Durante muito tempo se criou a ideia de que o PSDB era o partido orgânico do antipetismo, e o Bolsonaro veio pra destruir isso. O Bolsonaro elevou o antipetismo a um novo patamar. Ele conseguiu dizer: "o problema é que falta alguém que tenha coragem de dizer o que deve ser dito acerca desses caras. Eu vou dizer". Ele disse e foi bem-sucedido.

A questão é que hoje tem um antipetismo que está cristalizado no Bolsonaro, mas esse anti bolsonarismo está cristalizado no PT? Talvez essa seja a pergunta de um milhão de dólares pra eleição do ano que vem. Um cenário que no segundo turno teremos Lula contra Bolsonaro não será uma eleição de escolha positiva, será uma eleição em que a rejeição vai dizer mais que a aceitação. Com o retrato que nós temos hoje, provavelmente o Bolsonaro tem um problema, que é o fato de que ele tem mais rejeição que o Lula (segundo as pesquisas atuais).

O antipetismo é uma força de longa duração e o PT trabalha muito pouco com a ideia de reduzir essas arestas. Acaba, em algum sentido, sendo cômodo também para o partido trabalhar com a ideia de que eleitores que não gostam dele são moralmente não comprometidos com uma transformação social. Assim, os coloca em um ponto de vilania. Isso é parte do processo também.

BBC News Brasil - A principal aposta dos potenciais candidatos da terceira via hoje parece ser o derretimento de Bolsonaro e a possibilidade de uma dessas alternativas disputar o segundo turno com Lula. É um cenário provável ou estão subestimando o presidente?

Souza - Eu creio que todo mundo subestima o Bolsonaro. O Lula subestima o Bolsonaro. Quem está com o Bolsonaro subestima o Bolsonaro. Quem quer fazer terceira via subestima o Bolsonaro. E uma característica bem importante do Bolsonaro como persona política é o fato de que ele chegou onde está com todo mundo o subestimando.

Todo mundo acha que não vai dar em nada, que o Bolsonaro de fato não é uma ameaça ou que ele vai estar sob controle de alguém. E ele vai galgando as posições e assim ele chegou à Presidência da República. Assim ele vai finalizar provavelmente o mandato sem impeachment, assim ele pode inclusive ser reeleito presidente da República.

Para além disso, eu creio que para a terceira via está faltando mensagem. Sem uma mensagem você não tem voto.


Lula participa do Festival “Democracia Para Siempre” na Argentina. Foto: Ricardo Stuckert
Lula participa do Festival “Democracia Para Siempre” na Argentina. Foto: Ricardo Stuckert
Lula participa do Festival “Democracia Para Siempre” na Argentina. Foto: Ricardo Stuckert
Lula participa do Festival “Democracia Para Siempre” na Argentina. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
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Lula participa do Festival “Democracia Para Siempre” na Argentina. Foto: Ricardo Stuckert
Lula participa do Festival “Democracia Para Siempre” na Argentina. Foto: Ricardo Stuckert
Lula participa do Festival “Democracia Para Siempre” na Argentina. Foto: Ricardo Stuckert
Lula participa do Festival “Democracia Para Siempre” na Argentina. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
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E aí, por exemplo, caso o (apresentador José Luiz) Datena saia candidato pelo União Brasil (partido que será criado com a fusão de DEM e PSL) ou que a gente imagine um cenário de uma chapa do Eduardo Leite com Datena, com um monte de dinheiro, tempo de TV (para propaganda eleitoral), possibilidade de fazer um monte de coisa, mas isso não necessariamente significa que você consegue entregar algo, porque no fim você precisa de uma mensagem.

E nós aqui (na consultoria política Dharma) acreditamos que essa mensagem vai estar num tripé que envolva melhoria econômica, qualidade de política pública e, em específico, o tema saúde. A covid vai ter um elemento nisso, mas a reflexão sobre o SUS vai ser um elemento importante também.

Nesse aspecto, me parece que Bolsonaro, numa manobra muito arriscada, vai se negar a discutir vários desses temas e vai insistir na ideia do anticorrupção, de "não tem escândalo no meu governo". Ele ganhou uma eleição negando os debates, então isso pode funcionar de novo, não se pode descartar isso.

O Lula vai trabalhar muito com a memória (do seu governo), e essa terceira via, os candidatos que queiram esse voto nem-nem, vão ter que entregar alguma coisa, trazer uma mensagem bem construída.

BBC News Brasil - Esse cenário de predominância da preocupação econômica na eleição, do aumento da miséria, parece ser um cenário que favorece Lula a trabalhar com a memória do seu governo. Qual seria a fraqueza dele, algo que pode atrapalhar esse caminho?

Souza - Eu creio que o grande inimigo na candidatura do ex-presidente Lula será certamente todo o imbróglio que envolve a Lava Jato. Por mais que o ex-presidente e o partido hoje tenham uma narrativa de dizer que Lula foi inocente, para um número considerável de eleitores isso é uma história muito confusa, muito mal explicada. Muito provavelmente todos os inimigos de Lula farão uso disso de forma muito forte porque o líder da corrida eleitoral sempre é o alvo preferencial.

O Bolsonaro vai tentar tirar uma casquinha, o Ciro vai tirar uma casquinha, o candidato do PSDB vai tirar uma casquinha. É isso, o Lula vai virar a grande vidraça, cada outro candidato vai dar sua tijolada. E talvez por isso o Lula esteja sendo até aqui, muito inteligentemente, bastante parcimonioso em termos de exposição. O Lula não tem ido pra manifestações de rua, ele tem tentado manter uma variável de controle em que ele só dialogue em espaços em que sabe que mesmo quando vier alguma crítica, essa crítica vai ser muito tranquila.

Então, o grande obstáculo pra ele será como lidar com esse passivo. Pra uma parte da sociedade, o Sérgio Moro ainda é um herói nacional. E você precisa de todos os votos possíveis. Não é uma eleição em que as pesquisas estão dizendo que o Lula leva no primeiro turno. Muito provavelmente vai ser uma eleição muito acirrada, com muito tumulto e alguma instabilidade.

BBC News Brasil - Então, embora exista um discurso de que Bolsonaro é autoritário e de que tem que haver uma união das forças democráticas contra ele, na prática Lula, por ser o líder das pesquisas, pode virar o alvo preferencial?

Souza - E esse me parece ser um ponto bem interessante. Em algum sentido, essa fraqueza aparente do Bolsonaro dá a impressão de que qualquer outro candidato pode derrotá-lo, e esse é o principal vetor que impede a construção de qualquer tipo de coalizão. E essa é a melhor chance do Bolsonaro.

Quanto mais fragmentada for essa oposição, quanto mais candidatos existirem, melhor pro Bolsonaro, porque o Bolsonaro tem uma base concentrada de votantes. Se os (demais) votos estiverem muito diluídos em outros nomes, ele está no segundo turno. E segundo turno é aquele negócio que a gente não sabe como termina, é muito difícil pra um candidato em reeleição perder em segundo turno. Esse é um ponto muito crítico e muito importante da conjuntura do ano que vem.

Fonte: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-58936883


Empresas brasileiras serão mais cobradas por compromisso ambiental

A declaração é do vice-presidente da Republica, Hamilton Mourão

Léo Rodrigues / Agência Brasil

Para o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, as empresas brasileiras serão cada vez mais cobradas para apresentar melhores credenciais ambientais, sociais e de governança. Segundo ele, o compromisso com a preservação do meio ambiente é hoje um pilar da agenda da opinião pública mundial.

"O Brasil, convém recordar, sempre trouxe contribuições relevantes para o debate internacional acerca do aquecimento global e de outras temáticas ambientais. Sempre estivemos a frente em matéria de energia limpa", observou Mourão.

Ele gravou um vídeo exibido no encerramento da 40º Encontro Nacional de Comércio Exterior (Enaex 2021), evento promovido pela Associação dos Exportadores Brasileiros (AEB). Ontem (14) e hoje (15), ocorreram diversas palestras e workshops em torno do tema "Reformar para crescer".

Mourão afirmou ainda que o Brasil reconhece os desafios na Amazônia e trabalha para conter incêndios e atividades ilegais que degradam a floresta. Ele defendeu o fomento à bioeconomia através de parcerias entre os setores público e privado. "Aproveitar a rica biodiversidade da floresta e promover a economia do conhecimento na região, conciliando crescimento econômico, proteção ambiental e inclusão social para 25 milhões de habitantes na Amazônia", disse.

No início do mês, os resultados preliminares de um estudo realizado por pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e da Universidade de São Paulo (USP) listou possíveis impactos para os seres humanos caso o desmatamento da Amazônia avance, com a consequente substituição das florestas por uma vegetação típica de savanas. Uma das principais conclusões foi o risco de exposição dos moradores a estresse por calor, situação em que as condições ambientais não são favoráveis para que o homem possa manter sua temperatura corporal.

Pandemia

O vice-presidente avaliou que o Brasil e o mundo estão vencendo o momento mais severo da pandemia de covid-19 graças a um esforço global sem precedentes para conter o vírus e para produzir vacinas. Em sua visão, há um cenário mais promissor que demanda esforços para promover a retomada do desenvolvimento. "Nosso governo está implementando medidas que visam a facilitar cada vez mais o fluxo comercial", disse.

Mourão afirmou que um dos pilares do governo federal é a reestruturação da política econômica através de uma agenda pró-mercado, citando a aprovação da reforma da Previdência em 2019 e as atuais discussões em torno das reformas administrativa e tributária. Ele defendeu a redução de barreiras não tarifárias, a modernização de estrutura tarifária do Mercosul e a ampliação da rede de acordos de livre comércio. Também avaliou que há uma crescente demanda mundial por alimentos que favorece o Brasil. Segundo o vice-presidente, o país tem papel central para a garantia da segurança alimentar no mundo, sobretudo na relação com parceiros comerciais de menor desenvolvimento relativo.

Fonte: Agência Brasil
https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2021-10/empresas-brasileiras-serao-mais-cobradas-por-compromisso-ambiental


Paulo Fábio Dantas Neto: A volta do mantra da corrupção

Pauta da corrupção avança para retomar, agora e em 2022, o lugar de destaque que teve em 2018

Paulo Fábio Dantas Neto / Democracia e Novo Reformismo

A pauta da corrupção avança a passos largos para retomar, agora e principalmente em 2022, o lugar de destaque que teve nas eleições de 2018. Políticos de vários matizes, ao se aproximar a hora eleitoral, pisam sôfregos ou distraídos nos escombros produzidos por aquele confronto devastador entre mocinhos da moral e da nova política e vítimas heroicas de um suposto golpe contra o partido do social.

Se a política fosse só o terreno da reta razão, essa reincidência espantaria, pela estupidez. Primeiro o lulo-petismo, depois o lava-jatismo, perderam o protagonismo para a serpente filo-fascista que se beneficiou daquela guerra entre santos com pés de barro. Nem a hipocrisia de direita, nem o cinismo de esquerda escaparam de efeitos não previstos da artilharia pesada disparada pelo bolsonarismo em 2018, usando munição de um arsenal montado em porões milicianos da antipolítica populista. Milícias, até então só digitais, que ocuparam um vácuo deixado pela desmoralização escandalosa, produzida pela Lava-jato, da antipolítica populista-empresarial que imperou no período anterior e que fora a fonte financiadora da farta – e, também, letal - munição oficial disparada contra adversários do governo nas eleições de 2014. Uns e outros terminaram entre os feridos, o lulo-petismo nas urnas de 2016 e 2018 e o lava-jatismo nas esgrimas palaciana, judiciária e interna ao MPF, transcorridas a partir de 2019. Tanto a política da confrontação como a da colaboração com o bolsonarismo tiveram destinos penosos. Penas análogas às cumpridas pela sociedade quase toda que, longe de ser inocente ou neutra, aceitou os termos de um duelo em que todos tinham a perder, exceto a malta ali autorizada pelas urnas a tomar de assalto o governo, desmontá-lo e, com seu bagaço, desferir torpedos contra as instituições.

A anulação de processos contra Lula e as recentes pesquisas de intenção de voto que lhe dão posição privilegiada juntam-se para produzir, na esquerda petista e seus anexos, duas presunções: a de que Lula foi inocentado e a de que a eleição estará ganha, se Bolsonaro estiver na área. A segunda presunção é animada pela rejeição a Bolsonaro e pela não existência, até aqui, de alternativa eleitoral promissora para evitar a reprise do confronto de 2018, que é encarada como uma revanche e assim desejada. Já a primeira presunção parte de um erro de avaliação (que o lulo-petismo parece compartilhar com áreas do chamado centrão), qual seja o de que o lava-jatismo agoniza porque a Lava-Jato morreu. Na verdade, o lava-jatismo está saindo de uma UTI e arma-se para voltar a envenenar o ambiente político, não só contra Lula e o PT, mas contra a política de qualquer partido. Ao contrário do lulo-petismo, o que o espectro justiceiro almeja, como sempre, não é (ou ao menos não é prioritariamente) ganhar eleições, mas detonar soluções políticas.

 Por falar em detonação, trago um tópico. Ficou mais uma vez demonstrado, nos últimos dias, que João Santana, ex-marqueteiro da Dilma-malvadeza Rousseff de 2014, sente-se à vontade pondo sua perícia a serviço de Ciro Gomes, um proverbial incontinente. A incontinência, agora mais adestrada e manejada de modo melhor, como cálculo político, acaba de ser usada para queimar, contra a ex-cliente, pólvora da mesma marca da que ajudou ela mesma a dinamitar Marina Silva naquela eleição. Dilma reagiu com a obviedade que é sua marca costumeira mas a provocação fez também Lula entrar no samba de partido alto (má vontade elitista, dirão lulistas, chamar sua declaração de golpe baixo) interrompendo um ensaio de retorno do samba-canção “Lulinha paz e amor” de 2002.

Está visto que a política da guerra, na qual o moralismo é perito, é uma língua franca. Está longe de ser privilégio do lava-jatismo ou do bolsonarismo. Sempre houve e há cada vez mais gente de esquerda persuadida pela ideia-máxima de Carl Schmitt de que a relação amigo-inimigo resume o sentido da política, na contramão da racionalização constitucional liberal-democrática. A política da guerra, ideologicamente ecumênica, produz enredos folhetinescos, capazes de estimular o colunismo político, como mostram os numerosos comentários sobre o affaire Ciro x PT.  Dentre eles menciono duas interpretações díspares.

Lendo o colunista Bernardo de Melo Franco temos acesso à interpretação que agrada ao PT: a de que o movimento do "egocêntrico Ciro" (quem poderia lhe lançar a primeira pedra?) é mais uma das suas tentativas, até aqui inúteis, de ser simpático à direita para superar Bolsonaro e ir ao segundo turno contra Lula. Já lendo Vera Magalhães somos apresentados à interpretação oposta à do desejo do PT: a ofensiva da dupla Ciro/João Santana teria buscado, com êxito, tirar Lula da zona de conforto para com isso perseguir o objetivo de tomar o seu lugar no segundo turno contra Bolsonaro. Para o primeiro colunista foi só mais do mesmo. Para a segunda, algo que pode funcionar, no caso, como a lei do ex. Cada leitor pode fazer sua aposta, baseada em palpite ou em preferência.

Apostas e profecias à parte, faço um comentário transversal: assim como a possível candidatura lava-jatista de Sergio Moro pelo Podemos, a lavagem de roupa suja entre Ciro Gomes e o PT contribui para recolocar o tema da corrupção no centro da peleja eleitoral, como esteve em 2018. Melhor para o país seria deixar esse foco na penumbra, onde está de 2019 para cá, quando passamos a ter noção prática de problemas e perigos maiores. Mas as tentações são imensas e acometem mais gente, além do impetuoso e voluntarista Ciro Gomes. Demagogos cortejam o tema como galinha de ovos eleitorais de ouro e, na outra ponta da torcida, imprudentes arriscam-se em jogadas ousadas no Congresso. Dançar sobre o cadáver da Operação Lava-Jato nesse momento pré-eleitoral, como se faz no caso da PEC que modifica a composição do Conselho Nacional do Ministério Público, é cutucar com vara curta a bem viva propensão faxineira, que tem expressão eleitoral, apesar da desmoralização da república de Curitiba. Por mais plausíveis que sejam as mudanças pretendidas, o momento não parece oportuno. Como se sabe, apóstolos do extermínio da tradição política vendem gato por lebre e há quem compre por valor de face.

O espectro justiceiro que ronda a pauta eleitoral tem contado, pois, com a colaboração de quem pisa nos escombros distraído, ajudando a reacender as esperanças de quem celebra o arruinamento político de 2018 com simpatia e convicção. Alcoviteiros da fênix lava-jatista há, inclusive, em vários partidos do centro democrático, fora do centrão. Se essa infiltração prevalecer, o discurso de que a corrupção é a mãe de todos os males do Brasil terá cumprido sua missão desagregadora. A insensatez perderá toda medida se moradas possíveis de uma suposta terceira via se tornarem vulneráveis a esse apelo. Poderão até veicular outras pautas, mas a precedência do tema da corrupção tende a deixar os demais assuntos nacionais à sua sombra, sem aprofundamento algum e entregues aos clichês. Se destituídas de orientação programática compatível com a atual tragédia social, com a crise fiscal e gerencial do Estado e com a falta de perspectiva econômica, essas moradas serão, como na inesquecível canção nostálgica, barracos com portas sem trinco e tetos de zinco furados, onde são dependurados trapos partidários descoloridos. Palcos mal iluminados.

Vale fazer a pergunta óbvia: a quem interessa a volta da corrupção ao centro da agenda? Como resposta cabe até palpite quádruplo. Pode interessar a Ciro Gomes, a Sergio Moro, à esquerda de Lula ou a Jair Bolsonaro, sem exclusão prévia de qualquer dessas opções. Mas se a pergunta for oposta (a quem isso não interessa de modo algum?), será difícil negar que não interessa a quem quer que esteja investindo em costura política agregadora para fornecer ao eleitor, em 2022, um cardápio de candidaturas e propostas que lhe permita se comportar mais parecido com 2020 do que com 2018. Essas forças agregadoras precisarão reagir logo à mixórdia que se prepara e que fará do eleitor palhaço de perdidas ilusões. O silêncio e a inércia diante desse perigo iminente podem parecer a esse eleitor (que as espera sem enxergar), mais do que ao analista que as enxerga, um sinal de que essas forças políticas agregadoras simplesmente não existem. Convém agir, antes que o sinal vire fato.

*Cientista político e professor da UFBa

Fonte: Democracia e Novo Reformismo
https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/10/paulo-fabio-dantas-neto-volta-do-mantra.html


CPI da Covid deve pedir indiciamento de Bolsonaro e três filhos em relatório final

Parecer vai imputar uma série de crimes que teriam sido cometidos durante a pandemia pelo presidente, Flávio, Eduardo e Carlos

Julia Affonso / O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA – Depois de quase seis meses de investigação, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, no Senado, se prepara para seu desfecho na semana que vem ao propor o indiciamento de ao menos 40 pessoas, incluindo o presidente Jair Bolsonaro e seus três filhos políticos. A intenção dos senadores é mostrar que as condutas que levaram o País a registrar mais de 600 mil mortes pela doença não se limitaram a integrantes do governo, mas de toda uma rede próxima ao presidente.

O parecer final, que será assinado pelo relator, Renan Calheiros (MDB-AL), está sendo construído em conjunto com senadores do chamado "G7", grupo majoritário do colegiado, e deve imputar uma série de crimes cometidos durante a pandemia pelo senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e o vereador do Rio Carlos Bolsonaro (Republicanos). O emedebista passou a sexta-feira, 15, reunido com integrantes da CPI para amarrar o conteúdo do relatório. Eles ainda discutem como tipificar os crimes de cada um.

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A intenção é propor o indiciamento dos filhos do presidente por espalhar informações falsas sobre a pandemia e de buscar financiamentos para essas ações. O texto poderá acrescentar mais uma responsabilização para Flávio, de advocacia administrativa, por ter intermediado um encontro do empresário Francisco Maximiano, da Precisa Medicamentos, com o BNDES. A empresa foi responsável por um contrato bilionário do governo brasileiro com a farmacêutica indiana Bharat Biotech para compra de vacinas, que foi cancelado após suspeitas de corrupção.

Nos casos de Eduardo e Carlos, o relator deve propor o indiciamento por incitação a crimes sanitários. O artigo 286 do Código Penal estabelece como delito "incentivar, estimular, publicamente, que alguém cometa um crime" e prevê pena de detenção de 3 a 6 meses e multa. Na avaliação dos senadores, os dois filhos do presidente teriam atuado na propagação de fake news durante a pandemia, alimentando o negacionismo sobre a doença.

Já o presidente Jair Bolsonaro deve ser indiciado por ao menos 11 crimes cometidos na pandemia: epidemia com resultado morte; infração de medidas sanitárias; emprego irregular de verba pública; incitação ao crime; falsificação de documento particular; charlatanismo; prevaricação; genocídio de indígenas; crimes contra a humanidade; crimes de responsabilidade; e homicídio por omissão. Além do presidente, devem ser indiciados pela CPI ex-integrantes do Ministério da Saúde, como o ex-ministro Eduardo Pazuello, o ex-secretário executivo da pasta Elcio Franco e o ex-diretor da Logística Roberto Dias.

No caso de Pazuello, que chefiou a Saúde durante nove meses da pandemia, ele deve ser acusado de cometer sete crimes: epidemia com resultado em morte; incitação ao crime; emprego irregular de verbas públicas; prevaricação; comunicação falsa de crimes; genocídio indígena e crimes contra humanidade. Já Élcio Franco, seu braço-direito na pasta, pode ser indiciado por crime de epidemia, improbidade, prevaricação, entre outros.

Relatório paralelo. Suplente na CPI, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) se antecipou e divulgou ontem um relatório próprio sobre erros e omissões do governo no combate à pandemia. No parecer, o parlamentar sugeriu o indiciamento de 17 investigados, incluindo Bolsonaro, mas não seus filhos.

"Ser um babaca não é crime. Falar coisas estúpidas, em regra, também não. Mas fazer gestão pública baseada em coisas estúpidas é crime", disse. "As condutas referentes à desinformação serão melhor apuradas na CPMI das Fake News e no inquérito do STF. O foco da CPI deve ser a pandemia, especialmente as mortes evitáveis que a política criminosa de Bolsonaro causou", afirmou o senador.  O texto poderá ser incorporado ao parecer final, previsto para ser apresentado na terça-feira, 19, e votado no dia seguinte. 

O advogado Joaquim Nogueira Porto Moraes, especialista em Direito Processual Civil, afirmou ao Estadão que a CPI pode propor o indiciamento, mas cabe ao Ministério Público fazer uma acusação formal à Justiça.

A investigação da CPI será enviada à Procuradoria-Geral da República e ao Ministério Público Federal, que poderão denunciar investigados, caso os crimes indicados no relatório já estejam configurados, ampliar a apuração se for necessário ou arquivar os casos. "A CPI tem poder para investigar, requerer informação, convocar as pessoas para prestar esclarecimentos, mas ela não tem poder de punir ou propor alguma demanda contra alguém", afirmou.

Mudanças legislativas.  Além dos indiciamentos, o relatório final da CPI da Covid deve sugerir a criação de uma pensão de um salário mínimo para órfãos de vítimas do novo coronavírus. A mesma proposta já havia sido apresentada pelo governo em agosto, como revelou o Estadão, mas ainda não avançou no Congresso.

O senador Rogério Carvalho (PT-SE) também sugeriu outros três projetos para atender vítimas da doença, que devem ser incorporados no relatório final. Um deles seria o pagamento de um salário mínimo a pessoas com sequelas por causa da covid. "Enquanto permanecer a sequela e a incapacidade, que as pessoas possam receber da Previdência. Se for permanente, vai ter que ter cuidados permanentes pela Previdência ou por um programa do governo específico", disse o senador ao Estadão.

Defesa. Após a notícia de que deve ter seu indiciamento pedido pela CPI, Flávio afirmou que o "relatório do senador Renan Calheiros é uma alucinação e não se sustenta". "Trata-se apenas de uma peça política para agradar ao PT e para tentar desgastar o presidente Jair Bolsonaro nas eleições de 2022", disse. O parlamentar afirmou ainda que as acusações contra ele e o governo "não têm base jurídica e sequer fazem sentido". 

O advogado Antonio Carlos Fonseca, que defende Carlos Bolsonaro, afirmou que "a sugestão do relator é totalmente sem fundamento nos fatos apurados na CPI e nas inúmeras narrativas criadas, que não se sustentaram com o tempo". "O vereador Carlos Bolsonaro não tem qualquer relação com as medidas adotadas no enfrentamento da pandemia pelo governo federal, a inclusão do seu nome em qualquer parte do relatório da CPI é mais uma tentativa de atacar a imagem da família do presidente", disse.

Também procurados, os demais citados como possíveis indiciados não se manifestaram até a conclusão desta edição.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,alem-do-presidente-cpi-da-covid-deve-pedir-indiciamento-de-filhos-de-bolsonaro-em-relatorio-final,70003869507


Reinaldo Azevedo: 'Cassadores' de democracia se assanham

André Mendonça, nova Lei da Improbidade e PEC sobre CNMP mostram que há gente que não aprende nada

Reinaldo Azevedo / Folha de S. Paulo

Excitemos a fúria dos algozes. Três questões que têm inflamado parte do colunismo e da imprensa me dão a certeza de que é preciso adaptar à cor local frase famosa de Talleyrand sobre os Bourbons, quando voltaram ao poder na França, durante a chamada “Restauração”.

Refiro-me, no nosso caso, à resistência de Davi Alcolumbre em marcar a sabatina de André Mendonça, às mudanças feitas na antes destrambelhada Lei da Improbidade Administrativa e à PEC que muda a composição do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).

“Não aprenderam nada; não esqueceram nada”, disse Talleyrand. Vale dizer: todos os graves eventos vividos pela Europa, em particular a França, em 25 anos não haviam ensinado nada aos bacanas que voltavam ao poder. E continuavam a hostilizar os suspeitos de sempre.

Por aqui, sobre certos nichos da imprensa, pode-se dizer algo ainda pior: não aprenderam nada e esqueceram tudo. A terra devastada sobre a qual perambulamos, herança maldita de um trabalho contínuo de destruição dos espaços institucionais de resolução de conflitos — aquela tal “política” —, ainda parece pouco.

Vejo, por exemplo, alguns obstinados do colunismo a fazer um verdadeiro trabalho de assessoria de imprensa para Sergio Moro. Eis que a figura de Dom Sebastião ressurge das brumas. Não desapareceu em batalha heroica. Deixou a toga para servir a Jair Bolsonaro, com quem se desentendeu, e foi ganhar a vida nos EUA, de onde ameaça voltar para educar os nativos. Sim, o lava-jatismo tenta se reerguer. E aí vale tudo.

Vale, inclusive, ignorar a biografia de André Mendonça porque, afinal, o “terrivelmente evangélico” fez, vamos dizer, um acerto de agenda com a valorosa República de Curitiba. As contínuas agressões do então ministro da Justiça à liberdade de expressão, buscando criminalizá-la, e a frequência com que tratou crimes como liberdade de expressão se anulam diante do compromisso com o “combate à corrupção”, que se tornou, no Brasil, a prostituta do Estado de Direito — com a devida vênia às prostitutas.

No dia 7 de julho, Bolsonaro chegou a dizer que tem uma espécie de testemunho gravado de Mendonça, em reunião com a cúpula do governo, em que, segundo se entende, o candidato ao Supremo fez juras de fidelidade não ao dever de Justiça, mas ao poder de turno. E daí? Mendonça foi adotado pelo “Milenarismo Lava-jatista”, e seus atos de lesa democracia estão perdoados. E, claro!, o suspeito passou a ser Davi Alcolumbre, que resiste a marcar a data da sabatina, dentro do que lhe garante, note-se, o ordenamento legal.

A tardia — e correta — mudança na Lei da Improbidade é tratada, por esses mesmos nichos, como leniência com a corrupção porque, ora vejam!, passa a exigir que se evidencie o dolo para que um agente público seja considerado, então, ímprobo. Santo Deus! Recorram ao Houaiss. Voltem, se preciso, ao latim. O sinônimo de ímprobo é “desonesto”. É razoável que o erro meramente culposo não se distinga do ato doloso?

Aí clamam vozes das trevas, que nos deram Bolsonaro como herança: “Ah, se tiver de provar o dolo, não se pune ninguém”. É como dizer: “Já que não conseguimos atingir os nossos alvos com ações penais, vamos apelar às cíveis, em que é possível condenar sem provas”. O novo texto também estabelece um prazo para as ações. É o certo. Algumas se arrastam por 20 anos. Não é mais senso de justiça, mas apego a reféns. Leis sancionadas por presidentes acuados resultam em desastres: a da improbidade traz a assinatura de Collor; a da delação (organizações criminosas), a de Dilma.

E chegamos à PEC que muda a composição do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). É mentira que a proposta, desde a origem — e já passou por alterações —, afete a independência do MP, à diferença do que dizem os sindicalistas do setor. Tal juízo de valor, no entanto, compõe hoje o lead de reportagens que deveriam ser apenas informativas. Sem direito nem a outro lado.

Os caçadores de corruptos, convertidos em “cassadores” de democracia e direitos fundamentais, não aprendem nada. E esquecem tudo. Que comecem os xingamentos!

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/reinaldoazevedo/2021/10/os-cassadores-de-democracia-estao-de-novo-assanhados.shtml


Alberto Aggio: Resistência da sociedade é visível e vai continuar

Aggio fala do “mar da História” como instância aberta, como possível “reconstrução do passado” e discute o atual cenário político

Vanessa Maranha / Folha de Franca

A política é motor do funcionamento e palco dos reveses nas sociedades. O Brasil e o mundo têm vivenciado, sobretudo na última década, pela facilitação da comunicação em rede via Internet, o acirramento ideológico, a polarização das posições partidárias e também subjetivas por uma já evidenciada manipulação da percepção da realidade que as mídias possibilitam. Folha de Franca convidou o historiador Alberto Aggio, docente e autor de artigos e livros de relevância com foco na História Política da América Latina, um nome mais do que avalizado para pensar o Brasil e o mundo de hoje na esfera política em perspectiva temporal e factual. 

Formado em História pela USP, onde também fez mestrado e doutorado, é professor de História na Unesp/Franca desde 1987, na qual tornou-se Livre-docente e Titular. Atualmente, colabora como professor de pós-graduação no PROLAM da USP. Foi articulista do jornal O Estado de São Paulo. É colaborador da revista eletrônica Estado da Arte e criador e editor do Blog-Revista Horizontes Democráticos (www.horizontesdemocraticos.com.br).

Nesta conversa, a partir de seu arcabouço teórico e numa articulação lógica e ao mesmo tempo reflexiva, Aggio fala do “mar da História” como instância aberta, como possível “reconstrução do passado” e discute o atual cenário político. Ao longo de todo o texto há indicações de links para aprofundamento nos temas mencionados, discutindo a renovação na crença da democracia e defesa da mesma, retrocessos e sectarismos na atualidade, bem como as perspectivas para 2022, sem poupar críticas ao governo atual.

K. Marx e A. Gramsci

Folha de Franca – De que forma e por que se deu a sua escolha em estudar essa área? Quais são os pensadores que balizam o seu percurso?

Alberto Aggio – Desde minha mudança para São Paulo, em 1970, me interessei pela área de Humanas. Na escola média, o teatro e a escrita me interessaram muito. Com amigos fizemos ambas as coisas, mesmo depois de terminar a escola. A escrita ensaística de opinião foi o que mais me prendeu. Tornar-me professor foi uma questão profissional, de sobrevivência. Na minha formação e como professor universitário os autores que mais me influenciaram foram K. Marx, A. Gramsci, A. Tocqueville, E. Hobsbawm, G. Vacca, Luiz Werneck Vianna, dentre outros.

FF – Seus posicionamentos políticos se modificaram conforme seu percurso teórico e o próprio fluxo dos acontecimentos mundiais/nacionais? Em suma: como você se posicionava politicamente no início de sua carreira …

 AA – Não noto grandes mudanças, não. Reconheço-me desde sempre como um partidário da democracia e da mudança social, por mais igualdade, mais progresso e desenvolvimento. Lutei contra a ditadura, na periferia de São Paulo, ajudando a organizar a população e estimulando a cultura e as artes; na universidade, defendia uma luta intransigente pela democracia, mas sempre com realismo. Fui crítico à esquerda que aderiu a luta armada. Revendo essa trajetória, creio que há mais continuidade do que mudanças súbitas e profundas. É claro que a vida profissional e a dedicação aos estudos, à teoria, geraram mais solidez e ampliaram meus conhecimentos. Politicamente, sempre me mantive na defesa, consolidação e aprofundamento da democracia.

FF -A mídia de países como EUA e Inglaterra declara abertamente sua posição político-partidária. Como você avalia isso sob a ótica brasileira?

AA – São histórias políticas diferentes, culturas políticas distintas. Nesses países o embate entre correntes político-ideológicas foi mais incisivo e direto. Havia jornais que cumpriam a função de partidos, que formaram o seu público por longos anos. No Brasil não foi assim. Manter um jornal em circulação custa muito e somente empresas de comunicação podem suportar esses custos e nem sempre conseguem. Mesmo assim, o jornalismo de opinião faz parte da nossa grande imprensa, mas é uma parte pequena dela. Com a internet tudo se alterou radicalmente. Com ela é possível uma comunicação mais abertamente partidária. Mas também há uma dispersão maior.

FF – Como e por que, na sua avaliação, em nível de mundo e de Brasil chegamos a tal polarização política?

Manifestantes de extrema-direita em cidade européia

AA – Creio que há fatores mundiais e domésticos que se combinam. O fim do comunismo abalou muito as convicções e, por outro lado, aqueles que acreditaram que a História havia chegado ao fim perceberam que sua crença se despedaçava com as crises que se sucederam desde o início do século XXI. A pós-verdade se instalou e junto com ela o relativismo integral. Da crítica ao padrão civilizatório ocidental se evoluiu para a destruição dele, para a defesa de um passado imaginário, de rejeição à globalização, aos direitos humanos etc. Isso gerou um retrocesso cultural e humano imenso. Não há como não resistir a tudo isso. Mas é uma resistência difusa e, muitas vezes, confusa. Às vezes, atua de maneira tão sectária que faz o jogo desses novos “destruidores”, como é o caso dos chamados “identitarismos” de raça, de gênero, etc. Do meu ponto de vista, há um polo de destruição em ação (equivocadamente chamado de populismo) e a principal vítima é a democracia. Os “novos bárbaros” querem o fim dela ou sua mitigação e advogam por uma “democracia iliberal”. Ora, o essencial da democracia não ela ser liberal, é ela ser pluralista e representativa, sustentada por valores e regras consensuais. Como renovar nossa crença na democracia e saber defendê-la me parece que se tornou o nosso maior desafio.

FF – Como você avalia a evolução-involução da política brasileira sob uma perspectiva histórica e cultural?

AA – A política brasileira sentiu o impacto dessas mudanças globais e emergiu entre nós, com muita força, a antipolítica, em suas diversas faces. O PT foi um ator da antipolítica, instalou no país a lógica do “nós contra eles”, foi hegemonista e majoritarista. Essa prática feriu de morte a democracia que estava sendo construída à base de consensos, como foi o conquistado pela Constituição de 1988. E então veio o bumerangue: a reação da ultradireita. Creio que a ruptura da frente democrática na primeira eleição pós-ditadura abriu espaço para essa involução. O país enfrentou vários desafios de lá para cá, venceu alguns, mas estruturalmente permaneceu muito desigual socialmente. E, fundamentalmente, a democracia da Carta de 1988 não está consolidada como cultura política na sociedade. Vide esse movimento da extrema-direita que conseguiu galvanizar massas e ganhar a presidência da República. Com Bolsonaro o grau de destruição e de ameaça à democracia tornou-se dramático. Não haverá possibilidade de retomar o “fio da meada”, como escreveu Luiz Werneck Vianna, sem que se ultrapasse o equívoco que a sociedade cometeu em 2018.

FF – De que forma, a seu ver, pode ser definido o atual cenário político brasileiro? Estamos às voltas com um autocrata que sonha uma teocracia?

Bolsonaro em uma das suas motociatas

AA – Somos governados por um personagem que se coloca fora do campo das forças políticas democráticas, mesmo as de direita. Bolsonaro é um parasita das estruturas do Estado Democrático de Direito, é um homem de facção, vive para seus apoiadores mais diretos, não se configura como o líder de uma Nação, não é um estadista. No início do seu governo, eu cheguei a imaginar que iríamos por esse caminho, de uma teocracia. Escrevi até um artigo em que comparava Bolsonaro com Girolamo Savonarola, um pregador ultracatólico que queria moralizar a Florença da época dos Medici (https://horizontesdemocraticos.com.br/do-fantasma-pinochet-ao-risco-savonarola/) . Chegou ao poder, mas durou pouco; mandou muita gente para a fogueira, mas depois foi lá que ele foi parar. Mas a vinculação de Bolsonaro com as igrejas me parece pragmática, instrumental e utilitária. E hoje, felizmente, ele não galvaniza mais o apoio de antes.

FF – Quais são seus prognósticos para 2022?

AA – Ao que tudo indica caminhamos para um regresso ao passado se a disputa eleitoral se concentrar entre Bolsonaro e Lula. Bolsonaro é em si mesmo o passado, o atraso; enquanto Lula expressa um retorno ilusório a um período que não volta mais (https://horizontesdemocraticos.com.br/quando-o-regresso-se-impoe/) . De qualquer forma, entendo que, para o bem do país, Bolsonaro tem que ser derrotado nas urnas. Penso que a eleição tem que assumir um caráter plebiscitário: deve ser um “não” a Bolsonaro (https://horizontesdemocraticos.com.br/uma-eleicao-plebiscitaria/) . Em segundo lugar, a sociedade deve refletir sobre como quer encontrar o tal “fio da meada”: salvar a democracia, retomar a luta pela equidade, pela sustentabilidade, retomar o crescimento e recuperar a nossa inserção internacional. E isso sem ilusões e sem demagogia, com olhos voltados para a retomada da economia global no pós-pandemia. O processo está em curso e não sabemos se os atores políticos e a própria sociedade estarão conscientes desse quadro e à altura dos seus desafios.

FF – Em artigo que você publicou recentemente sobre Antonio Gramsci, você o coloca como valor representação, numa basilar simbólica das esquerdas. Falo no plural porque, no seu texto você sugere uma pluralidade de esquerdas de vários matizes, inclusive aquela que deturpou o pensamento gramsciano. Por favor, resuma ao nosso público leitor a ideia central dessa discussão.

Imagem da capa da edição brasileira dos Cadernos do Cárcere

AA – Antonio Gramsci foi sempre um autor de referência, um clássico. Ele foi publicado no Brasil em diversas edições desde a década de 1960. É um autor póstumo. Morreu em função da prisão imposta por Mussolini. Sua recepção no Brasil tem uma história político-cultural que precisa ser conhecida e é isso que tentei fazer nesse artigo que você mencionou (https://horizontesdemocraticos.com.br/o-gramsci-que-conhecemos-e-o-que-ele-inspirou/) . Ele influenciou a esquerda brasileira, especialmente no período de luta contra a ditadura. Ajudou a pensar que tipo de formação social era a nossa e como a democracia aqui é difícil, mas imprescindível. Há diversas correntes interpretativas sobre seus escritos. Algumas o tem como um revolucionário comunista, movimento ao qual, de fato, ele esteve vinculado. Outros, já o veem como um pensador que escapa ao comunismo e se vincula aos desafios da contemporaneidade, na qual a democracia é uma forma política que nos auxilia a vencer os traços oligárquicos e excludentes que ainda existem na sociedade atual.

FF – Quando você menciona, ainda nesse texto, uma “revolução passiva à brasileira” a que exatamente se refere?

AA – A expressão é de Luiz Werneck Vianna. Para esse autor, o Brasil nunca teve uma revolução, no sentido convencional do termo. O Brasil é um exemplo paradigmático da “revolução passiva”, um conceito presente nos seus Cadernos do Cárcere de Antonio Gramsci. Nele está a ideia de que a História moderna muda por meio de processos nos quais a conservação controla os ímpetos maiores de transformação da sociedade. E isso assume diversas formas e dinâmicas, conforme a época. Há momentos de negatividade, de autoritarismo; e momentos de positividade, de reformismo e mudança. A “revolução passiva à brasileira” alude ao longo processo que vai da nossa Independência até os dias atuais, embora tenhamos que fazer um reparo: com Bolsonaro nem mesmo esse processo não-revolucionário de andamento da História existe; o que existe é simplesmente destruição e regressão.

FF – O que você diz da trajetória histórica do PT (Partido dos Trabalhadores)? O que você tem a dizer acerca do antipetismo?

AA – O PT é parte da história da redemocratização do Brasil. Ele se forma pela combinação de militantes da luta sindical no ABC paulista, das CEB da Igreja católica mais os egressos da luta armada dos anos 60 e 70. Tudo isso se junta aos novos seres sociais que emergem com a modernização conservadora impulsionada pelo regime militar, o famoso “milagre econômico”. Forjou-se então um grande partido de massas, com uma grande liderança que é o Lula. O problema esteve nas suas convicções democráticas e no reconhecimento de que a política, em especial a política democrática, é diferente da luta sindical, da prática religiosa ou da militância radical dos guerrilheiros. E mais: a compreensão do Brasil necessitava mais do que a vontade de transforma-lo. E então veio a vitória de 2002 e o desafio de governar o país. A política cobrou seu preço. A saída foi desastrosa: Mensalão, Petrolão, etc…; o PT apostou na compra dos outros atores políticos para ter sustentação. Fez uma opção antidemocrática e antirrepublicana. Acabou desmoralizando a esquerda. O impeachment de Dilma é um desdobramento disso. Aí emergiu o monstro que já existia entre nós. Das manifestações de 2013 ao impeachment a ultradireita ganhou espaço e se firmou por meio do antipetismo que se desdobrou em antiesquerda, em antidemocracia. E aí estamos.

Bolsonaro e Trump, duas expressões da extrema-direita

FF – As eleições de Trump nos EUA e de Bolsonaro no Brasil trouxeram a marca da manipulação algorítmica que as redes sociais propiciam. O documentário Privacidade Hackeada (Netflix) denuncia como a extrema direita de lá e de cá, assessorada por Steve Bannon, polarizou a opinião pública a partir de perfilamento psicológico dos usuários das redes e compartilhamento desses dados para manipulação das mentalidades. Podemos falar, nesse sentido, em estelionato eleitoral? O que você tem a dizer sobre isso?

AA – Tudo isso é verdade. Há uma clara influência dessas iniciativas manipuladoras no processo eleitoral de 2018, mimetizando o que ocorreu nos EUA. Mas não vejo aí um “estelionato eleitoral”. Creio que a situação brasileira guarda especificidades. Além de se sustentar no antipetismo, Bolsonaro manifestou uma série de ambiguidades: foi mais corporativo do que um liberal-reformista, como pregava no seu discurso eleitoral. Creio que aqueles que se dizem liberais podem dizer que foram enganados. Da mesma forma, aqueles que votaram em Bolsonaro para continuar a luta contra a corrupção. A ruptura com Sergio Moro e as denúncias de corrupção dos Bolsonaros e mais o que tem revelado a CPI da Covid mostram que o descrédito do presidente tem razão de ser.  

FF – O movimento da História é mesmo pendular? A cadela do fascismo está sempre no cio, como vaticinou Bertolt Brecht?

AA – O fascismo é sempre um perigo e temos que estar atentos. No momento em que os democratas não conseguem sustentar a democracia, o fascismo pode emergir e vencer. A História é aberta em todos os sentidos. Não é repetível, nem como tragédia nem como farsa. Essa foi uma imagem usada por Marx para ilustrar uma situação específica. A História também não é “um carro alegre com um povo contente que atropela indiferente todo aquele que a negue”, como cantou Chico Buarque referindo-se à Cuba revolucionária. A História é simplesmente desafiadora. Em termos acadêmicos e sociais penso que a História não pode ser vista como reprodução do passado. Ela é uma reconstrução do passado e tem seus métodos reconhecidos.

Manifestantes protestam contra Bolsonaro

FF – O que você diria sobre a mentalidade do brasileiro dentro da perspectiva da História das Mentalidades, no que tange à política?

AA – É difícil dizer que o brasileiro tem uma única mentalidade. O brasileiro é multifacetado. Reconhecemos que padece de algumas dificuldades do ponto de vista de valores coletivos. É a expressão de uma História difícil, com traços singulares de adaptação e atualização à dinâmica do mundo.

FF- Como você avalia as últimas manifestações como a de 02 de outubro?

AA – Acho que as manifestações de 02 de outubro ficaram aquém do esperado. Mas elas se generalizaram pelo país e houve participação. As oposições estão muito divididas, com projetos eleitorais particulares que dificultam uma mobilização unificada. A pandemia e o governo Bolsonaro machucaram muito a população. Mas a resistência da sociedade é visível e vai continuar. Acho que a dinâmica eleitoral vai se impondo com os diversos candidatos e a ideia de uma mobilização única contra Bolsonaro vai se diluindo. Fica claro que o impeachment não virá. O que não significa que a oposição a Bolsonaro irá arrefecer.

Fonte: Folha de Franca e Blog Horizontes Democráticos
https://folhadefranca.com.br/secoes/colunas/alberto-aggio-a-resistencia-da-sociedade-e-visivel-e-vai-continuar/

https://horizontesdemocraticos.com.br/a-resistencia-da-sociedade-e-visivel-e-vai-continuar/


William Waack: Falta um sonho para o posto de candidato da terceira via

O problema da terceira via não é a quantidade de eleitores, mas o que dizer a eles

William Waack / O Estado de S. Paulo

Não se sabe se a questão está suficientemente clara para os postulantes ao posto de candidato da terceira via, mas o problema é muito mais de conteúdo do que de espaço eleitoral. As pesquisas indicam claramente a existência de um grande “buraco” entre os blocos consolidados a favor, respectivamente, de Bolsonaro e de Lula. Contudo, esses números enganam.

Na conta simples o “centro” abarca no mínimo um terço do eleitorado. Bastaria então ampliar esse “meio entre os extremos” para tirar Bolsonaro do segundo turno e formar uma “união nacional” para derrotar o hoje favorito Lula. Que o “centro” esteja fortemente dividido entre vários postulantes é normal neste momento da corrida eleitoral. A popularidade ou rejeição de cada um deles parece oscilar em função do “recall” de eleições recentes ou do fato de alguns serem relativamente desconhecidos.

Mas bastante preocupante do ponto de vista de um país preso no momento à escolha entre Bolsonaro e Lula é o fato de as pesquisas qualitativas estarem detectando um inusitado grau de resignação, desinteresse e desilusão (reforçada pela atual polarização) em boa fatia de eleitores de “centro”. A mensagem “nem nem” até aqui não está chegando, o que ajuda a entender o nível de conforto manifestado por articuladores das campanhas de Bolsonaro e de Lula.

A desilusão com os “rumos” do País é marcante nesses levantamentos. Porém, até aqui os postulantes à candidatura de terceira via demonstram incapacidade de formular uma postura política mais próxima ao “sonho” de futuro do que à negação dos pesadelos lulista e bolsonarista. Os especialistas já dizem aos marqueteiros que o “sonho” será essencial para uma candidatura competitiva frente a Bolsonaro e a Lula que, goste-se ou não deles, sabem falar para os respectivos públicos (ou até mais).

Nessas conversas tem sido feito uso recorrente de dois exemplos de campanhas presidenciais brasileiras pós-redemocratização, um bem-sucedido e outro que bateu na trave: Fernando Collor (1989) e Marina Silva (2014). Ambos saíram de patamares baixos e se tornaram competitivos dentro da postulação genérica do “não sou como eles” – uma noção até bastante emotiva do “novo” e “promissor” contra o velho e estabelecido. Em certa medida, Bolsonaro de 2018 também cabia nessa categoria, mas as circunstâncias dessa última eleição são consideradas excepcionais e não há perspectivas de que se repitam no ano que vem.

A desilusão de boa parte do eleitorado é consequência direta de um sistema político e de governo que garantiu a desproporção no voto proporcional e a crise de representatividade – o mesmo conjunto de distorções que, mantidas como estão, impedirá de governar efetivamente qualquer vencedor em 2022. Lula, aliás, já promete reverter a “tomada do poder” pelo Legislativo feita através das emendas do relator, que Bolsonaro entregou bisonhamente ao Centrão.

A natureza da crise brasileira é política, se arrasta há muitas décadas e está desaguando num país capaz de nem sequer corrigir – quanto mais eliminar – as sequelas de sempre: miséria, injustiça social e desigualdade. Não há dúvidas de que a tão falada agenda de produtividade, que implica urgentes e gigantescos investimentos em educação, saúde e qualificação, é a chave para romper a armadilha da renda média na qual o Brasil vegeta há tantas décadas.

Por sua vez, a “chave” da conquista dessa “chave” está no terreno da política, da capacidade de aglutinação através de efetiva formulação do “sonho”. Não é algo que marqueteiros consigam criar: eles são encarregados de executar, com as ferramentas de campanha política, a “visão” que um candidato seja capaz de elaborar. Até aqui o uso mais ou menos eficaz dos lemas “sou o melhor anti-bolsonaro ou anti-lula que existe” não está funcionando. Nem levará à agenda da produtividade sem uma ampla reforma política.

Olhando para o calendário eleitoral formal, que só começa no ano que vem, talvez tudo isso pareça cedo demais para os planos dos candidatos à terceira via. Mas é bom lembrar que não há plano que resista ao primeiro contato com a realidade, e os fatos da política indicam que a terceira via capaz de derrotar Bolsonaro e Lula precisa do “sonho” já.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,falta-um-sonho,70003867571


Caminho de Bolsonaro ao segundo turno é “estreito e vulnerável”, diz revista da FAP

Em editorial, publicação da fundação diz CPI da covid se tornou evento mais importantes desde 2019

Cleomar Almeida, da equipe FAP

O caminho do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para um possível segundo turno é estreito e vulnerável, segundo o editorial da revista mensal Política Democrática online de outubro (36ª edição). “A derrocada econômica, os estertores da pandemia, assim como o rescaldo da CPI, conspiram contra ele”, diz o texto da publicação, produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília.

Todo o conteúdo da revista pode ser acessado, gratuitamente, na versão flip, no portal da entidade. Segundo a publicação, apesar da derrocada do presidente, o presidente ainda tem duas oportunidades abertas para o sucesso de seu projeto.

Clique aqui e veja a revista Política Democrática online de outubro

“Primeiro, a coesão dos apoiadores convictos, aqueles imunes a qualquer evidência empírica, motivados pelo medo de conspirações diversas e inimigos tão perigosos quanto imaginários. Segundo, a divisão das oposições, a rejeição recíproca que anima parte de seus integrantes e mantém viva a bandeira da antipolítica, de papel importante para o sucesso eleitoral de 2018”, diz o texto.

De acordo com o editorial da revista Política Democrática online, do ponto de vista da defesa da democracia, urge estreitar os caminhos eleitorais do governo. “Trabalhar para trazer à luz as consequências nefastas das decisões governamentais implementadas nos três últimos anos. Saber travar, de forma simultânea e separada, a luta unitária em defesa das instituições e a disputa eleitoral legítima e respeitosa em torno de divergências programáticas”, afirma.

A revista lembra que os trabalhos da comissão parlamentar de inquérito (CPI), instalada no Senado Federal para apurar responsabilidades por eventuais omissões e irregularidades havidas no enfrentamento da pandemia, aproximam-se do fim.

“Restou claro, do esforço de investigação, a opção consciente do governo pela estratégia da negação, em prol da manutenção, ilusória, da atividade econômica”, destaca, para continuar: “O acesso à vacina foi postergado, enquanto tratamentos desmentidos pela pesquisa foram promovidos. O resultado foi desastroso, mas além das vidas perdidas e da pauperização dos brasileiros, houve lucros para alguns nesse desastre”.

Do ponto de vista político, segundo o editorial, a CPI tornou-se "o evento mais relevante de 2019 para cá”. “Pode ser comparada a um enorme lança-foguetes, que bombardeou o governo ininterruptamente desde sua instalação. Muitas das bombas, de explosão imediata, contribuíram para a inflexão negativa da curva de popularidade governamental. Outras, de efeito retardado, ainda estão por explodir, talvez com danos até maiores que aqueles verificados até agora na imagem do Presidente e de seus auxiliares mais próximos”, diz.

Veja lista de autores da revista Política Democrática online de outubro

A íntegra do editorial da revista Política Democrática online de outubro pode ser conferida na versão flip da revista, disponível no portal da FAP, gratuitamente. A edição deste mês também tem entrevista exclusiva com o delegado da Polícia Federal Alexandre Saraiva, ex-superintendente do órgão no Amazonas e reportagem sobre os riscos de a covid-19 se tornar uma endemia, além de artigos sobre política, economia, meio ambiente e cultura.

Compõem o conselho editorial da revista o diretor-geral da FAP, sociólogo e consultor do Senado, Caetano Araújo, o jornalista e escritor Francisco Almeida e o tradutor e ensaísta Luiz Sérgio Henriques. A Política Democrática online é dirigida pelo embaixador aposentado André Amado.

“Tem traficante de drogas indo para a madeira”, diz delegado da PF Alexandre Saraiva

Veja todas as edições da revista Política Democrática online! 


“Tem traficante de drogas indo para a madeira”, diz Alexandre Saraiva

Em entrevista exclusiva à Política Democrática online de outubro, ele explica esquema de grilagem

Cleomar Almeida, da equipe FAP

A extração ilegal de madeira é um dos motores da destruição ambiental na Amazônia, segundo o delegado da Polícia Federal Alexandre Saraiva, ex-superintendente do órgão na região. "Tem traficante de drogas saindo do tráfico e indo para a madeira, tanto mais porque a pena do tráfico de drogas é de cinco a 15 anos, regime fechado", diz ele, em entrevista exclusiva à revista Política Democrática online de outubro (36ª edição).

A revista é produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e que disponibiliza todo o conteúdo para o público, por meio da versão flip, gratuitamente.

Clique aqui e veja a revista Política Democrática online de outubro

Saraiva foi exonerado do cargo de superintendente em abril passado, após enviar ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma notícia-crime contra o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, por obstrução de investigação, advocacia administrativa e organização criminosa.

Um dos pioneiros das delegacias de crimes ambientais no país, o delegado da Polícia Federal comenta os problemas enfrentados na região amazônica nas ações de combate ao garimpo ilegal, grilagem, extração ilegal de madeira e desmatamento. Além disso, aborda soluções que poderiam inibir a ação de quem comete tais crimes.

Com base em dezenas de investigações, o delegado explica como funciona o modo de operação de madeireiro que atua ilegalmente. “Primeiro, o cara chega, detona a madeira. A madeira paga o desmatamento que vai deixar a terra nua a ser grilada, mas a madeira dá muito dinheiro”, afirma.

“Por que a madeira está dando muito dinheiro?”, questiona, para responder: “Porque o mercado internacional era dominado pelos países do sudeste asiático. Diversos artigos de pesquisadores japoneses atestaram foi a madeira o motor econômico para a destruição das florestas no sudeste asiático, depois vieram a agricultura e o gado. Pode ter vindo até um shopping center, não importa, o motor econômico foi a madeira”.

No Brasil, de acordo com o delegado, há ainda uma particularidade com a grilagem. “O sujeito grila, tem um esquema no Incra ou no órgão estadual, mas não vai plantar ali. Vai usar a terra que ele documentou de forma fraudulenta como garantia em um banco público dizendo que ele vai plantar soja, plantar gado, plantar não sei mais o quê. Passado um tempo, ele não plantou nada”, observa.

De acordo com Saraiva, através da metodologia de isótopos estáveis, base da tecnologia de rastreabilidade, seria possível diferenciar a madeira proveniente de cada região do país, por exemplo.

O delegado também diz, na entrevista à Política Democrática online de outubro, que os supostos crimes de Ricardo Salles ocorreram após a Operação Handroanthus, da Polícia Federal, apreender 213 mil metros cúbicos de madeira ilegal na divisa entre Amazonas e Pará, no fim do ano passado, no valor de R$ 130 milhões. Foi a maior apreensão de madeira ilegal da história do país.

Veja lista de autores da revista Política Democrática online de outubro

A íntegra da entrevista com o delegado pode ser conferida na versão flip da revista, disponível no portal da FAP, gratuitamente. A edição deste mês também mostra os riscos de a covid-19 se tornar uma endemia, além de artigos sobre política, economia, meio ambiente e cultura.

Compõem o conselho editorial da revista o diretor-geral da FAP, sociólogo e consultor do Senado, Caetano Araújo, o jornalista e escritor Francisco Almeida e o tradutor e ensaísta Luiz Sérgio Henriques. A Política Democrática online é dirigida pelo embaixador aposentado André Amado.

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