Bolsonaro
Rolf Kuntz: Bolsonaro versus direitos, perigo para o trabalhador
Presidente continua vinculando desemprego a um ‘excesso’ de direitos trabalhistas
Bolsonaro ataca de novo, confirmando sua aversão aos direitos trabalhistas. Desta vez ele pôs em dúvida uma lei a favor da igualdade salarial para homens e mulheres. Antes de sancionar ou vetar o texto, aprovado no fim de março no Senado, ele pediu a manifestação de seus seguidores. “Pode ser que o pessoal não contrate, ou contrate menos mulheres, vai ter mais dificuldade ainda”, disse o presidente em sua live habitual de quinta-feira. Se entrar em vigor, a lei aumentará as multas, até agora muito brandas, aplicáveis em casos de discriminação de gênero, raça ou idade. Deputadas e senadoras tiveram importante participação na defesa do projeto.
Ao pedir a opinião dos apoiadores, Bolsonaro reafirmou, claramente, a disposição de governar para os bolsonaristas. Ele foi empossado em 2019 como presidente do Brasil, isto é, de todos os brasileiros, mas parece jamais haver entendido ou admitido esse fato. Essa concepção estreita de suas funções e obrigações foi evidenciada já no começo de seu mandato. Facilitar o acesso às armas foi uma de suas primeiras preocupações, embora houvesse 12,7 milhões de desempregados, 12% da força de trabalho, no trimestre móvel encerrado naquele mês de janeiro.
Bolsonaro tinha uma concepção peculiar, no entanto, das condições de funcionamento do mercado de trabalho. Essa concepção, reafirmada no caso da igualdade reivindicada pelas mulheres, era muito simples e já havia sido exposta durante a campanha eleitoral. O trabalhador, disse o candidato Jair Bolsonaro, terá de escolher “entre mais direito e menos emprego ou menos direito e mais emprego”.
Essa declaração foi feita em agosto de 2018, durante entrevista a um jornal da Rede Globo. Quando o apresentador lembrou seu voto contra a PEC das domésticas, o deputado respondeu ter dado esse voto “para proteger” as trabalhadoras. “Muitas mulheres”, acrescentou, “perderam o emprego pelo excesso desses direitos.” E em seguida: “Que tal aprovar todos os direitos trabalhistas para todos os integrantes das Forças Armadas?”.
Em dezembro daquele ano, já eleito, Bolsonaro voltou a criticar as normas trabalhistas. A legislação, afirmou, teria de se “aproximar da informalidade” para favorecer a criação de empregos. Em 4 de janeiro, pouco depois da posse, condenou mais uma vez, numa entrevista, a condição do assalariado. “O Brasil é o país dos direitos em excesso, mas faltam empregos. Olha os Estados Unidos, eles quase não têm direitos.”
Essa é uma visão distorcida e primária de como funciona o mercado de trabalho americano, dos direitos e da segurança do trabalhador nos Estados Unidos e do poder dos sindicatos. Não há surpresa, no entanto, porque a pobreza de informações do presidente brasileiro e a simplicidade de suas ideias são bem conhecidas.
Seria preciso, disse Bolsonaro naquela ocasião, aprofundar a reforma trabalhista. Ele se referia às mudanças ocorridas no mandato de seu antecessor. Mas a reforma proposta pelo presidente Michel Temer e aprovada no Congresso apenas deu flexibilidade ao sistema, sem anular direitos previstos na Constituição e na legislação trabalhista. Trabalho intermitente e possibilidade de jornada de 12 horas com 36 de descanso foram algumas das novidades.
Algumas mudanças, como o trabalho intermitente, têm facilitado a preservação de empregos na crise atual. A reforma implantada no governo anterior é muito diferente da redução de direitos proposta pelo presidente Bolsonaro e do barateamento da mão de obra defendido pelo ministro da Economia.
Parte do empresariado aplaude as propostas de eliminação de direitos ou, no mínimo, da redução de custos pela extinção de obrigações trabalhistas e previdenciárias ou pela contratação de jovens por salários muito baixos. Também há empresários e políticos, principalmente bolsonaristas, dispostos a aplaudir o corte de tributos sobre seus negócios, mesmo sem uma discussão séria de como essa redução será compensada.
Mas é bobagem associar a criação de empregos, como têm feito o presidente e o ministro da Economia, à mera redução de custos trabalhistas. Não se contratam trabalhadores, mesmo a baixo custo, quando a atividade está emperrada. Não é preciso ser doutor em Economia para conhecer essa verdade simples. Emprego depende, em primeiro lugar, da atividade econômica, ou, pelo menos, da expectativa de expansão dos negócios.
Mas a perspectiva de crescimento maior que nos anos anteriores nunca esteve presente, no Brasil, desde os primeiros meses de 2019. No começo de 2020 os otimistas previam expansão de uns míseros 2,5%. Depois da reforma da Previdência, já amadurecida no governo anterior, nada foi proposto pelo governo além de mudanças pífias na tributação e na gestão de pessoal. Nem as medidas econômicas implantadas na crise da pandemia foram mantidas no Orçamento para 2021. Até o auxílio emergencial foi suspenso por três meses, num quadro de desemprego e fome. Nem o direito à vida – contra a doença ou contra a miséria – foi protegido. Para que tantos direitos? Bolsonaro é pelo menos coerente.
*Jornalista
Roberto Romano: Federação, municípios, morticínio. Tragédia nacional
Temos um povo dizimado pelo poder, que age como conquistador em terra arrasada
Jair Bolsonaro ataca Estados e municípios como inimigos a serem destruídos. Para ele, não existem cidadãos merecedores de respeito nas unidades federativas. Em vez de lutar contra a pandemia, o presidente gera batalhas contra as bases administrativas e políticas do País. Surgem os frutos assustadores: mais de 350 mil brasileiros entregues à tortura da morte sem ar, o que revolta quem sente misericórdia ou segue a ética e a moral.
O ignaro governante reitera – em cena macabra – uma guerra antiga das culturas políticas humanas. Trata-se do choque entre poderes centrais e municípios. Estes últimos eram desconhecidos na Grécia e na Roma primitiva. Ali existiam soberanas cidades-Estado. Na Itália as urbes eram livres para organizar suas práticas internas. Vencidas por Roma e ela ligadas em federação (foedus) dela recebiam em especial a justiça. O prefectus, agente romano, resolvia os casos urgentes, mas o júri reunia habitantes locais, cujas instituições eram mantidas.
Os elos entre municípios e Roma se retraíam e se estendiam conforme as vicissitudes políticas, econômicas, sociais. Ora o poder se concentrava, ora se espraiava pelas bases federadas. Os municípios conservavam independência na sua organização, a assembleia do povo elegia os dirigentes. “Os magistrados municipais têm sobre os cidadãos o imperium. Todos obedecem à lei votada pelo povo e se inclinam diante dos administradores nas taxas ou nos trabalhos públicos. Em casos extremos o município cede aos poderes centrais e a lei de Roma toma a dianteira” (Mommsen). “Em casos extremos”, sublinhemos.
Após a chamada “guerra social”, quando as cidades italianas exigiram tratamento similar ao concedido a Roma, os municípios se generalizaram. Cito novamente o grande historiador Mommsen: “O município, constituído no interior do Estado e a ele se subordinando, é uma das mais notáveis manifestações políticas e das mais fecundas da era comandada por Sylla. As reformas constitucionais de Sylla definem um Estado cuja base é múltipla, a das comunas locais”. Dentre os municípios do Estado romano temos Olissipo, Lisboa. Aquelas unidades começaram a ruir por causa dos abusos das autoridades locais, abusos agravados pelo aumento sem freios do fisco em vantagem do poder central.
Os esqueletos municipais serviram às cidades europeias na resistência ao moderno absolutismo, cuja tarefa era unificar os Estados monárquicos. Nos século 16 e 17 tudo fizeram as Cortes para arrancar finanças e poderes dos municípios. Hobbes pensa as urbes como ameaça ao poder absoluto e vê como doença “a desmesurada grandeza de uma cidade, quando ela é apta a fornecer para além de seu próprio domínio os números e o pagamento de um grande exército” (Leviatã). A história da centralização estatal passa pela beligerância entre a Corte e os municípios. Tocqueville (O Antigo Regime e a Revolução) revela as táticas do rei: ele arranca das cidades as suas prerrogativas, como a de eleger os próprios magistrados, para revendê-las com lucro aos mesmos municípios. O prefeito assim escolhido, acrescenta Tocqueville, tem poder menor do que o fiscal do Reino. Daí ser possível aquilatar o grau de corrupção do Antigo Regime. Nele tudo se vende, tudo se compra. O Antigo Regime é um imenso Centrão.
Não citei Lisboa por acaso. Quando surge o Brasil os reis europeus – incluído o português – controlam os países, os municípios perdem força. Em nossa terra os municípios existem, mas não há foedus com a Corte, apenas subordinação. Líderes locais são desprovidos de real autonomia, como seus colegas da Europa absolutista. Tal realidade vigora no Império e na República. Maria Sylvia Carvalho Franco (Homens Livres na Ordem Escravocrata) analisa o controle e o parasitismo do poder central em relação às cidades. Impostos são retirados dos cofres municipais e para eles quase nunca retornam. Tal regime faz dos poderes subordinados fontes de recursos para o Executivo do País, sem retorno em obras públicas dignas do nome.
Com documentos a autora mostra aí a fonte brasileira da indistinção entre público e privado, o compadrio político e outras mazelas. Para obter verbas surgem as oligarquias regionais. No Congresso elas vendem apoio ao presidente/monarca. Tal é a gênese do perene Centrão.
As ditaduras do século 20 reforçam o Executivo nacional. Temos uma enganosa Federação a jungir Estados e municípios. Se na Presidência há uma pessoa despótica e desprovida de saberes – jurídicos, políticos, científicos, históricos –, o combate pátrio vira carnificina. Temos um povo dizimado pela virulência do poder, que age, em relação aos municípios, como conquistador em terra arrasada. Os mortos, hoje aos milhares, são enterrados sem justiça.
Se a Federação brasileira não deixar de ser apenas farsa, seguiremos sob o guante de dirigentes que violam os direitos de Estados e municípios, espaço onde vivemos ou morremos. Quem não respeita tal fato da vida pública não merece governar.
*Professor da Unicamp, é autor de ‘Razões de Estado e outros estados da Razão’ (Perspectiva)
Elio Gaspari: Vinte e quatro governadores numa impertinência
Governadores que entregaram carta a Biden praticaram uma marquetagem imprópria, incompetente e inútil.
Os 24 governadores que entregaram ao embaixador americano Todd Chapman uma carta ao presidente Joe Biden oferecendo o “desenvolvimento de parcerias e de estratégias de financiamento” para a proteção do meio ambiente praticaram uma marquetagem imprópria, incompetente e inútil. (Os governadores de Santa Catarina, Rondônia e Roraima não assinaram a carta.)
Foi uma iniciativa imprópria, porque não compete a governadores propor “estratégias” a governos estrangeiros. Na carta, os doutores falam em nome dos “governos subnacionais brasileiros”. Ganha um fim de semana num garimpo ilegal, quem souber o que é isso.
É incompetente, porque uma colaboração internacional para defender o meio ambiente (leia-se proteger a Amazônia dos agrotrogloditas aninhados no bolsonarismo) não precisa ser buscada na Casa Branca. Até o ano passado, ela era ocupada por um tatarana. Existem organizações credenciadas para negociar essas “parcerias”.
À incompetência e à impertinência junta-se um fator de inutilidade historicamente documentada. Os Estados Unidos, como qualquer outra nação, tem interesses. Os amigos são asteriscos. Governadores “amigos” acabam virando massa de manobra.
Em 1961, o presidente John Kennedy lançou um programa chamado Aliança para o Progresso. Tratava-se de barrar a influência do comunismo cubano promovendo reformas sociais na América Latina. Coisa fina, mobilizando quadros da elite que trabalhara nas transformações dos Estados Unidos durante os mandatos de Franklin Roosevelt e na Europa do pós-guerra. Nesse grupo, estava o professor americano Lincoln Gordon, com seu currículo de Harvard e Oxford, mais a experiência adquirida durante o Plano Marshall .
Kennedy nomeou Gordon para a embaixada no Brasil, e ele fez parcerias com governadores amigos, como Carlos Lacerda, no Rio, Ney Braga, no Paraná, e Aluízio Alves, no Rio Grande do Norte. O que havia sido uma ideia de reformas sociais para o continente transformou-se aos poucos num instrumento de interferência política. Em menos de um ano, Gordon estava no Salão Oval da Casa Branca, discutindo também a possibilidade de um golpe militar no Brasil. Trabalhava-se com os “bons governadores” e estimulavam-se projetos que impedissem avanços de candidatos de esquerda.
No final de 1962, Gordon percebeu que a essência reformista da Aliança para o Progresso tinha morrido. Sua embaixada, e ele, estavam noutra.
Em 1964, deposto João Goulart, os governadores Ney Braga, Carlos Lacerda e Aluízio Alves tornaram-se joias da coroa da Aliança para o Progresso e da nova ordem. Quatro anos depois, Lacerda e Aluízio Alves foram banidos da política pela ditadura.
Em 1971, o diretor do programa de segurança pública da USAID, filha da Aliança para o Progresso, foi perguntado por um senador que pretendia denunciar a ação dos torturadores brasileiros:
— Uma dura declaração de nosso governo ou de sua embaixada talvez os inibisse? (...) O senhor não concorda ?
— Eu não acredito, senador, e estou habilitado a responder assim.
(O doutor disse aos senadores que não sabia o que era a Operação Bandeirantes. Era a mãe do DOI.)
A essa altura, Gordon estava desencantado com os rumos do regime brasileiro, e a embaixada em Brasília informava que seria inútil aconselhar os empresários americanos a se afastarem da caixinha de colaborações para as agências de repressão política.
Vila Kennedy, um sonho americano
No mesmo depoimento aos senadores americanos, o burocrata da USAID disse que à noite se sentiria “mais seguro no Rio” do que em Washington. Em 1971, a capital americana estava mal das pernas, e o Rio tinha o Esquadrão da Morte. Passou o tempo e deu no que deu.
Um dos projetos mais vistosos da Aliança para o Progresso foi a construção da Vila Kennedy, no Rio de Janeiro. O projeto fazia a alegria do andar de cima. Havia uma favela no Morro do Pasmado, entre Botafogo e Copacabana. Tratava-se de tirar os moradores dos barracos, levando-os para um subúrbio da cidade. Construíram-se casas populares, instalou-se uma pequena réplica da estátua da Liberdade numa pracinha. A USAID botou US$ 25 milhões em dinheiro de hoje.
Passou o tempo, e no entorno da Vila surgiram mais de dez comunidades e as narcomilícias. Em 2018, a demofobia entrou na região com a cloroquina da ocasião: a intervenção do Exército, com a utilização de 1.400 soldados. Militares distribuíram flores no Dia da Mulher, e a Vila Kennedy deveria ter sido a vitrine das operações militares. Virou resort do Comando Vermelho, e dois anos depois drogas eram vendidas no pedaço em regime de drive-thru.
Madame Natasha
Madame Natasha faz qualquer coisa pelo meio ambiente, mas não participa de queimadas do idioma. Na quinta-feira, não houve reunião de cúpula de chefes de Estado. Houve, quando muito, um vídeo muito chato.
Desde sempre, as reuniões de cúpula reúnem governantes que às vezes discursam, mas sempre conversam reservadamente. Essa é a parte útil dos encontros. Na cúpula de Biden, houve só a parte inútil.
No mesmo dia, houve muito mais interesse e emoção com a plenária virtual do Supremo Tribunal Federal confirmando a suspeição do então juiz Sergio Moro.
Rascunho perdido
No rascunho que Ricardo Salles preparou para o discurso de Bolsonaro de quinta-feira, alguns países europeus seriam atacados
Os parágrafos foram para o arquivo.
A Europa livrou-se de uma boa.
Receio real
Jair Bolsonaro e seu pelotão palaciano estão convencidos de que há uma articulação para tirá-lo da cadeira.
Quando esse temor entra no palácio, o governo deixa de ter projeto.
Só isso explica que Bolsonaro tenha sido capaz de dizer que “o Brasil está na vanguarda dos esforços de parar o aquecimento global”.
Salles na mira
O ministro Ricardo Salles haverá de se dar conta de que a mais letal das encrencas em que se meteu foi a da joelhada que deu na Polícia Federal, com a demissão do delegado Alexandre Saraiva.
Para a corporação, Salles solidarizou-se com delinquentes. Nenhuma polícia do mundo deixa isso barato.
Braga Netto em 22
O general da reserva Walter Braga Netto, ministro da Defesa, defendeu o governo dizendo que “é preciso respeitar” o “projeto escolhido pela maioria dos brasileiros” para dirigir o país.
Fica combinado que ele continuará na mesma posição em novembro 2022 quando terminar a contagem dos votos da eleição presidencial.
Isolamento no ócio
Nos próximos quatro domingos, o signatário cumprirá um programa de isolamento com ócio.
Míriam Leitão: Com a palavra, os embaixadores
Os embaixadores da Noruega e da Alemanha em Brasília alertam que o Brasil deve tomar muito cuidado nos próximos três meses na Amazônia. São os de maior risco de desmatamento no ano florestal que termina em julho. Nils Gunneng, da Noruega, e Heiko Thoms, da Alemanha, afirmam que há meio bilhão de reais sendo usados do Fundo Amazônia e lembram que os recursos, quase R$ 3 bilhões, que estão congelados precisam apenas que o Brasil restaure o conselho do Fundo. “O Brasil não está sozinho no combate ao desmatamento”, diz o alemão Thoms. “Tem um mercado enorme para um país que tem florestas e queira mantê-las em pé”, completa o norueguês Gunneng.
Noruega e Alemanha são os financiadores do Fundo Amazônia, um bem-sucedido mecanismo em que os dois países doaram recursos para apoiar programas de proteção ambiental. Ele funcionava perfeitamente. Em junho de 2019, o ministro Ricardo Salles dissolveu o conselho que reunia representantes do governo federal, dos estados amazônicos, da sociedade e dos empresários. Sem essa estrutura, o Fundo Amazônia não pode liberar novos recursos. “Não há base legal para as decisões”, explica o embaixador da Noruega.
Eu entrevistei os dois diplomatas durante uma hora na sexta-feira, por uma chamada de vídeo. Eles demonstram conhecimento sobre o Brasil, admitem as culpas de seus próprios países nas emissões de gases de efeito estufa, comemoram a cúpula do clima, pela volta dos Estados Unidos aos esforços globais de combate às mudanças climáticas. Ambos disseram ter gostado da carta do presidente Bolsonaro ao presidente Biden e do discurso do brasileiro na reunião do clima. Mas alertam que é preciso ir além. “Queremos ver em breve os resultados dessas palavras nas taxas de desmatamento”, disse Nils Gunneng. “Estamos ansiosos para ver a tradução desse compromisso no plano concreto”, diz Heiko Thoms.
Os dois têm tido conversas com vários setores da sociedade brasileira, e, nos dias anteriores ao encontro convocado por Joe Biden, eles e outros embaixadores fizeram reuniões com políticos de diversos partidos, com empresários e ONGs. Perguntei o que eles têm ouvido. Segundo o embaixador alemão, todas as partes entendem que problemas ambientais têm um efeito negativo na reputação do país. “Os povos indígenas compreendem isso, os bancos compreendem isso”, diz Thoms.
O representante da Alemanha afirma que seu país é parceiro tradicional do Brasil na luta ambiental desde 1992, que a cooperação bilateral tem 70 anos e há um portfólio de investimento de US$ 9 bilhões. O representante norueguês conta que o Fundo Soberano tem investimentos de US$ 8 bilhões em ativos brasileiros. O grande nó das relações entre os dois e o Brasil atualmente é o Fundo Amazônia. Perguntei a Gunneng o que ele tinha a dizer sobre a afirmação de Salles de que o Fundo parou por decisão da Noruega. “É importante dizer que o Fundo foi congelado porque o governo brasileiro dissolveu a estrutura de governança unilateralmente sem o acordo da Noruega ou da Alemanha”, respondeu.
O embaixador da Alemanha acha que o “Brasil está bem posicionado” para se beneficiar da transição para a economia de baixo carbono. “Tem a tecnologia necessária, tem uma legislação sólida e produtores sérios.” Gunneng concorda e diz que o Brasil já mostrou ser capaz de produzir sem aumentar o desmatamento. “Nós queremos ver mais países pagarem por isso”. O embaixador alemão disse que “no mundo inteiro os consumidores querem saber de onde vem o bife que está no seu prato e como o seu smartphone foi produzido. Os investidores procuram opções verdes de investimento. Quem produz de forma sustentável tem vantagem competitiva”.
Perguntei a Gunneng o que a Noruega fará com sua economia tão dependente do petróleo, e a Thoms, sobre as emissões históricas da Alemanha. “Nós somos parte do problema”, admitiu o norueguês. “A Alemanha tem grandes desafios como o do carvão”, admitiu o alemão. Os dois, contudo, dizem que seus países estão determinados a fazer a necessária transição para uma economia de baixo carbono. Perguntei se era fácil explicar para os contribuintes os gastos com o Fundo Amazônia. “Sim e não. É fácil quando o desmatamento cai, é difícil quando ele sobe”, diz Nils Gunneng, da Noruega. No momento, então, está difícil explicar.
Ricardo Noblat: O paradoxo Bolsonaro – entre a pandemia e a CPI da Covid
O presidente colhe o que plantou
Quatro ministros da Saúde depois e com a estagnação do ritmo de vacinas aplicadas porque não as comprou a tempo, o máximo que fez até aqui o governo Bolsonaro contra a pandemia da Covid foi montar um comitê especial para cuidar do assunto formado por representantes dos três poderes da República e sob o comando de Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado.
Nos últimos 30 dias, o comitê instalado com toda pompa reuniu-se duas vezes e só produziu abobrinhas. Bolsonaro faz questão de manter-se diante dele. Não quer ouvir falar de máscara, lavar as mãos com álcool gel, e respeitar medidas de isolamento. Atrapalharia suas pregações diárias e passeios semanais, todos na direção contrária do que aconselha o comitê.
Prefere continuar insistindo com o uso da cloroquina e de outras drogas sem eficácia para combater o vírus – o tal do tratamento precoce que ele agora não chama pelo nome para não ter seus vídeos suspensos nas redes sociais. Ultimamente, deu para acenar com a intervenção do Exército contra qualquer tentativa de lockdown nacional ou de saques ao comércio.
De fato, o espantoso é que até agora, dado ao crescente número de desempregados e de pessoas que retornaram à condição de miseráveis, não se tenha notícia de atentados à ordem pública. Ao que tudo indica, Bolsonaro torce para que isso aconteça com a esperança de angariar novos poderes a pretexto de restabelecer o império da ordem e da lei. É o seu sonho.
Na outra ponta das preocupações do presidente está a CPI da Covid no Senado que será instalada na próxima terça-feira. Dos 11 membros da CPI, 6 são independentes e de oposição ao governo, e 5 mais ou menos governistas, a depender do andar da carruagem. Na verdade, a um ano das eleições gerais de 2022, ninguém ali está disposto a se imolar para salvar o mandato de Bolsonaro.
Cuide-se, Bolsonaro, portanto – e é o que ele passou a fazer mobilizando todos os recursos ao seu alcance. Deu ordem ao general Luiz Eduardo Ramos, chefe da Casa Civil, para que montasse uma força tarefa, composta por representantes de todos os ministérios, encarregada de coletar documentos e informações que possam ser usadas a favor do governo na CPI.
Estão sendo mapeados os funcionários e ex-funcionários do governo que poderão ser convocados a depor. E a eles será oferecido treinamento sobre como comportar-se e o que dizer em depoimentos e acareações. Dos ex-funcionários, o que inspira maior cuidados à força tarefa é o general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, desempregado e um pote de mágoas.
Uma marca indelével do governo Bolsonaro é a de estar sempre correndo atrás do prejuízo semeado por ele mesmo. Dito de outra maneira e bem ao gosto dos nordestinos: o presidente está como um vira-lata sem dono e perdido em meio à festa do santo padroeiro de uma cidade, a pular assustado daqui para acolá a cada vez que uma bomba estoura perto dele.
Eliane Cantanhêde: O nosso Exército, sem aspas
Objetivo não é usar Exército contra o caos, mas contra a CPI, o STF e a candidatura Lula
O ex-presidente Lula coleciona vitórias no Supremo e o presidente Jair Bolsonaro reage com medo a Lula e à CPI da Covid, ameaçando os governadores – e o País – com o Exército nas ruas. Está apoiado no GSI, no novo ministro da Defesa, general Braga Neto, no novo comandante do Exército, general Paulo Sérgio, e em todos os seus ministros? Isso não é brincadeira.
O Supremo já tem maioria pela suspeição do ex-juiz Sérgio Moro no caso do triplex do Guarujá, que levou Lula à prisão por 580 dias. O grande vitorioso é Lula, já em campanha para 2022. Os maiores derrotados são Moro e a Lava Jato. E perde também o relator Edson Fachin, que tentou favorecer Lula e a Lava Jato ao mesmo tempo. Não rolou.
Bolsonaro está em pé de guerra. Já não se refere ao “meu Exército”, mas ao “nosso Exército”, e embrulha seus propósitos com legalidade ao dizer que vai usar os militares para “fazer valer o artigo 5.º da Constituição”, sobre o direito de ir e vir, a liberdade de trabalho e culto. Mero pretexto, porque ele nunca esteve preocupado com direitos e não vê a hora, isso sim, de dar um golpe branco, dentro da lei.
Por que ele inviabilizou o Censo pelo segundo ano seguido? Pelo medo da terrível realidade que o IBGE divulgaria às vésperas da eleição. É justamente por causa dessa realidade, de desemprego, fome, drama social, que o presidente acena com Exército nas ruas.
O que evitaria esse caos? Liberar geral? Deixar o vírus tomar conta do País de vez? Não. É o oposto. Uma política nacional para restringir com rigor a circulação de pessoas e garantir rápida e maciçamente as vacinas é o que seguraria o vírus, aliviaria o sistema de saúde, garantiria a volta à normalidade e a reação da economia mais rapidamente.
Depois de exibir os generais Braga Neto e Eduardo Pazzuelo num ato de campanha em Goianópolis (GO), sem máscara e distanciamento social, Bolsonaro arranjou um cargo para Pazzuelo, pôs o general debaixo do braço e foi com ele a Manaus, síntese dos erros na pandemia. E há a primeira manifestação do novo comandante do Exército.
O general Paulo Sérgio tirou 10 ao praticar no Exército tudo o que Bolsonaro não praticou no País contra a pandemia. Não foi nomeado por isso, obviamente, mas entrou em sintonia com o presidente ao dizer que o Exército é 1) “vigoroso vetor de estabilidade e de garantia da ordem e da paz social” e 2) “esteve e estará sempre junto ao povo brasileiro”. Isso reforça a dúvida desta coluna em 18/4: que povo? A Nação brasileira ou o “povo” do Bolsonaro?
Excepcionalidade exige medidas excepcionais. Estados e municípios decretam restrições à circulação, a cultos e compras, não por serem sádicos, contra a Constituição e queiram destruir a economia, mas pelo oposto: porque têm de salvar vidas e recuperar o quanto antes a economia. Com a incerteza das vacinas, a arma é isolamento. Mas o presidente ataca pelos dois lados: é o grande culpado pela falta de vacinas e guerreia também contra os paliativos.
Bolsonaro é um prato cheio para a CPI e a entrevista do ex-secretário de Comunicação Fábio Wajngarten à Veja, apesar da dubiedade, põe mais pimenta ao acusar o Ministério da Saúde de Pazzuelo pelo fracasso na compra da Pfizer em 2020 e relatar que a questão foi tratada – e as chances desperdiçadas – dentro do gabinete presidencial.
Bolsonaro fez tudo errado desde o primeiro momento, deu no que deu. Agora, quer manipular o Exército, atacar os governadores e prefeitos e convencer o “povo” de que a culpa do caos é do combate à pandemia, não da sua total incompetência no combate à pandemia. Seu real objetivo é usar as Forças Armadas, não contra o caos que ele criou e alimenta, mas contra a CPI, o STF e a candidatura Lula.
Bernardo Mello Franco: Um país na escuridão
O governo alegou falta de verbas e cancelou o Censo de 2021. A pesquisa estava programada para 2020, mas foi adiada por causa da pandemia. Agora arrisca não acontecer nem em 2022, devido a cortes sucessivos no orçamento do IBGE.
A decisão condena o Brasil a um apagão estatístico. Não chega a ser uma surpresa. Os burocratas do bolsonarismo sempre desprezaram fatos e dados confiáveis. Preferem acreditar nas suas próprias versões.
No segundo mês de governo, o ministro Paulo Guedes reclamou que o questionário do Censo seria muito longo. “Se perguntar demais, você vai acabar descobrindo coisas que nem queria saber”, declarou. A frase espantou técnicos que o ouviam pela primeira vez. Era só um sinal do que estava por vir.
A pretexto de economizar, Guedes ordenou a redução do levantamento previsto para o ano seguinte. Ao justificar o corte, disse que o Censo fazia 360 perguntas. Na verdade, a última pesquisa básica fez 49. O ministro insistiu na tese. “Custa muito caro e tem muita coisa que não é tão importante”, decretou.
A ordem para mutilar o questionário abriu uma crise no IBGE. Técnicos avisaram que a medida comprometeria a qualidade do Censo. A presidente Susana Cordeiro Guerra não quis saber. Acatou a ordem do chefe e demitiu dois diretores que contestavam o corte.
No mês passado, foi a vez de Susana pedir o boné. Estava contrariada com a aprovação do Orçamento sem as verbas necessárias para organizar o Censo. Ela sabia que a pesquisa seria cancelada, mas não quis reconhecer o fiasco. Preferiu atribuir a saída a “motivos pessoais”.
Os ataques ao IBGE começaram logo após a eleição de Jair Bolsonaro. Em novembro de 2018, o capitão afirmou que os dados sobre o desemprego eram “uma farsa”. Cinco meses depois, disse que o índice só servia para “enganar a população”.
O negacionismo também atingiu outros órgãos federais. Quando o desmatamento da Amazônia começou a disparar, o presidente acusou o Inpe de divulgar “números mentirosos”. Seu diretor, o cientista Ricardo Galvão, foi demitido e chamado de “mau brasileiro”.
Na pandemia, o Ministério da Saúde comandou uma operação para maquiar os dados de mortos pela Covid. Os veículos de comunicação tiveram que montar um consórcio para apurar a real dimensão da tragédia.
Como alertaram oito ex-presidentes do IBGE, o cancelamento do Censo põe o Brasil num pequeno clube de países há mais de 11 anos sem uma pesquisa nacional. Nos casos de Líbia, Afeganistão e Haiti, o problema é consequência de guerras e terremotos. No Brasil, a causa é o desgoverno.
O apagão estatístico vai comprometer a formulação e a execução de políticas públicas. Causará prejuízos à saúde, à educação, ao transporte e à moradia. Deixará o país sem informações essenciais para planejar sua reconstrução pós-pandemia.
Para Bolsonaro, o cancelamento da pesquisa pode ter uma utilidade. Os dados jogariam luz sobre o tamanho da destruição promovida nos últimos anos. Sem conhecê-los, o eleitor terá que ir às urnas na escuridão.
Merval Pereira: O futuro adiado
Ao ler que o prêmio Nobel de Literatura Mario Vargas Llosa declarou apoio a Keiko Fujimori na disputa presidencial do Peru, alegando ser ela “o mal menor” diante o candidato de esquerda Pedro Castillo, fui tomado por uma sensação desalentadora de futuro adiado que experimento há anos, em relação ao Brasil e à nossa região.
Nós também no Brasil votamos no “mal menor”, raras vezes em um projeto de governo. Em busca permanente do “salvador da pátria”, acabamos escolhendo o “erro novo”. Jair Bolsonaro em 2018, Collor em 1989. Agora, possivelmente ficaremos em 2022 diante de dois “erros antigos”.
Lula, liberado pela Justiça para concorrer à eleição, deixa de ser “ficha suja”, sem ser “ficha limpa”, num paradoxo tão brasileiro que faz com que um ministro do Supremo, o “novato” Nunes Marques, vote a favor e contra a mesma ideia.
Ele considerou, na Segunda Turma, que o ex-juiz Sérgio Moro não é suspeito, mas aceitou, por questões regimentais controvertidas, que prevalecesse no plenário com seu voto a tese da falta de isenção de Moro no julgamento do triplex do Guarujá. A ministra Carmem Lucia mudou também de voto, de insuspeito para suspeito, em meio ao julgamento. Assim como ministro Gilmar Mendes votou a favor e contra a prisão em segunda instância, em julgamentos distintos, e ajudou a salvar Lula, assim como ajudara a prendê-lo. Lula foi vítima e beneficiário desses “passos trôpegos”, da balbúrdia jurídica oferecida pelo Supremo.
Apenas dois presidentes depois da redemocratização foram eleitos por projetos políticos: Fernando Henrique em 1994, com o Plano Real, e Lula em 2003, como alternativa ao que chamava de projeto neoliberal. Os dois foram reeleitos em 1988 e 2006, esgotando as últimas reservas dos projetos vitoriosos.
Lula chegou ao poder em 2003, depois de perder quatro eleições, porque se reinventou criando o personagem Lulinha Paz e Amor. E lançou a Carta aos Brasileiros. Mas também porque o segundo governo de Fernando Henrique, que teve méritos evidentes como a Lei de Responsabilidade Fiscal, a Rede de Proteção Social, origem do Bolsa-Família, dos genéricos e do combate à Aids, ficou marcado pela desvalorização do Real logo nos primeiros dias, o apagão de energia e a economia em situação difícil.
Paradoxalmente, para acalmar o mercado financeiro, Lula teve que escrever a Carta aos Brasileiros onde se comprometia a manter o tripé da política econômica: câmbio flutuante, meta de inflação e equilíbrio fiscal. Foi isso que garantiu o bom desempenho econômico no primeiro governo Lula, e o tripé é a base da política econômica até hoje. Ou era, pois o Centrão está aos poucos minando esse tripé, com o auxílio de Bolsonaro que, candidato à reeleição, escolhe aumentar os gastos.
O julgamento do STF que decidiu pela suspeição do juiz Sérgio Moro foi uma grande vitória política do ex-presidente Lula, e uma grande derrota do combate à corrupção do Brasil, que não cansa de regredir. Um país que teve avanço brutal no combate à corrupção volta à estaca zero, supostamente na defesa do estado de direito, de um justo julgamento. Um ministro como Ricardo Lewandowski, que admite que os diálogos roubados por um hacker são provas ilícitas “mas, enfim, foram amplamente divulgadas”, não deveria poder falar sobre suspeição.
Nem diante de todo o escândalo revelado, as forças políticas que continuam no poder, e a manter controle da situação, sempre encontram jeito de prevalecer, mesmo depois de cinco, seis anos. Tanto o combate à corrupção quanto o equilíbrio fiscal foram conquistas da sociedade brasileira, mas estão colocadas em perigo por um governo que se elegeu justamente para defendê-las.
O país do futuro de Stefan Zweig vai sendo eternamente adiado para ficar do tamanho de sua elite política e empresarial. E seguimos elegendo o populista da vez, revezando entre esquerda e direita, sem entendermos que o mundo lá fora, pelo menos o mundo que funciona, já está em outro patamar, discutindo o futuro.
Jamil Chade: Cúpula do Clima revelou que o Brasil encolheu
Bolsonaro descobriu que, sob seu Governo, não foi apenas a floresta que diminuiu. A sociedade encolheu, a expectativa de vida caiu, a economia contraiu, a comida no prato foi reduzida, o emprego desapareceu e as possibilidades de cruzar as fronteiras foram limitadas
Em dezembro de 2005, o mundo se reunia em Hong Kong para uma conferência sobre o comércio. Ali, regras seriam negociadas para permitir a construção de um sistema internacional mais equilibrado e uma base mais favorável para o desenvolvimento das economias em desenvolvimento.
Os olhos do mundo estavam fixados numa aliança improvável de países emergentes, o G-20, que insistia que as placas tectônicas do planeta precisavam começar a se mover.
Nunca contei essa história. Mas descobri que os principais ministros do grupo se reuniriam antes da conferência dar início para costurar uma estratégia. A meta era frear eventuais gestos da Europa e EUA para tentar manter seus indecentes subsídios agrícolas.
Também descobri que a sala reservada para a reunião tinha paredes extremamente finas e pensei que, se ocupasse uma sala ao lado e permanecesse em absoluto silêncio, poderia ouvir o que aquela reunião traria. Funcionou.
Mas o que também me deparei foi com a constatação de que praticamente só um país falava, só um país dava as cartas: o Brasil. A liderança era incontestável.
Não era uma condição exclusiva daquele governo. De fato, a postura de liderança do Brasil em debates internacionais conta com dezenas de episódios, independente da tendência política do Governo ou da situação econômica do país. Nos anos 80, fragilizado, a diplomacia do país marcou posição nas negociações comerciais em Punta del Leste.
No início dos anos 90 e ainda com uma democracia frágil, coube ao Brasil liderar de forma histórica os trabalhos da Conferência Mundial de Direitos Humanos realizada em Viena. Coube ao embaixador Gilberto Sabóia coordenar o comitê de redação da Declaração e Programa de Viena, uma primeira chancela internacional ao papel da democracia brasileira no mundo.
O país era protagonista da construção de um novo mundo que permitisse um espaço digno às economias emergentes. Chegou a ser visto como arrogante por parceiros menores e duramente criticado por apertar a mão de ditadores na busca por acordos.
Mas sempre considerado como líder, o Brasil buscava desenhar seu futuro. Nem sempre funcionou e, em certos momentos, a diplomacia nacional tentou exercer um papel que ia além da real dimensão do país no palco internacional. Mas nunca pecou por não se aventurar por esse caminho.
Nesta semana, porém, a Cúpula do Clima organizada para recolocar os EUA no centro do debate internacional, mostrou uma nova realidade: a de um Brasil encolhido, escanteado.
O presidente Jair Bolsonaro foi estrategicamente colocado para falar longe do momento em que os principais líderes davam seu recado. Deixado para o final da fila e com a palavra dada apenas depois que Argentina, Bangladesh, África do Sul ou Ilhas Marshall fizeram seus discursos, Bolsonaro descobriu que não lidera e não influencia parceiros.
Coincidência ou não, Bolsonaro discursou quando Joe Biden já tinha abandonado o evento.
Na cúpula, o brasileiro foi o símbolo de um presidente acuado, pressionado e sem a capacidade de dar as cartas, justamente no momento em que a comunidade internacional desenha o mundo pós-pandemia. Para se defender, mentiu. E o mundo não acreditou.
Ele terá de provar agora seu discurso. E não bastarão ações por parte de sua milícia digital e nem mesmo uma live. A comunidade internacional quer ver resultados concretos e redução real do desmatamento, mês à mês.
Enquanto tentava vender uma imagem de credibilidade para a comunidade internacional, o Planalto descobria que, pela sua gestão da pandemia, certas regiões do Brasil já contam com mais mortes que nascimentos, algo inédito na história do país.
A sociedade encolheu, a expectativa de vida caiu, a economia contraiu, a comida no prato foi reduzida, o emprego desapareceu e as possibilidades de cruzar as fronteiras foram limitadas.
Bolsonaro, na Cúpula do Clima, descobriu que, sob seu Governo, não foi apenas a floresta que diminuiu. O Brasil também encolheu.
Jamil Chade é correspondente na Europa desde 2000, mestre em relações internacionais pelo Instituto de Altos Estudos Internacionais de Genebra e autor do romance O Caminho de Abraão (Planeta) e outros cinco livros.
Marcus Pestana: O Brasil e as mudanças climáticas
O fato mais importante da semana foi a realização da Cúpula de Líderes sobre o Clima, reunindo quarenta chefes de governos, ato preparatório para a COP-26, a Conferência do Clima da ONU, que terá lugar em Glasgow, na Escócia, em novembro. Marca importante mudança de postura dos EUA, Joe Biden à frente, sobre as questões ambientais e o desenvolvimento sustentável, após o turbulento Governo Trump e sua postura negacionista frente às mudanças climáticas e suas consequências, que culminou com a saída dos EUA do Acordo de Paris firmado em 2015.
Nos últimos trinta anos, a agenda do desenvolvimento sustentável ganhou papel central no planejamento e nas ações de governos, da sociedade e das empresas. A consciência ecológica ganhou corações e mentes a partir do esgotamento de um modelo de crescimento urbano-industrial baseado em energias vindas dos combustíveis fosseis (carvão mineral, petróleo, gás natural, xisto betuminoso) e na intensa poluição do ar, das águas e da terra.
Para o Brasil se abre uma enorme oportunidade, mas há também riscos e ameaças. Tudo dependerá das escolhas que fizermos. Até a pouco, nosso país era protagonista no jogo político e diplomático na arena de discussão sobre o desenvolvimento sustentável. Não foi à toa que a Cúpula Mundial, a RIO-92, se deu em terras brasileiras. Temos uma das matrizes energéticas mais limpas do globo. Temos um dos melhores arcabouços legais na área ambiental. Temos um verdadeiro tesouro ecológico com uma das maiores biodiversidades do mundo e a maior floresta tropical do Planeta.
O atual governo, que chegou a namorar com o negacionismo ambiental de Trump, parece estar processando uma mudança de rota. Apresentou na Cúpula de Líderes a proposta de acabar com o desmatamento ilegal até 2030 e antecipar em dez anos o compromisso de zerar as nossas emissões de gases poluentes. Na carta enviada à Biden, Bolsonaro falou em fortalecer os mecanismos de comando e controle, trabalhar na regularização fundiária, implementar o pagamento por serviços ambientais, trabalhar no zoneamento ecológico-econômico e promover a bioeconomia, transformando nossa fantástica biodiversidade em atividades geradoras de emprego e renda sustentáveis.
As palavras precisam agora encontrar consequências práticas. Não é “passando a boiada” tendo a pandemia como biombo ou nos alinhando com madeireiros e garimpeiros ilegais que chegaremos lá.
A transição para uma nova matriz energética não é nada fácil. Os países ricos dependem em 79% dos combustíveis fósseis. China, EUA, União Europeia, Índia e Rússia são responsáveis por 59% das emissões poluentes, o Brasil por 2,19%. As estratégias globais não podem passar por negar oportunidades aos países pobres e em desenvolvimento e nem pela taxação de importações que gerem barreiras comerciais. A parceria tem que ser pra valer, um jogo de ganha-ganha. E o Brasil pode ser um grande captador de investimentos ambientais se superar a armadilha ideológica do falso dilema entre soberania nacional e cooperação internacional.
Para quem quiser se aprofundar no diagnóstico e na agenda do desenvolvimento sustentável recomendo o artigo do ex-ministro do meio ambiente José Carlos Carvalho e da socióloga Aspásia Camargo, “Meio Ambiente e Sustentabilidade” (disponível em psdb.org.br/wp-content/uploads/2020/12/BRASIL-PÓS-PANDEMIA-FINAL.pdf).
*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)
Cristina Serra: Sergio Moro no lixo da história
O Supremo consagrou a vitória do devido processo legal, do Estado de Direito e da justiça
Na sessão do STF que examinou a equivalência entre turmas e plenário como fóruns de decisão da corte, uma rápida discussão entre os ministros Luís Roberto Barroso e Ricardo Lewandovski resumiu o cerne do que estava em jogo: se vale tudo no Judiciário para perseguir e prender inimigos políticos ou se ainda podemos acreditar na prevalência do devido processo legal.
A Vaza Jato mostrou que o ex-juiz Sergio Moro sugeriu pistas, informantes e estratégias aos procuradores da Lava Jato, ou seja, tramou fora dos autos como chefe da investigação. Violou o direito básico do réu a um juiz imparcial e desprezou o código de ética da magistratura.
O ministro Barroso considerou que a Vaza Jato revelou apenas "pecadilhos", "fragilidades humanas", "maledicências". A complacência não passou em branco para Lewandovski, que lembrou outros excessos de Moro muito antes da entrada em cena do hacker e do site The Intercept, como conduções coercitivas e prisões preventivas excessivas.
Acrescento aqui a interceptação telefônica de advogados de defesa e o vazamento do grampo ilegal de conversa entre Lula e a presidente Dilma Rousseff. À época, a ilicitude mereceu apenas leve reprimenda do então relator da Lava Jato, Teori Zavascki, morto em 2017, e o assunto foi encerrado com pedido de "escusas" de Moro. Lewandovski assinalou também que as críticas ao modus operandi do ex-juiz não podem ser confundidas com defesa da corrupção. É uma distorção costumeira e que desqualifica esse debate.
Como o ministro Marco Aurélio Mello se aposentará em breve, espera-se que seja rápido na devolução do caso ao plenário. O Brasil precisa virar essa página. O que importa, porém, já está decidido. O Supremo consagrou a vitória do devido processo legal, do Estado democrático de Direito e da justiça. O ex-presidente Lula, impedido por Moro de concorrer em 2018, está livre para disputar em 2022. E Moro irá para o lugar reservado aos canalhas: a lata de lixo da história.
Adriana Fernandes: Guedes precisa ter sangue-frio diante das pressões por mais dinheiro
Será preciso sangue-frio para aguentar a insatisfação geral e se preparar para esse período difícil dos próximos meses.
Se o presidente Bolsonaro e o Ministério da Economia não estiverem preparados para a pressão dos órgãos por mais orçamento (verbas) até o terceiro trimestre, a chance de o acordo naufragar é grande.
Com riscos até de uma crise em proporções maiores do que a enfrentada no último mês depois que a lei orçamentária foi aprovada cheia de problemas com maquiagens nos números.
O “miolo” do ano é um período complicado em termos do impacto do aperto nos gastos. O funcionamento da máquina vai falhando... até que, no fim do ano, o Tesouro Nacional vai soltando o dinheiro à medida que as previsões mais conservadoras de gastos não se confirmam.
Em algumas áreas, as falhas começam primeiro, justamente naquelas que já estavam operando no limite com as despesas muito restritas e os problemas se avolumando. O caso que mais chama atenção é o corte quase a zero da verba para dar continuidade às obras da faixa 1 do programa Minha Casa Minha Vida, rebatizado pelo governo de Casa Verde e Amarela. Não tem como isso dar certo.
Se Guedes conseguir segurar a pressão, a avaliação técnica é de que tem chance de ter sido um bom acordo diante do tamanho do impasse criado pela decisão do governo, incluindo o próprio ministro da Economia, de fechar um acerto político para acomodar no Orçamento R$ 16,5 bilhões. Essa foi a fatura para a aprovação da PEC emergencial, que no curto prazo não serviu para muita coisa em termos de ajuste fiscal. O espaço para emendas nunca existiu e foi o pulo para a crise.
Todo mundo saiu perdendo na crise, mas o relator do Orçamento, Márcio Bittar, que fracassou completamente na tarefa que recebeu de conduzir os acordos e abrir espaço fiscal para gastos prioritários este ano, nem tanto. Bittar manteve nas mãos ainda muito poder, o comando de R$ 18,5 bilhões em emendas de relator, o que torna o governo mais refém do Congresso.
Esse foi o Orçamento mais difícil desde o de 2016, votado em dezembro de 2015, um dia antes da saída do então ministro da Fazenda Joaquim Levy, substituído por Nelson Barbosa, ministro do Planejamento até então.
Ministro da ex-presidente Dilma Rousseff, Levy viu ampliar o seu desgaste dentro do governo justamente após disputa para que o projeto do Orçamento não fosse enviado pela primeira vez no vermelho, com a previsão de déficit de R$ 30,5 bilhões, o que ocorreu de fato. A lei orçamentária de 2016 foi aprovada depois prevendo superávit, como queria Levy, de 0,5% do PIB, mas contando com R$ 10 bilhões de receitas de uma nova CPMF que nunca saiu do papel.
O Orçamento de 2016 acabou sendo “corrigido”, a CPMF não vingou e o resto é história. A ironia é que o relator desse Orçamento problemático foi o deputado Ricardo Barros, hoje líder do governo Bolsonaro na Câmara.
Mesmo com acordo do Orçamento entre Bolsonaro e Centrão, o problema das emendas de relator tende a se repetir, como um “fantasma” a assombrar os próximos orçamentos. Essa “inovação” orçamentária foi criada em dezembro de 2019 para a LDO de 2020, sob a relatoria do deputado Cacá Leão (PP-BA). O beneficiado com as emendas foi o relator do orçamento daquele ano, deputado Domingos Neto (PSD-CE).
Embora em menor proporção do que agora, uma briga política também se instalou no início do ano passado em torno do Orçamento. Para 2021, o governo mandou o projeto sem essas emendas de relator, mas elas acabaram vingando de novo.
Após acordo que está no radar no curto prazo, são as pautas-bomba (com impacto para o cofre do governo) que começaram a pipocar e dar as caras, como a derrubada de um veto do ex-presidente Lula de 11 atrás que trata de cargos de servidores da Receita e tem custo de R$ 2,7 bilhões.
A mais preocupante das pautas-bomba são duas medidas provisórias (1.016 e 1.017), que devem ser votadas e permitem a renegociação de dívidas de fundos constitucionais e de investimento da Amazônia e do Nordeste. Já tem gente prevendo que a fase de pauta-bomba da época do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha está de volta.