Bolsonaro

Dora Kramer: Largados e pelados

Bem nas fotos das pesquisas, Ciro e Bolsonaro perdem para Alckmin no quesito confiança

A retomada da temporada eleitoral pós-Copa já acontece em ritmo de fatos relevantes. Dois, nesta semana: a adesão dos partidos do chamado centrão ao tucano Geraldo Alckmin e o isolamento de Jair Bolsonaro e Ciro Gomes no quesito alianças eleitorais. Certo de que conquistaria aliados à direita, Ciro flexibilizou posições, amenizou o discurso, mas não evitou levar uma rasteira de última hora. Por dois motivos: a mania de insultar a tudo e a todos e a ausência de firmeza ideológica, fatores que suscitam desconfiança.

Bolsonaro tem sofrido repetidas recusas de candidatos a vice na chapa de uma forma particularmente humilhante, pois as recusas ocorreram depois de anunciados os nomes pretendidos pelo deputado. Ciro e Bolsonaro reagiram na base do desprezo pelas uvas verdes, fazendo de conta que não se abalaram. Ambos menosprezaram o fator aliança. Da boca para fora.

Realmente, a adesão de partidos não garante eleitores, mas assegura tempo de televisão. Para quem dispõe, como os dois, de apenas parcos segundos cada um, a conquista de tempo no horário eleitoral não é algo de que possam abrir mão sem prejuízo.

Enquanto isso, Alckmin já contabiliza 38% do horário. Não garante votos, mas transmite confiança, dá notícia de que os partidos estão botando fé no crescimento da candidatura. Em quadro de indefinição total isso conta. E bastante.


Pablo Ortelado: Encantamento autoritário

Surpreende que discurso ingênuo e raivoso de Bolsonaro tenha seduzido a elite econômica

Um dos mais intrigantes enigmas desta eleição é o apoio que Jair Bolsonaro (PSL) está conseguindo amealhar entre as elites. Seu sucesso entre a população em geral se compreende por sua imagem de outsider, sua postura antissistêmica e seu discurso anticorrupção.

Mas não parece razoável que um candidato tão sem qualificações, que desconhece os princípios mais elementares de funcionamento da economia e do Estado e com posturas tão grosseiramente contrárias aos direitos humanos consiga atrair apoio entre as lideranças do setor econômico.

Em evento com os presidenciáveis na CNI (Confederação Nacional da Indústria), Bolsonaro foi o mais aplaudido.

O presidente da CNI, Robson Braga de Andrade, disse que ele demonstra “firmeza e autoridade” e que o setor não tem receio de um eventual governo seu. Henrique Bredda, gestor do fundo Alaska, reuniu-se com o pré-candidato e disse que teve “excelentes impressões”.

Comparações com candidatos de extrema direita de outros países esclarecem pouco sobre essa adesão das elites. Neles, o eleitorado é composto por trabalhadores que se sentem ameaçados pela abertura comercial e pela imigração, o que não parece ser o caso do Brasil.

O eleitorado de Bolsonaro é escolarizado e rico. Segundo pesquisa Datafolha, enquanto sua intenção de votos entre os que ganham até 2 salários mínimos é de 13%, ela sobe para 34% entre os que ganham mais de 10 salários mínimos; enquanto sua intenção de votos é de 11% entre os eleitores com educação fundamental, ela sobe para 25% entre os que cursaram o ensino superior.

Além disso, nossa economia é muito fechada e, a despeito de uma crise localizada na fronteira com a Venezuela, não temos um problema de imigração relevante.

A melhor pista para entender essa adesão a Bolsonaro é o antipetismo, uma moléstia que contaminou nossa elite e que a deixou tão indignada com o PT que ela não consegue mais exercer o discernimento.

O antipetismo acredita que o maior e mais fundamental problema do país é a corrupção, que o ápice desta prática ocorreu nos governos petistas e que para enfrentar o problema precisamos de autoridade e de um Estado pequeno.

O que é surpreendente é que esse discurso ingênuo e raivoso tenha conseguido seduzir nossa elite econômica que deveria saber, por dever de ofício, que nossos problemas são maiores e mais complicados.

O encantamento foi tamanho que ela cogita entregar o país para um brucutu anticorrupção, que não entende nada de coisa nenhuma, que tem menos capacidade política do que Dilma Rousseff e que só se distingue por vociferar bordões autoritários para pessoas sem juízo.

* Pablo Ortellado é professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.


Partidos rejeitam Bolsonaro às vésperas da convenção

Após PR e PRP negarem indicação de vice, candidato avalia campanha ‘solo’, com 8 segundos por bloco na TV

Leonêncio Nossa e Tânia Monteiro, de  O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Líder nas pesquisas de intenção de voto na ausência do ex-presidente Lula, condenado e preso na Operação Lava Jato, o pré-candidato do PSL à Presidência, Jair Bolsonaro, enfrenta dificuldades para formar alianças. Após ser rejeitado pelo PR do ex-deputado Valdemar Costa Neto e pelo nanico PRP em menos de 48 horas, ele se prepara para uma “campanha solo”, o que restringiria seu tempo de TV a apenas oito segundos por bloco. A campanha ainda avalia uma aliança com o PRTB, que indicaria como vice o recém-filiado general da reserva Hamilton Mourão, mas o cenário mais provável, a poucos dias da convenção partidária, que será realizada no domingo, é que Bolsonaro forme uma “chapa pura”, com um político do próprio PSL. O nome mais cotado é o da advogada Janaína Paschoal, uma das autoras do processo de impeachment contra Dilma Rousseff. Analistas avaliam que, apesar dos bons números nas pesquisas, a campanha de Bolsonaro ainda é vista pelo sistema partidário como sendo de “alto risco”.

O pré-candidato do PSL ao Palácio do Planalto, deputado Jair Bolsonaro (RJ), já se prepara para uma campanha solo após tentativas frustradas de alianças partidárias. Em menos de 48 horas, ele ouviu um “não” do PR, comandado pelo ex-deputado Valdemar Costa Neto (SP), e do nanico PRP – legenda do general da reserva Augusto Heleno Ribeiro, cotado até então para ser o vice na chapa.

Caso não consiga romper o isolamento, Bolsonaro vai dispor de apenas 8 segundos em cada um dos dois blocos diários de 25 minutos no horário gratuito de rádio e TV, a partir de 31 de agosto.

Às vésperas de sua convenção partidária, no domingo, o presidenciável poderá ser obrigado a formar uma chapa pura, caso opte por dividir palanque com a advogada Janaina Paschoal – autora do pedido de impeachment da ex-presidente petista Dilma Rousseff –, que se filiou ao PSL em maio. A campanha de Bolsonaro avalia também outra aliança “nanica”, com o PRTB, que indicaria como vice o recém-filiado general da reserva Hamilton Mourão.

O deputado lidera as pesquisas de intenção de voto nos cenários sem a presença do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado e preso na Lava Jato. Apesar da posição privilegiada na disputa presidencial e da longa carreira de parlamentar – ele está na Câmara há 27 anos, no sétimo mandato consecutivo –, Bolsonaro enfrenta grande dificuldade para fechar acordos com outras siglas.

Analistas políticos ouvidos pelo Estado avaliam que sua candidatura é considerada “de alto risco” pelo sistema partidário (mais informações nesta página). O cálculo que vem sendo feito por líderes políticos é de que Bolsonaro teria dificuldades de vencer a eleição no segundo turno. Nas negociações, as legendas têm dado prioridade às candidaturas proporcionais, para a formação de bancadas no Congresso.

Após o PRP – que tem 4 segundos em cada bloco no horário gratuito de rádio e TV, recusar a vice de Bolsonaro, o partido afirmou que eventual aliança presidencial só será fechada se não atrapalhar a meta preconizada na cláusula de desempenho – quantidade mínima de deputados que um partido deve eleger para ter acesso ao Fundo Partidário e tempo no horário eleitoral a partir das próximas eleições.

Para enfrentar a falta de palanque eletrônico, a campanha do PSL já prevê uma estratégia que envolve recursos ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para usar o direito de resposta no espaço dos concorrentes. A avaliação é de que Bolsonaro será constantemente alvo de ataques. “Vamos jogar no contraataque”, afirmou o deputado Luciano Bivar (PSL-PE), um dos articuladores da campanha.

Vice. O senador Magno Malta (PR-ES) era o nome preferido de Bolsonaro para ser o vice na chapa por atuar entre o eleitorado evangélico. Quando Malta começou a dar demonstrações de que não aceitaria o convite, o pré-candidato sugeriu que a “missão” ficaria a cargo do general Heleno. O PRP, no entanto, brecou a aliança. Heleno informou ao partido que vai se desfiliar para atuar na coordenação da campanha de Bolsonaro.

Ao Estado, Janaina Pascoal afirmou ontem que não havia recebido convite para ser vice. Mas não descartou a hipótese. “Se houver um convite dessa envergadura, será necessária uma longa conversa para amadurecer a ideia. Não tenho nenhuma pressa para uma definição. Penso que o candidato deve ter todo o tempo possível para refletir.”

Em novembro, Bolsonaro disse ao Estado, em encontro numa casa de representação dos deputados ruralistas em Brasília, que não se importava com coligações. Ele tirou um aparelho celular do bolso e disse que não precisava de espaço no rádio e na TV nem aliar-se a partidos “corruptos”, segundo ele. A aposta era conquistar o eleitorado por meio das redes sociais.

Ontem, em Fortaleza, o coordenador econômico de Bolsonaro, Paulo Guedes, falou em recusa a “alianças mercenárias”. “Ele não aceita este apoio parlamentar que venha na base de alianças mercenárias. Da compra de voto no varejo. Do toma lá dá cá. Isso está acontecendo. Aconteceu com o PRP”, disse.


Folha de S. Paulo: 'O problema do Bolsonaro não é econômico, é civilizatório', diz ex-presidente da Fiesp

Horácio Lafer Piva afirma também que se espanta com o fato do centrão comandar a cena política

Por Josette Goulart, da Folha de S. Paulo

Líder nas pesquisas, aplaudido por industriais, ovacionado como mito em aeroportos.

A combinação destes fatores tem dado a sensação no mercado financeiro e entre grandes empresários de que Jair Bolsonaro, mesmo afeito a declarações polêmicas, parece não representar uma ameaça à economia do país.

O empresário Horácio Lafer Piva, 61, é um dos que atesta que o problema de Bolsonaro não é o da condução da economia. Mas ele completa sua sentença: “O problema do Bolsonaro é civilizatório. O Brasil retrocederia neste ponto e voltaria a discutir temas como gênero, segurança… O Brasil não precisa disso”.

Piva é o comandante de uma das principais indústrias de papel do país, a Klabin, e foi presidente da Fiesp. Em entrevista à Folha, o empresário disse que se espanta com o fato de o “centrão” comandar a cena política.

Os partidos que compõem esse grupo —DEM, PP, PRB e Solidariedade— estão sendo hoje paparicados pelas candidaturas de Ciro Gomes (PDT) e de Geraldo Alckmin (PSDB), pela força que podem trazer às suas campanhas, principalmente em tempo de televisão. O MDB, para ele, também é outro grande centro de interesses.

“Acreditar demais neste momento nos candidatos é perda de tempo”, diz Piva. “Quais são as demandas do centrão? Só vamos saber mais adiante. Proponho-me a acreditar no que os candidatos estão dizendo só depois de já terem negociado.”

O centrão tem tido força para barrar votações consideradas importantes pelos empresários, como aconteceu com a reforma da Previdência. E também para apoiar outras reformas consideradas ruins pelo empresariado, como a política.

“Maior golpe que teve no Brasil foi o da reforma política, que manterá a política nas mãos dos mesmos”, diz Piva, referindo-se às mudanças nas regras que, na prática, inviabilizam o potencial de novas candidaturas para o Legislativo.

Historicamente o empresário é ligado ao tucanato, mas ele não declara voto ou mesmo não-voto neste momento a qualquer candidato.

Na sua avaliação, apenas quatro têm chances reais de se eleger: Alckmin, Bolsonaro, Ciro e Marina. De antemão, coloca dúvidas sobre uma chance real de transferência de votos de Lula a um candidato do PT, que ele acredita que será Fernando Haddad.

Marina, segundo Piva, tem grande potencial de se mostrar como uma alternativa ao eleitor desalentado, desde que consiga se destacar na campanha. A candidata terá apenas 10 segundos de tempo de TV.
Alckmin depende das coligações para decolar e Ciro tem se colocado como uma opção de centro, mesmo que de esquerda. “Mas é muito cheio de certezas e com viés muito estatizante”.

No cenário traçado nas conversas entre empresários e representantes de mercado financeiro, só há uma certeza: a de que ninguém tem certeza. “Mesmo aqueles que tentam apontar as certezas não estão tão certos quando pressionamos um pouco”, diz Piva.


El País: Recusa de dois ‘vices’ coloca em xeque o poder político de Bolsonaro

Em 24 horas, o líder nas pesquisas de opinião assistiu ao cobiçado PR e ao nanico PRP fecharem as portas para uma aliança eleitoral

Por Rocardo Della Coletta, do El País

Jair Bolsonaro (PSL) aparece como líder em todas as pesquisas de intenção de voto para presidente da República na ausência do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), preso há três meses em Curitiba. Mas o entusiasmo de seus eleitores não tem se materializado nas parcerias políticas necessárias. Nas últimas 24 horas, o capitão reformado do Exército levou dois nãos de potenciais candidatos a vice-presidente, o que pode colocá-lo na corrida eleitoral em condições muito desfavoráveis em relação a outros candidatos.

As negociações com o PR (que é dono de 45 segundos do horário eleitoral) naufragaram nesta terça-feira, o que jogou por terra a única esperança que os aliados do militar nutriam para ter um tempo significativo na propaganda de rádio e televisão — o nanico PSL dá a Bolsonaro míseros oito segundos. No mesmo dia, o pré-candidato ofereceu a vaga de vice na sua chapa ao general Augusto Heleno, mas a cúpula do PRP, partido ao qual o ex-comandante das forças brasileiras no Haiti está filiado, vetou o acordo. “A consequência imediata [do fracasso das alianças partidárias] é a perda do tempo de TV. As dificuldades [para Bolsonaro] com isso serão gigantes”, avalia o cientista político Vitor Marchetti, da Universidade Federal do ABC.

O PR era visto como a aliança mais importante pela pré-campanha de Bolsonaro. Além de ter estrutura e tempo de rádio e TV, o senador pelo Espírito Santo Magno Malta, nome cogitado para vice, seria importante para angariar votos entre o eleitorado evangélico. De acordo com fontes do PR, as exigências de Bolsonaro para selar o casamento eram inviáveis. “O Bolsonaro queria que nós não nos coligássemos com ele no Rio de Janeiro e que deixássemos de apoiar o PT na Bahia e em Minas Gerais”, diz um político que acompanhou as tratativas.

Prevaleceu o pragmatismo. Em um cenário eleitoral em que estão proibidas as doações de empresa, o objetivo número um do PR é ampliar a sua bancada na Câmara Federal e garantir, dessa forma, a maior fatia possível do fundo partidário e do tempo de rádio e televisão. Um bom desempenho em Minas e na Bahia são estratégicos para isso e, por isso, o PT era importante para a sigla nestes Estados. Além do mais, estender a aliança com Bolsonaro para o Rio de Janeiro era necessário justamente para se beneficiar dos votos de legenda que o militar deve receber no Estado.

A prevalência do cálculo político sobre a ideologia ficou ainda mais evidente com o veto dado pelo nanico PRP à indicação do general Augusto Heleno para vice de Bolsonaro. Segundo o presidente da sigla, Ovasco Resende, o convite foi feito na noite desta terça-feira, mas aceitá-lo colocaria em xeque uma série de acordos já construídos nos Estados. “O nosso objetivo é alcançar a cláusula de barreira [número mínimo de votos a partir do qual uma legenda pode ter acesso aos recursos do fundo partidário e do tempo de rádio e TV]”, afirma Resende. “Fomos surpreendidos quando nos disseram que o general Heleno tinha sido convidado e não tínhamos tempo para consultar todos os diretórios”, complementa.

Apesar do pouco tempo no horário eleitoral, o fato de Bolsonaro ser um nome muito conhecido pela população e reunir o apoio de um grupo fiel às suas ideias podem ser um atenuante na situação do pré-candidato, destaca o professor Carlos Melo, do Insper. “Mesmo sem tempo de TV, o Bolsonaro tem condições de chegar ao segundo turno. Ele é orgânico dentro do seu eleitorado, marca sempre entre 15% e 20% [nas intenções de voto]. E isso é voto suficiente para colocá-lo no segundo turno”, diz o cientista político.

Melo ressalta, no entanto, que surgirão mais obstáculos para Bolsonaro quando ele precisar ampliar o nicho dos seus votos, caso chegue à etapa final da eleição. Uma dificuldade que, ao que parece, está sendo percebida pelas legendas tradicionais e que ajuda a entender o isolamento vivido pelo pré-candidato do PSL ás vésperas do início da campanha. “Os partidos se perguntam: a gente vai com um candidato marcado para morrer no segundo turno?”, questiona Melo.


Roberto Feith: Judiciário sob ameaça

A proposta de Bolsonaro de mudar a legislação para nomear dez novos ministro ao Supremo suscita o espectro de uma versão tupiniquim de populistas como Orbán e Erdogan

Um Judiciário independente, apartidário e comprometido com a aplicação impessoal da lei é alicerce da democracia. Este fundamento da sociedade pluralista está sob ataque em diversos pontos do planeta.

Na Europa do Leste, partidos populistas, que ascenderam ao poder através de eleições livres, vêm usando este poder para aprovar leis que limitam a atuação da imprensa, circunscrevem a produção acadêmica e transformam o Judiciário em instrumento de luta política. Na Hungria, o primeiro ministro Viktor Orbán, defensor do que ele chama, com alguma ironia, de “democracia iliberal”, promulgou ampla reforma constitucional com restrições à autonomia do Judiciário.

Na Polônia, Jaroslaw Kaczynski, líder do Partido da Lei e da Justiça, aprovou legislação que permite ao governo substituir juízes da mais alta corte do país. Em seguida, nomeou magistrados selecionados em função da lealdade ao seu partido. A medida provocou protestos no Parlamento Europeu e uma investigação da Comunidade Europeia. Kaczynksi tem ignorado solenemente os protestos de Bruxelas.

As tentativas de controlar o Judiciário não se limitam à Europa. O mesmo ocorre no Egito, nas Filipinas e na Turquia, onde o primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan executou um expurgo do aparato de Estado, extensivo ao Judiciário, afastando todos que não estivessem alinhados com ele.

Michael Posner, diretor do Centro para Negócios e Direitos Humanos da New York University, aponta que “no passado, a supressão de liberdades democráticas e do Judiciário independente implicava no risco de sanções dos Estados Unidos. Hoje, temos um presidente americano que não apenas não critica estas restrições, mas parece endossar o comportamento antidemocrático.”

Este presidente acaba de nomear Brett Kavanaugh para substituir Anthony Kennedy, que vinha exercendo a função de fiel na balança na Suprema Corte americana. A mudança permitirá a Trump consolidar uma maioria conservadora na Corte.

Até pouco tempo, as qualificações do candidato eram o fator preponderante na aprovação de nomeações para a Suprema Corte pelo Congresso americano. Mas, em 2016, rompendo esta tradição, o Partido Republicano bloqueou a aprovação de Merrick Garland, nomeado por Barack Obama, apesar das suas eminentes qualificações. Hoje, o Partido Democrata está empenhado em bloquear o nomeado de Trump. Se consolida a perspectiva de uma Suprema Corte cindida, espelhando a crescente polarização da sociedade americana.

Polônia, Hungria, Turquia e, em menor grau, os Estados Unidos, têm em comum a extensão ao Judiciário da luta partidária sem quartel, que extrapola normas e tradições democráticas.

A politização do Judiciário além das nossas fronteiras inevitavelmente provoca a reflexão sobre a situação no Brasil. Algumas decisões dos ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski no Supremo e a recente bizarra atuação do desembargador Rogerio Favreto no Paraná parecem introjetar elementos da disputa partidária no Judiciário. A proposta do candidato à Presidência Jair Bolsonaro de mudar a legislação para nomear dez novos ministro ao Supremo, por sua vez, suscita o espectro de uma versão tupiniquim de populistas como Orbán e Erdogan e suas tentativas de dominar o sistema legal.

A Justiça brasileira ainda não é um campo tomado pela disputa entre partidos. Ela tem sido, na maioria das vezes, garantidora da impessoalidade da lei. Mas o exemplo de outros países nos quais o Judiciário foi instrumentalizado para a ação política merece atenção. O momento que atravessamos demanda uma Justiça que não se submeta à pressão de lideranças políticas por uma interpretação da lei conforme as suas conveniências. Caso contrário, tal como acontece em outros países, a Justiça deixará de ser garantidora, para se tornar ameaça à democracia.

* Roberto Feith é jornalista

 


Foto: Beto Barata\PR

Augusto de Franco: Os democratas na beira do precipício

Uma análise das alternativas eleitorais do campo democrático

Umas das deficiências “genéticas” dos democratas é não perceberem com antecedência os perigos para a democracia. Foi assim que FHC – que é um democrata – não viu o perigo que Lula poderia representar. É assim agora com muita gente que não está vendo claramente o perigo Bolsonaro. Ou o perigo da volta do PT (com candidato próprio e/ou apoiando tácita ou explicitamente o nacionalista retrógrado Ciro Gomes). Ou o processo de captura da disputa política pelo campo autocrático que está em curso e que pode se consumar caso se estabeleça uma polarização entre duas candidaturas iliberais (no sentido político do termo, quer dizer, estatistas) no primeiro turno das eleições de 2018: Ciro ou alguém do PT x Bolsonaro.

Essa deficiência é antiga: os democratas atenienses, no século 5 a. C. não conseguiram prever os dois golpes que a democracia nascente sofreu por parte dos oligarcas (em aliança com os espartanos). E foram golpes sangrentos, que instalaram a Ditadura dos 400 e a Ditadura dos 30 (esta última conseguiu matar, em 8 meses, mais gente do que toda a primeira fase da Guerra do Peloponeso). Só foram acordar quando esses autocratas (chamados na época de patriotas – foi aí, aliás, que o termo foi cunhado, para designar que queriam a volta “do regime dos nossos país”), contando inclusive com gente da entourage de Sócrates, tentaram dar um terceiro golpe.

Ao longo da história, depois que os modernos reinventaram a democracia, a mesma deficiência se manteve: pode-se citar os casos da ascensão de Mussolini na Itália e do partido nazista, na Alemanha (mas também em vários países de Europa das décadas de 20 e 30 do século 20) cujos perigos, no início, não foram percebidos.

E a deficiência continuou. Assim como a democracia não tem proteção eficaz contra o discurso inverídico e nem contra o uso da democracia (notadamente das eleições) contra a própria democracia, os democratas têm uma miopia congênita para perceber os sinais fracos de que um processo de autocratização está em curso. Agora mesmo, no Brasil de julho de 2018, não estão conseguindo avaliar corretamente os perigos do bolsonarismo (vença ou não Bolsonaro as eleições de 2018) ou da volta da esquerda autocrática ao poder.

Examinemos as alternativas no campo democrático, ou seja, no campo das forças políticas que não são iliberais (no sentido político do termo). Neste campo temos como pré-candidatos: Geraldo Alckmin, Álvaro Dias, João Amoedo, Henrique Meirelles, Paulo Rabello, Flávio Rocha e (embora isso ainda seja controverso) Marina Silva.

Geraldo Alckmin
O problema com Alckmin não é, nunca foi, falta de competência administrativa. Isso todo mundo sabe que ele tem. Também não é a corrupção: até agora não há nada consistente contra o ex-governador de São Paulo. Por último, não é, igualmente, seu desapreço pela democracia: ele sempre atuou dentro dos marcos do Estado de direito.

O problema com Alckmin é de outra ordem: em parte, falta de inteligência política e, em parte, uma dificuldade de conquistar a simpatia do eleitorado e de infundir entusiasmo nos que poderiam apoiá-lo. Claro que se Alckmin se revelar o candidato que tem mais condições de quebrar a polarização, no primeiro turmo, entre dois candidatos do campo autocrático (Ciro ou alguém do PT x Bolsonaro), devemos ir de Alckmin. O mesmo vale para João Amoedo, Meirelles, Álvaro Dias, Paulo Rabello, Flávio Rocha e Marina (de preferência se conseguir se desvencilhar da mentalidade petista, se comprometer com as reformas e prometer que não indicará nenhum petista para compor seu governo).

A questão é: até quando podemos – os democratas – esperar por isso? A resposta padrão, de que Alckmin só vai crescer quando começar o horário eleitoral gratuito na TV e no rádio, não está mais colando. As pessoas estão percebendo que isso é uma maneira de produzir um fato consumado. Quando a curta campanha estiver na metade e se Alckmin não crescer, a resposta será a mesma: dirão que só na segunda metade da campanha ele vai crescer.

Muitos também se perguntam de que adiantou queimar João Dória (que tem, inegavelmente, mais facilidade para atrair o eleitor). Alguns perceberam a incoerência do argumento para desqualificar Dória, dos que diziam que ele não cumpriu até o fim o seu mandato de prefeito (curiosamente os mesmos que não criticaram Serra por ter feito igual).

Para resumir, o grande problema que temos agora é o seguinte: se Alckmin – o candidato do campo democrático com mais estrutura – não crescer, se Dória não puder mais substituí-lo, se Amoedo, Meirelles, Dias, Rabello, Rocha e Marina também não crescerem (ou não cumprirem os requisitos mínimos para ser apoiados pelos democratas, como o compromisso com as reformas), caminharemos em marcha batida para o cenário do horror, com a disputa política capturada pelo campo autocrático e os democratas sendo alijados da cena pública? Este o drama que estamos vivendo. É como estar na beira do precipício.

Álvaro Dias
Álvaro Dias também pode ser colocado no campo democrático, ainda que – provavelmente por oportunismo eleitoreiro – namore com o jacobinismo restauracionista dos instrumentalizadores políticos da operação Lava Jato (e queira representá-la). Mas a Lava Jato, como operação jurídico-policial do Estado de direito, não pode ter candidato. E ainda que alguns integrantes da força-tarefa de Curitiba sejam simpáticos à candidatura de Álvaro Dias, o resultado objetivo da campanha indireta que fazem, quando se comportam como atores políticos, leva necessariamente ao bolsonarismo.

Cabe aqui abrir um parêntesis sobre a instrumentalização política da Lava Jato. A insistência dos seus operadores em propagar que todo sistema político é corrupto e não tem mais conserto é uma mensagem perigosa para a democracia na medida em que será entendida pelos eleitores da seguinte maneira: temos de eleger uma pessoa honesta, capaz de fazer uma limpeza geral e recolocar ordem na casa. Os instrumentalizadores políticos da Lava Jato escondem, porém, que judiciário e ministério público fazem parte do establishment e apontam suas baterias para o parlamento (o poder, por excelência, da democracia) e para o executivo. Como se juízes e procuradores possuíssem um gene diferente, que os protegesse da corrupção que assola todos os demais poderes.

Álvaro Dias tem poucas chances eleitorais: forte na região Sul (especialmente no seu estado, o Paraná), é praticamente desconhecido nas outras regiões do país. E até agora não deu mostras de ter compreendido a gravidade do problema. Tanto é assim que continua refratário (ou pouco entusiasmado) com as tentativas de se buscar uma unidade do campo democrático no primeiro turno. Está de costas para o abismo, mas também na beira do abismo.

João Amoêdo
É imperativo agora unir os democratas para impedir a volta do PT ou a ascensão de projetos autoritários como o de Ciro ou de Bolsonaro. Isso inclui Amoedo e seu partido chamado Novo.

Mas a insistência do Amoêdo em dizer que só o Novo é coerente porque não aceita financiamento público de campanha denuncia uma vontade de se auto-afirmar, acumulando forças para o crescimento do seu futuro partido, de corte mais liberal (ainda que num sentido rebaixado, quase que exclusivamente econômico do termo, quando o que importa para a democracia é o liberalismo-político).

É claro que financiamento público de campanhas é incorreto (mas não ilegal). O financiamento deveria ser privado (incluindo contribuições de empresas, dentro de certos limites, o que era permitido e só recentemente foi tornado ilegal).

A postura de Amoêdo de afirmar intransigentemente seus princípios seria legítima se não decorresse de uma leitura equivocada da conjuntura, que não vê os perigos reais que ameaçam a democracia neste momento, não no futuro. Vê a árvore, mas não vê a floresta. Quando Amoêdo ataca todos os demais candidatos que estão no campo democrático (porque aceitam financiamento público de campanha), elimina a possibilidade de alianças (o que é próprio do jogo democrático). E revela um egoísmo de candidato, de projeto e de partido, que não entende que não precisamos de uma saída em 2022 ou 2026 e sim agora, em 2018.

O partido chamado Novo é importante, mas – sozinho – ainda não é uma alternativa concreta agora (aliás, sozinho, mesmo que vença as eleições, ninguém poderá governar). Pelo menos ainda não há nenhuma indicação concreta disso. Se houver, se Amoêdo tiver mais condições de impedir uma polarização, no primeiro turno, entre Ciro (ou algum outro apoiado pelo PT) x Bolsonaro, então vamos todos, os democratas, de Amoêdo. Do contrário, não podemos votar em Amoedo só porque ele quer fazer seu nome para disputar o mercado futuro da política, caindo no cenário do horror de ter de escolher, no segundo turno de 2018, Ciro (ou outro apoiado pelo PT) ou Bolsonaro. A democracia brasileira não aguenta esperar 4 ou 8 anos por Amoêdo (até que ele tenha condições de vencer sozinho).

Henrique Meirelles, Paulo Rabello e Flávio Rocha
Embora se situem no campo democrático esses candidatos ainda não conseguiram dizer claramente aos eleitores a que vieram. Meirelles é um nome indiscutível, para cuidar da área econômica de qualquer governo democrático. Paulo Rabello, nem tanto. E Flávio Rocha, ao abraçar uma pauta liberal em economia e conservadora nos costumes (para disputar com o bolsonarismo ou com a chamada “nova direita”), não dá mostras de que conseguirá empolgar as pessoas comuns que não são simpáticas à candidatura de Jair Bolsonaro. Os três devem ser aproveitados em qualquer coalizão eleitoral democrática, mas sozinhos têm poucas chances.

Marina Silva
Marina – de todos os citados que não estão no campo autocrático (e nisso há muito controvérsia) – é a mais ligada à mentalidade petista. Seu partido no Congresso (durante o processo do impeachment, em 2016) defendeu Dilma e o PT com mais afinco do que os próprios petistas (via seus líderes na Câmara, Molon e, no Senado, Randolfe – e este último continua na tal Rede). E Marina, com perdão da blague, permaneceu durante todo esse tempo como uma Submarina (pois jamais veio a público desautorizar os líderes parlamentares de seu partido chamado Rede).

Além disso, para que ficasse claro que Marina está indiscutivelmente no campo democrático, seria necessário que ela se comprometesse com as reformas (o que não fez até agora de modo enfático) e pare de falar que governará com gente de todos os partidos (mesmo porque isso não é verdade: todos sabem que ela tenderá a indicar militantes do PT e que não indicará ninguém do partido do Bolsonaro, por exemplo – e neste caso está certa).

O problema de fundo é que Marina – e, mais do que ela, o seu partido chamado Rede – é de esquerda. Isso é um problema porque por mais que alguns anseiem por uma “esquerda democrática”, a esquerda realmente existente no Brasil de hoje não está mais no campo democrático.

Claro que se a alternativa mais viável for Marina para barrar o cenário do horror (Ciro ou alguém do PT x Bolsonaro), impõe-se para os democratas o voto nela. Mesmo sabendo que sua mentalidade continua fronteiriça (entre o campo democrático e o campo autocrático de esquerda).

É fácil verifica isso. Em entrevista às Páginas Amarelas da Veja (edição de 27/06/2018), Marina afirmou o seguinte:

“Focar no Lula é reducionismo. Temos, além do ex-presidente, o Michel Temer, o Aécio Neves, o Romero Jucá, o Renan Calheiros… A única diferença é que um está preso e os outros não”.

A “única diferença”, camarada?

O que ela está nos dizendo é que Mussolini é a mesma coisa que Berlusconi, Hugo Chávez é a mesma coisa que Rafael Caldera, Salazar é a mesma coisa que José Sócrates ou que o Hezbollah é a mesma coisa que o PCC. Ou seja, segundo Marina, a corrupção com motivos estratégicos de poder de um Lula, de um Dirceu, de um Vaccari é igual à corrupção endêmica na política, de um Cunha, de um Alves, de um Geddel. Mas para mostrar uma certa injustiça (da justiça) ela cita os que não estão presos: Temer, Aécio, Jucá e Calheiros.

Acontece que a corrupção com motivos estratégicos de poder é um ataque direto ao coração da democracia, enquanto que a corrupção tradicional, endêmica nos meios políticos, provoca uma degeneração do sistema político, por certo, mas não altera necessariamente o DNA do regime. Depois de Berlusconi, a Itália continuou sendo uma democracia, depois de Mussolini, não. Depois de José Sócrates, Portugal continuou sendo uma democracia, depois de Salazar, não. Depois de Caldera, a Venezuela continuou sendo uma democracia, depois de Chávez (e seu sucessor Maduro), não.

Essa é a tese para livrar a cara do PT, inventada por Thomaz Bastos e Malheiros e usada por Lula: o PT só fez o que todo mundo faz. É falso. Tentar fazer a “revolução pela corrupção” (para usar uma expressão do saudoso poeta Ferreira Gullar, que percebeu o ardil) é muito diferente de roubar para enriquecer e se dar bem na vida. Ainda que ambas sejam condenáveis, os riscos são muitos diferentes para a democracia. E ainda que o PT tenha praticado as duas formas de corrupção ao depositar seus ovos dentro da carcaça podre do velho sistema político.

Conclusão

Dada a gravidade da situação não cabe aos democratas fazer muitas restrições aos candidatos do campo democrático. A questão agora não é a de escolher o melhor: o candidato que tenha o programa mais consistente, o mais capacitado gestor, o líder mais brilhante.

A orientação agora parece ter ficado clara e pode ser resumida na frase:

PT nunca mais. Ciro ou Bolsonaro, jamais.

Qualquer um do campo democrático que tiver chances reais de quebrar a polarização, no primeiro turno (pois no segundo, já era), entre dois candidatos do campo autocrático (Ciro ou alguém do PT x Bolsonaro) servirá. Ainda é cedo para fazer essa escolha, pois nenhum dos candidatos citados reúne tais condições. Mas já passou da hora de articular um polo democrático e reformista que seja capaz de unir os democratas para evitar o desastre anunciado.

O bolsonarismo continua crescendo, em parte subterraneamente (e ele, como corrente de opinião, é muito mais perigoso do que o oportunista eleitoreiro chamado Jair Messias Bolsonaro). Se o caos se instalar – na esteira das tentativas de destruição do atual governo e das candidaturas do campo democrático mais viáveis – é possível até que Bolsonaro vença no primeiro turno. Ciro ou alguém do PT ungido por Lula (provavelmente Haddad) também crescerá (ainda que com menos chances de levar no primeiro turno). O mais provável é que, não havendo uma alternativa democrática forte, consistente e com alta visibilidade, ainda no primeiro turno, a situação se polarize entre dois projetos populistas (ambos estatistas): o neopopulismo lulopetista de esquerda (ou o nacionalismo-retrógrado cirista, também de esquerda) versus o populismo-autoritário bolsonarista de direita. Este é o cenário do horror, que alijará os democratas da cena pública.

O grande problema é que os democratas ainda não perceberam que estamos na beira do precipício. E que, se não fizerem nada – agora, não depois que começar a propaganda eleitoral gratuita no rádio e TV – a democracia brasileira vai cair num abismo profundo, do qual não sairemos em menos de uma década (ou, talvez, de uma geração). (Dagobah-Inteligência Democrática – 06/07/2018)


El País: Elite da indústria aplaude Bolsonaro e vaia Ciro por criticar reforma trabalhista

Alckmin defende reforma tributária que alivia empresários citando Trump. Militar da reserva não apresenta propostas, mas levanta plateia com frases de efeito contra o "politicamente correto"

Por Afonso Benites, do El País

Em encontro com a elite dos industriais do Brasil em Brasília, dois dos protagonistas desta eleição presidencial se depararam com tratamentos distintos. Enquanto o pré-candidato de extrema direita Jair Bolsonaro (PSL) foi aplaudido ao menos seis vezes ao dizer frases de efeitos - contra a "ideologia de gênero" e contra o "politicamente correto", que incluía a defesa de fazer piadas contra minorias sociais - e quase não apresentou propostas detalhadas para o setor, Ciro Gomes (PDT) acabou vaiado ao defender uma nova reforma trabalhista para substituir as regras aprovadas sob Michel Temer. A plateia era formada, em sua imensa maioria, por homens, de classe alta, brancos. Quase 2.000 pessoas.

Líder nas pesquisas em cenários sem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que está preso, como concorrente do PT, Bolsonaro evitou o tempo inteiro em entrar em temas econômicos. Disse ser "humilde" por não entender do assunto e buscar o suporte de quem saiba. Por essa razão, não respondeu diretamente a nenhuma das três perguntas feitas pelos empresários que o assistiam durante evento promovido pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). Não aprofundou nem qual seria sua reforma da Previdência, que ele diz ser necessária. “Talvez o Paulo Guedes fosse o mais preparado para responder”, disse em dado momento do encontro. O economista Guedes é o consultor econômico do parlamentar e seu eventual ministro da Fazenda.

Ainda assim, Bolsonaro não precisou mais do que superficialidades para ser aplaudido. Uma das vezes foi quando reforçou o seu discurso de que parte de seu primeiro escalão será ocupado por militares. “Vou botar generais nos ministérios, sim. Qual o problema? Os anteriores botavam terroristas e corruptos e ninguém falava nada”. Em outro momento, foi quando defendia não levar ideologia para as negociações com o Congresso. “Não quero botar um busto do Che Guevara no Palácio do Planalto”. Também disse que contará com o apoio dos evangélicos, que são contra a "ideologia de gênero", e atrairá a bancada ruralista ao qualificar de "terrorista" o MST (Movimento dos Sem Terra). "Hoje estão tirando nossa alegria de viver, não podemos mais contar piadas de afrodescendentes, de cearenses, de goianos", disse Bolsonaro, que é réu no Supremo Tribunal Federal por injúria e incitação ao racismo.

Ciro Gomes e Alckmin
Já o candidato Ciro Gomes teve apupos a ele desferidos. Ocorreram no momento em que o pedetista revelou que tem um acordo com as centrais sindicais que, se eleito presidente, ele apresentará uma nova proposta de reforma trabalhista. O seu projeto seria discutido com representantes dos patrões, empregados e de universidades. “Meu compromisso com as centrais sindicais é trazer essa bola de volta ao meio de campo”. Após ser vaiado, ele disse: “É assim que vai ser. Ponto final”. Mais vaias, que provocaram uma nova reação do pré-candidato. “Se quiserem presidente fraco, escolham um desses que ficam de conversa fiada aqui com vocês”.

O empresariado foi um dos grandes fiadores da reforma trabalhista apresentada pelo Governo Michel Temer e aprovada pelo Congresso Nacional no ano passado. Era natural que fosse contrário a mudar a lei como foi promulgada. Ao ser questionado sobre o que achou das vaias, Ciro disse que as via com maior naturalidade e lembrou que também foi aplaudido. “Quando se é vaiado defendendo os trabalhadores, parece que é um prêmio. E nem quero fazer disso um prêmio”, afirmou aos jornalistas ao final do evento. De fato, em outras quatro ocasiões, Ciro acabou aplaudido – entre elas quando defendeu que o Judiciário e o Ministério Público têm de “voltarem para seus quadrados” e deixarem de influenciarem na política e quando prometeu manter incentivos fiscais permanentes para o setor industrial.

Seja como for, o pré-candidato do PDT foi o único dos seis que passaram pelo palco da CNI que teve a reação negativa do público. O público se manifestou favoravelmente também a Geraldo Alckmin (PSDB), que propôs a criação de um imposto único (unificando IPI, ICMS, ISS e outros) além da redução do imposto de renda para pessoa jurídica (citou a reforma tributária de Donald Trump como exemplo), e para Álvaro Dias (PODE), quando ele citou que pretende intensificar as relações multilaterais do país. Quando os oradores foram Marina Silva (REDE) e Henrique Meirelles (MDB) quase nenhuma reação foi notada.

Algo que os seis pré-candidatos tiveram em comum foi a de não se debruçarem sobre as propostas apresentadas pela CNI. Antes de iniciar o diálogo com os pré-candidatos, a entidade elaborou um documento com 43 propostas para os concorrentes. Tudo citado muito brevemente por todos. Essa foi a segunda maratona de entrevistas das quais os presidenciáveis participaram em Brasília. Ao longo desse mês, todos deverão se dedicar às convenções partidárias, nas quais serão seladas as alianças e coligações para a disputa ao Planalto.


Rosângela Bittar: Super nicho verde-oliva

A cabeça do eleitor de Bolsonaro, segundo a XP

Os números não mentem. Do eleitorado do deputado Jair Bolsonaro, pré-candidato do PSL à Presidência da República, precisamente 63% defendem uma intervenção militar no governo. Logo atrás de Bolsonaro, com 38%, estão os brasileiros em geral. Não é pouca coisa, basta ver o número de indecisos que somam o mesmo percentual: 38%. Bem abaixo vêm os eleitores dos demais candidatos que também desejam manifestação de força para conquistar o Palácio do Planalto: Geraldo Alckmin (37%), Marina Silva (35%), Álvaro Dias (32%), Lula (27%) e Ciro Gomes (24%). Ou seja, o ponto fora da média é mesmo o candidato-capitão, como mostra a última pesquisa semanal da XP, feita pelo Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe) que, pela primeira vez, introduziu grandes temas polêmicos, de interesse da sociedade e cruzou as respostas com os candidatos preferidos de cada eleitor.

Dessa vez foram feitas mil entrevistas, por telefone, no período de 18 a 20 de junho, com margem de erro de três pontos e, pela primeira vez entre as cinco rodadas já realizadas, abordando assuntos tabus para candidatos. A pesquisa reune opiniões dentro do conjunto do eleitorado e entre os eleitores de cada um dos candidatos.

É claro que, por introduzir a opinião do eleitorado sobre temas controvertidos, a pesquisa apresenta não apenas essa, da intervenção militar, mas outras revelações importantes. Um exemplo é a pena de morte: nada menos do que 66% do eleitorado de Jair Bolsonaro são favoráveis ao carrasco. No que diz respeito ao direito de ter e portar armas, 74% do eleitor de Bolsonaro se declara também a favor. Mais de dois terços, portanto. No caso da união civil entre pessoas do mesmo sexo o percentual de aprovação é menor, mas igualmente alto: 57% do eleitorado. A redução da idade penal para 16 anos conta com o apoio de 95% do eleitorado de Bolsonaro.

Os demais ficam na média nacional, mas há temas em que Marina Silva e Ciro Gomes estão na frente, como: Legalização da maconha (39% do eleitorado de Ciro e 24% do eleitorado da Marina estão a favor, são os dois índices mais altos); ou casamento entre pessoas do mesmo sexo (63% do eleitorado de Ciro estão a favor e 53% do eleitorado da Marina também, tema tabu para a religião dela, mas aqui se inicia outra história, que não vem agora ao caso, voltemos a Bolsonaro). Seus eleitores defendem as privatizações (49%); a intervenção do governo na economia (52%); a reforma da Previdência (49%). Embora abaixo dos 50%, esses percentuais são mais altos que o dos eleitores que são contrários aos temas.

Mas o que chama a atenção, realmente, é a defesa da intervenção militar, em um momento delicado, quando ninguém ainda entendeu as sucessivas reuniões do general Villas Bôas, comandante do Exército, com os candidatos a Presidente, convidados a ir ao seu encontro o que, em se tratando de quem é, tem o tom de intimação. O candidato visto como um representante dos militares já anunciou, também, que seu governo será majoritariamente formado por profissionais das Forças Armadas. E, um terceiro sinal, as candidaturas de militares a mandatos do legislativo se multiplicam pelo Brasil.

É um nicho do candidato Jair Bolsonaro. Um super nicho verde-oliva.

Os militares tentaram, algumas vezes, desconversar. Há poucos meses, integrantes do Alto Comando, para tranquilizar seus interlocutores preocupados com a escalada de Bolsonaro e sua ligação fraterna com a caserna, disseram que não se devia temê-lo, o certo era considerá-lo uma caricatura. De lá para cá, a caricatura se aprumou e começou-se a vislumbrar, com ele, uma chance de volta dos militares ao poder político.

O ex-ministro da Defesa, Aldo Rebelo, também candidato a presidente da República pelo SD, recomenda que se esqueça essa hipótese, a da volta dos militares, ou de estar ocorrendo no país uma conspiração em torno da candidatura de Jair Bolsonaro. Também não vê nada de estranho no convite do general Villas Boas aos candidatos para uma conversa no QG do Exército. "O que ele quer é apenas que não esqueçam a agenda dos militares". Qual é essa agenda? O ex-ministro explica: "é a agenda do orçamento das Forças Armadas, a agenda da presença deles na vida do país".

Qualquer outra coisa não teria ressonância. "Alguém está ouvindo a OAB pedir um golpe? Ou a CNBB pedir um golpe? A Fiesp está pedindo golpe? Esqueça".

A pesquisa XP confirma pesquisas Datafolha, de setembro do ano passado e de abril deste ano, que vinham apontando o crescimento do número de brasileiros que acham boa a ditadura militar (17%) e os que acham que tanto faz ditadura como democracia (21%). Eram, portanto, 38% os que pensavam dessa forma. Na pesquisa XP, a análise dos números globais mostra que também são 38% os que se manifestam a favor de uma intervenção militar. Serão os mesmos?

Na conclusão do sociólogo e cientista político Antonio Lavareda, os números revelam o seguinte: "38 % é um tamanho francamente insuficiente para ganhar o segundo turno, mas mais que o necessário para ir ao segundo turno". Ou seja, Bolsonaro estaria no segundo turno, resta saber com quem.

Ele, provavelmente, deve preferir um candidato de esquerda, identificado, se possível com o PT, para jogar com o contraponto e a rejeição de 60% ao partido e a Lula.

Com uma maioria anti-petista, a vitória poderia ir mais facilmente ao encontro de Bolsonaro. Se não for, a luta de Bolsonaro ficará mais difícil, pois a pesquisa semanal mostra que, no segundo turno, os candidatos competitivos disputam voto a voto com Bolsonaro, qualquer campanha bem sucedida pode ultrapassá-lo.

Essa pesquisa apresenta três cenários possíveis mas apenas um provável. O mais realista é o que considera Fernando Haddad como indicado de Lula. (Os outros dois, irreais, são Lula candidato ou Haddad por ele mesmo, sem Lula).

No cenário realista, os que não votam em ninguém somam o maior índice da disputa, 24%; em seguida vem Jair Bolsonaro com 19%, Haddad apoiado por Lula com 12%. Marina com 11%, Ciro e Alckmin com 8% cada. Desconhecido, Fernando Haddad tende a crescer à medida em que for aparecendo na TV, em propaganda eleitoral gratuita.


Ricardo Noblat: O direito de Bolsonaro ao silêncio

O candidato que prega o confronto tem medo de debates

O líder das pesquisas de intenção de voto sem Lula, o deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ) cogita não comparecer a debates no rádio e na televisão com os demais candidatos à sucessão do presidente Michel Temer. E por isso já começou a ser duramente criticado.

Ora, ele tem esse direito. Não será o primeiro candidato a presidente ou a qualquer outro cargo importante a fugir de debates. Até Lula já fugiu em 2006 quando foi candidato à reeleição – e venceu. Dilma também fugiu em 2010 e em 2014, e venceu.

No caso de Bolsonaro não será novidade. Ele evita até mesmo a conceder entrevistas. Alega que a mídia o persegue e só lhe deseja fazer mal. Convidado a expor suas ideias para plateias com o direito de lhe fazer perguntas, costuma faltar.

Candidatos procedem assim por cálculo político. Uns porque estão demasiadamente na frente das pesquisas e temem darem-se mal nos debates. Outros porque detestam correr riscos. Candidatos nanicos, esses não perdem um debate. São os mais assíduos.

De fato, Bolsonaro teme o confronto não por que lidera as pesquisas apenas, mas porque é um despreparado. Não sabe o que dizer sobre os principais problemas do país. Não sabe dizer como governaria. Na maioria das vezes, o que diz não resistiria ao contraditório.

É um político que repete clichês, lugares comuns, e aposta nos instintos mais primitivos das pessoas dispostas a ouvi-lo sem contestá-lo. Uma grande parcela dos eleitores se sente satisfeita ouvindo simplesmente o que possa reforçar suas convicções.

Não se descarte, porém, a hipótese de Bolsonaro surpreender e marcar presença em algum debate. Basta que comece a despencar nas pesquisas e que se sinta ameaçado de ficar de fora do segundo turno da eleição. É sempre assim.


El País: O voto das mulheres, um muro contra a candidatura Bolsonaro

Quatro em cada dez eleitoras ainda não sabe em quem vai votar. Sem Lula, número de indecisos chega a recorde

Por  Talita Bedinelli, do El País

Se as eleições presidenciais ocorressem agora, quatro em cada dez mulheres do país não teriam um candidato, segundo a pesquisa Datafolha divulgada no último domingo. O resultado repete o visto pelo levantamento telefônico do DataPoder360, a divisão de pesquisas do site Poder360, em cenários que não consideraram o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preferido entre elas. Enquanto até 42% das entrevistadas pela pesquisa afirmam que votariam branco, nulo ou se declaram indecisas, a taxa atual destes não votos entre os homens é de 25%. As mulheres, principal força eleitoral do país, estão mais indecisas ou desprezam mais os atuais nomes disponíveis neste momento da disputa do que os homens. E quais seriam os motivos que levam a essa diferença entre elas e eles?

A tendência de indecisão entre as eleitoras meses antes da votação não é novidade e se repete em todos os pleitos. E isso não significa que se manterá tão alta até o momento em que elas chegarem às urnas, apontam estudos sobre o comportamento eleitoral das mulheres. As eleitoras demoram mais para escolher candidatos e costumam decidir de olho nas propostas, especialmente as que abordam serviços públicos, algo que se torna evidente apenas após o início da campanha na TV.

No atual estado da corrida eleitoral, elas são decisivas para desenhar o panorama: de um lado, puxam para cima - em nível recorde - o número de eleitores que não escolhem ninguém se Lula não estiver no páreo; do outro, erguem um muro que, até agora, impede que o candidato de extrema direita Jair Bolsonaro avance na dianteira sem ele.

Condenado em segunda instância, Lula pode ter sua candidatura impugnada pelas regras da Lei da Ficha Limpa, mas quando seu nome é testado nas pesquisas a maior proporção de suas intenções de voto está entre as mulheres —31% delas afirmam querer votar nele; entre os homens, a taxa é de 29%. Por isso, na ausência de Lula a taxa de não voto aumenta. "Lula tem uma variável fundamental que é o Bolsa Família", afirma Maurício Moura, presidente do Idea Big Data, que coordenou diversas campanhas no Brasil e no exterior. Um estudo das Nações Unidas do ano passado apontou que o programa de transferência de renda favorece a autonomia das mulheres beneficiárias, que se sentem menos dependentes dos parceiros ao adquirir uma fonte regular de renda —o pagamento é feito preferencialmente a elas. Também exige a frequência das crianças à escola e a vacinação. A luta está em quem vai convencer esta eleitora de merece o voto que seria de Lula. Marina Silva é quem mais cresce dentre as mulheres que declaram votos na ausência de Lula (até 17% sem Lula ante 11% com ele).

Sem o petista, Marina se aproxima de Bolsonaro, que desponta em primeiro nas pesquisas na ausência do ex-presidente. Entre as mulheres, o deputado está em clara desvantagem. Tem entre as eleitoras uma preferência muito mais baixa que entre os eleitores. Se até 27% dos homens afirmam que pretendem votar nele, entre as mulheres este número cai para até 12%, segundo o Datafolha. Bolsonaro precisa conquistar os votos delas pra poder crescer, algo complicado para um candidato que fez declarações machistas polêmicas, especialmente em um momento de fortalecimento dos movimentos feministas. Em abril do ano passado, ele afirmou que "fraquejou" ao ter o quinto filho e, por isso, ela nasceu mulher, o que causou revolta nas redes sociais. Ele também causou indignação ao chamar a deputada Maria do Rosário de "vagabunda" e afirmar: "jamais iria estuprar você porque você não merece".

Esperar para ver
Seja como for, parece faltar ainda algumas semanas até que o quadro mude de maneira significativa. "As mulheres esperam chegar a informação que lhes interessa. Geralmente, elas são mais cuidadosas na escolha", diz a socióloga Fátima Pacheco Jordão, que em 2010 realizou um estudo sobre o poder do voto feminino para o Instituto Patrícia Galvão, ONG da qual é conselheira. Em sua pesquisa, ela apontou que entre as eleitoras o voto costuma ser mais consciente e consistente e as mulheres ficam na expectativa de propostas que afetem diretamente a vida da população, como as relacionadas à saúde, educação, desemprego e segurança. E, enquanto elas são mais sensíveis a políticas públicas, eles demonstram mais interesse por assuntos ligados ao jogo de poder, como as escolhas partidárias, por exemplo. Por isso, os homens geralmente têm mais certeza de seus votos nesta etapa da corrida eleitoral, quando as decisões políticas estão sendo tomadas.

Lúcia Avelar, pesquisadora associada do Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop) da Unicamp, pondera que os dados globais das pesquisas de opinião não mostram as diferenças que existem entre as mulheres dentro dos diversos estratos, como renda, escolaridade e região do país, por exemplo. Mas ela concorda que, em geral, as mulheres costumam decidir mais tarde. "Elas são muito mais conhecedoras dos serviços públicos e sociais", explica. Para ela, entretanto, a elite política não dá tanta importância a essa parcela de votantes, que representa 52,5% do eleitorado brasileiro, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). "Eles acham, erroneamente, que a mulher acompanha o voto do companheiro. Há um conservadorismo pesado que cega um pouco os políticos. Eles começam a acordar agora para a importância de dar uma atenção especial para elas", ressalta.

"É impossível se passar por uma campanha sem que exista um cluster que seja feminino. Alguma tática de comunicação para esse grupo é necessária", diz Moura, do Idea Big Data. Ele reconhece, entretanto, que a atenção dada às campanhas para o voto das mulheres ainda é desproporcional ao tamanho delas no eleitorado. "A questão é que existem muito mais candidatos homens do que mulheres e, por isso, as campanhas já partem de uma lógica inicial masculina. Essa força ainda é subestimada em relação ao tamanho do eleitorado porque a lógica da política ainda é masculina", ressalta. Para ele, o problema se corrige com o aumento de candidatas mulheres no processo.

"Eu não escolhi meu candidato e acho que não vou votar em ninguém. Prefiro assistir aos debates, que ajudam quando a gente não conhece muito os nomes", conta a analista de sistemas Fabiana Guimarães Zinhani, 30. O mesmo afirma a manicure Maria Mônica da Conceição, 62. "Na verdade, nem sei quem disputa, além do [ex-governador] Geraldo Alckmin". Para ambas, o atual cenário de candidatos, que se mostra mais pulverizado e com nomes menos conhecidos, faz com que a escolha seja ainda mais difícil do que nos anos anteriores. E o voto delas ainda mais importante, explica Pacheco Jordão. "Neste contexto, o peso de cada voto é maior e [diante das muitas opções] elas provavelmente vão demorar ainda mais para escolher", diz. "Em decisões apertadas como as que temos tido, quem acaba decidindo a eleição é a mulher", explica a socióloga.


O Globo: Bolsonaro tenta adiar julgamento no STF para depois das eleições

Aliados indicados como testemunhas de defesa do pré-candidato protelam depoimento

Por Eduardo Bresciani, de O Globo

BRASÍLIA — O deputado federal e pré-candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro (PSL-RJ) vem fazendo manobras para tentar adiar seu julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) para depois das eleições de outubro. Ele é réu em duas ações penais por ter dito para a deputada Maria do Rosário (PT-RS), em 2014, que ela não merecia ser estuprada por ser feia. Com a instrução dos processos já na fase final, ele indicou como testemunhas dois aliados que utilizaram suas prerrogativas parlamentares para informar que só podem depor em agosto. Como após essas oitivas ainda terá de ser marcado o interrogatório de Bolsonaro e haverá prazo para as alegações finais, dificilmente o caso irá à pauta antes do pleito. Há um recurso nas mãos do relator, ministro Luiz Fux, para que as testemunhas sejam dispensadas, o que aceleraria o processo. O magistrado pode decidir sozinho ou levar a questão à Primeira Turma da Corte.

Bolsonaro responde pelos crimes de injúria, em uma ação movida por Maria do Rosário, e de incitação ao crime de estupro, em processo movido pela Procuradoria-Geral da República (PGR). O segundo processo já estava na fase final e o deputado chegou a propor um acordo em março no qual aceitaria cumprir alguma pena alternativa, mas desistiu após Fux atender a outro pedido da defesa juntando as duas ações.

A estratégia de protelar ficou mais evidente com um pedido da defesa para trocar uma das testemunhas. O deputado Rogério Marinho (PSDB-RN) já tinha indicado a data de seu depoimento para maio, mas a defesa pediu a Fux a troca dele por Onyx Lorenzoni (DEM-RS), um dos coordenadores da campanha do presidenciável. No ofício, a defesa de Bolsonaro informa que o deputado do DEM poderia depor em junho. Após Fux concordar com o pedido, Onyx enviou ofício ao Supremo informando que só está a disposição somente na segunda quinzena de agosto. Em ofício de apenas um parágrafo, justificou a data apontada “em razão de compromissos já assumidos e inerentes ao exercício de seu mandato parlamentar”. Onyx não atendeu as ligações do GLOBO, nem respondeu à mensagem enviada ao seu celular.

O outro aliado vem adiando o depoimento por mais tempo. A primeira intimação para o Pastor Eurico (Patriota-PE) foi realizada em novembro do ano passado, e ele ignorou o prazo dado para que marcasse sua oitiva. Após ser novamente notificado em março deste ano, informou no dia 14 daquele mês que só poderia depor depois de 25 de agosto. O deputado nega que esteja tentando ajudar Bolsonaro. Ele afirma que segue a orientação de seu partido e apoia a pré-candidatura de Cabo Daciolo à Presidência, mas dois dias antes de informar a data na qual podia depor republicou em suas redes sociais um vídeo de Bolsonaro no qual o presidenciável faz críticas ao ex-jogador e comentarista Casagrande.

— Eu não tenho pressa. Estou cuidando da minha vida. Se não puder, remarco de novo. Não tenho tempo nem para a minha família — disse Eurico ao GLOBO.

A defesa da deputada Maria do Rosário pediu a dispensa das testemunhas ressaltando que nenhum dos dois deputados presenciou a agressão verbal. Fux negou o pedido. A petista recorreu na forma de agravo, que pode ser levado por Fux à Primeira Turma ou motivar uma reconsideração. A procuradora-geral Raquel Dodge deu parecer para que os depoimentos fossem cancelados e marcado o interrogatório do presidenciável. Para ela, a prerrogativa dos parlamentares “não pode ser utilizada para postergar os atos judiciais sem justificativa plausível e além dos limites estabelecidos”.

O advogado Antonio Pitombo, que faz a defesa de Bolsonaro, nega que haja uma atuação protelatória da defesa. Disse que deve ter recebido da assessoria de Onyx a informação de que o parlamentar poderia depor em junho. Afirma ser seu desejo a absolvição do presidenciável antes do pleito, mas reage à tentativa de dispensar as testemunhas.

— Deixa eu fazer minha prova em paz — disse Pitombo ao GLOBO.