Bolsonaro

El País: Um milhão de mulheres contra Bolsonaro. A rejeição toma forma nas redes

Grupo no Facebook consegue 10.000 novos membros por minuto de eleitoras indignadas. Elas querem, agora, levar a insatisfação para as ruas

Por Joana Oliveira, do El País

A rejeição do eleitorado feminino ao candidato Jair Bolsonaro (PSL), refletida em todas as pesquisas e que no último Datafolha, do dia 10 de setembro, chegou a 49%, se materializou nas últimas duas semanas como um grupo massivo de debate político no Facebook. O "Mulheres unidas contra Bolsonaro" já conta com um milhão de participantes e continua crescendo na velocidade de 10.000 novos membros por minuto.

Isso aconteceu na quinta-feira, 30 de agosto. 24 horas depois, o grupo, exclusivamente feminino, já chegava a 600.000 participantes. O rápido crescimento já se desdobrou na convocatória de uma manifestação contra o candidato, em 29 de setembro, em São Paulo, que já conta com 40.000 confirmações de assistência. O objetivo, asseguram as administradoras do grupo, é realizar atos similares em outras cidades do país. Como reação, nesta quarta-feira, um outro grupo chamou a atenção no Facebook: "Mulheres unidas a Favor de Bolsonaro", com cerca de 38.000 participantes, mas que, curiosamente, foi criado e é administrado por um grupo de homens.

Na plataforma da rede social, as postagens do grupo contra Bolsonaro criticam não apenas as propostas do candidato, como a flexibilização do acesso a armas, mas principalmente suas declarações em relação à brecha salarial de gênero —o candidato acredita que a equiparação no sistema privado não é competência política do Estado e seu gabinete, conforme adiantou o Valor Econômico, paga menos às mulheres— e seus comentários violentos contra repórteres e colegas políticas. "Um país sério de verdade jamais permitiria que esse cidadão falasse as barbaridades que falou. Cadê o Ministério Público? Cadê os órgãos de defesa das mulheres?", questiona Teixeira em relação à frase "não te estupraria porque você não merece", dita à deputada Maria do Rosário.

O grupo se define como apartidário ("A única bandeira é ser anti-Bolsonaro", diz Teixeira), mas existem postagens fixas sobre os demais candidatos à presidência, nos quais as simpatizantes de cada um podem publicar informações sobre eles e suas propostas. "Acredito que muitas indecisas decidiram em quem votar com base nessas discussões online", comenta a publicitária.

Com um perfil de participantes que vai desde adolescentes até senhoras que, por lei, já não precisariam mais votar, o grupo é espaço de discussão de mulheres que enfrentam familiares e amigos na tentativa de combater o voto ao que consideram "um candidato nefasto". "Meu marido é um coronel militar que vai votar nele. Já não sei mais o que fazer, só penso em rasgar o título de eleitor dele ou esconder seus documentos para que ele não possa votar", conta uma professora de 62 anos, que prefere não se identificar.

As participantes definem o grupo como um "elo de ligação", um espaço de reunião onde elas pudessem debater política livremente, sem ser silenciadas. "Porque quando fazíamos postagens individuais, sempre havia mansplaining (explicação masculina), homens nos atacando com termos chulos, assédio. Há casos até de usuários que tiraram print de fotos das meninas e espalharam por aí, éramos atacadas pelos seguidores de Bolsonaro, que são bastante agressivos. Faltava esse espaço para debate", conta Teixeira.

Também são muitas as postagens de usuárias que desabafam sobre violência doméstica e relações abusivas e de mulheres trans que agradecem por terem encontrado um “espaço solidário”. "Sinto que o Brasil todo está lá. É muito maior do que só um grupo contra Bolsonaro", afirma a publicitária, que destaca que as participantes "não são contra a pessoa" do presidenciável. "Ele é um ser humano que merece respeito. Inclusive, lamentamos muito o ocorrido [referindo-se ao ataque à faca sofrido por Bolsonaro no dia 6 de setembro]. Não somos favoráveis a nenhum tipo de violência ou discurso de ódio, queremos vencê-lo nas urnas".

Foi justamente depois desse atentado que o candidato registrou um crescimento entre três e dois pontos percentuais na intenção de voto feminino, de acordo com as últimas pesquisas Datafolha e Ibope, respectivamente. "O esfaqueamento mobilizou parte dos eleitores indecisos, principalmente as mulheres, que se solidarizaram com o candidato", avalia a antropóloga e cientista social Rosana Pinheiro-Machado.

Por outro lado, a cientista política acredita que o ataque foi também a "faísca" para que mais mulheres se mobilizassem contra Bolsonaro. "A mensagem sobre o voto feminino como faixa de contenção contra ele já vinha circulando e esse atentado disparou o medo de que se gerasse mais simpatia pelo candidato e que levasse a uma vitória sua no primeiro turno".

Para além das eleições

Pinheiro-Machado considera que o movimento de "mulheres unidas contra Bolsonaro" pode ter o mesmo impacto no Brasil que a marcha das mulheres contra Trump nos Estados Unidos, mas matiza que, para isso, o milhão de participantes do grupo virtual tem que se traduzir nas ruas para que se possa gerar um fato político relevante. "Desde a primavera feminista, quem consegue se organizar hoje no Brasil são basicamente as mulheres", diz.

E as organizadoras e participantes da plataforma na rede social não pretendem parar. Elas contam que já consideram mudar o nome do grupo depois das eleições para se tornar, de fato, um movimento que promova rodas de conversa, debates e outras ações em prol dos direitos das mulheres. "Não são só as eleições, temos uma série de pautas pelas quais lutar, como contra o Estatuto do Nascituro [PL 5069/13, que dificultará o acesso ao aborto em casos de estupro], ou a favor da criação de uma lei para criminalizar o assédio", afirma Teixeira.


Alberto Aggio: Violência política e desafio democrático nas eleições brasileiras

Na quinta-feira, 06/09, o candidato da extrema direita às eleições presidenciais, Jair Bolsonaro sofreu um atentado na cidade de Juiz de Fora (MG) que repercutiu no país e no mundo. Felizmente, o candidato está fora de perigo. A facada em Bolsonaro impacta diretamente o processo eleitoral, embora não se saiba ainda quais serão suas repercussões em termos de projeção de votos.

O atentado a Bolsonaro foi um ato de estupidez. É uma facada na democracia. Não é comum a violência política nas eleições presidenciais depois da redemocratização do país na década de 1980. A democracia exige serenidade e espirito de convivência. Um ato como esse joga lenha na fogueira da violência discursiva e simbólica, que é uma das tônicas do discurso de Bolsonaro. Pode ser um sinal negativo do que pode vir a ocorrer nos próximos dias.

É certo que o Brasil vive uma das suas maiores crises, resultado dos desastres promovidos por Dilma Rousseff (PT) e pela paralisia de Temer. Mas o clima político é de "terra arrasada" e de polarização extrema. O que não ajuda a se encontrar uma saída que una o país com base em suas instituições democráticas.

Bolsonaro representa uma saída extremista a essa crise com um discurso carregado de violentismo. Para ele, o povo vai “recuperar” o poder perdido depois de 1985, quando acabou o último governo da ditadura. Ele faz uma defesa aberta desse período, inclusive dos torturadores como heróis. O símbolo da sua campanha é um fuzil AR15, o que é assustador. O general Mourão, seu companheiro de chapa, disse numa entrevista que “heróis matam”. Ocorre que os heróis do momento não usaram armas e sim o bisturi para salvarem Bolsonoro. O general Mourão não conseguiu entender que heróis, no feliz contraponto do jornalista Luiz Carlos Azedo (Correio Braziliense), “salvam vidas”.

O nível de polarização do país desafia a democracia. Com Lula (PT) fora da disputa por estar condenado e com uma extrema direita violentista, vive-se uma situação dramática. O país precisa encontrar uma saída ao centro, democrática, e que conquiste confiança, recupere a governabilidade e faça o país voltar a crescer.

*Artigo escrito originalmente para o portal de notícias Punto Continenti. O original, em italiano, pode ser conferido aqui:  http://puntocontinenti.it/?p=13310

 


Oliver Stuenkel: Alinhamento com Trump enfraqueceria posição do Brasil no mundo

Estratégia de política externa de Bolsonaro representa graves riscos para o país

Com a campanha presidencial mais dramática e imprevisível desde 1989, agora entrando em sua reta final, as propostas de política externa de cada candidato ainda recebem pouca atenção do eleitor. Isso é um erro. A política internacional impacta muito mais a vida da população do que a maioria dos brasileiros tem a oportunidade de observar. Há implicações diretas, que vão desde a economia e a segurança pública até o combate à corrupção e a mudança global do clima.

As propostas de política externa do candidato Jair Bolsonaro, líder nas pesquisas, merecem atenção especial por várias razões. Presidentes costumam enfrentar muitas restrições no âmbito doméstico e ter mais liberdade na política externa, sobretudo quando seus projetos internos dão errado —uma possibilidade real no caso de Bolsonaro, cujo partido tem pouca representação no Congresso—. Isso se agrava pelo fato de que Bolsonaro não se verá limitado pela longa tradição da política externa brasileira —muito pelo contrário, sua identidade política é construída sobre a narrativa da mudança radical. Além disso, o PSL não tem uma ideologia de política externa pré-estabelecida dentro da qual Bolsonaro terá que operar.

Na frente econômica, Bolsonaro propõe um amplo programa de liberalização, reduzindo as barreiras comerciais, reduzindo subsídios, acelerando negociações comerciais e privatizando empresas estatais. No entanto, como ressalta Matias Spektor, pouco indica que Bolsonaro será capaz de construir as alianças necessárias para enfrentar poderosos grupos de interesse que atualmente se beneficiam de subsídios e de uma economia protegida —como, por exemplo, a indústria automobilística brasileira.

Em recente entrevista à Globonews, seu vice, o general Hamilton Mourão, prometeu escolher as pessoas mais qualificadas para liderar cada ministério, assegurando que Bolsonaro romperia com a prática tradicional de distribuição de cargos entre os partidos aliados, marca registrada do presidencialismo de coalizão. Nem Bolsonaro nem seu vice apresentaram um plano crível até agora sobre como superar o velho sistema dominado pelo lobby de segmentos privilegiados da sociedade. Como Bolsonaro também promete adotar uma postura mais dura em relação a investimentos chineses —não necessariamente uma má ideia—, industriais apelarão ao instinto nacionalista de Bolsonaro, evocando a ameaça chinesa na hora de pedir proteção especial.

Na frente geopolítica, o candidato tem simpatia por Donald Trump e promete alinhar as posições do Brasil com as dos Estados Unidos. Isso pode ser inteligente do ponto de vista eleitoral, já que muitos adeptos de Bolsonaro também são fãs de Trump. Mas é uma proposta arriscada por duas razões. Em primeiro lugar, Bolsonaro propõe a liberalização econômica, enquanto Trump adotou a estratégia oposta. Se o assessor econômico de Bolsonaro, Paulo Guedes, defende a privatização das estatais e a globalização, Trump, por sua vez, tem ojeriza ao livre comércio.

Em segundo lugar, a política externa dos Estados Unidos sob Trump é errática e imprevisível, e os países mais prejudicados são os tradicionais aliados, como México, Canadá, Alemanha e Japão. Querer se aproximar de Washington neste cenário é quixotesco e cheio de riscos. O governo dos EUA de Trump não é um aliado confiável. Renega tratados que negociou (como o Acordo Nuclear com o Irã) e mostra-se ambíguo em relação a pilares da ordem global, como o Artigo 5 da OTAN, o qual prevê que um ataque armado contra um país membro será considerado uma agressão contra todos, para ficar em dois exemplos apenas.

Como Trump, Bolsonaro tentará reduzir os compromissos internacionais do Brasil no combate à mudança do clima e no âmbito dos direitos humanos. Os eleitores de Bolsonaro o aplaudem. Para muitos deles, as instituições internacionais, e a ONU em particular, são vistas como ameaças ao interesse nacional —ou uma “conspiração socialista global”, como um eleitor de Bolsonaro a descreveu para mim recentemente.

No entanto, se o impacto para os Estados Unidos, que pode oferecer garantias militares e acesso a um grande mercado de consumidores, for negativo, a adoção de uma posição semelhante no Brasil teria consequências devastadoras para o país. Afinal, a reputação brasileira baseia-se em grande parte em seu papel construtivo no apoio das regras e normas, cruciais para a comunidade internacional enfrentar os desafios globais mais urgentes. A retirada do Brasil dos debates sobre direitos humanos e mudanças climáticas teria péssimo impacto em sua relação com outros países, sobretudo da América Latina e da Europa.

Mas há espaço para alguma esperança. Diferentemente de outros ministérios, o Itamaraty não pode ser tão facilmente aparelhado com seguidores leais ao presidente. Diplomatas poderiam tentar empurrar com a barriga iniciativas problemáticas até a presidência de Bolsonaro passar. Da mesma forma, os crescentes problemas internos de Trump e o espectro de um impeachment nos Estados Unidos podem ajudar a convencer Bolsonaro, se eleito, de que o alinhamento automático com Washington é uma aposta arriscada em uma ordem mundial cada vez mais centrada na Ásia do século XXI.


Ricardo Noblat: Bolsonaro e a construção de um novo mártir

Ele e Lula lutam para ser lembrados

Se o PT pode apresentar Lula como mártir de um Brasil que queria ser feliz de novo, por que o PSL não pode fazer o mesmo com Jair Bolsonaro, mártir de um Brasil que suplica por ordem e segurança?

No caso de Bolsonaro, tanto mais, acreditam seus filhos candidatos a deputado e a senador que dependem dele para se eleger, e uma legião de outros candidatos país a fora.

No martírio de Bolsonaro tem sangue explícito e perigo de morte, tudo filmado à luz do dia. No de Lula, desespero pessoal e isolamento em uma cela à prova de holofotes.

O processo de construção de Lula mártir dura meses e foi concebido nos seus mínimos detalhes. O de Bolsonaro mártir, só teve início quando ele deu entrada no hospital de Juiz de Fora.

É recente, portanto, ainda engatinha e está sujeito à improvisação. A primeira peça foi o vídeo da roda de orações ao pé do leito de Bolsonaro mal ele acabara de ser operado.

A segunda peça, a foto de Bolsonaro em uma cadeira do hospital Alberto Einstein, em São Paulo, simulando o gesto de quem atira com uma arma, sua marca registrada.

A terceira, de péssimo gosto, foi a fotografia tirada pelo senador Magno Malta, do Espírito Santo, que mostra parte do corpo nu de Bolsonaro com todas as marcas da cirurgia.

A peça que deverá se tornar o ícone da campanha do candidato daqui para frente é a recriação da camisa suja de sangue usada por Bolsonaro na hora em que foi esfaqueado. É a mais preciosa.

Cada um ao seu modo, Lula e Bolsonaro esperneiam na maca para não serem esquecidos – Lula da cela, Bolsonaro do leito. Sem dúvida que não serão, embora por razões diferentes.

Alckmin e a hora do desespero
É tudo ou nada para Geraldo Alckmin, candidato do PSDB a presidente da República. Improvável que lhe traga boas novas a pesquisa de intenção de votos do Datafolha que começou a ser aplicada há pouco e cujos resultados serão revelados logo mais à noite pelo Jornal Nacional, da Rede Globo.

Para vencer ou ser derrotado mais rápido, Alckmin só terá um caminho daqui para frente: desconstruir a imagem positiva de Jair Bolsonaro junto a um expressivo contingente de eleitores. Sem tomar votos de Bolsonaro, Alckmin não irá a lugar algum. Morrerá na praia mesmo com a maré baixa.

Há muitos meios e modos de tentar isso, mas nenhuma garantia de que dará certo. Quase 80% do total de eleitores de Bolsonaro renovam sua determinação de não trocar de lado. O tempo de Alckmin ficou curto. Se até o fim desta semana ele não decolar, seus aliados políticos o abandonarão sem piedade.

Parte deles irá para o colo ainda machucado de Bolsonaro, pule de dez para o segundo turno. Parte para o colo desocupado de Ciro Gomes (PDT). O colo de Marina Silva (REDE) está destinado a acolher órfãos da candidatura de Lula e descrentes na candidatura de Fernando Haddad (PT), o poste que ainda não acendeu.

Nas eleições de 2014, Dilma Rousseff e Aécio Neves foram bem-sucedidos na tarefa de abater Marina mal ela alçara voo nas pesquisas de intenção de voto logo após a queda do avião que matou o candidato a presidente da República Eduardo Campos, ex-governador de Pernambuco.

A princípio, será solitária a tarefa de Alckmin de atirar pesado contra Bolsonaro. Ciro e Marina carecem de tempo de propaganda eleitoral no rádio e na televisão para procederem da mesma forma. E Bolsonaro, por questão de saúde e também de desinteresse, ficará de fora dos próximos debates entre os candidatos.

Vida dura que segue para Alckmin.


Luiz Carlos Azedo: Nosso herói usou o bisturi

“Não se pode subestimar é a gravidade do que aconteceu. O episódio poderá influenciar o resultado das eleições. Bolsonaro já posa sentado, simulando uma arma nas mãos, seu gesto de campanha”

O que não falta nas redes sociais são teorias conspiratórias sobre o atentado a faca contra o candidato do PSL, Jair Bolsonaro, que foi gravemente ferido e está internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Albert Einstein, para onde foi transferido depois de ser operado na Santa Casa da Misericórdia de Juiz de Fora. A Polícia Federal levou o autor da tentativa de homicídio, Adelio Bispo de Oliveira, de 40 anos, de Juiz de Fora para um presídio federal em Campo Grande (MS). O agressor foi indiciado por “atentado pessoal por inconformismo político”, com base na lei de Segurança Nacional, o que alimenta especulações. Ele alegou que deu a facada em Bolsonaro “a mando de Deus” e disse que agiu sozinho, sem ajuda de partido político ou empresa. Policiais federais consideraram o depoimento do suspeito como declarações de uma pessoa conturbada. Sua defesa alega insanidade mental.

Essa é a versão oficial. Nas redes sociais, a turma do Bolsonaro acusa o PT de ser mandante da agressão; militantes petistas divulgam que o atentado foi uma conspiração militar para levar o general Hamilton Mourão à presidência de República. Teorias conspiratórias costumam construir versões que partem do pressuposto de que o mandante do crime seria o grande beneficiado pela sua consumação. A partir daí, um arrazoado supostamente comprovatório serve para construir uma narrativa verossímil. No limite, a esquerda pode imputar à CIA o planejamento de tudo; a direita, a agentes cubanos. Num ambiente eleitoral empesteado pelo ódio político e o radicalismo ideológico, não faltam os que acreditam em ideias malucas. Além disso, o passado político da América Latina condena.

Por isso mesmo, é bom que a Polícia Federal investigue todos os passos de Adelio Bispo, suas conexões telefônicas e financeiras, bem como das duas outras pessoas que supostamente estariam com ele durante o atentado. E que esclareça também como um sujeito pobre de marré, marré conseguiu financiar suas viagens e a assistência jurídica de quatro advogados — é comum a nomeação de vários integrantes de um único escritório numa só procuração, isso não quer dizer que todos vão atuar no caso, e mesmo a defesa gratuita. O que não se pode subestimar é a gravidade do que aconteceu. O episódio mudou os rumos da campanha eleitoral e poderá influenciar o resultado das eleições. Menos mal, porque Bolsonaro sobreviveu e já posa sentado, simulando uma arma nas mãos, gesto característico de sua candidatura. Seu assassinato na campanha eleitoral, qualquer que fosse a motivação, poderia ter desdobramentos gravíssimos. Há exemplos na nossa história.

Catalisadores
O assassinato de João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque foi uma das causas da Revolução de 1930, que depôs o presidente Washington Luís. Governador da Paraíba, morreu no Recife, em 26 de julho de 1930, aos 52 anos, com um tiro na cabeça. Naquele ano, fora candidato a vice-presidente na chapa de Getúlio Vargas, mas ambos perderam para a chapa governista, encabeçada por Júlio Prestes. Como dizia Gilberto Freyre, no Nordeste “havia os Cavalcanti e os cavalgados”; se fosse Albuquerque, mandava mais ainda. João Pessoa era porta-voz da elite nordestina. Foi morto por um desafeto político, o advogado e jornalista João Dantas, na Confeitaria Glória, no Recife, num encontro quase casual. Ao contrário da versão difundida à época, a motivação do crime foi passional: a casa de Dantas havia sido invadida pela polícia, a mando de João Pessoa, que abjetamente vazou para os jornais cartas íntimas trocadas com a jovem professora Anaíde Beiriz, belíssima, personagem do filme Paraíba masculina, mulher-macho sim senhor, de Tizuka Yamazaki. Dantas foi chacinado na prisão; Beatriz foi marginalizada e se matou, aos 25 anos.

Há outros exemplos de atentados que catalisaram grandes eventos políticos, como o da Rua Toneleiros, contra Carlos Lacerda, no qual foi morto o major Rubens Vaz, cujos desdobramentos resultaram no suicídio de Getúlio, em 1954. Felizmente, Adélio Bispo não logrou seu objetivo. No episódio, o grande herói usou um bisturi: o cirurgião vascular Paulo Gonçalves de Oliveira Júnior largou ao meio o almoço com a família e foi para Santa Casa socorrer Bolsonaro. Localizou o local da hemorragia e evitou a morte do ex-capitão. De acordo com a tabela do SUS, receberá R$ 367,06 pela operação; a Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora será reembolsada em R$ 1.090,80, nos revelou a revista Piauí. Heróis salvam vidas!

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-nosso-heroi-usou-o-bisturi/


Míriam Leitão: Eleição líquida e voto volante

Dúvida é se Bolsonaro se apresentará como uma vítima vingadora, ou se haverá mudança de tom para atrair os eleitores mais ao centro

O ambiente é absolutamente fluído, e as consequências do atentado a Jair Bolsonaro podem ter os mais variados desdobramentos. Um mês antes das eleições, o tempo é líquido no Brasil. A situação do candidato do PSL antes de ir para Juiz de Fora era a de quem liderava a eleição sem Lula, mas havia tido um aumento da rejeição e perdia no segundo turno para Ciro, Marina e Alckmin. Agora, tudo dependerá dos próximos movimentos de cada um dos atores desta campanha.

Na segunda-feira, o Datafolha poderá mostrar a reação no eleitorado nas primeiras horas do atentado. A pesquisa é preciosa como um instantâneo. Na terça-feira, o PT anunciará sua chapa. O que o candidato oficial a vice, Fernando Haddad, disse na Globonews, respondendo a Merval Pereira, foi que ele pode ser vice do Lula, mas de nenhum outro. O que ficou implícito é que se for vencedora no PT outra corrente que não a que tem sustentado o ex-prefeito de São Paulo, seja consagrando Gleisi Hoffmann, seja Jaques Wagner, a vice será a ex-deputada Manuela D’ávila, do PCdoB.

A decisão das principais campanhas de suspender as atividades foi importante para evitar qualquer palavra impensada. A um mês das eleições, a dúvida do eleitor é elevada, e foi isso que a pesquisa Ibope mostrou. Num quadro desses, qualquer fator interveniente produz efeitos encadeados e incertos, aumentando ainda mais a imprevisibilidade.

Na pesquisa do Ibope, parte dos eleitores de Lula se dispersou de forma fragmentada, indo para Ciro, Haddad e até Bolsonaro. Os eleitores volantes nunca foram tantos e tão determinantes como nesta eleição. Nas simulações de segundo turno, Jair Bolsonaro perderia para Ciro, Marina e Alckmin, mas o percentual dos que votariam em branco ou nulo e dos que não souberam responder ficou em 23%, na hipótese com Ciro e com Marina, e 27%, quando o oponente de Bolsonaro é Alckmin ou Haddad. O representante do PT é o único que aparece empatado com Bolsonaro, mas ele ainda não é oficialmente o candidato e não teve tempo de exposição oficial.

Quando a chapa do PT, na terça-feira, for definida, restarão apenas 26 dias para as eleições. O partido terá que correr na sua estratégia de transferência de votos. Enquanto isso, a campanha de Bolsonaro seguirá sem ele. Por enquanto, os representantes oscilam entre vários tons. Desde o “agora é guerra”, do presidente do PSL, Gustavo Bebianno, até as declarações mais amenas do general Hamilton Mourão, em Porto Alegre, no dia do atentado.

Quando falou no vídeo do senador Magno Malta, o candidato Jair Bolsonaro misturou no discurso Deus, pátria e família. Malta repetiu que Bolsonaro está em missão de Deus. Bolsonaro lembrou que era o dia 7 de setembro e que gostaria de estar no desfile militar no Rio de Janeiro. Como os eleitores reagirão a esses apelos é ainda uma incógnita.

O general Mourão define Bolsonaro como vítima de um crime político, de um atentado contra o Estado. A dúvida é se a campanha o apresentará como a vítima vingadora, numa guerra santa contra os “inimigos”, ou se haverá uma mudança no discurso para trazer mais seguidores para o seu grupo. O grande desafio de qualquer candidato, de direita ou de esquerda, é capturar parcelas mais ao centro. Lula conseguiu isso em 2002 e iniciou a sua escalada de popularidade.

Na pesquisa Ibope, a rejeição de Bolsonaro havia subido de 37%, em agosto, para 44%, em setembro. Na intenção de votos, ele oscilou na margem de erro, de 20% para 22%, mas o percentual dos que acham que ele vai ganhar subiu de 27% para 38%.

Para o sociólogo Zygmunt Bauman, a era em que vivemos é de incerteza e falta de referências; de relações fluídas, voláteis, que escorrem pelos dedos. Nestes tempos líquidos, a um mês de uma eleição dramática, com um candidato na UTI, depois de um atentado, e outro impugnado dirigindo a campanha da prisão, nunca foi tão verdadeira a frase “tudo pode acontecer”.

O voto volante pode ser atraído por qualquer dos candidatos. Até parte dos eleitores que já têm candidato pode migrar, sem obediência aos compartimentos políticos definidos como esquerda, direita e centro. Isso tudo faz com que estejamos definitivamente numa eleição líquida.


Denis Lerrer Rosenfield: A esquerda em riste

Essa histérica cruzada contra a direita não passa de uma simples manobra diversionista

A histeria anti-Bolsonaro, conduzida pela esquerda e por setores da classe média politicamente correta, está chegando ao paroxismo. Aumenta na proporção em que o candidato avança nas pesquisas, sendo um sério pretendente a ocupar a cadeira de presidente da República. Quem apostava que a bolha iria estourar está alarmado com seu tamanho e resistência. Os nostálgicos da polarização PT x PSDB literalmente não sabem o que fazer. É toda uma maneira de pensar e agir que está sendo questionada.

A qualificação de extrema direita está sendo de grande comodidade para todos os que continuam presos a seus velhos esquemas de pensamento. É como se Jair Bolsonaro fosse uma espécie de personificação do mal, que deveria ser extinta graças às boas intenções dos que se apresentam como “democratas”, seja lá o que esse termo signifique para boa parte deles. Alguns, açodados, já pensam numa aliança entre PSDB e PT para conjurar esse perigo. Ou seja, entre os social-democratas e os que levaram o Brasil ao fundo do poço, num assalto aos cofres públicos. As pautas social-democrata e social estão sendo usurpadas por aqueles que se caracterizaram por atividades criminosas, com a anuência de tucanos de boa consciência.

Há uma manobra diversionista em curso. O problema do Brasil seria Bolsonaro, e não o PT, com seu legado de PIB negativo, inflação em alta, juros estratosféricos, desemprego exorbitante, apropriação “privada-partidária” de empresas estatais e corrupção generalizada. Seriam esses, então, os “democratas” que procuram evitar a volta da “extrema direita”! “Democratas”, aliás, que não cessam de defender o “socialismo do século 21” de Chávez e Maduro, que conduziu a Venezuela a uma crise sem precedentes, caracterizada por sua essência criminosa e liberticida. São eles que se colocam na posição de dar lições aos demais. Santa paciência com tanta impostura!

Acrescente-se que são eles mesmos que sempre atacaram e atacam o processo reformista conduzido pelo presidente Michel Temer, como se estivessem lutando contra a “herança maldita” do atual governo, quando este nada mais fez do que resgatar o País da verdadeira herança maldita petista. De um lado, seria o governo Temer e, de outro, a candidatura Bolsonaro, como se eles fossem no presente e numa espécie de futuro antecipado os culpados pela crise atual. Trata-se de evidente transferência de responsabilidades, com o intento de encobrir o que foram os governos petistas.

Bolsonaro tem sido criticado por desconhecer economia. Seja dito a seu favor que ele reconhece esse fato e antecipou sua escolha do futuro ministro da Fazenda, o respeitado economista liberal Paulo Guedes, em eventual governo dele. É honesto em reconhecer a sua limitação. Desonestos são os que dizem conhecer economia. Haddad/Lula e Ciro Gomes não cessam de defender as patranhas econômicas que levaram o País ao desastre. Pretendem simplesmente repetir uma experiência fracassada. Aliás, Dilma é economista!

O mais bem-sucedido programa econômico da História recente do País é o Plano Real. Foi concebido e implementado pelo ex-presidente Itamar Franco, que desconhecia economia. Escolheu um ministro da Fazenda, Fernando Henrique, que tampouco conhecia economia. Teve, porém, o bom senso de escolher uma equipe econômica competente. Quando se tornou presidente, teve de abandonar suas convicções de esquerda ao escolher um ministro da Fazenda liberal, Pedro Malan, e depois de várias hesitações na política monetária terminou por optar por um economista liberal da mais alta reputação, Armínio Fraga, para o Banco Central. O desconhecimento de economia produziu belos resultados econômicos!

A questão dos valores também tem entrado em pauta na disputa eleitoral. Novamente a qualificação de extrema direita imputada a Bolsonaro procura tomar o lugar de uma discussão séria. Assinale-se, preliminarmente, que o candidato é produto do politicamente correto, contra o qual ele e boa parte da sociedade brasileira se insurgem. Não teria ele se tornado o fenômeno que é, não tivesse a esquerda procurado impor goela baixo suas concepções.

Tome-se o caso do direito à legítima defesa. Os pregadores - sim, no sentido religioso - do Estatuto do Desarmamento é que são os autoritários. Em consulta popular a sociedade brasileira tomou posição a favor do direito de autodefesa via posse de armas. E o que foi feito depois? Implementou-se por medidas administrativas uma política que contrariou frontalmente a vontade popular. Quem é, então, autoritário?

A população brasileira está indefesa. Os defensores do desarmamento continuam triturando as estatísticas, pois seu fracasso é evidente. Pedem mais do mesmo, quando não há nenhum resultado. A situação só piora no que respeita à segurança dos cidadãos. E o Estado não é capaz de defender seus membros, sendo direito deles defender a própria vida, os seus e seu patrimônio. Bandidos não precisam de armas compradas em loja e não seguem o tal do “estatuto”! Aliás, são seus aliados!

O politicamente correto desconhece limites. Nega ao cidadão um direito básico. Imaginem um produtor rural ou uma pessoa qualquer na zona rural. O que faz ao ser assaltado? Telefona para a Polícia Militar? Qual seria a provável resposta? “O senhor, ou a senhora, mora muito longe, é perigoso nos irmos aí pela noite, além de levar muito tempo! Amanhã tomaremos providências, assim que tivermos uma equipe para deslocamento”. A pessoa e a sua família estariam completamente abandonadas. Claro que muitos que defendem o dito desarmamento vivem em condomínios urbanos, com câmeras de segurança, guardas e até utilizam carros blindados.

Há questões de valores e princípios que estão sendo desconsiderados nesta histérica cruzada contra a extrema direita. Trata-se, simplesmente, de uma manobra diversionista!

* Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na UFRGS.


El País: Luciano Hang e o pelotão de empresários ‘anticomunistas’ pró-Bolsonaro

Cabo eleitoral do militar reformado, o dono da rede de lojas Havan conclama empresários a se unirem à causa. No início de agosto, um café da manhã reuniu 62 deles para ouvir as propostas do candidato

Por Fernanda Becker e Regiane Oliveira, do El País

Luciano Hang, proprietário da rede de lojas Havan, não é do tipo que foge de polêmica. Mesmo sendo frequentemente citado nas páginas dos jornais por controvérsias envolvendo seu nome, decidiu abrir uma página pessoal no Facebook, em novembro de 2017, e tem utilizado o espaço para divulgar vídeos que classifica de "motivacionais", a fim de compartilhar sua vivência no dia a dia da empresa. Com 1,3 milhão de seguidores, Hang é um dos cabos eleitorais do candidato à presidência Jair Bolsonaro, conforme mostrou uma reportagem do EL PAÍS publicada na semana passada.

O empresário tem usado seu canal no Facebook para divulgar seu voto e conclamar outras pessoas a se unirem ao seu movimento. Se a adesão ao discurso de Hang tem sido bem sucedida ainda não é possível saber. Mas ele não está sozinho nessa missão. Ainda que sem o ímpeto do proprietário da Havan, outros empresários já foram a público anunciar sua intenção de votar no ex-militar. São eles Meyer Nigri (Tecnisa), Bráulio Bacchi (Artefacto), Sebastião Bomfim Filho (Centauro) e Luiz Antonio Nabhan Garcia (União Democrática Ruralista). Todos participaram de encontros com o presidenciável, como um café da manhã, ocorrido em 10 de agosto, que reuniu 62 empresários.

À primeira vista modesto, o número de apoiadores de Bolsonaro entre a nata empresarial do país surpreende na primeira eleição presidencial marcada pela proibição do financiamento de campanhas por empresas. Outros candidatos não têm tido, até o momento, o mesmo engajamento público. Os apoiadores de Bolsonaro têm em comum a insatisfação com os partidos de esquerda, aos quais creditam uma vocação "comunista". “Apoio quem seja contra a esquerda, Bolsonaro, Alckmin ou qualquer outro", afirmou o fundador da Tecnisa à revista Piauí. Também lhes agrada que o candidato do PSL à presidência não tenha pedido ajuda para campanha. "Em quase 40 anos em financeiro de empresas, nunca vi um candidato não pedir dinheiro", disse Bacchi, da Artefacto, à Folha.

Luiz Antonio Nabhan Garcia, presidente da UDR, realizou uma caravana no interior de São Paulo, reduto de Geraldo Alckmin, em prol do candidato. Em um evento em julho no Pará, o pecuarista aproveitou para pedir: "Quando o senhor se tornar presidente, vê o que fará com essa gente da Funai, do Ibama, do Ministério Público, que não respeita a propriedade privada”, ressaltou o jornal Estadão.

Para Hang, a falta de presença do empresariado na vida política do país no passado é o "que levou o país à situação atual". "Acho que a falta de entrosamento político da classe empresarial levou o país à situação em que nos encontramos hoje. Houve uma terceirização da política a pessoas de mau caráter, corruptas, comunistas, socialistas e vigaristas", lamenta.

O dono da Havan não acredita que seu envolvimento explícito com um candidato político seja prejudicial aos negócios. "Quanto mais eu falo a verdade, mais eu vendo", afirma. De acordo com o empresário, a Havan cresceu 45% em vendas só no primeiro semestre deste ano e deve fechar 2018 com um faturamento de 7 bilhões de reais. "Estou do lado certo", afirma, em defesa de sua estratégia. "Nunca vi alguém de esquerda se dar bem na vida, só vai bem quem pensa logicamente. Lamentavelmente, você não vê um esquerdista, um populista, um comunista que tenha ganhado dinheiro honestamente trabalhando ou montando sua empresa", garante.

O ativismo de Hang o levou a aproveitar de um ponto de difícil fiscalização da lei eleitoral para investir dinheiro para que postagens a favor de Bolsonaro chegassem a mais pessoas no Facebook. Pela lei eleitoral, a propaganda política paga na rede só pode ser feita pelos próprios candidatos, partidos e coligações, não pode ser terceirizada. "Se nós não nos posicionarmos, o Brasil vira uma Venezuela e nós teremos que largar este país (...) Fiz um vídeo abrindo meu voto, de forma nenhuma eu pedi voto para ninguém. Chega num ponto do vídeo em que falo: cada brasileiro, cada pessoa tem o direito de escolher um candidato, independentemente do meu." Depois de o EL PAÍS publicar reportagem revelando o pagamento, o TSE mandou retirar do Facebook dele o vídeo pró-Bolsonaro.

Ativismo nas redes
A cruzada de Hang para libertar o país daqueles a quem chama de socialistas, comunistas e esquerdistas não é recente. Ele já abriu várias frentes de disputa nas redes sociais. Em 16 de maio de 2018, antes da greve dos caminhoneiros, publicou um vídeo em frente a um posto de gasolina no qual criticava o aumento do preço dos combustíveis. No vídeo ele anunciava que os postos de combustíveis da Havan venderiam 20.000 litros de gasolina sem impostos, no valor de 2,69 reais o litro.

O vídeo recebeu 1,2 milhão de visualizações. Dias depois, em 22 de maio teve início a greve, sobre a qual Hang falou diversas vezes em postagens no seu canal, sempre reivindicando a redução de impostos para empresas e a privatização da Petrobras. Após a mobilização do caminhoneiros, a Procuradoria-Geral da República solicitou uma investigação contra grupos suspeitos de inflar a greve. Entre os investigados, estava Hang. O empresário havia sido identificado como uma das lideranças do movimento mesmo sem ser parte da categoria, segundo uma reportagem da CBN.

Daniel Ricken, da Procuradoria da República de Itajaí, informou que a representação contra Hang chegou ao Ministério Público, mas que não foi levada adiante. O MP entendeu que pelo fato das empresas de Hang não se enquadrarem como serviços de interesse público, as ações de Hang durante a greve não eram ilícitas. Questionado sobre a ação do empresário de comercialização de gasolina a 2,69 reais por litro, o Ministério Público declarou que desconhece a informação. Hang afirma que tudo fez parte de uma fake news e que estava na Europa na época da greve.

Em janeiro deste ano, Hang também já havia publicado em sua página um vídeo anunciando que no dia seguinte, às 13h, soltaria 13 minutos de fogos de artifício em comemoração à condenação do ex-presidente Lula. De fato, o empresário transmitiu ao vivo no Facebook a prometida queima de fogos ao som do hino nacional. O vídeo rendeu 960.642 visualizações, mais de 50.0000 reações (em sua ampla maioria positivas) e 10.000 compartilhamentos, mas provocou uma série de protestos em frente a lojas da Havan em diversos municípios de Santa Catarina. Faixas acusavam o empresário de sonegar impostos. Ele respondeu com um vídeo que rendeu ao seu canal oficial o maior engajamento já registrado em uma postagem da página. Publicado em 27 de janeiro, o vídeo de Hang exibia o empresário em frente a uma de suas lojas negando as denúncias dos manifestantes enquanto exibia uma cópia de seu certificado de antecedentes criminais. O vídeo obteve 2.903.900 visualizações e 64.000 compartilhamentos.

Hang minimiza os protestos: "Meia dúzia de gatos pingados, não são clientes da Havan. Só boi de piranha pagos para fazer isso. Ninguém tem que ter medo de falar a verdade e ir contra o que está errado nesse país". Ele refuta as acusações de sonegação. "Minha empresa não depende de Governo ou de empréstimo para Governo para vender. Nos anos do PT, se compramos alguma coisa pelo BNDES, foram máquinas e equipamentos financiados pelo Finame [Agência Especial de Financiamento Industrial]. Quem recebe é a empresa de quem compro o equipamento, não a minha pessoa."

DISPUTAS LEGAIS
As controvérsias envolvendo Luciano Hang não se restringem ao seu ativismo político. Segundo o Ministério Público Federal, o problemas com a justiça envolvendo a Havan e seu proprietário começaram em 1999, quando a Procuradoria da República em Blumenau deflagrou uma operação de busca e apreensão na empresa, que resultou na autuação da Havan em 117 milhões de reais pela Receita Federal e 10 milhões pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). A autuação foi considerada a maior já realizada pela Receita Federal até então. A empresa recorreu a um financiamento da dívida por meio do REFIS e obteve um prazo, estimado pelo MPF à época, de 115 anos para quitar a multa.

Em outro processo, que correu em segredo de Justiça, o empresário foi condenado a 13 anos, 9 meses e 12 dias de reclusão em regime fechado pelo crime de evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Hang e os demais réus recorreram da decisão sucessivas vezes e conseguiram, inclusive, reduzir a pena do empresário para a 5 anos, 8 meses e 1 dia de reclusão em regime semiaberto.

Em 2016, o ministro Rogerio Schietti Cruz do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), em decisão monocrática afirmou que o prazo prescricional de oito anos que começa a correr após a condenação já havia vencido, de modo a punibilidade estava extinta, ou seja, os réus, mesmo condenados, não teriam mais que cumprir a pena pois o judiciário perdeu os prazos para responder aos recursos da defesa. O caso nunca transitou em julgado e por isso o certificado de antecedentes criminais de Hang permanece limpo. "Deus é o meu advogado, não tenho medo de falar a verdade. O tempo é o senhor da verdade. Quando você é acionado [na Justiça] por coisas inverídicas, no final o tempo mostra que você está certo", diz Havan.


Folha de S. Paulo: Com Bolsonaro, disputa entre PSDB e PT será para ir ao segundo turno, diz FHC

Para tucano, atacar capitão é gol contra e Haddad e Alckmin terão dificuldades similares

Thais Bilenky, da Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Para o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, Jair Bolsonaro (PSL) antecipou a tradicional disputa entre PT e PSDB para o primeiro turno.

O tucano recebeu a Folha em sua fundação, em São Paulo, na quarta (29).

Neste sábado (1º), ele comentou o veto à candidatura de Lula. “A decisão do TSE [Tribunal Superior Eleitora] já era esperada. A Lei da Ficha Limpa está vigiando e é clara quanto aos requisitos para o registro de candidatos. Lei de iniciativa popular, aprovada pelo Congresso e sancionada pelo próprio presidente Lula.”

O sr. está surpreso com a resiliência de Bolsonaro? 
Tenho uma visão mais analítica. O mundo todo está sofrendo modificação na percepção das pessoas e, em alguns setores, alguém que simbolize a ordem tem alguma chance. As pessoas estão com medo do futuro, horrorizadas com a corrupção, a economia está parada e tem muita violência.

Havia expectativa de que, com debates e entrevistas na TV, ele começaria a derreter. 
Não sou de menosprezar a potencialidade das pessoas. Não quero que ele ganhe nem creio que vá. Por isso mesmo não se pode desprezar o que ele significa.

O sr. já disse que discorda da expectativa de que seja PT contra a direita, seja Alckmin, seja Bolsonaro, no segundo turno. Inclusive, o sr. aposta que pode vir a ser Bolsonaro e Alckmin.
Isso.

Qual deve ser a estratégia para o Alckmin para chegar ao segundo turno? 
Eu não sou estrategista eleitoral, não sei. Pelos dados, onde a cultura estatal tem mais força, ricos e pobres votam pelo Estado. Quando tem menos força, a mesma coisa. Não é tão ricos contra pobres, que foi a tradução habitual do que acontecia entre PT e PSDB, azuis e vermelhos. O que está acontecendo? Está tudo fragmentado. Os partidos não são expressivos e os que são, vêm de setores que têm mudanças.

O PT tem simpatia crescente, chegou a 24%. 
Mas onde cresceu? Não foi entre trabalhadores, foi geral. A ligação da classe com o partido deixou de contar. Tem mais força no Nordeste, porque o Lula representa uma espécie de Padim Ciço, que deu resultados para as pessoas. Os outros partidos nunca tiveram muita expressão.

O PSDB nesse sentido fracassou? 
Bom, a pergunta é casca de banana [risos]. O PSDB mudou muito, o Brasil também, e sofreu os abalos. Bem ou mal, até agora, ele e o PT expressavam visões mais de Estado ou mais de sociedade, era essa a diferença. [Agora] tem mais gente expressando a mesma coisa, dos dois lados, mas mais do PSDB.

O PSDB tem 4% de simpatizantes. 
A eleição não é PT contra PSDB, é fulano contra beltrano. Sempre foi assim. Ou você acha que o PSDB ganhou a eleição quando eu ganhei? Eu ganhei. Ou que o PT ganhou quando Lula ganhou? Lula ganhou.

Aliados advogam que Alckmin deve esconder o PSDB. 
Não precisa nem deve, vai ser denunciado pelos outros. O PSDB não está no governo, este é o PMDB.

O PSDB está com o Aloysio Nunes no governo e esteve após o impeachment. 
O povo não sabe, não se liga nisso. Uma coisa somos nós, intelectuais, jornalistas, que vivemos nesse meio. Para o povo, tem que mostrar como é o Geraldo. É uma fragilidade das instituições democráticas. O desempenho da personalidade, do líder, conta mais que os partidos.

A personalidade do Alckmin é criticada porque não move multidões. Ele deve trabalhar de que forma? 
Eu movo multidões? O que diziam de mim? Um professor, fala melhor francês que português, o que é mentira! A população vai olhar duas coisas. Primeiro, o que levo com isso? Está sempre subjacente o que eu ganho. Segundo —falo por mim—, vai ter que acentuar as características que a pessoa tem. Que características tem Alckmin? É experiente, não está envolvido em corrupção.

Tem alguns processos judiciais em curso. 
Mas você vai ver e não é nada. Como Haddad, não tem nada.

Há processos envolvendo aliados, o cunhado, Laurence Casagrande.
Não conheço, mas Geraldo põe a mão no fogo por ele. [Lula] está preso e deixou de ter voto? Por que Geraldo vai deixar de ter porque não sei quem está metido?

O sr. acha que a mensagem de Alckmin está certa? 
Qual é a mensagem? Eu não sei ainda.

Por exemplo, o jingle diz que ele é cabeça e coração.
Em campanha, acho eu, você tem que ser do jeito que você é. Geraldo não pode ser uma pessoa extravagante, porque ele não é. Tem que mostrar que é bom ser como ele é para governar o Brasil. Estamos frente a uma situação em que tem muita falta de rumo. Bolsonaro diz que vem com tacape e põe ordem. Geraldo tem que dizer que não precisa de tacape para pôr ordem.

Como os dois poderiam ir juntos para o segundo turno?
Não sei até que ponto [a polarização entre] azul e vermelho vai sumir mesmo. Porque os dois têm estrutura, muitas prefeituras, enraizamento, história.

O MDB também. 
E vai sumir? Não. O MDB sempre fez o que está fazendo agora. Não está jogando para presidente da República, está jogando para poder repetir...

De depois aderir ao governo eleito?
Sim. Se tiver força, vai ter que negociar com ele. Você acha que foi o Partido Republicano que elegeu Trump? Não.

Mas se não fosse o Partido Republicano ele não se elegeria. 
É o que estou dizendo. É uma soma da estrutura com a capacidade de expressar um sentimento da população.

Alckmin e Bolsonaro disputam o mesmo eleitorado? 
Mais ou menos. Uma parte do pessoal estatista vai votar no Bolsonaro também. Eu não sou uma pessoa assertiva que vai dar tal coisa, porque depende. O desempenho dos candidatos é importante, o jeitão deles é importante. A democracia é assim. Se quer garantias, na China é tudo mais garantido que aqui.

Que eleitorado Alckmin belisca para chegar ao segundo turno?
Como o PSDB foi crescendo? Bom, eu ganhei em toda parte, não conta. Era outro momento. Cresceu basicamente de São Paulo para o Sul. Centro-Oeste vai até o Acre. Chega no Rio, perde. Em Minas, às vezes ganha, às vezes perde, e no Nordeste inverte. Acho que a estratégia deve ser consolidar o que tem, e não arriscar onde não tem. A escolha da vice foi correta.

No Sul, Bolsonaro tem 30% e Alckmin, 6%.
Mas não começou a campanha ainda. Acho muito importante fazer pesquisas e tal, mas a dinâmica eleitoral é de confronto. O confronto está começando a se dar. Reitero, acho que o candidato do PSDB tem que concentrar onde sempre teve mais votos. Aí tem que brigar com quem? Bolsonaro.

Tem espaço para os dois?
Pode ter. A mesma dificuldade do PSDB, o PT tem também de entrar no Rio, no Nordeste, porque é paulista,.

Haddad passa para o segundo turno?
Vai ser difícil. A competição neste momento vai ser entre PT e PSDB. Aceitando que o sentimento bolsonarista vai se manter, para ir para o segundo turno, é PT e PSDB. Tradicionalmente, a disputa ia ser PT e PSDB no segundo turno. Agora, eu acho que será para ver quem vai para o segundo turno.

Se PSDB tem que ter o voto que já está com o Bolsonaro no Sul... 
É dinâmico. Em política, as coisas não são. Vão sendo. Além disso, outro problema que se sobressai no campo mundial é que a sociedade contemporânea está mudando. As estruturas fixas, os partidos já não correspondem mais à coesão anterior, então é tudo mais flutuante. Por isso uma pessoa como Bolsonaro, que não tem estrutura, parece como se pudesse.

Como tirar voto dele?
[Dizer que] Bolsonaro apoia o regime militar. Já acabou! Reforça os deles. Como muda? Não é atacando. O povo, no fim, não gosta de ataques, sobretudo ataques pessoais. Atacar Bolsonaro é gol contra.

Então tem que mostrar... 
O positivo. Eu posso. Você não.

A estratégia de Lula de postergar ao máximo a definição da candidatura petista foi boa para eles?
Não sei julgar. Lula sempre se caracterizou por não aceitar número dois. Com a Dilma fez assim e deu certo. Agora é mais difícil, a situação do Lula é mais delicada e já houve a experiência de eleger alguém que o Lula apoiou e esse alguém não é querido da população. Agora, reitero o que eu disse para o Haddad também. Depende de como vão se comportar, a mensagem. [O poder da rede social] de transformar em voto não foi testado. Há a sensação de ser crescente. Do ponto de vista sociológico, é interessante o que vai acontecer.

Alckmin passou a defender armar a população no campo.
Quem não muda?

Está certo ceder?
Não é do temperamento do Geraldo ceder, ele é uma pessoa que tem linha, tem vida, tem história. Tenho muito medo de quem não tem história, porque esse é imprevisível. Geraldo não é imprevisível. Isso pode até não ser bom do ponto de vista de fazer onda eleitoralmente. Mas ele não é imprevisível. Ele tem uma característica que não vejo ressaltada que ele não é intolerante, nunca foi. É religioso, mas não é intolerante. A democracia requer personalidades que tenham capacidade de aceitar a diversidade.

Ele acolhe sugestão? 
Poucas vezes eu digo algo que queira que acolha. Falei sobre a Vice-Presidência e fui ouvido.

Em que medida o PSDB contribuiu para a extrema direita, assombreada por ele até ser desgastado na Lava Jato, ganhar vida própria? 
Quem fez a polarização que deu no que deu foi o PT, pobres e ricos, eu contra você. O PSDB nunca teve esse tipo de comportamento ‘só eu sou bom’.

O PT acha que o PSDB tem essa postura. 
Mas não tem. Na prática, o que fez Lula? Governou com quem?

Com os mesmos? 
Claro. Estou criticando? Não, porque existem, estão lá, você tem que ter maioria no Congresso. Os métodos, aí é outra coisa.

Foram diferentes? 
Uai, eu nunca tive mensalão, não é? Pode revirar.

O PSDB deve fazer aceno no segundo turno ao PT contra o Bolsonaro?
O PSDB tem que ir para o segundo turno. O Brasil precisa de ordem sem tacape.

PT seria desordem?
Não, seria outra coisa. O PT voltou a ficar no estado anterior dele, mais intransigente, mais hegemônico. Eu não gosto disso.

Ciro disse que Bolsonaro é um 'projetinho de hitlerzinho tropical'. Ele é mais contundente ao criticar o Bolsonaro.
Criticar o Bolsonaro é dar corpo a Bolsonaro. Dá força. Eleitoralmente não acho que seja bom. Ciro é um radical livre, pode falar o que quiser. Ele tem essa característica de ter sido sempre assim. Agora é isso que limita também a a possibilidade de ser presidente.


Alberto Aggio: Do antipetismo à antipolítica e suas diversas facetas

Nas manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff, em 2015/16, havia de tudo. Dentre os diversos grupos que se manifestavam, havia um bastante ruidoso, com certo tom beligerante, agressivo, que advogava abertamente a intervenção militar, junto com alguns outros. Era o "Revoltados on-line". De lá para cá, o que os animava se desdobrou para além do impeachment: eles passaram a se apresentar como a redenção da sociedade "contra a política que está aí", entendida como integralmente manchada pela corrupção. Esse rechaço à política propugnava por uma ação “antipolítica”, identificando "todos os políticos" como corruptos. Para eles, esse era afetivamente o “mal do Brasil”. Aquilo que era latente na sociedade acabou sendo então promovido à uma estratégia política que se afirmava, sinteticamente, como uma visão da sociedade contra o Estado (políticos). No fundo, uma revolta da sociedade contra a política.

Esses grupos atuaram nas redes sociais como a oposição a tudo, semeando o ódio a tudo e a todos. Sua ação permanente extrapolou a oposição ao PT. Eles nasceram do antipetismo mas foram além disso. O resultado está aí na candidatura Bolsonaro. É ele quem mais expressa essa beligerância, identificando o ódio à política e à esquerda em geral, como se o petismo fosse a única esquerda existente. Política, esquerda, petismo, comunismo e até a socialdemocracia foram e são identificados como os males do Brasil que precisam ser extirpados.

Vindos daquele mesmo processo do impeachment, outros movimentos de 2015/16 também passaram a ocupar um lugar na política. Não é o caso aqui de discutir todos eles. Quero mencionar apenas o "Vem pra Rua", um movimento antipetista mas que, de outras maneiras se postou também como antipolítico por meio da ideia de que sem mudar já e radicalmente o sistema político, não iria haver alternativa para o país. E mudar já e radicalmente significava deslocar a “velha classe política” e colocar em seu lugar “o novo”. Ao lançarem-se à disputa eleitoral, será o Partido Novo quem melhor irá expressar essa disposição. O resultado é, até o momento, menos exitoso em termos eleitorais, se compararmos com o "Revoltados On-line". É uma adesão à antipolítica por outros termos e meios, mas curiosamente há coincidências entre ambos.

De fato, a antipolítica dos nossos tempos apresenta várias facetas. Uma delas é ter nas propostas neoliberais um grande aliado. Assim, em Bolsonaro e em Amoêdo, por exemplo, aparece a mais recente combinação desses dois campos: querem acabar com a escola pública e gratuita até o ensino médio, determinação presente na Constituição de 1988. Falam em ensino a distância e em "vouchers" a serem distribuídos aos pais para que estes escolham a escola que bem entenderem para colocarem seus filhos.

Além de ser uma proposta dificílima de ser aprovada no Congresso, é também um engodo: visa atrair o apoio da classe média com a fábula de que havendo menos serviços públicos prestados pelo Estado, menos imposto se pagará. Pior do que isso, como o mercado educacional não é elástico, seria jogar os filhos das classes populares fora da escola ou piorar mais ainda as condições das escolas públicas. No Chile pinochetista, que adotou modelo semelhante, houve mediações importantes depois da saída do ditador, que os candidatos não mencionam, por não saberem (o que é provável) ou por sonegarem essa informação. Vale dizer também que esse modelo está sendo revisto pelos últimos governos chilenos, sejam eles de centro-esquerda ou centro-direita.

No que se refere ao Brasil, convém atentar para o fato de que a política democrática da Constituição de 1988 é o referente não apenas do nosso Estado de Direito como também daquilo que ainda nos resta de Estado Social. Na visão dessas duas candidaturas da direita brasileira (distintas entre si, pois uma é abertamente antidemocrática e a outra mantêm-se nos marcos da democracia) não há mais (ou não deve haver) a relação entre Estado e Sociedade e sim entre Estado e indivíduos (contribuintes). O fundamento de ambos é estritamente neoliberal, destacando-se mais em Amoêdo do que em Bolsonaro.

Não é o caso aqui de nos empreendermos numa controvérsia estéril sobre direita e esquerda. E nem imaginarmos que no chamado campo democrático não existam diferenciações importantes. O Manifesto por um Polo Democrático e Reformista está seguramente bastante distante dessas propostas. Além do que, nessas eleições, a socialdemocracia tem candidato e defende outras iniciativas para a melhoria da educação e da vida social. Assim, é preciso estar atento para não cair no canto de sereia da antipolítica misturada com o neoliberalismo.

O nosso momento eleitoral é francamente favorável à antipolítica. O rechaço aos políticos e aos partidos está estabelecido em corações e mentes, com razões para isso ou não. Em algumas proposições o rechaço à política se confunde com rechaço à democracia, seja ela vista por qualquer viés que se queira.

A antipolítica leva a muitos caminhos, com maior ou menor êxito, e hoje, a "fortuna" parece lhe sorrir. Mas a história é pródiga em anotar que nada é tão simples assim. Girolamo Savonarola, na Firenze dos Medici, parecia um moralista invencível ao chegar ao poder, mas durou pouco, isolou-se e terminou na fogueira. Mussolini e Hitler quiseram reinventar tudo a partir da sua potência vital e primária, e sabemos no que deu. Mesmo derrotados, Maquiavel e Gramsci podem nos auxiliar com suas anotações críticas na hora presente. É preciso olhar para além dos discursos grandiloquentes e conseguir construir perspectivas realistas, isolando tanto as nostalgias do passado quanto aqueles que parecem ver uma única solução para a profunda crise que vivemos.


Nelson de Sá: Bolsonaro avança na mídia de direita dos EUA como 'o mito, o mito'

Para o francês Le Monde, 'num Brasil desorientado, militar está pronto para vestir figurino de chefe'

O agregador Drudge Report, referência da direita americana, passou a acompanhar regularmente a eleição, com a resistência de Jair Bolsonaro a pouco mais de um mês da eleição.

Um enunciado desta quinta (30) destacou sua declaração na entrevista ao Jornal Nacional, parafraseada pela AP: “Deixem a polícia matar criminosos”. O texto linkado anotou a reação de Ciro Gomes, descrevendo-o como “projetinho de Hitlerzinho tropical”.

Outra chamada, mostrando que é saudado como “o mito, o mito!”, linkou para longo perfil da AFP, “Antes considerado muito extremista, o ponta-direita brasileiro avança para a presidência”.

Também à esquerda ele segue ganhando atenção. O francês Le Monde noticiou que, “Num Brasil desorientado, militar está pronto para vestir o figurino de chefe. Autoritário, se necessário”.

Anota que até pouco tempo atrás era “um insignificante político de Brasília, mais conhecido pelas agressões verbais”.

HERDEIRO DE LULA

Aos poucos, Fernando Haddad vai ocupando o lugar de Lula na cobertura externa. Em texto de Raymond Colitt reproduzido por sites até da Argentina, o destaque da Bloomberg na quinta informava, já no título, que “Herdeiro de Lula é competitivo, mas não é certeza na eleição brasileira”.

AMIGO DO MERCADO

O Financial Times falou com Geraldo Alckmin, “o candidato amigo do mercado nas eleições do Brasil”, mas manteve sua reticência, com enunciado sublinhando que seu “início lento provoca tensão”. No subtítulo, “Empresas estão nervosas antes do primeiro turno com centrista ficando para trás”.

Entre as declarações de Alckmin, “Eu acho que vou para o segundo turno”. Ou ainda: Com o início do horário eleitoral, “eu vou conseguir”.

COLAPSO DO CENTRO

Em artigo no Wall Street Journal, o acadêmico Walter Russell Mead tratou “o colapso do centro político” no Brasil como sinal de que “sistemas políticos por consenso” já não estão funcionando muito bem nas democracias ocidentais.

No site da London School of Economics, ‘Falta de legitimidade poderia tornar o país ingovernável?’

ELEIÇÃO ILEGÍTIMA?

No site da London School of Economics, o acadêmico Mark Langevin descreve longamente os elementos que podem tornar a eleição “ilegítima”, como a abstenção crescente mostrada em 2016 e os “níveis altíssimos” de rejeição dos candidatos, em meio à polarização que se aprofunda. Também a “governança fracassada” do país, cuja “expressão sangrenta é a recente explosão de homicídios e violência”.

RUÍNA

O britânico Guardian publicou carta de políticos e intelectuais, entre eles Tariq Ali, afirmando que as “políticas linha-dura de Michel Temer estão arruinando o Brasil” e questionando a “contínua perseguição a Lula”.

FIM DE GOVERNO

E a crise argentina “aperta as moedas emergentes mais fracas”, destacou o WSJ, citando o real, que “chegou perto do menor valor em dois anos”.

Ao fundo, a Reuters ouviu do governo brasileiro que “obstáculos podem atrapalhar as esperanças” de um acordo comercial com a União Europeia, uma de suas últimas apostas.

 

Steven Levitsky: Bolsonaro ameaça a democracia brasileira

Candidato à Presidência da República é inequivocamente um autoritário

Na semana passada, escrevi que as democracias já não são destruídas pelas Forças Armadas, mas sim por presidentes e primeiros-ministros eleitos. Da Rússia de Putin à Turquia de Erdogan e à Venezuela de Chávez, líderes eleitos se tornaram os maiores assassinos da democracia.

Por isso, a fim de manter a democracia em segurança, é preciso impedir que candidatos autoritários vençam eleições. Os cidadãos precisam rejeitá-los nas urnas. Como podemos dizer se um candidato é autoritário? Quatro décadas atrás, o cientista político espanhol Juan Linz propôs um teste decisivo para a identificação de comportamento antidemocrático. Em nosso livro, “Como as Democracias Morrem”, Daniel Ziblatt e eu apresentamos uma versão revisada do teste de Linz. Ela contém quatro perguntas:

1. O político questiona as regras democráticas do jogo? Ele sugere que há necessidade de medidas antidemocráticas, endossa esforços extraconstitucionais para mudar o governo, ou se recusa a seguir as regras democráticas?

2. O político encoraja a violência? Ele mantém conexões com pessoas ou grupos envolvidos em violência ilícita? Elogiou atos de violência política ou encorajou seus partidários a recorrerem à violência?

3. O político nega a legitimidade de seus oponentes? Ele descreve os oponentes como inimigos, traidores, subversivos ou criminosos que deveriam ser privados de seus direitos democráticos básicos?

4. O político mostra disposição de restringir as liberdades civis dos rivais? Endossou políticas que ameaçam os direitos civis ou os direitos humanos, elogiou atos repressivos de outros governos ou ameaçou ações judiciais punitivas contra aqueles que o criticam?
Quando um político exibe um ou mais desses traços de comportamento, os cidadãos deveriam se preocupar, e, o mais importante, não deveriam elegê-lo.

O teste identifica corretamente a maioria dos autocratas contemporâneos. Putin, Chávez, Erdogan, Duterte, Correa e Evo Morales teriam todos sido identificados pelo teste, quando candidatos.

Com a ajuda de um assistente de pesquisa, apliquei o teste aos candidatos à presidência no Brasil. Um deles emergiu como distintamente autoritário: Jair Bolsonaro.

1. Ele questiona as regras democráticas do jogo. Bolsonaro frequentemente elogia a última ditadura brasileira e questiona a legitimidade da democracia do país. Em 1993, ele declarou que “sou a favor de uma ditadura”, pediu o fechamento do Congresso e apoiou o golpe de Fujimori no Peru. Mais recentemente, ele declarou que nomearia novos juízes para o Supremo (ao modo de Chávez), definiu o sistema eleitoral brasileiro como “viciado”, prometeu “governar com as Forças Armadas” e selecionou como companheiro de chapa o general Hamilton Mourão, que ameaçou um golpe de Estado.

2. Ele encorajou a violência. Em 1998, Bolsonaro declarou que os militares deveriam ter matado 30 mil pessoas, entre as quais Fernando Henrique Cardoso. Encorajou execuções extrajudiciais pela polícia, apoiou os esquadrões da morte do Rio de Janeiro e justificou o massacre de 19 trabalhadores rurais do Pará em 1996.

3. Ele nega a legitimidade de seus oponentes. Bolsonaro chamou FHC de “corrupto” e disse que ele deveria ter sido morto durante a ditadura, chamou Lula de criminoso, exigiu que fosse aprisionado (o que é função dos juízes, não dos políticos) e disse que seu governo trataria o MST como “terrorista”.

4. Ele se mostra disposto a restringir as liberdades civis de seus oponentes. Bolsonaro aprova a tortura e execuções extrajudiciais, especialmente contra políticos e ativistas de esquerda.

Assim, Bolsonaro é inequivocamente autoritário. De fato, ele é mais abertamente autoritário do que Chávez, Fujimori, Erdogan ou Viktor Orban. Nenhum desses políticos abraçou a ditadura da maneira como Bolsonaro faz.

Nenhum dos adversários de Bolsonaro —Alckmin, Ciro, Marina ou Haddad— foi identificado como autoritário em nosso teste. (Ciro é falastrão, mas não identificamos comportamento que sugerisse autoritarismo).

Assim, Jair Bolsonaro é uma ameaça única à democracia brasileira. Ele é tão abertamente autoritário que poderia invocar uma possível vitória na eleição como mandato conferido pelos eleitores para atacar as instituições democráticas. Ele é o Chávez do Brasil.

*Steven Levitsky é cientista político, autor do livro "Como as Democracias Morrem"