Bolsonaro

Bernardo Mello Franco: Bolsonaro está com medo

Jair Bolsonaro está com medo. O capitão sabe que a CPI da Covid pode se tornar uma ameaça ao seu mandato. Por isso, descontrolou-se quando o Supremo mandou o Senado instalar a comissão.

Na sexta-feira, o presidente vociferou contra o ministro Luís Roberto Barroso. Acusou-o de fazer “politicalha”, “militância” e “jogada casada” com a oposição. Faltou dizer que o juiz se limitou a aplicar a lei.

Barroso anotou que a comissão parlamentar de inquérito é um direito da minoria. O Supremo reconheceu isso quando contrariou o governo Lula e determinou a abertura das CPIs dos Bingos e do Apagão Aéreo.

No sábado, Bolsonaro passou do protesto à conspiração. Em conversa com o senador Jorge Kajuru, sugeriu retaliar a Corte com uma ofensiva para destituir ministros. “Tem que fazer do limão uma limonada”, justificou.

No mesmo telefonema, ele disse que desejava “sair na porrada” com o senador Randolfe Rodrigues. Um presidente que ameaça bater no líder da oposição parece avacalhação demais até para o Brasil de 2021.

No desespero, o governo ainda tentou desviar o foco da investigação para mirar em governadores e prefeitos. A ideia esbarrou num detalhe: o Senado não pode invadir o terreno de Assembleias e Câmaras. A comissão se limitará a apurar o destino de repasses federais a estados e municípios.

Bolsonaro sabe o que fez e deixou de fazer para que o Brasil se transformasse no epicentro da pandemia. Agora a CPI poderá identificar suas digitais na falta de vacinas, na sabotagem às medidas sanitárias e na morte de pacientes por falta de oxigênio.

No melhor cenário para o capitão, a investigação ampliará seu desgaste às vésperas da campanha. No pior, ajudará a responsabilizá-lo criminalmente pelo morticínio.

Ontem o senador Fernando Collor escancarou os riscos que o presidente passou a correr. “Temos que ter consciência do momento em que vivemos”, discursou. “Falo isso como alguém que já passou e viveu episódios dramáticos da vida nacional.”

No caso dele, a CPI deu em impeachment.


Rosângela Bittar: O processo da pandemia

O culpado por esta crise política e institucional tem nome e sobrenome: Rodrigo Pacheco

O essencial é que a pandemia seja investigada. Que os erros de gestão sejam expostos, por mais que diluídos nas tentativas de tumultuar o ambiente. Impossível escapar de acusações. As feitas ao presidente Jair Bolsonaro, no fundo, se resumem a apenas uma: a negação. O presidente contestou a existência da covid-19 e as mais elementares formas de combatê-la, como o isolamento e as vacinas. Quando não foi omisso, foi equivocado.

Já o presidente do Senado, que teve à mão uma forma eficaz de intervir e mudar os rumos da catástrofe, imaginou que poderia aplicar um sofisma parlamentar. Como dependia da sua assinatura a instalação da CPI, tentou postergá-la. Exercitou o golpe de Pilatos e lavou as mãos. Um passo em falso nas cenas iniciais da sua liderança de um dos poderes da República.

Obrigado a cumprir o dever por decisão judicial, acabou por perder o controle da situação.

A experiência das CPIs mostra que, mais do que as investigações, as denúncias ganham dimensões de provas.

Por isso, haja o que houver, e mesmo que Bolsonaro tenha conseguido truncar a CPI, o culpado por esta crise política e institucional tem nome, sobrenome e endereço: o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado. Ele vislumbrou dominar o processo com silêncios e retardamentos.

Definido por seu público como um político tático e tendo surgido no Senado como uma novidade bem-vinda ao jogo parlamentar, parecia uma espécie de ressurreição dos políticos mineiros que fizeram história. É curto o caminho percorrido, mas Rodrigo Pacheco, até agora, está frustrando estas expectativas.

Os argumentos que mobilizou para não instalar a CPI são superficiais e às vezes parecem sobrenaturais, porque tomam distância da realidade.

Estreante, o senador Pacheco desprezou mais de 30 assinaturas de senadores de diferentes partidos e ideologias. Apegou-se ao argumento, depois capturado pelo governo, que a CPI não podia funcionar por meio virtual. Hoje, no planeta, da assembleia de condomínio ao programa de auditório, sem falar no plenário dos tribunais, as sessões realizam-se remotamente.

Outro dos problemas mencionados seria a impossibilidade de dar segurança às testemunhas. Por quê? O presidente e o relator podem acompanhar a testemunha numa reunião, enquanto os inquiridores trabalham de outras latitudes. Surgiu ainda a alegação estapafúrdia, logo incorporada por representantes do investigado, de que a CPI da Pandemia, se realizada durante a pandemia, seria um ato político e atrapalharia o enfrentamento da doença. E para completar recorreu ao lugar-comum: a CPI seria um “ponto fora da curva”. Qual é a curva?

Enquanto fugia de suas atribuições constitucionais, o senador Pacheco não se recusava a tentar desempenhar competências do Executivo, buscando formas de comprar vacinas e toda sorte de providências que não tinha condições legais de assinar. Perda de tempo. Até aceitou liderar um comitê decorativo, criado por Bolsonaro para envolver suas responsabilidades numa cortina de fumaça.

O fato de o destemido Jair Bolsonaro estar com medo de ser investigado é até um bom sinal. Poderia significar que tem consciência dos atos perversos que praticou na gestão da pandemia. Já o presidente do Senado poderia ter evitado a crise e baixado a temperatura de mil formas. Quem sabe, se tivesse instalado a CPI quando foi proposta, por exemplo, não saberíamos hoje as verdadeiras razões das quatro mudanças de ministros da Saúde neste governo, em menos de um ano.

Ao submeter-se ao capricho do presidente, o senador Pacheco talvez não tenha percebido que a grife da presidência do Senado só é desfrutável quando se está no exercício do cargo. Quem se lembra hoje do senador Davi Alcolumbre?


Vera Magalhães: Ilhados com Bolsonaro

E aí, amigo, onde serão suas próximas férias? A depender do andar da carruagem global do pós-pandemia, por aqui mesmo. Estamos condenados a ficar ilhados com Jair Bolsonaro e seu séquito de negacionistas, ressentidos e cafonas, já que, cada vez mais, seremos proscritos de um mundo que quer superar uma pandemia na qual resolvemos chafurdar indefinidamente.

Você aí que botou fé na cloroquina, fez uma festinha “só” para 50 pessoas no réveillon, foi no grupo de WhatsApp da sala do filho divulgar abaixo-assinado pelo impeachment do governador que decretou esse ab-sur-do de manter escolas fechadas enquanto a média móvel chegava a 3 mil mortos por dia, onde vai fazer suas “compritchas” quando todo este pesadelo passar?

Melhor já ir pensando num destino por aqui mesmo, uma vez que que Paris e suas lojas de alta costura não são uma opção viável no momento para a “cepa” de brasileiros, esses que acham por bem contrariar o bom senso, a razoabilidade, os conceitos mínimos de solidariedade e empatia durante uma crise sanitária — e ainda dão algo como 24% de menções de “ótimo ou bom” ao pior presidente da face da Terra plana.

A decisão do governo da França de proibir voos do Brasil é um indicativo concreto, que atinge justamente a elite mais egoísta, aquela que está louca para que as lojas Havan vacinem logo seus funcionários e para que a vida “volte ao normal”, porque mostra a ela um espelho duro de encarar: somos vistos fora daqui como a imagem e semelhança do “Mito” que alguns ainda insistem em cultuar, alheios às evidências abundantes de desgoverno absoluto em todas as áreas da vida nacional.

Mas nossa classe mais abastada segue anestesiada e fazendo seus planos cada vez mais excludentes e alheios à realidade que atinge o país. Começam a abundar relatos de quem vai tirar férias para fazer uma conexão Cancún-Miami (sim, porque os Estados Unidos também não estão dando mole para deixar brasileiro entrar lá sem uma escala prévia que funcione como quarentena).

Aqueles que chamam os prefeitos de ditadores por não ter academia aberta acham que tudo bem ficar de 10 a 14 dias trancados em quartos de hotéis em países que, vejam só!, adotam distanciamento social, só para ter acesso a imunizantes que o governante para o qual passam pano se negou a comprar para o conjunto da população. O que é restrição à liberdade individual em casa vira chique e civilizado nos cada vez mais escassos lugares do mundo que ainda aceitam passaporte brasuca.

Involuímos. Em tudo. E o resultado é que chegaremos muito depois do resto do planeta ao mundo pós-covid. Na economia, na educação, nos indicadores sociais (que, ademais, demoraremos a conhecer, porque Bolsonaro conseguiu a façanha de demolir o Censo Demográfico!), na recuperação dos sequelados pelo vírus, no estabelecimento dos protocolos que terão de ser seguidos daqui para a frente diante da evidência de que outras pandemias virão cedo ou tarde, no compartilhamento de informações científicas oriundas de um esforço histórico por vacinas e medicamentos, de que fomos apenas espectadores letárgicos.

Estamos fadados a trocar essas discussões do nosso tempo, as que definirão os rumos do trabalho, das relações afetivas, das artes, do turismo, do comércio global num mundo paralisado pelo vírus por outras só nossas, como as jabuticabas: se posso comprar 2 ou 6 armas, se o Senado pode fazer uma CPI para investigar estados ou municípios, se devemos usar máscaras (que ano é hoje?), se viraremos jacarés depois de tomar vacina, se teremos voto impresso em 2022. Estamos na Idade da Pedra do mundo pós-covid, trancados em casa e condenados a um convívio forçado com o vírus e com Bolsonaro, sem que saibamos qual deles é mais letal para o futuro do Brasil, nem sequer que futuro será esse.


Felipe Salto: Alô, alô, planeta Terra chamando

O Brasil perdeu a capacidade de planejar. Esse é o pecado original não expiado

O ministro da Economia usou estranha analogia ao tratar do Orçamento de 2021: o pouso de uma nave em Marte. Não vale a pena transcrever o que foi dito. Nos anos 1990 a TV Cultura transmitia o programa Mundo da Lua. Lucas Silva e Silva, personagem principal, gravava suas histórias sempre começando com o bordão: “Alô, alô, planeta Terra chamando”.

O governo tem nas mãos verdadeiro imbróglio orçamentário a resolver até o dia 22 de abril, prazo final para sancionar ou vetar a Lei Orçamentária Anual (LOA). A subestimativa das despesas obrigatórias, a exemplo das previdenciárias, é expressiva, como mostrei no meu artigo de 30/4. Em que pese a incerteza intrínseca aos cenários futuros, é fato que o volume de despesas discricionárias (as mais suscetíveis de cortes) da LOA não caberá no teto dos gastos públicos.

O teto é uma regra constitucional. Não tem escapatória. Os créditos extraordinários ficam de fora, é verdade, mas só podem ser editados em situação específica, quando comprovada situação de imprevisibilidade e urgência, conforme o parágrafo 3.º do artigo 167 da Constituição. O auxílio emergencial, por exemplo, será pago por meio de crédito extraordinário. Outros gastos com saúde têm sido feitos na mesma base, como em 2020. Aí incluídas as verbas para a compra de vacinas.

Mas a despesa ordinária é limitada ao teto. Se as despesas obrigatórias projetadas pela Instituição Fiscal Independente (IFI) se confirmarem e as despesas discricionárias da LOA não forem cortadas, o gasto total sujeito ao teto ficará em R$ 1,518 trilhão, isto é, quase R$ 32 bilhões acima do limite constitucional. E atenção: o processo orçamentário não se desenrolou em um dia, o projeto da LOA foi apresentado em agosto.

É da natureza do Congresso buscar elevar as emendas parlamentares. Não é novidade. Em 1989, o presidente José Sarney viu-se diante de um dilema: vetar o primeiro Orçamento com receitas reestimadas pelo Congresso ou sancioná-lo e, dali em diante, consagrar uma prática que alteraria a lógica do processo orçamentário concebido na Carta de 1988. A correção desse sistema passa pela adoção de projeções independentes para as receitas públicas. A estimativa de arrecadação não deveria ser fruto de decisão política, mas de trabalho de especialistas com autonomia.

Quando o teto de gastos passou a limitar a estratégia do recálculo das receitas, partiu-se para o cancelamento de despesas como meio para abrir espaço fiscal. Seria legítimo se realista. Vale dizer, em 22 de março de 2021, antes da aprovação do Orçamento, o governo publicou documento com números atualizados para o cenário fiscal prospectivo que não batem com a LOA.

Em entrevista a Idiana Tomazelli, do Estado, o senador Márcio Bittar explicou: “Para mim é muito ruim ficar levando a responsabilidade de ter inventado o número e os cortes. Jamais eu faria isso. Não foi obra minha. Isso foi construído a todas as mãos”. De fato, o processo orçamentário – que tem rito próprio definido na Constituição, em razão de sua importância – sempre foi gestado pela Comissão Mista de Orçamento do Congresso e pelo Poder Executivo. Foi assim em todos os governos.

Os que acompanham minimamente o processo orçamentário sabem que o trabalho é conjunto, como bem disse o senador Bittar. Não adianta, agora, gastar energia com o que não resolverá a confusão. É momento de construir soluções, que demandarão articulação, participação dos técnicos da área jurídica e orçamentária e coordenação com os órgãos de controle. Para ter claro, é a vez da experiente burocracia estatal.

A matemática é simples: as despesas de Previdência, abono salarial, seguro-desemprego e compensação ao regime geral de aposentadorias pela desoneração da folha de salários terão de ser suplementadas, pois vão ser realizadas. Caso contrário, quando faltar orçamento, os beneficiários não receberão suas aposentadorias e pensões, seus auxílios e transferências. Seria inimaginável operar sob esse risco.

Para suplementar as dotações orçamentárias desses gastos obrigatórios será preciso cortar as discricionárias, que incluem as emendas parlamentares. Uma solução seria o veto parcial da LOA combinado com o envio de projeto de lei do Executivo para o Congresso a fim de corrigir os problemas. Outra, a sanção da LOA sem alterações acompanhada de projeto de lei mais amplo. Esta segunda opção, a meu ver, é arriscada, pois pode envolver a sanção de uma lei em desacordo com os preceitos da responsabilidade fiscal.

Fernando Rezende, referência no tema das finanças públicas nacionais, defende, há anos, que se promova verdadeira reforma orçamentária e fiscal no País. Contudo os caminhos escolhidos têm sido pavimentados por pinguelas. Mais dia, menos dia, elas desabam. De remendo em remendo, tem-se um sistema fiscal pouco eficiente, rígido e sem transparência. O País perdeu a capacidade de planejar. Esse é o pecado original não expiado.

É hora de trazer a nave de volta. “Alô, alô, planeta Terra chamando.”


O Estado de S. Paulo: Pacheco admite unir CPIs e avisa que não vai pautar impeachment de ministros do STF

Nesta terça-feira, 13, o presidente do Senado deve ler o requerimento para instalação da CPI da Covid na Casa; comissão foi motivo de reclamação de Bolsonaro em ligação telefônica com o senador Jorge Kajuru

Apesar do pedido do presidente Jair Bolsonaro ao senador Jorge Kajuru (Cidadania-SP), o presidente do SenadoRodrigo Pacheco (DEM-MG), não tem planos de pautar o impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal(STF).  Nesta terça-feira, 13, Pacheco deve ler o requerimento para instalação da CPI da Covid no Senado. A comissão foi motivo de reclamação de Bolsonaro na conversa com Kajuru. Segundo Pacheco, pedidos de impeachment “não podem ser banalizados em atos de revanchismo ou retaliação”, disse em entrevista ao jornal Valor Econômico. Como antecipou o Estadão, ontem, Pacheco já vinha sendo aconselhado a arquivar os pedidos.

Outro pedido de Bolsonaro na ligação, o de que a CPI não tenha apenas seu governo como foco, mas também as ações de governadores e prefeitos, será parcialmente acatado por Pacheco. Mas não em um formato que deva agradar o Planalto. Isso porque o presidente do Senado planeja anexar ao requerimento do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que será lido hoje, o requerimento protocolado pelo senador Eduardo Girão (Podemos-CE), que inclui chefes dos Executivos estaduais e municipais na investigação.

Apenas a destinação de verbas federais a Estados e municípios será objeto da investigação, já que a apuração da atuação de governadores é tema das assembleias legislativas, e dos prefeitos, das câmaras municipais.

"Uma CPI não pode apurar fatos relativos a Estados. Isso incumbe às Assembleias Legislativas. O que cabe a uma CPI do Senado ou da Câmara dos Deputados é a apuração dos fatos no governo federal e os desdobramentos desses fatos que envolvem recursos federais encaminhados a Estados e municípios. Os fatos relacionados às verbas federais podem ser alvo de inquérito, mas não se pode investigar necessariamente Estados e municípios numa CPI federal", disse Pacheco.

Segundo Pacheco, o pedido de CPI protocolado por Girão é conexo ao original, feito em fevereiro por Randolfe, por isso, serão reunidos numa só tramitação. "Não é que estejamos acolhendo esse requerimento. Na verdade, o requerimento de uma nova CPI promovido pelo senador Girão já conta com as assinaturas suficientes e o fato determinado é conexo a um requerimento feito pelo senador Randolfe, portanto devem ser apensados. Me parece que o novo pedido visa a apurar a destinação das verbas para Estados e municípios. Isso é plenamente possível de se fazer numa CPI do Senado", afirmou.

Impeachment

Em relação aos pedidos de impeachment contra ministros do STF, segundo o senador mineiro, que foi eleito para o comando da Casa com apoio de Bolsonaro, tais ações não podem ser transformadas em atos de “revanchismo ou retaliação”. A encomenda de Bolsonaro veio a público após Kajuru divulgar uma ligação entre ele e o presidentee; a conversa, segundo Kajuru disse ao Estadão foi realizada e divulgada no último domingo, após o senador alertar o presidente de que revelaria o diálogo.

 "Os pedidos de impeachment tanto de ministros do Supremo quanto do presidente da República devem ser tratados com muita responsabilidade, não se pode banalizar o instituto. Não podem ser usados por revanchismo ou retaliação", avaliou Pacheco.

Na chamada, Bolsonaro pressiona o senador do Cidadania a ingressar com pedidos de impeachment contra membros da Corte. O desejo é de dar uma resposta à decisão tomada na última quinta-feira, 8, pelo ministro Luís Roberto Barroso, que ordenou a instalação da CPI da Covid, que vai investigar as ações e omissões do governo federal na pandemia. Na própria conversa, Kajuru disse a Bolsonaro que já havia apresentado um mandado de segurança para que o STF obrigue o presidente do Senado a abrir um processo de impeachment contra o ministro Alexandre de Moraes, do STF. 

Segundo o presidente do Senado, não é o momento de discutir impeachment, seja no Executivo ou no Judiciário do País. No entanto, ele afirma que é preciso avaliar "aspectos, sobretudo, de juridicidade, de insatisfação com um ministro ou com o presidente da República", disse. "É preciso identificar se há uma narrativa adequada, justa causa, elementos probatórios mínimos, se há tipicidade do fato em relação à lei de 1950, portanto é algo que deve ser analisado com bastante juridicidade. Não é o momento de se discutir impeachment no Brasil" afirmou.

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Pedro Cafardo: Autocrítica é coisa rara no país dos infalíveis

Tática mais comum é mudar o discurso e eventualmente a prática, mas admitir equívocos somente “en passant”

Só há uma pessoa infalível no mundo, o papa Francisco. Assim mesmo, esse dogma, estabelecido para os papas em 1870 pelo Concílio Vaticano I, vale apenas para os católicos e com uma ressalva: a infalibilidade se restringe a matérias relativas à fé e à moral (costumes).

No Brasil, porém, a infalibilidade parece ter aplicação mais ampla. Políticos quase sempre se negam a admitir erros e a fazer autocrítica. É inevitável voltar a esse tema, já abordado aqui um ano atrás, porque o culto à infalibilidade se espalha à direita e à esquerda.

O caso clássico desse culto, pelo qual o partido tem sido seguidamente cobrado, é o do PT, cujos governos tiveram muitos acertos, mas também cometeram muitos erros. Lula e o PT até hoje não assumiram formalmente a responsabilidade pelos desvios do Mensalão e do Petrolão. Dilma nunca admitiu suas falhas na condução da política econômica nem sua omissão no combate à corrupção na Petrobras. Lula, ressuscitado politicamente pelo Supremo, continua a tergiversar sobre o tema.

O tucanato jamais fez mea culpa sobre erros na gestão do PSDB no governo Fernando Henrique. Incensado pelos acertos, como a estabilização promovida pelo Plano Real, os tucanos nunca admitiram o equívoco na sua política cambial, responsável pela quebra do país e por destruição de indústrias. Quando FHC deixou o governo, em 2002, o Brasil estava insolvente, com uma dívida de US$ 30 bilhões no FMI, só quitada no primeiro governo Lula. Nunca se admitiu também a escancarada compra de votos para a aprovação da emenda da reeleição, em 1997. Tampouco houve mea culpa quando, contra seus próprios princípios, o PSDB bloqueou medidas fiscais propostas ao Congresso pelo ministro Joaquim Levy, em 2015.

No mês passado, o ex-juiz Sérgio Moro foi considerado parcial pelo Supremo Tribunal Federal na condução do processo e na condenação do ex-presidente Lula. Moro, em nota, afirmou ter “tranquilidade em relação aos acertos” de suas decisões nos processos da Operação Lava-Jato. E acrescentou: o Brasil “não pode retroceder no combate à corrupção”. Na verdade, uma coisa nada tem a ver com a outra. O Brasil não pode mesmo retroceder nessa matéria, mas o ex-juiz, diante de evidências e de uma decisão do STF, também não tem como negar sua conduta irregular.

No país dos infalíveis, a tática é mudar o discurso e eventualmente a prática, mas admitindo equívocos “en passant”. O governador de São Paulo, João Doria, virou casaca em relação a Jair Bolsonaro, depois de se eleger com apoio do “Bolsodoria”. Com o avanço da pandemia e a aproximação do período eleitoral, passou a ser o mais feroz crítico do presidente. O PSDB paulista nunca fez pedido formal de desculpas pelo apoio a Bolsonaro, e Doria admitiu superficialmente o erro, mas também sem se desculpar. O mesmo se deu no Rio Grande do Sul, onde o candidato do PSDB, Eduardo Leite, se elegeu em 2018 em parceria com o bolsonarismo e agora adota posição fortemente crítica ao presidente, como se nada tivesse a ver com a eleição dele.

No mês passado, um ano depois da chegada da pandemia ao país, Bolsonaro rendeu-se às críticas e lançou o até agora inoperante comitê de combate à covid-19. Mudou o discurso ao deixar sua postura de defesa da economia e disse: “Vida em primeiro lugar”. Em declaração anterior, ele debochou de mortos ao dizer que o Brasil não pode ser um “país de maricas”. Também promoveu aglomerações e andou sem máscara.

Nenhuma palavra de autocrítica a essas posições foi dita pelo presidente. Ele mudou um pouco o discurso e seguiu a vida, mantendo a crítica ao isolamento social e a defesa do tratamento precoce para a covid-19 com um conjunto de medicamentos sem eficácia comprovada.

Os políticos em geral têm dificuldades para admitir seus erros. Mas não é assim em toda a parte. A chanceler da Alemanha, Angela Merkel, havia anunciado um rigoroso esquema de quarentena de 1º a 5 de abril, no feriado da Páscoa. O planejamento, porém, foi falho e questionado por pela sociedade alemã. E Merkel não só voltou atrás: admitiu o erro como sendo só dela, embora tivesse tomado a medida em conjunto com 16 governadores. Aqui, Bolsonaro aproveitou o mea culpa de Merkel para dizer que isso confirmaria sua atuação para impedir o fechamento de atividades não essenciais e preservar a economia. Perdeu a chance de usar o exemplo para admitir seus erros dizendo que até a Merkel errou nesta pandemia.

A própria imprensa tem dificuldade de fazer autocrítica. O Grupo Globo, ao qual pertence o Valor, por exemplo, fez a sua em relação ao posicionamento no início do regime militar de 1964. Outros grandes veículos de imprensa nunca reviram, em editoriais, apoios como o dado a Fernando Collor em 1989, que levou o país ao desastre. E mesmo à aceitação de Jair Bolsonaro, pela crença de que a política liberal de Paulo Guedes, na Economia, compensaria as posições externadas em seus conhecidos discursos de ódio e de apoio à ditadura militar e a torturadores. Como os políticos, a imprensa muitas vezes muda o discurso, passa a criticar ações e políticos que antes sustentava com elogios ou omissão, mas não admite ter cometido erros nem pede desculpas.

Em dois raros exemplos recentes, mas após erros menores, Doria pediu escusas por ter viajado a Miami, de férias, em plena pandemia e o governador do Rio, Claudio Castro, se desculpou por promover festa de aniversário e aglomeração de pessoas.

A recente carta em defesa da democracia, assinada por seis presidenciáveis, foi muito bem-vinda. Mas o Brasil inteiro sabe o que eles fizeram no “verão passado”. Quase todos apoiaram Bolsonaro, direta ou indiretamente, em 2018. Ou foram ingênuos politicamente, porque o presidente nunca escondeu seu viés antidemocrático, ou malévolos: apertaram o botão do “dane-se” para ver o circo pegar fogo. Não podem agora, quando o país arde em chamas, se fingir de inocentes e formar uma frente democrática sem uma alentada autocrítica e um formal pedido de desculpas. Sem isso, dificilmente conquistarão a confiança do eleitor, seja este um bolsominion arrependido, seja um petista decepcionado.


Alon Feuerwerker: Eficácia

O correspondente do Globo na China traz uma atualização sobre a polêmica da eficácia das vacinas criadas naquele país (leia). Os resultados obtidos onde a CoronaVac vem sendo aplicada têm sido semelhantes. Em torno de 50% para eliminação dos sintomas. E entre 80% e 100% para casos que requerem assistência médica. E a vacina atua melhor se a segunda dose demorar um pouco mais (leia).

E parece que funciona contra as novas cepas. O que é uma notícia e tanto. Aliás, já era esperado que vacinas criadas a partir do vírus inteiro funcionassem bem contra as variantes, pois o vírus não se transforma completamente quando entra em mutação.

Vacinas têm dois papéis: servem para proteger as pessoas individualmente e a coletividade. No caso dos indivíduos, se a vacina reduz de modo radical a possibilidade de adquirir a forma grave da doença, ela está valendo a pena. Já na esfera das sociedades, o desafio é diminuir a um mínimo, se possível interromper, a circulação viral. O que acontece quando se atinge uma certa taxa (alta) de imunizados. 

Pelo vírus ou pela vacina.

A aplicação das vacinas mundo afora ainda está no começo. Números definitivos só estarão garantidos mais na frente. Por enquanto, o melhor é se vacinar o mais rapidamente possível, com a primeira vacina que estiver disponível. Pode ser a diferença entre estar vivo ou não quando esse debate, sobre que vacina protege mais, finalmente puder ser feito com dados mais consolidados.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


Andrea Jubé: CPI testa casamento de Bolsonaro

Presidente dependerá mais do Centrão em 2022

Os manuais de biologia definem a simbiose como a relação entre duas espécies em que uma, ou ambas, se beneficiam da união. Se apenas uma das partes se favorece, o enlace descamba para o parasitismo.

Aplicando-se a biologia à política, a controversa CPI da pandemia colocará à prova o casamento do Centrão com o governo Jair Bolsonaro, e o tempo definirá a natureza dessa também relação simbiótica: mutualismo, comensalismo, ou, num cenário de esgarçamento dos laços - diante de eventual corrosão da popularidade presidencial -, parasitismo.

O apogeu dessa relação materializou-se na nomeação da deputada Flávia Arruda, do PL do Distrito Federal, para a Secretaria de Governo. A CPI que investigará responsabilidades do governo federal - mas também de governadores e prefeitos - na condução da pandemia colocará à prova a solidez do enlace e a habilidade da ministra estreante.

Se o Centrão tomar para si as rédeas da investigação, centrando fogo sobre os governadores, que entraram na mira graças à articulação de Bolsonaro, essa relação tende a se fortalecer, com a provável expansão dos domínios do bloco no governo, e fragilizando os militares.

Nessa hipótese, uma fonte miliar, com trânsito no Palácio do Planalto, vê até mesmo o ministro-chefe da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos, velho amigo de Bolsonaro, com a cabeça a prêmio, se o presidente for obrigado a reafirmar os laços com o Centrão em um “recasamento” - que aliás, está na moda.

Esse raciocínio parte da necessidade de Bolsonaro ratificar a aliança com o Centrão no ano que vem para a campanha da reeleição. “São os políticos que têm bagagem para conduzir o processo eleitoral, não os militares”, argumenta a fonte militar.

A mesma fonte observa que os três ministros palacianos - Fábio Faria (Comunicações), Onyx Lorenzoni (Secretaria-Geral), e Flávia Arruda (Secretaria de Governo) -, são pré-candidatos aos governos de seus Estados, respectivamente, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, e Distrito Federal. Faria é contabilizado como palaciano, porque despacha em dois gabinetes: no Bloco R da Esplanada, e no Planalto.

“Os políticos vão querer estar com o Planalto na mão. E o Bolsonaro precisará nessa hora dos políticos, não dos militares”, prossegue a fonte militar. “Dos militares, o general Braga Netto [novo ministro da Defesa] vai tomar conta. Por isso, o general Ramos terá dificuldade de ficar na Casa Civil”, conclui.

É nesse pano de fundo, com o propósito de ter o governo em mãos, verbas e cargos, que o Centrão vai para a CPI da Pandemia com a faca nos dentes, determinado a blindar o governo com um time de atacantes. O ponta-de-lança é o presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), aliado de primeira hora do Planalto. Ele tem na mira, o governador do Piauí, Wellington Dias (PT), ex-aliado, que tentará apear do poder no pleito de 2022.

Mas será uma briga de profissionais, e cada sessão da CPI lembrará uma final de campeonato. Quatro vezes presidente do Senado, e líder da maioria, Renan Calheiros (MDB-AL) demarcou o espaço dos times no campo: a oposição será majoritária, com pelo menos seis dos 11 integrantes. Ele calcula que se o PSDB e o PSD indicarem quadros independentes, como Tasso Jereissati (CE), e Otto Alencar (BA), respectivamente, o bloco da oposição poderá somar até oito dos 11 votos.

O MDB só escalou profissionais: Renan e o líder da bancada, Eduardo Braga (AM). Como a maior bancada do Senado, os emedebistas invocam a prerrogativa de indicar o presidente ou o relator. “Depois que o Bolsonaro ajudou a esmagar o MDB nas urnas, só podemos fazer oposição ao governo”, vociferou Renan à coluna.

Um problema lateral é que o Centrão é um parceiro inconstante. Endossou ao lado de Davi Alcolumbre (DEM-AP) e Rodrigo Maia (DEM-RJ) a criação da outrora temida CPI mista das “fake news”, emplacando na vice-presidência o deputado Ricardo Barros (PP-PR. Como a política muda como as nuvens, meses depois, Barros virou líder do governo na Câmara. Quando (e se) a CPMI for retomada, Barros será um aliado na direção do colegiado.

Um dos autores do mandado de segurança para que a CPI da Pandemia seja instalada, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) acredita que o presidente Rodrigo Pacheco (DEM-MG) fará a leitura do requerimento hoje, abrindo prazo para as indicações dos integrantes do colegiado. Ele aposta na fusão dos requerimentos de investigação do governo federal, e dos governadores e prefeitos. “Não vejo dificuldade para isso, podemos trabalhar com subrelatores”, descomplica. Vieira não acredita que o Supremo Tribunal Federal module a liminar de Luís Roberto Barroso para retardar a instalação do colegiado para o fim da pandemia.

Renan acrescenta que a ampliação da investigação para governadores e prefeitos já é consenso, e não será obstáculo à instalação do colegiado. Ele duvida que Pacheco continuará protelando a CPI. “Não acredito que ele continuará pagando o preço desse desgaste, ele está se tornando cúmplice desse morticínio”.

Em 2005, Renan presidia o Senado quando teve de acatar determinação do STF para instalar a CPI dos bingos. A decisão partiu do então decano da Corte, Celso de Mello, que abriu o precedente hoje invocado por Barroso. Mello registrou em seu voto que as comissões de inquérito são direitos das minorias porque “as maiorias não precisam de CPIs”.

Na biologia, é o “comensalismo” que mais evoca a relação do governo, o “hospedeiro maior” ou “anfitrião”, com o “comensal menor”, que seria o aliado. Um exemplo dessa espécie de casamento na natureza são as hienas e os leões. Os primeiros se alimentam dos restos da caça dos grandes felinos.

Se a relação na política se deteriora, beirando o fim da aliança, assemelha-se gradativamente ao “parasitismo”. Neste caso, o parasita é o único a se beneficiar, sugando a energia do hospedeiro até o fim. Na natureza, os exemplos mais comuns são as pulgas e os carrapatos.


Jamil Chade: E se Gagarin tivesse pousado no Brasil?

Que a data deste 12 de abril seja despida de sua batalha ideológica que marcou a Guerra Fria e que seja lembrada como a vitória da ciência e da conquista da humanidade

Há exatos 60 anos, Yuri Gagarin se transformava no primeiro homem a ir ao espaço. Muito se falou da preparação de sua viagem, de sua conquista e o que ela significou para a manipulação do poder soviético, em plena Guerra Fria.

Mas o que ocorreu quando ele caiu de volta e desembarcou no planeta?

A história conta que seu local de pouso foi amplamente equivocado. Gagarin caiu perto da cidade de Smelovka, centenas de quilômetros do ponto onde os cientistas tinham planejado.

Na terra, literalmente, estavam duas pessoas. Uma avó e uma menina de cinco anos, ambas plantando batatas.

A garota conta que havia visto um objeto vermelho despencando do céu. Mas sua avó estava ocupada demais com as batatas e tentando evitar que as vacas as comessem.

Instantes depois, a menina viu um objeto laranja caminhando em sua direção, com um capacete. Assustada, a avó deu a mão para sua neta e começou a rezar. Tentaram correr, quando ouviram de dentro do capacete uma voz em russo gritando: “esperem, sou russo!”

Sem entender nada, a avó perguntou de onde ele teria vindo, apenas para ouvir uma resposta ainda mais estranha. “Do céu”. A região não tinha luz elétrica e ninguém sabia que Moscou tinha mandado um homem para o espaço.

A história ampliou o mito de Gagarin, amplamente usada pelo Kremlin e sua propaganda comunista.

Mas e se o cosmonauta tivesse pousado no Brasil de 2021?

Em primeiro lugar, haveria o risco real de cair em uma zona na qual sua explicação de que “veio do céu” seria denunciada por um insulto e blasfêmia. Uma vigília seria organizada, enquanto a pasta de Damares Alves seria acionada.

Não faltariam questionamentos sobre seu capacete. “Onde já se viu um exagero desse contra um vírus que nem existe”, diria algum vereador local. “Marica”, declararia um presidente.

Ao responder que era russo, a história daquele cosmonauta poderia ter sido de uma vez por todas golpeada: “Comunista!”, gritaria outro. “Nossa bandeira jamais será vermelha!”, completaria um colega, perguntando em voz baixa ao vizinho qual a diferença entre russo, esquerdista e soviético.

Para além da propaganda que ele representou, Gagarin é mais uma testemunha, ator e porta-voz do avanço da ciência e de que, para a genialidade humana, não existem fronteiras.

Há 60 anos, a história dava mais um passo nessa fascinante direção. Provavelmente, sem ele, os americanos não teriam acelerado seu programa espacial. Foi essa concorrência e a conquista do espaço que nos trouxe avanços reais para nossas vidas cotidianas, inclusive ajudando a manter uma vida mais saudável no planeta.

Painéis solares, monitores de batimentos cardíacos, tratamentos contra o câncer, sistemas de purificação de água e, claro, os computadores que hoje lidamos com uma realidade são frutos dessa aventura.

Mas a ciência também tem seu papel filosófico. Ao termos a possibilidade real de explorar o espaço, as perguntas se multiplicam: podemos sobreviver de outra maneira?

A mudança e a ciência ―ao lado do amor― certamente são alguns dos aspectos mais misteriosos da humanidade. Quando um primeiro homem inventou um primeiro instrumento, buscava facilitar seus dias, construir um futuro melhor. Ela era a aposta de que o amanhã seria melhor do que hoje, de que a vida vencerá.

Há uns meses, perguntei para Greta Thunberg se ela teria alguma mensagem a enviar a Jair Bolsonaro. Ela me olhou, sorriu e lançou: “escute a ciência”. Hoje, o nosso desafio é o de implementar uma mudança para salvar o planeta. E, mais uma vez, a resposta também estará na ciência.

A pandemia está nos dando, talvez, um último e sério alerta. Ela também mostra que quem apostou na ciência viu os resultados para suas populações. Quem a minimizou, esnobou ou preferiu adotar o caminho da charlatanice acumula corpos.

Que a data deste 12 de abril seja despida de sua batalha ideológica que marcou a Guerra Fria e que seja lembrada como a vitória da ciência e da conquista da humanidade, num momento em que o obscurantismo é uma ameaça tão real quanto o próprio vírus.

Jamil Chade é correspondente na Europa desde 2000, mestre em relações internacionais pelo Instituto de Altos Estudos Internacionais de Genebra e autor do romance O Caminho de Abraão (Planeta) e outros cinco livros.


Luiz Carlos Azedo: A CPI não sabe como começar

CPIs bem focadas promovem ampla exposição de fatos até então encobertos por silêncio, dissimulações e fraudes. Algumas CPIs fracassaram por má condução

Um velho jargão parlamentar, atribuído a Ulysses Guimarães, sustenta que todos sabem como começa uma comissão parlamentar de inquérito, mas ninguém sabe como termina. A CPI da Covid-19 do Senado, porém, nem sabe ainda como vai começar, embora já esteja no centro das tensões entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, em razão da divulgação de uma gravação da conversa entre o senador Kajuru (Cidadania-GO) e o presidente da República.

Na conversa, o presidente Jair Bolsonaro orienta o parlamentar a protegê-lo e direcionar a investigação contra governadores e prefeitos. De quebra, pede para Kajuru pressionar o Supremo Tribunal Federal (STF) a decidir sobre seu pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes. Quem mais se beneficia dessa confusão é o presidente Bolsonaro. A Executiva do Cidadania, partido envolvido na polêmica, apoia a instalação da CPI e saiu em defesa do senador Alessandro Vieira(SE), mas não endossa que se investigue governadores e prefeitos. Além disso, repudiou a conversa de Kajuru com Bolsonaro e solicitou que o parlamentar deixasse a legenda.

CPIs bem focadas promovem ampla exposição de fatos até então encobertos por silêncio, dissimulações e fraudes. Algumas CPIs fracassaram por má condução, como a do Futebol (2007) e a dos Cartões (2008). Outras foram bem-sucedidas, como as CPIs da Corrupção (1988), do PC Farias (1992), dos Anões do Orçamento (1993), do Judiciário (1989), do Banestado (2003), dos Correios (2005), dos Bingos (2006), dos Sanguessugas (2006), do Apagão Aéreo (2007) e do Cachoeira (2012). Às vezes, são algozes de seus protagonistas.

A CPI do Orçamento acabou cassando os mandatos do presidente da Câmara, Ibsen Pinheiro (MDB-RS), injustamente, e do líder do MDB, Genebaldo Correia (BA), entre outros. A CPI dos Correios, em 2005, fruto de uma denúncia do presidente do PTB, Roberto Jefferson (RJ), resultou na sua própria cassação, e de outros parlamentares, como o então deputado José Dirceu (PT- SP). Desfecho surpreendente teve a do Judiciário, em 1989. Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA), no segundo mandato como presidente do Senado, protagonizou a abertura da CPI, contra a corrupção, o tráfico de influências, a má gestão
e o nepotismo no Judiciário.

Renúncias
Alguns senadores à época, como Marina Silva (PT), Geraldo Melo(PSDB) e Roberto Freire (PPS), temiam o risco de confronto entre os Poderes. Para o ministro Carlos Velloso, então vice-presidente do STF, “uma CPI desse tipo, generalizando acusações contra juízes, simplesmente expõe o Judiciário à execração pública, levando o descrédito às suas decisões”. A própria OAB, que defendia desde a Constituinte a criação de mecanismos de controle externo do Judiciário, repeliu a iniciativa. Para então presidente, Reginaldo de Castro, estaria “se criando no Brasil um tribunal de exceção”.

A CPI não desmoralizou o Judiciário nem provocou abalos institucionais. Apurou denúncias de crimes e corrupção que impactaram a opinião pública, com destaque para a ligação do senador Luiz Estevão (MDB-DF, cujo mandato foi cassado em 2000) com o desvio de R$ 169 milhões das obras de construção do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, onde pontificava a figura do “Juiz Lalau”: Nicolau dos Santos Neto, presidente da Corte, que foi condenado a 26 anos de prisão pelos crimes de peculato, estelionato e corrupção passiva.

ACM emergiu da CPI do Judiciário como paladino do combate à corrupção, porém não conseguiu manter a presidência do Senado em 2001, sendo substituído por Jader Barbalho (MDB). Os dois senadores viviam se digladiando e acabariam envolvidos no escândalo do Painel do Senado. ACM havia revelado a lista de todos que votaram contra e a favor de Luiz Estevão na sessão secreta que resultou na cassação do mandato do ex-senador, em junho de 2000. A crise culminou com as renúncias de Antônio Carlos Magalhães e José Roberto Arruda, na época líder do governo no Senado.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-a-cpi-nao-sabe-como-comecar/

Ricardo Noblat: Bolsonaro coleciona derrotas na guerra contra a CPI da Covid

Um presidente em apuros

O presidente Jair Bolsonaro negou que soubesse que fora gravada sua conversa com o senador Jorge Kajuru (CIDADANIA) e que autorizou sua divulgação. Gravar conversa com presidente da República é crime, segundo ele. (Não é, mas deixa pra lá.) O senador Flávio Bolsonaro (Republicanos) denunciou Kajuru ao Conselho de Ética do Senado que não se reúne há dois anos.

Kajuru disse que grava todas as suas conversas com políticos para poder se defender depois, caso digam que ele falou uma coisa que não tenha falado. Dispõe para isso de uma caneta-gravador que ganhou de presente. Disse que avisou, sim, a Bolsonaro, em um segundo telefonema, que divulgaria o conteúdo da conversa. E que o presidente não se opôs a isso.

Bolsonaro é presidente do baixo clero, como Kajuru é do baixo clero do Senado. Não se deve dar importância ao episódio, aconselham políticos experientes e ministros do Supremo Tribunal Federal. Valer-se de Kajuru como escada revela o crescente isolamento de Bolsonaro. Os dois formam uma dupla do barulho. Ambos se merecem. O país passaria muito bem sem eles.

Mas como ignorar que Bolsonaro, deputado do baixo clero por quase 30 anos, acidentalmente eleito presidente, governa – ou desgoverna – o país há 15 meses, e tem mais 20 pela frente? O fato é que ele perdeu a batalha inicial da CPI destinada a apurar os erros do seu governo no combate à Covid. Os senadores mantiveram suas assinaturas no pedido de convocação.

Para completar, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo, ordenou a Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado, que instalasse a CPI. É o que ele começará a fazer hoje. Restou a Bolsonaro, portanto, criar tumulto com o propósito de retardar o início da CPI, e uma narrativa a ser compartilhada com seus devotos mais radicais sempre dispostos a defendê-lo.

A conversa com Kajuru faz parte do tumulto. O pedido de convocação de outra CPI, essa para investigar as ações de governadores e de prefeitos durante a pandemia, também. Ocorre que o regimento interno do Senado, no seu artigo 146, diz que investigar ações de governadores e prefeitos não lhe cabe. Cabe às Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais.

Em 2014, para esvaziar a CPI que investigaria a roubalheira na Petrobras, Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado, ampliou o seu alcance, determinando que também fossem investigadas supostas irregularidades em contratos relativos aos trens e metrôs de São Paulo e do Distrito Federal. A presidente da República era Dilma Rousseff, e Renan seu aliado.

A oposição acionou o Supremo, e a ministra Rosa Weber deferiu liminar determinando que a CPI fosse instalada com “objeto restrito”. Escreveu: “O procedimento adotado pelo eminente presidente do Senado Federal, ainda que amparado em preceitos regimentais, desfigura o instituto constitucional assegurado às minorias políticas”. E argumentou:

– Não se pode prever, ao certo, quais deliberações serão tomadas; mas é possível antecipar que, uma vez alterada a quantidade de fatos determinados objeto das investigações, o universo de deliberações e a dinâmica interna dessas já não serão os mesmos constantes da proposta original.

Seria tão simples Bolsonaro proceder como sugeriu o deputado Fábio Faria (PSD-RN), seu ministro das Comunicações.  Faria condenou a CPI, mas disse que se ela fosse instalada, ficaria provado que o governo Bolsonaro acertou em cheio no combate à pandemia. Ora, pois, vamos lá! CPI para salvar o governo e parar com essa história de que Bolsonaro é um genocida.


Eliane Cantanhêde: Bolsonaro tenta fazer, do limão, da CPI e das mortes, uma limonada

Presidente finge que não tem nada a ver com pandemia e faz chantagens contra ministros do Supremo, governadores e prefeitos

O ambiente está como o diabo e o presidente Jair Bolsonaro gostam: uma verdadeira bagunça, com a pandemia fora de controle, as mortes disparando e as vacinas e leitos acabando, mas todas as atenções de Executivo, Legislativo e Judiciário estão na CPI da Covid no Senado. Em vez de discutir e agir contra a pandemia, Brasília faz o que Bolsonaro quer: esquece a covid para privilegiar a guerra política.

Em conversa gravada com o curioso senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO), Bolsonaro resumiu sua estratégia: fazer do limão uma limonada. Finge que não tem nada a ver com pandemia – nem com o próprio governo e os erros do governo – e faz chantagens contra ministros do Supremo, governadores e prefeitos, enquanto compra apoios no Senado.

A sensação, porém, é de que a CPI vai pegar fogo contra Bolsonaro e o Ministério da Saúde, porque há uma consciência generalizada, dentro e fora do Congresso, de que os fatos, as falas e os resultados não admitem tergiversação nem jogar a poeira – e os mortos – para debaixo do tapete.

No meio, entre os pró e os contra a CPI, o plenário do Supremo poderá dar uma mãozinha para Bolsonaro amanhã, ratificando a liminar do ministro Luís Roberto Barroso que mandou instalar a CPI, mas ressalvando que o funcionamento depende de condições práticas e reuniões presenciais. Em resumo: o STF mantém a instalação da CPI, mas liberando os trabalhos depois da pandemia. Esquisito? Muito. Mas o que não é esquisito no Brasil hoje em dia?

Desde que Barroso determinou a instalação da CPI, ninguém mais fala nos erros criminosos de Bolsonaro na pandemia e que faço questão de frisar aqui: troca de ministros na pior hora, desdém ao tratar da crise e das mortes, péssimos exemplos para a cidadania, gastança com remédios inúteis e perigosos e desleixo ao contratar vacinas.

Assim, Bolsonaro vai fazendo a limonada. Dá o grito de guerra à arquibancada bolsonarista e não se fala de seus erros, só contra ministros do STF e de estender as investigações para governadores e prefeitos. Exemplo: em vez de cuidar de Queiroz, rachadinhas, funcionários fantasmas e mansões de R$ 6 milhões, o senador Flávio Bolsonaro está a mil por hora para enlamear os outros.

Então, a CPI é boa para Bolsonaro e ruim para seus adversários e todos os demais? Não! Hoje será a leitura da CPI, e é hora de organizar os times para anunciar os 11 titulares e seus reservas amanhã. Apesar das chantagens de Bolsonaro e de eventuais saídas heterodoxas do Supremo, é isso, a composição da comissão, que vai definir o principal: até onde a CPI irá.

Pode até resvalar para Estados e municípios, mas seu alvo principal é, evidentemente, Jair Bolsonaro. É ele, sem sombra de dúvida, o grande responsável pela tragédia, pela carnificina. A pandemia, como o nome já diz, atingiu o mundo todo, mas cada país cuidou de um jeito. Bolsonaro foi quem cuidou pior e o resultado está aí.

Uma CPI paralela ou a inclusão de governadores e prefeitos no escopo da própria CPI da Covid enfrentam obstáculos, porque, segundo seu regimento interno, o Senado não pode investigar Estados e municípios. Mas há um atalho para chegar lá naturalmente, pela própria dinâmica das investigações. Basta seguir o dinheiro federal e apurar se houve desvios.

Quanto ao impeachment e à CPI contra ministros do STF, é para fazer barulho e dar carne aos leões bolsonaristas contra as instituições e a democracia. A oposição grita “genocida” para Bolsonaro e os bolsonaristas gritam contra ministros do STF e Congresso. Mas o passado, o presente e os fatos condenam Bolsonaro. Ele personaliza os ataques contra Barroso, mas, sem defesa, não tem interesse nenhum numa guerra desse tamanho contra o Judiciário e Legislativo.