Bolsonaro

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O presidente da República e o comandante do Exército não podem ter a mesma expectativa em relação ao depoimento do ex-ministro da Saúde na Comissão Parlamentar de Inquérito. Para tirar a CPI das suas costas, interessa a Jair Bolsonaro mostrar a autonomia de Eduardo Pazuello, como general do Exército, nas condutas ora investigadas. Ao general Paulo Sérgio de Oliveira, convém o inverso. Que, na condição de militar agregado ao serviço civil, fique claro que Pazuello cumpriu ordens do presidente da República. Se o Palácio do Planalto fracassou em treinar o ex-ministro para enfrentar os senadores e o Ministério da Defesa encaminhou o pedido de adiamento de sua presença na CPI, foi o Exército quem negociou com o presidente da comissão, senador Omar Aziz (PSD-AM), o depoimento daquele que hoje é adido à Secretaria-Geral da corporação.

A permanência de Pazuello na ativa e a produção maciça de hidroxicloroquina pelos laboratórios do Exército arrastaram a corporação para a vala bolsonarista. Nos dois lados da linha, porém, havia um senador e um general interessados em preservar o Exército. A consequência só pode ser em prejuízo do presidente da República. A começar pelo adiamento. Quando Pazuello chegar ao Senado, em 19 de maio, a CPI já terá acumulado depoimentos, como os dos ex-ministros Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, que convergem para responsabilizar o presidente da República, além daqueles, aprovados ontem, dos ex-ministros Fabio Wajngarten e Ernesto Araújo, que são pura combustão. Por mais que Pazuello seja pressionado a nadar contra a maré, terá mais dificuldade em fazê-lo. Com o cerco já formado, o custo para o ex-ministro atestar a origem das ordens que recebeu será menor.

O presidente se deu conta do que estava por vir e tentou reforçar sua retaguarda na CPI. Pressionados a serem mais ofensivos, os senadores governistas partiram para cima da bancada feminina que, sem assento na CPI, havia arrancado um acordo que a permitisse participar dos debates. O senador Fernando Bezerra, líder do governo, ganhou uma vaga de suplente, mas não dá sinais de que será capaz de conter a avalanche. A reação ainda passou por dar ao ministro da Secretaria- Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, a missão de intermediar as relações entre o Palácio do Planalto e a CPI. Sai o ministro das Comunicações, Fábio Faria, que mandou para Mandetta a pergunta que lhe seria feita pelo senador Ciro Nogueira, e entra outro atrapalhado. Onyx, que é veterinário, já enalteceu nebulização de cloroquina, depois de o procedimento ter provocado mortes, e disse que o isolamento social não funciona porque inexiste “lockdown de insetos portadores do vírus”. A transmissão do SARS-CoV-2 dá-se por pessoas contaminadas.

O presidente age como se fizesse a coisa certa em meio a incompetentes. Foi capaz, por exemplo, de surpreender seus adversários pela quantidade de manifestantes que levou às ruas no 1º de Maio. A intenção era intimidar a CPI antes da tomada de depoimentos. O slogan dos manifestantes (“eu autorizo”) não poderia ser mais eloquente. Tanto que Bolsonaro se sentiu autorizado a ameaçar novamente com um decreto contra o isolamento social de prefeitos e governadores, a despeito da decisão do Supremo Tribunal Federal em defesa da autonomia federativa.

Bolsonaro pretendia manter a dobradinha. Ele convocaria a turba, ao lado dos filhos, para defendê-lo, desenterrando até mesmo o conflito, em Rondônia, com a Liga dos Camponeses Pobres, para criar uma ameaça contra a família e propriedade, enquanto seus articuladores agiriam para aglutinar a retaguarda no Congresso. Deu ruim. De um lado, a comoção popular com a morte do humorista Paulo Gustavo pela covid-19 neutralizou a arregimentação do 1º de Maio e aumentou a indignação com a incúria da pandemia. Do outro, sua retaguarda na CPI é incapaz de fazer a defesa do governo.

Numa terceira frente, na Câmara dos Deputados, seus aliados entram em modo xepa. É mais ou menos isso que move a ânsia reformista na Casa. Ao dissolver a comissão de reforma tributária antes mesmo que o relator, o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), concluísse o relatório que havia encomendado, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), não apenas cumpriu o desejo do governo de fatiar a proposta como tem a possibilidade de distribuir seus pedaços entre aliados de sua confiança. Com temas sensíveis como uma espécie de refis da crise e a tributação dos fundos fechados, a Câmara caminha para um vale-a-pena-ver-de-novo da era Eduardo Cunha.

Movimento no mesmo sentido aconteceu com a instalação da comissão de reforma política. O deputado que presidirá a comissão, Luís Tibé (Avante-MG), é pivô de um inquérito que corre no STJ sobre relações suspeitas entre advogados e magistrados. Este inquérito conta com conversas interceptadas pela Polícia Federal em que um desembargador relata as ingerências que o levaram a salvar o deputado de cassação. A comissão presidida por este parlamentar pode não apenas jogar por terra a maior chance de o país dar mais representatividade ao seu sistema eleitoral, com o fim das coligações e a cláusula de barreira (que ameaçam seu próprio partido), como também ressuscitar o financiamento privado de campanha.

Para a sorte da República, o ativismo da Câmara esbarra no Senado. Da mesma maneira que o projeto que liberava vacinação privada antes dos grupos prioritários, esses projetos correm o risco de naufragar na inexistência de um acordo com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).

Não é apenas um governo em frangalhos que move esta xepa, mas a perspectiva do poder em 2022. As costuras do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em Brasília esta semana, com Eunício Oliveira (MDB), Rodrigo Maia (ainda no DEM, em conversa com o PSD), Marcelo Freixo (Psol) e Fabiano Contarato (Rede) sugerem que o petista almeja avançar sobre o centro, engolir o espaço da terceira via e deixar o presidente como a única opção do radicalismo. Os aliados de Bolsonaro seguram o governo até a última raspa do tacho para chegar a 2022 posicionados para negociar. É o que rola por trás do picadeiro da CPI.

Fonte:

Valor Econômico

https://valor.globo.com/politica/coluna/por-tras-do-picadeiro-da-cpi-da-pandemia.ghtml


Míriam Leitão: O presidente e o delito continuado

O que a CPI mostrou até agora foi que o presidente Jair Bolsonaro impediu dois ministros da Saúde de agirem conforme as orientações técnicas e científicas durante a pandemia. O ato foi continuado. O ex-ministro Nelson Teich repetiu ontem diversas vezes a informação de que ele não concordava com a recomendação de uso da cloroquina e, por divergir disso, saiu. O ex-ministro Luiz Henrique Mandetta entregou carta a Bolsonaro, fez cenário, mostrou a gravidade da crise e teve que enfrentar uma assessoria paralela no Planalto que queria o uso da cloroquina. Não aceitou e, por isso, foi demitido. As orientações dos ministros poderiam ter salvado vidas.

O presidente da República amarrou a mão de seus ministros, os impediu de agir, não ouviu técnicos, ignorou a ciência, desafiou a medicina e impôs a sua forma de conduzir o país numa pandemia. E isso está nos levando à morte. Bolsonaro deu várias vezes sinais explícitos de que aposta na tese perigosa de ampliar a contaminação para chegar ao fim mais rápido da pandemia. Ontem, Nelson Teich foi claro: “Essa tese de imunidade de rebanho, onde você adquire a imunidade através do contato e não da vacina, isso é um erro.”

O ex-ministro Luiz Henrique Mandetta explicou que a crise seria longa, trágica, mataria, no pior cenário que fez, 180 mil brasileiros em 2020. Foram 11 mil a mais. Disse que não havia remédio, portanto era para seguir o que sempre foi usado nas epidemias de doenças infecciosas: o distanciamento social. O presidente o ignorou. Nem mesmo a máscara ele adotou. Pelo contrário, quem entra no Planalto é até constrangido a tirar a máscara, como me disse uma autoridade. Da mesma forma que o general Eduardo Ramos tomou vacina escondido, o código perto de Bolsonaro é esconder a máscara. Essa é a lógica tacanha de quem preside o país.

Mandetta diz que foi chamado a uma reunião no terceiro andar, gabinete do presidente, e lá viu a minuta de um decreto que imporia a mudança da bula da cloroquina. Estavam presentes pessoas estranhas ao governo, mas que o presidente ouvia sobre saúde, em vez de o ministro. Presente também o filho Carlos, que participa de reuniões ministeriais com direito a assento na mesa. Tudo era o retrato de um governo distorcido.

Teich contou que num dia houve uma live em que o presidente garantiu que ampliaria o uso da cloroquina e, no dia seguinte, ele falou a mesma coisa em uma declaração na saída do Alvorada. Isso sem a aprovação do ministro da Saúde. Foi essa a sequência final dos eventos que levou Teich a sair do governo, 29 dias depois de ter entrado.

Nesses dois dias da CPI ficou claro que o único ministro da Saúde que ele permitia ficar no cargo era um que aceitasse dizer a frase: “Senhores, é simples assim: ele manda, eu obedeço.” A propósito, Teich aceitou o general Pazuello como seu secretário-executivo, e com a experiência da proximidade disse que ele não tinha o conhecimento técnico suficiente em gestão de saúde para ocupar a posição de ministro da Saúde.

Pazuello ocupou o cargo, no meio de uma pandemia, porque era o único a aceitar o cabresto do presidente. Cabresto que ele tenta impor ao país com seu mandonismo agressivo. Ontem foi mais um dia de ameaças institucionais ao país, gritadas no meio de um evento oficial. Disse que vai baixar um decreto contra as medidas protetivas adotadas por prefeitos e governadores.

— Se baixar esse decreto, ele será cumprido e não será contestado, não ousem contestar — berrou Bolsonaro, querendo dizer que a Justiça não poderia revogar tal ato.

Ontem também o presidente fez novo ataque à China, insinuando que o vírus teria sido parte de uma guerra química, bacteriológica.

Poderia ser só insensatez, mas é muito mais. Bolsonaro está acuado. Está ficando claro que ele cometeu delito continuado na gestão da pandemia. Derrubou os ministros que queriam nos conduzir para um cenário de menos mortes e mais proteção, impôs um que seguiu todas as suas ordens e que agora está se escondendo na barra da farda do Exército. O comando de Bolsonaro foi claro: exposição ao vírus, cloroquina e ameaças autoritárias. Enquanto a CPI fazia nova radiografia do seu absurdo modo de governar, Bolsonaro deu mais um dos seus gritos. Queria distrair a atenção. O risco é o país não reagir a esse candidato a ditador.

Fonte:

O Globo

https://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/o-presidente-e-o-delito-continuado.html


Merval Pereira: Bolsonaro no limite

Por mais que o Exército faça para se distanciar de Bolsonaro, o presidente faz questão de incluí-lo em suas ameaças, voltando a confrontos institucionais que já o colocaram em desacordo anteriormente com o ex-ministro da Defesa Fernando Azevedo e Silva e o ex-comandante do Exército e general Edson Pujol. Voltou a chamar de “meu Exército” os militares que, segundo ele, podem sair às ruas para proteger o direito de ir e vir em caso de lockdown. E nenhum juiz ousará contestar essa decisão, garantiu em sua retórica abusiva.

A convocação do ex-ministro da Saúde e general Eduardo Pazuello pela CPI quase se transformou em princípio de crise, não fosse a iniciativa do senador Omar Aziz, presidente da CPI, de ligar ao novo comandante do Exército, general Paulo Sérgio, para esclarecer que Pazuello era convocado na qualidade de ministro civil, e não de general da ativa.

O novo comandante era chefe do Departamento do Pessoal do Exército, encarregado da logística de combate à Covid-19 dentro da corporação, e agiu de acordo com as orientações médicas. Por isso, Pujol certa vez deu o cotovelo para Bolsonaro, que lhe estendia a mão e ficou irritado.

O próprio general Paulo Sérgio escreveu um artigo em que se rejubilava pelo fato de a pandemia, no Exército, estar sendo muito menos letal entre os seus do que na média brasileira, justamente por seguirem orientações científicas. O artigo, que também provocou a ira de Bolsonaro, não impediu que a antiguidade se impusesse na escolha do novo comandante do Exército e mostra bem a diferença de visão entre os dois.

O presidente está claramente a perigo, se sentindo acuado pelos relatos que estão surgindo na CPI da Covid. Mais uma vez está escalando a retórica que domina, a da ameaça e do extremismo, para tentar criar uma situação crítica que obrigue as Forças Armadas a se posicionar. Aproveitando um discurso em cerimônia do Palácio do Planalto sobre a tecnologia 5G — que nada tem com o tema que abordou —, Bolsonaro deu um jeito de voltar a criticar a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de garantir a autonomia de governadores e prefeitos na definição de medidas restritivas durante a pandemia, que ele considera uma “excrescência”, por ter dado “competências esdrúxulas” a eles.

O ex-ministro Pazuello se preparava justamente para atacar o Supremo em seu depoimento na CPI, que acabou adiado por incapacidade do convocado de postar-se minimamente bem diante de seus arguidores. Bolsonaro é capaz de fazer um ato extremo, como ameaçou, com o objetivo de criar uma situação-limite e confrontar instituições como o STF para testar sua força popular. As manifestações do fim de semana a seu favor, em várias capitais, devem tê-lo convencido de que ainda é capaz de acionar multidões para reforçá-lo no poder.

Trata-se de movimento perigoso porque, estando acuado, é capaz de transpor a linha da legalidade.

Pode ser só uma bazófia, mas pode perfeitamente se transformar em realidade diante dos fatos, que estão sempre contra ele nos últimos tempos. Com essas bravatas, é possível acelerar um processo de impeachment, que está latente na CPI. Está protegido pela pandemia, que impede as pessoas de ir à rua. Mas, nesse ritmo, provoca ações de seus seguidores e dos contrários. E, se isso acontecer, as instituições terão que funcionar, inclusive o Exército, que terá de dizer se está do lado da democracia ou de um presidente claramente desequilibrado, que tenta fazer tudo para criar um ambiente político que facilite o autoritarismo.

A sorte é que, aparentemente, ele é minoria. A questão é saber se irá até o final, se testará nas ruas sua força. O mais grave, diante da falta de vacinas e do tamanho da tragédia que vivemos, é voltar a pensar alto besteiras como uma guerra biológica da China, que teria “inventado” o vírus da Covid-19 para poder crescer economicamente e superar seus competidores ocidentais. São os ecos ainda da visão conspiratória do ex-ministro Ernesto Araújo, que ficou no inconsciente dos remanescentes do governo e levaram o ministro Paulo Guedes a repetir a besteira numa reunião que era transmitida.

Fonte:

O Globo

https://blogs.oglobo.globo.com/merval-pereira/post/bolsonaro-no-limite.html


Rosângela Bittar: Podem me chamar de ‘05’

Antes que se pudesse decorar seu nome, o novo ministro da Justiça estreou, no fim de semana, com duas entrevistas recheadas de pérolas do estilo bolsonarista de comunicação confusa. O chamado padrão “00”.

Legítimo exemplar do time em que se notabilizaram Abraham Weintraub e Ernesto Araújo, já substituídos, e os ainda atuantes Ricardo SallesDamares Alves e Milton Ribeiro, o ministro Anderson Torres mimetiza a família presidencial. E escolheu a CPI da Covid para se apresentar.

Como fizera antes dele, com palavras iguais, o senador Flávio “01”, o ministro Torres honrou o espírito negativista do governo. Primeiro, deixou claro que, se Bolsonaro contaminar alguém porque aglomerou sem máscara, a culpa é do contaminado que se aproximou muito dele. Depois, proclamou a inoportunidade da CPI, indiferente ao fato de que ela já está funcionando e começou a ouvir, ontem, os depoimentos de ex-ministros da Saúde. Seria a hora oportuna quando não houvesse crime a apurar e culpados a punir?

Incidiu, também, na questão que já não se discute: a subordinação política da Polícia Federal aos caprichos presidenciais. Ameaçou os senadores com a requisição, para a CPI, dos inquéritos da Polícia Federal, sob sua jurisdição, e que tratam da aplicação das verbas da pandemia. Num acesso de criatividade, repetiu o bordão popularizado mundialmente pelo misterioso Garganta Profunda: siga o dinheiro…

Como se o escândalo da gestão federal da pandemia, objeto da CPI, não envolvesse, também, dinheiro. Além de negligência, omissão e negação da ciência. Três atributos marcantes da atuação do presidente.

O ministro da Justiça se esquece de que todos os governadores e prefeitos são políticos ligados a senadores e deputados. Todos, não só os da oposição. Nem o governista sênior da CPI, Ciro Nogueira, pode negar sua ligação histórica, em muitas campanhas e várias administrações, com o governador do Piauí, Wellington Dias, do PT.

Esta questão, no entanto, deve ser resolvida com a convocação do próprio ministro Anderson Torres para depor. E esperar dele maior apreço ao Parlamento do que o dispensado pelo ex-ministro general Eduardo Pazuello. Cujo depoimento, antes marcado para hoje, foi adiado porque a testemunha alegou cumprir quarentena por ter tido contato com infectados.

Com um delegado da Polícia Federal e um auditor do Tribunal de Contas na assessoria do relator, será possível à CPI precisar o que o novo ministro da Justiça quis dizer ao País enlutado.

A advertência mais surpreendente do espetáculo de estreia, porém, foi a sua afirmação de que a CPI da Covid não pode ser política. Mas, exclusivamente, técnica. As CPIs são políticas ou não são CPIs. O que seria uma CPI técnica? Estará Anderson Torres confundindo o inquérito parlamentar com as indispensáveis perícias datiloscópicas e grafológicas do seu universo policial?

A CPI da Covid, aliás, é mais política que qualquer outra. Nada fará que não gere fato político. Seja para o governo se defender, seja para a oposição acusá-lo. Está vinculada, fortemente, à sucessão de Jair Bolsonaro em 2022.

A crença do presidente da República, e só ele acredita nisso, de que foi ele mesmo, com seus argumentos e sua imagem, que venceu em 2018, é equivocada. Quem perdeu para Bolsonaro foi o centro, que agora quer retomar a sua posição na eleição do ano que vem. É para isso que os liberais trabalham com determinação.

O PSDB, o MDB, o DEM e o PSD querem estar de volta ao segundo turno. Certamente, acreditam que vão disputá-lo com um candidato da esquerda, PT ou PDT, que tem sempre vaga garantida na final. A CPI da Covid demarcará os espaços.

Fonte:

O Estado de S. Paulo

https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,podem-me-chamar-de-05,70003704191


Carol Pires: Bolsonaro contra as mulheres

Bolsonaro já tem esboçado um projeto de lei que institui o 8 de outubro como Dia Nacional do Nascituro e de Conscientização sobre os Riscos do Aborto. É o prenúncio de uma ofensiva contra direitos arduamente conquistados. E também um aceno aos seus idólatras.

Nos últimos dois anos, foram apresentados 43 projetos de lei no Congresso sobre interrupção voluntária da gravidez —praticamente a mesma quantidade oferecida entre 1995 e 2018. Dos atuais, 11 são de autoria da deputada fluminense Chris Tonietto, do PSL, que dedica seu mandato a cercear o direito das mulheres.

O projeto mais recente de Tonietto quer vetar o serviço de aborto por telemedicina, fundamental para cumprir o direito de mulheres em meio à pandemia. No mais retrógrado, quer proibir o aborto em casos de estupro e até mesmo quando a mulher corre risco de morte. Justifica que “nunca ocorre o caso em que o aborto é necessário para salvar a vida da gestante”. Por ignorância, crueldade ou para ocultar que a pauta é de saúde pública, ela ignora casos de eclampsia, diabetes gestacional, anemia grave e o risco aumentado de hemorragia pós-parto para menores de 15 anos.

Represados pelo ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia, projetos desse nível podem contar com a cumplicidade de Arthur Lira, sócio oportuno do bolsonarismo. Seria um reforço de peso ao Executivo, que vem fazendo estragos através da pastora Damares Alves (que tentou até mesmo impedir que uma criança vítima de violência sexual tivesse o acesso ao aborto garantido por lei) e do Ministério da Saúde, que já editou portarias impondo constrangimento às vítimas de estupro.

Em minoria no Congresso, os progressistas não têm ambiente político para armar uma pauta propositiva. Por terem cedido à pressão de líderes religiosos conservadores enquanto estiveram no poder, hoje precisam atuar na contenção de danos. É urgente que se posicionem, porque a linha de ataque do outro lado está formada.

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2021/05/bolsonaro-contra-as-mulheres.shtml


Hélio Schwartsman: Suborno vacinal

Enquanto a maior parte dos países ainda se esforça para conseguir doses de vacinas contra a Covid-19 para cidadãos ávidos por tomá-las, os EUA já começam a ter de lidar com o problema das pessoas que resistem a imunizar-se. Não é uma questão trivial.

Pelo que leio na imprensa americana, especialistas agora estão dizendo que, diante da resistência vacinal, das variantes, das reinfecções e da porosidade das fronteiras, o mais provável é que jamais antinjamos a famosa imunidade de rebanho —o limiar de indivíduos vacinados ou recuperados a partir do qual o vírus já não conseguiria circular numa dada população.

Isso significa que a doença deve continuar entre nós, causando hospitalizações e mortes —mais ou menos como ocorre com a gripe. O que se espera é que, com a vacinação e revacinações periódicas, consigamos diminuir drasticamente a ocorrência de quadros mais graves, de modo que possamos retomar a normalidade (ainda que com modificações).

Nesse contexto, é importante tentar reduzir tanto quanto possível a resistência à imunização. Pragmáticos, os americanos estão testando ideias para isso. Uma delas, pagar as pessoas para serem vacinadas, pode funcionar. Uma pesquisa da UCLA com americanos ainda não vacinados mostrou que um incentivo de US$ 100 deixaria 34% deles mais propensos a dar o braço à seringa. Se o prêmio for de US$ 50, a proporção cai para 31% e, se for de US$ 25, para 28%.

Será que é ético pagar um indivíduo para fazer o que é melhor para si, como tomar vacinas, parar de fumar, perder peso, tirar boas notas? Muita gente torce o nariz para isso. Vê aí um tipo de corrupção, não apenas dos agentes mas também da própria atividade. Se eu “suborno” alguém para ler um livro, desvirtuo o sentido da educação. Penso exatamente o contrário. Se existe um atalho, ele funciona bem e produz resultados que têm relevância pública, é tolice não utilizá-lo.

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2021/05/suborno-vacinal.shtml

 


Ricardo Noblat: PSD de Kassab terá candidato a presidente na eleição de 2022

Poucos metros separam os hotéis onde estão hospedados em Brasília o ex-presidente Lula e o ex-prefeito de São Paulo e presidente do Partido Social Democrático (PSD) Gilberto Kassab.

Nos corredores do Senado, enquanto o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta depunha na CPI da Covid-19, espalhou-se a notícia de que Lula e Kassab tomariam café juntos.

Fake news. Até o início da noite, Lula não havia convidado Kassab para uma conversa ao pé do ouvido. Os dois ficarão em Brasília até amanhã. Mas se convidar, Kassab irá.

“Sou uma pessoa educada e não recusaria o convite de um ex-presidente da República”, disse Kassab a este blog. O que não quer dizer que Kassab admite apoiar Lula na eleição do ano que vem.

“O PSD terá candidato a presidente, mas não será do PT”, garante Kassab, e para por aí. Não disse se será um candidato próprio ou de outro partido. Mas não será nem Lula nem Bolsonaro.

Fundado em 2011, o PSD apresentou-se à época como um partido que não seria de direita, nem de esquerda, nem de centro. Dez anos depois, o PSD pode ser de direita, de esquerda ou de centro.

Tudo depende do momento e das alianças possíveis a serem feitas nos Estados e Municípios. Kassab prefere chamar isso de “pragmatismo responsável em favor do país”. Vá lá que seja…

O prefeito do Rio Eduardo Paes já foi do PV, PFL, PTB, PFL de novo, PSDB, PMDB e DEM. Filiou-se, ontem, ao PSD de Kassab, que poderá ser o destino de Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Parte do PSD carioca corteja o governador Cláudio Castro, filiado ao Partido Social Cristão (PSC). Mas Castro ficará onde está ou irá para onde o presidente Jair Bolsonaro mandar.

Fonte:

Metrópoles

https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/ricardo-noblat/psd-de-kassab-tera-candidato-a-presidente-na-eleicao-de-2022


Fernando Exman: A CPI entre o eleitor na ponta e o poder central

Disse certa vez um experiente parlamentar a seu herdeiro político: “Brasília é um perigo porque é uma bolha. É um equívoco as pessoas acharem que Brasília é real. Em Brasília, nós estamos sempre de passagem. A pessoa não pode achar que é senador e Brasília é eterna. Ela tem que passar aqui três ou quatro dias e voltar para o mundo real toda semana, porque é de lá que a vida real a alimenta. A bolha acaba te retratando uma realidade que difere do que acontece na ponta”.

Esse ensinamento de pai para filho ocorreu num passado longínquo – bem antes de o novo coronavírus surgir, espalhar-se pelo mundo, provocar uma tragédia humanitária e o Senado instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar responsabilidades pela péssima condução do enfrentamento da pandemia no Brasil. E vale ponderar que a capital federal mudou desde então: o aumento da pobreza é perceptível para aqueles que se propõem a observar o que vem ocorrendo nas ruas, mesmo que através dos vidros fumês dos carros oficiais. O Distrito Federal também enfrenta desafios para vacinar seus habitantes.

Mas, o conselho permanece atual. Explica, em parte, a postura de governadores e de seus aliados no Senado Federal. Está evidente a divisão entre os senadores que foram escalados na CPI para defender o poder central, aqueles que pretendem atacar seus adversários locais e os que de alguma forma dão suporte político, a partir de Brasília, às administrações que atuam na ponta.

Muitos senadores e governadores, estes se convocados, demonstrarão mais preocupação com as mensagens que chegarão à tal “ponta”. É lá que o cidadão vive, morre, passa fome, vê seus familiares e amigos sofrerem. Foi onde faltaram leitos de UTI, oxigênio, equipamentos individuais de proteção. Na ponta, as doses de vacina ainda demoram a chegar.

Segundo o Ministério da Saúde, aliás, o impacto esperado das ações de vacinação só tem início após cerca de 30 dias da distribuição das doses. A estimativa considera o tempo da operação logística e o período necessário para o desenvolvimento da resposta imune da população.

Do ponto de vista político, o que se tem certeza é que o calendário eleitoral de 2022 aguarda a todos e será devidamente observado – com ou sem pandemia. E é por isso que, se convocados, governadores prestarão depoimentos olhando mais para seus Estados. Buscarão os ouvidos dos eleitores.

Para alguns deles, as pautas que determinarão o resultado das eleições do ano que vem são as iniciativas voltadas à atenção à saúde e as medidas de apoio econômico que cada um tiver adotado durante a crise. Muitos Estados lançaram seus próprios pacotes de socorro e auxílios emergenciais, uniram-se a fim de comprar equipamentos e, agora, tentam adquirir vacinas.

“A sociedade espera de quem foi eleito encontrar solução e não ficar buscando culpados ou adversários. Fomos eleitos para buscar soluções”, diz um governador. “O cidadão que está sofrendo em casa espera do seu líder uma mensagem de solução e de esperança. É isso que temos que garantir para a sociedade. Isso não é empurrar com a barriga. Por isso nós fomos buscar a vacina.”

Um outro governador reclama da demora na chegada de novas levas de imunizantes e alerta que a falta de informações atualizadas e detalhadas sobre a população, em razão de dificuldades orçamentárias para a realização do censo, é algo que preocupa. Pode haver dificuldades na execução de políticas públicas na área da saúde, inclusive durante o processo de vacinação.

Fica também claro o roteiro defendido pelos porta-vozes do Executivo. De acordo com eles, deve-se ter alternância entre as testemunhas. A ideia é poder gerar pelo menos alguns constrangimentos a governadores e prefeitos.

Elaborada a partir do Palácio do Planalto, essa estratégia pretende destrinchar as denúncias de eventuais desvios de recursos transferidos para Estados e municípios, possíveis fraudes em licitações, irregularidades em contratos, superfaturamentos e assinaturas de contratos com empresas fictícias. Ou seja, depurar como se deu o uso das verbas pelos entes federados.

Não se trata de pouco dinheiro. Um dos requerimentos apresentados pelos governistas aponta que até o fim do ano passado a Polícia Federal realizou mais de 60 operações. Investiga-se a compra de equipamentos individuais de proteção, como máscaras e aventais, a aquisição de respiradores artificiais e a assinatura de contratos para a construção de hospitais de campanha. Negócios que teriam movimentado cerca de R$ 2 bilhões, segundo o requerimento.

Essas operações policiais ganharam destaque no noticiário e foram incorporadas no discurso do presidente e de ministros. É um tema com apelo entre os eleitores de Bolsonaro, mas que, se aprofundado pela CPI, pode até acabar ajudando na reação dos gestores estaduais. Aliados dos governadores sempre questionaram se a Polícia Federal pode ter sido instrumentalizada para satisfazer interesses políticos do grupo que hoje ocupa o poder central.

“Há de se avaliar quais foram as iniciativas e o porquê dessas iniciativas, para que nós possamos ter a conclusão do que foi feito com transparência e principalmente levando em consideração as circunstâncias do momento”, afirma um governador, ponderando que não se deve falar em superfaturamento quando as condições de mercado estão distorcidas, com o crescimento da demanda mundial e redução da oferta de equipamentos e insumos relacionados à pandemia.

Pelo que se viu até agora em função da correlação de forças dentro do colegiado, dificilmente a CPI deve esmiuçar o que ocorreu nos Estados. O que deve ficar patente, porém, é que no mínimo Bolsonaro abdicou da missão de liderar a nação na luta contra o vírus. Governadores querem que ao menos a comissão produza um registro histórico, responsabilize quem faltou com a população e nomeie aqueles que tentaram buscar soluções.

Fonte:

Valor Econômico

https://valor.globo.com/politica/coluna/a-cpi-entre-o-eleitor-na-ponta-e-o-poder-central.ghtml


Malu Gaspar: Exército trabalha para descolar imagem de Pazuello de militares na CPI da Covid Visualizações: 34

O Exército vem trabalhando nos últimos dias para impedir que o depoimento do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello na CPI da Covid prejudique  a reputação da força. O comandante do Exército, general Paulo Sergio Nogueira de Oliveira, conversou sobre o assunto na segunda-feira à noite com o presidente da CPI da Covid, Omar Aziz.

Nos últimos dias, também fez chegar a Pazuello recados para que o ex-ministro não associasse sua atuação no ministério aos papéis que desempenhou no Exército. Temia-se, inclusive, que Pazuello pudesse comparecer de farda à CPI – o que foi desencorajado nas mensagens enviadas ao ex-ministro.

Pazuello tranquilizou os interlocutores e prometeu ir ao Senado à paisana. Mas o comportamento do ex-ministro nos treinamentos prévios à CPI, no final de semana, deixou os militares preocupados.

Num dos momentos de maior tensão, o ex-ministro se exasperou e começou a dizer que não iria admitir ser abandonado, por que estava cumprindo uma missão como oficial da ativa.

A expressão acendeu um alerta no Exército, preocupado com a forma como Pazuello pudesse descrever sua atuação no ministério. Foi por isso que, além de reforçar a ordem para que Pazuello não ostentasse seu vínculo com a força no depoimento, o comandante Paulo Sérgio decidiu também procurar o senador Omar Aziz.

Na conversa, na segunda-feira à noite, Aziz garantiu que a CPI ouviria Pazuello como ministro e não como general ou militar – a pessoa física e não a pessoa jurídica, como ele mesmo disse na conversa, segundo fontes próximas a Aziz.

O presidente da CPI e o comandante do Exército se conhecem há muitos anos. O senador foi governador do Amazonas quando o general era comandante da 12ª Região Militar, com sede em Manaus. O general Paulo Sérgio passou dez anos na Amazônia em diferentes funções.

Na conversa com Omar Aziz, o comandante também informou em primeira mão ao presidente da CPI que Pazuello talvez não pudesse prestar ao depoimento porque dois coronéis com quem ele tinha estado no final de semana estavam com suspeita de Covid.

Um desses coronéis é Elcio Franco, ex-secretário-executivo de Pazuello, que também acompanhou o treinamento do ex-ministro no Palácio do Planalto, no final de semana. A suspeita de Covid foi depois confirmada, e Pazuello conseguiu adiar o depoimento para o dia 19 de maio.

Fonte:

O Globo

https://blogs.oglobo.globo.com/malu-gaspar/post/comandante-do-exercito-trabalha-para-descolar-imagem-de-pazuello-de-militares-na-cpi-da-covid.html

 


Zeina Latif: Haverá apoio para aventuras?

A eleição presidencial está distante, mas contamina o cenário econômico. Mostra disso é que não cessam as pressões por mais gastos na novela do orçamento, em meio à crescente fragilidade do governo.

Difícil é distinguir o que é fruto da intenção de alavancar Bolsonaro e o que são os interesses paroquiais de parlamentares que reconhecem o risco político de ser aliado do presidente.

Os presidentes que buscam a reeleição costumam ser os favoritos nas corridas eleitorais. Contam com o poder de usar a máquina pública em seu benefício e têm maior potencial de apoio, que se traduz em arrecadação de recursos de campanha e tempo de TV.

Bolsonaro, que ainda procura um partido para chamar de seu, provavelmente não contará com as mesmas vantagens, a depender do cenário de baixa aprovação em 2022. O cacife de um político decorre de sua perspectiva de poder.

Seu ponto de partida é bem menos favorável. A avaliação positiva do governo estava em 30% em meados de março (Datafolha), inferior aos cerca de 42% dos ex-presidentes em período equivalente.

Em termos líquidos, o degrau é maior: -14% (30% menos 44% de ruim/péssimo) ante cerca de +25% dos antecessores. E a aprovação seguiu em queda, segundo a pesquisa Exame-Ideia: 23% para avaliação bom/ótimo no dia 22 de abril ante 27% em 25 de março.

O espaço para melhora adiante parece limitado. O presidente pouco conseguirá capitalizar o avanço da vacinação, pois esta nunca foi sua bandeira, pelo contrário. Além disso, a Coronavac de João Doria e a CPI da Covid poderão atrapalhar suas pretensões.

Na economia, mesmo considerando um cenário otimista de controle da pandemia até 2022 – algo improvável segundo muitos especialistas -, há limites para uma puxada do mercado de trabalho, variável chave para a aprovação de qualquer governo.

Mesmo com a renovação de medidas de socorro, não será possível repetir, nem de longe, a dose de estímulos de 2020, que totalizaram 10% do PIB, incluindo recursos do Tesouro e crédito direcionado. Vale notar que, em sua maioria, são medidas de curto alcance para preservar o consumo de famílias e evitar demissões.

Nada que gere ganhos mais perenes, como no caso de ações para treinar a mão de obra ou financiar a inserção tecnológica de pessoas e empresas. Soma-se a isso a necessária alta de juros pelo Banco Central, cujo efeito máximo sobre a economia se dará em 2022.

É verdade que o relaxamento do isolamento social irá beneficiar os segmentos de serviços que mais contratam, mas muitos indivíduos estarão à margem do mercado de trabalho por falta de qualificação adequada às exigências da tecnologia.

Difícil reverter o quadro observado em 2020, quando o número de ocupados com ensino superior completo cresceu 7,6%, enquanto os demais amargaram com o recuo de 13,2%. Está contratada a piora adicional dos indicadores de desigualdade, um combustível extra para a insatisfação social.

Adicionalmente, a busca de ganhos de produtividade pelas empresas reduz o potencial de contratações no curto-médio prazo. A indústria, por exemplo, retomou os patamares de produção pré-crise, mas pouco contratou.

Fevereiro registrou recuo de 10,8% no número de ocupados na comparação anual. O mesmo ocorreu em outros setores, como apontou Naercio Menezes Filho, no Valor.

A baixa popularidade tende a afastar mais apoiadores e aliados. Não à toa o mercado financeiro especula precocemente como seria o governo Lula.

Os mares também serão revoltos em outras frentes. Com o desgaste de Paulo Guedes, incluindo as polêmicas que pululam nas redes sociais, talvez o presidente busque outro Posto Ipiranga, repetindo o gesto de Dilma na campanha ao descartar Guido Mantega em seu segundo mandato.

Qualquer que seja o desfecho, é improvável que consiga repetir a fórmula de 2018, com um futuro ministro amealhando o apoio de investidores e empresários. Seu descompromisso com reformas afasta bons nomes.

A bronca no exterior com Bolsonaro tampouco ajuda. Constrangimentos e retaliações ao governo poderão crescer. Não haverá sua foto ao lado de líderes de países com interesses no Brasil.

São muitos pratos a equilibrar. Na falta de malabaristas competentes, cresce o risco fiscal, com terrível legado para o próximo governo. Fica a dúvida: quanto o Centrão vai topar a aventura para apoiar um candidato mais fraco do que supunha, em meio ao escrutínio de investidores?

Fonte:

O Globo

https://oglobo.globo.com/economia/havera-apoio-para-aventuras-25003196


Bernardo Mello Franco: Aposta na morte

No primeiro depoimento à CPI, Luiz Henrique Mandetta resumiu a atitude de Jair Bolsonaro na pandemia. Em vez de se guiar pela ciência, o presidente escolheu o caminho do negacionismo. Sabotou as medidas de distanciamento, receitou remédios milagrosos e tapou os ouvidos para as más notícias.

Mandetta evitou o embate direto, mas reforçou a principal suspeita da oposição. No lugar de combater o vírus, o capitão apostou na tese da imunidade de rebanho. Distribuiu cloroquina e mandou a população voltar às ruas antes da chegada da vacina. Foi uma aposta na morte, que ajuda a explicar as mais de 410 mil vidas perdidas até aqui.

O ex-ministro contou que o chefe tinha um “assessoramento paralelo”. Um dos conselheiros era o vereador Carlos Bolsonaro, suspeito de comandar a máquina de fake news do governo. Ontem o Zero Dois tuitou que o depoente deveria sair preso do Congresso. Se a CPI avançar sobre as milícias digitais, a maldição ainda pode se voltar contra ele.

Mandetta economizou nos adjetivos para Bolsonaro, mas soltou a língua ao criticar Paulo Guedes. Definiu o ex-colega como um personagem “desonesto intelectualmente” e “pequeno para estar onde está”. O ataque amplia o desgaste do ministro da Economia, que vem perdendo sustentação política e agora deverá ser convocado à CPI.

A sessão de ontem também serviu para mostrar o despreparo da tropa governista. Na véspera do depoimento, o ministro Fábio Faria enviou a Mandetta, por engano, uma das perguntas que seriam feitas pelo senador Ciro Nogueira. Ao revelar a gafe, o ex-ministro expôs mais uma trapalhada do Planalto.

Não foi a única do dia. O general Eduardo Pazuello virou piada após apresentar uma desculpa mambembe aos senadores. Ele pediu para adiar seu depoimento porque teve contato com pessoas infectadas pela Covid-19. Há poucos dias, foi flagrado sem máscara num shopping. Desprezou a ameaça do vírus, mas está morrendo de medo da CPI.

Fonte:

O Globo

https://blogs.oglobo.globo.com/bernardo-mello-franco/post/aposta-na-morte.html

 


Vera Magalhães: CPI não pode ser placebo

Não foi à toa que senadores até respiraram aliviados com o atestado que Eduardo Pazuello apresentou para fugir da raia e não depor hoje. A CPI da Covid, se ouvisse o ministro da Saúde responsável pelo maior número de mortes que tivemos até aqui sem nenhum preparo, como se viu nesta terça-feira, ajudaria a narrativa do governo de que não há crime, omissão nem sequer erro na condução dos protocolos de saúde.

Para que não seja um placebo de açúcar, esta CPI precisa urgentemente entender que, sem um corpo técnico consistente, não irá a lugar algum.

Na CPI dos Correios, a última de fato robusta que tivemos no Congresso, e lá já se vão 11 longos anos, a “batcaverna”, como chamávamos a assessoria técnica que carregava o piano, era a área mais frequentada por jornalistas que publicavam as informações exclusivas resultantes de quebras de sigilos, cruzamentos de saques no famoso Banco Rural etc.

Numa investigação sobre pandemia, os técnicos necessários para que os senadores não paguem mico com perguntas sem pé nem cabeça não são os mesmos de CPIs anteriores. Mais que auditores da Receita ou delegados da Polícia Federal, é preciso que presidente, vice e relator requisitem infectologistas, sanitaristas e especialistas em saúde pública e no funcionamento do SUS para auxiliá-los.

Há também que fazer uma lição de casa mínima. O Tribunal de Contas da União já produziu cinco relatórios de acompanhamento das ações do Ministério da Saúde ao longo da pandemia. O último, que detalhei no meu blog no GLOBO, tem 96 páginas e se detém sobre questões como a ausência de uma campanha de comunicação eficiente da pandemia, a falta de protocolo necessário para o tratamento da Covid-19, a ausência de testagem, a falta de rastreamento de contatos e de previsão orçamentária para fazer frente a gastos importantes no enfrentamento da emergência sanitária.

Os relatórios dizem respeito às gestões dos três ministros da Saúde anteriores a Marcelo Queiroga. Sugerem punições a eles e a subordinados. Portanto, já constataram falhas, omissões e a desobediência em implementar recomendações.

Esses textos deveriam estar na mesa de cada um dos senadores, anotados com canetas marca-texto por seus auxiliares, transformados em requerimentos de informação para a solicitação de documentos (que, aliás, estão enumerados ali) e para a cobrança de providências concretas. Nada disso foi feito até aqui.

Diante da falta absoluta de compreensão dos meandros administrativos de uma pasta complexa e capilarizada como a Saúde, e das atribuições de cada um dos entes federativos, os senadores só conseguem reproduzir a cantilena tosca segundo a qual ou a culpa é toda de Bolsonaro ou toda dos governadores e prefeitos. Assim não se avançará um milímetro, e até o despreparado e incapaz Pazuello, um general que se pela de medo de se sentar num banco de CPI, tem chance de se sair bem.

Mesmo para a oitiva de executivos da Pfizer será necessário que os integrantes da CPI estudem bem mais. É preciso estabelecer a cronologia e a cadeia de comando que levou o governo Bolsonaro a abrir mão de comprar uma vacina que já era promissora quando lhe foi oferecida, pois isso, sim, foi um ato deliberado que levou a mortes e ao atraso na imunização da população brasileira, ambos fatos mensuráveis.

Esse é o caminho para que a CPI não fique só no gogó e produza um relatório capaz de embasar uma denúncia do Ministério Público Federal e uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF). Não por outra razão, os senadores precisam atuar em consonância com o STF, onde há um inquérito em andamento sobre o tema. Uma visita do comando da CPI ao ministro-relator desse inquérito, Ricardo Lewandowski, pode estabelecer um intercâmbio de informações entre as duas instâncias que apuram o assunto.

Fonte:

O Globo

https://blogs.oglobo.globo.com/vera-magalhaes/post/cpi-nao-pode-ser-placebo.html