Bolsonaro

O Globo: Bolsonaro e Haddad prometem respeitar a Constituição de 1988

Candidato do PSL desautoriza Mourão; petista desiste de Constituinte e rechaça José Dirceu

Os dois candidatos que disputam o segundo turno da eleição presidencial, Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT), se comprometeram, ontem em entrevista ao “Jornal Nacional”, da TV Globo, a respeitar a Constituição de 1988 caso sejam eleitos.

O programa de governo do PT, entregue ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), prevê a convocação de uma Assembleia Constituinte, enquanto o vice de Bolsonaro, general Hamilton Mourão, criticou o texto da atual Constituição e afirmou que uma nova poderia ser redigida por um grupo de “notáveis”.

A Constituição em vigor, no entanto, não permite a convocação de uma Assembleia Constituinte pelo presidente da República. As mudanças, segundo o texto, devem ser feitas por emendas — a determinação para que as alterações ocorram desta forma é uma cláusula pétrea, que não pode ser modificada.

Haddad afirmou que o partido reviu a proposta e que possíveis reformas que necessitem de mudanças no texto constitucional serão feitas por emendas, que precisam ser aprovadas por três quintos da Câmara dos Deputados e do Senado.

Já Bolsonaro, também ao “Jornal Nacional”, disse que desautorizou Mourão sobre a declaração dos “notáveis” que poderiam promover as mudanças constitucionais. O candidato do PSL afirmou que será “escravo” da Constituição e que não tem poderes para propor uma nova Constituinte.

As duas entrevistas foram acompanhadas por apoiadores e opositores dos candidatos, que se manifestaram com gritos e buzinaços a favor e contra Bolsonaro e Haddad por todo o país.

O candidato do PSL à Presidência, Jair Bolsonaro, negou ontem, em entrevista ao “Jornal Nacional”, a possibilidade de convocação de uma Assembleia Constituinte caso seja eleito presidente. Em setembro, o candidato a vice, general Antônio Hamilton Mourão, chamou de “erro” a Constituição de 1988 e disse que uma nova Carta não precisaria ser redigida por parlamentares eleitos pelo povo, mas sim por um “conselho de notáveis”.

—Ele é general, eu sou o capitão, mas eu sou o presidente. Desautorizei (o general) nesses dois momentos. Ele não poderia ir além daquilo que a Constituição permite. Jamais eu posso admitir uma nova Constituinte, até por falta de poderes para tal — afirmou Bolsonaro.

Em outra declaração, Mourão sugeriu que o presidente eleito poderia dar um “autogolpe” com o auxílio das Forças Armadas, em caso de “anarquia” no país. Bolsonaro também negou a hipótese:

—A questão de autogolpe, não entendi direito o que ele quis dizer naquele momento. Mas isso não existe. Se estamos disputando a eleição, é porque acreditamos no voto popular e seremos escravos da Constituição.

O candidato do PSL reforçou que será o responsável pelo governo, caso eleito. Em dois momentos, ele trocou o nome do companheiro de chapa, a quem chamou de Augusto.

—Repito: o presidente será Jair Bolsonaro e quem o auxiliará será o general Augusto Mourão. Hamilton Mourão. E ele sabe muito bem da responsabilidade que tem pela sua escolha como vice. Queremos um governo com autoridade e sem autoritarismo, por isso nos submetemos ao sufrágio popular —disse Bolsonaro.

Para o capitão da reserva, as declarações aconteceram por falta de experiência de Mourão:

— O que falta um pouco ainda (a Mourão) é um pouco de tato, convivência com a política. General Augusto Mourão, agradeço sua participação, mas, nesses dois momentos, ele foi infeliz, deu uma canelada. O presidente jamais autorizaria qualquer coisa nesse sentido.

Bolsonaro iniciou a entrevista agradecendo as lideranças evangélicas e as Forças Armadas, entre outros segmentos que apoiam sua candidatura. O candidato do PSL também negou que pretenda acabar com o Bolsa Família e criar um novo imposto nos moldes da CPMF. Ele afirmou ainda que, se eleito, sua equipe econômica vai apresentar uma proposta isentando de Imposto de Renda quem recebe até cinco salários mínimos.

‘Faremos reformas por emenda constitucional’
Haddad afirma ter revisto posicionamento de Constituinte que estava no programa de governo.
Em entrevista ao “Jornal Nacional”, o candidato do PT à Presidência, Fernando Haddad, afirmou ter revisto sua posição de fazer uma Constituinte exclusiva, como defendeu durante a campanha em primeiro turno. Disse que irá respeitar a Constituição de 1988, e se eleito, fará as reformas por emenda constitucional.

— Nós (estamos) do lado da social democracia, do estado de bem estar social, que garante o direito do cidadão, que garante o direito do trabalhador, que cumpre a Constituição de 1988, que ampliou as possibilidades e oportunidades — disse ele, na abertura da entrevista.

Questionado sobre seu posicionamento a respeito de uma eventual mudança na Constituição, reiterou:

— Em primeiro lugar, revimos nosso posicionamento, vamos fazer as reformas devidas por emenda constitucional.

Haddad defendeu reformas tributária e bancária como essenciais para a retomada do crescimento.

—No Brasil, quem sustenta o Estado é o pobre, quem paga mais imposto proporcionalmente à sua renda é o pobre. Muitos ricos não pagam absolutamente nada, pagam uma proporção muito pequena de sua renda. Essa reforma tributária será feita por emenda constitucional, que prevê inclusive a isenção de Imposto de Renda para quem ganha até cinco salários mínimos, uma proposta defendida por nós desde janeiro de 2018.

Sobre a reforma bancária, afirmou não ser possível conviver com a concentração de bancos e as taxas que eles cobram:

—Se nós fizermos com que o juro baixe, as pessoas vão voltar a investir e voltar a contratar. E se diminuirmos os impostos da classe média e dos mais pobres, eles voltarão ao mercado de consumo e exigirão que os empresários contratem força de trabalho para produzir mais.

O petista disse que, no segundo turno, os eleitores poderão confrontar dois projetos para o país e que o do PT visa gerar emprego e oportunidade educacional.

—Desenvolvimento para poucos não é desenvolvimento —afirmou.

Perguntado sobre uma declaração de José Dirceu, condenado pela Lava-Jato, de que ganhar eleição é diferente de tomar o poder, Haddad ressaltou que o exministro não faz parte de sua campanha e que discorda do que ele diz.

— O ex-ministro não participa da minha campanha, não participará do meu governo, e eu discordo da formulação dessa frase. Para mim, a democracia está em primeiro lugar.


Vera Magalhães: Lula ou Jair? Ulysses

A Constituição é o antídoto tanto para a corrupção quanto para as tentações autoritárias

“Qualquer governante deste País pode ganhar as eleições e não cumprir aquilo que prometeu porque é mais um e o povo já sabe. Nós não podemos.” A frase é do histórico discurso de Luiz Inácio Lula da Silva na Avenida Paulista na madrugada de 27 para 28 de outubro de 2002. O petista havia sido eleito presidente da República em sua quarta tentativa desde 1989, a eleição que retorna agora, 30 anos depois da promulgação da Constituição, para testar da maneira mais cabal até aqui sua capacidade de resistir a tentativas de solapá-la.

A frase parecia conter a consciência da responsabilidade, do ineditismo histórico que representava sua eleição num País como o Brasil e dos riscos que haveria caso ele falhasse. E ele não falhou, apenas.

Lula deliberadamente optou por outro caminho, que seu companheiro Antonio Palocci definiu como “sonho mirabolante”, mas que na verdade foi um projeto deliberado de assalto ao País para perpetuar seu projeto político no poder.

Agora, diante da queda desse projeto pela Lava Jato e sua prisão, não fez o que disse que faria, no mesmo discurso, caso “errasse”: “Pode ficar certo que eu não terei nenhuma dúvida de ir pra televisão pedir desculpas ao meu povo”. Não pediu, urdiu uma narrativa falsa e atentatória à Justiça e às instituições de que era um perseguido político, arquitetou um plano infalível para voltar ao poder a despeito de tudo e nos trouxe até aqui.

Preso, Lula abriu a porta para a possibilidade, antes considerada remota, de eleição de Jair Bolsonaro – e tudo que ela representa de negação da história que vai da redemocratização à sua própria chegada à Presidência.

Pela arrogância de se auto conceder a condição de “uma ideia”, Lula ignorou que o mal que causou com os crimes que cometeu era tão profundo que fez fermentar a ideia oposta à sua, num caldo que mistura a legítima repulsa à corrupção com ideias fascistas que antes não ousavam ser ditas em voz alta.

E aqueles que não são coniventes com os crimes do PT nem condescendentes com a relativização da democracia presente no projeto de Bolsonaro, como chegam a este 7 de outubro? Perplexos, amedrontados e algo descrentes no tal dia seguinte que escrevi há algumas semanas que chegaria. O que Bolsonaro e Fernando Haddad, o representante de Lula nesse repeteco de 1989, têm a dizer a essas pessoas? Até aqui, nada.

A última entrevista de Bolsonaro foi uma reafirmação de suas ideias rasas sobre como um conservadorismo jeca e opaco será a base “filosófica” de seu governo e como o fato de ter uma mãe, uma filha ou um sogro seriam provas de que não é racista nem misógino.

No mesmo dia, a participação de Haddad no debate da Globo foi uma reafirmação cínica dos crimes do PT, do “L” com os dedos ao cumprimentar os telespectadores à arrogante incapacidade de reconhecer mínimos erros, quando inquirido por Marina Silva, ou a mentira pura e simples de que os governos do PT foram responsáveis fiscalmente ou valorizaram a Petrobrás.

Diante de tamanha incapacidade dos dois líderes nas pesquisas – esses que foram escolhidos por Lula da prisão – de apontar o caminho que seguirão a partir de amanhã (se um deles for eleito ou se os dois forem disputar o segundo turno), resta ao País e aos que têm a democracia como bem inalienável se fiar em outro discurso, de outro outubro: o de Ulysses Guimarães em 5 de outubro de 1988.

“República suja pela corrupção impune tomba nas mãos de demagogos que, a pretexto de salvá-la, a tiranizam.” A arma para enfrentar corruptos e demagogos é a mesma: a Constituição que Ulysses promulgou naquele dia. Esperamos por ela como o “vigia espera a aurora”, como ele disse. Trataremos de zelar para que não venha o crepúsculo. Com ela nas mãos.


Flávia Marreiro: As elites que escolhem Bolsonaro colocam em risco as vidas de outros

Não é necessário que o extremista do PSL aprove uma lei, se for eleito. A sua simples ascensão já é uma autorização para humilhar e até matar

Na reta final da campanha do Brasil, está em curso em vários setores das elites brasileiras uma marcha imparável de normalização dos graves riscos de um Governo Jair Bolsonaro. Primeiro, operadores do mercado financeiro, apoios formais das bancadas conservadoras no Congresso, endosso do candidato que foi presidente da poderosa Fiesp. Sem falar do endosso tácito do silêncio. É um processo a jato. Ninguém sério acha que aquele plano de Bolsonaro cheio de exclamações e delírios seja crível, ou que ele tenha equipe, ou que não vá haver turbulências. Mas, seja como for, é melhor já ir se acomodando. Talvez daí a pressa de Xico Graziano, ex-chefe de gabinete do Governo FHC, em declarar apoio ao capitão reformado do Exército, mesmo não concordando "com várias das ideias dele." Vai que sobra um lugar no palácio para os serviços desse tucano de tão boa plumagem?

Graziano é a versão às claras sobre esse cinismo de largos setores das elites políticas e econômicas que pretendem aderir ao bolsonarismo sem nem sequer tapar o nariz. É o que leva Paulo Guedes a balbuciar frases conservadoras sobre educação sexual nas escolas só para tentar parecer mais integrado e menos oportunista, por exemplo. Ocorre, no entanto, que "várias das ideias" de Bolsonaro representam riscos concretos a vidas. Representam muitos passos a mais no aprofundamento da nossa barbárie. As elites devem saber disso, mas ter as mãos sujas de sangue parece ser um dano colateral que já precificado. Não será a deles, desde logo. E pensar que aceitar a mão decisiva e corrompida do (bolsonarista) Eduardo Cunha para tirar o PT do poder – com o apoio do ex-presidente Fernando Henrique Cardosoparecia um capítulo vergonhoso da história recente.

Não se trata de dizer que o bolsonarismo é um fenômeno apenas de elites, ainda que ele já estivesse eleito se fossem contados apenas os mais ricos, já que para entrar nos "mais ricos" não é preciso muito no nosso país pobre. A declaração de voto em Bolsonaro se espraia em todas as faixas de renda. Mas o ponto aqui é quem mais vai ganhar e quem mais vai perder com esse arranjo. Quem, no 1% mais rico, mal pode esperar por um experimento com tintas pinochetistas. Vamos pular a parte em que os analistas fingem acreditar que se trata de "dois extremos" em disputa ou que as nossas instituições, mergulhadas até o pescoço no salve-se quem puder da nossa crônica política, serão um muro de contenção. Com um pouco de raciocínio, chega-se à obviedade de que o projeto representado pelo populista de extrema direita Jair Bolsonaro não precisa de lei alguma para fazer dano.

O discurso violento do capitão reformado do Exército é um endosso cruel aos piores problemas que já temos: machismo, intolerância à comunidade LGBTQ+, e, algo transversal a tudo isso e potencialmente explosivo, a violência policial. Não custa repetir que o flerte mais próximo do projeto Bolsonaro não é com Donald Trump, é com Rodrigo Duterte, o presidente "bandido bom é bandido morto" das Filipinas e as milhares vítimas que já deixou. Veja bem, não estamos falando apenas do tristes enfrentamentos entre antifas e racistas em Charlottesville. Nem apenas da indignidade de separar crianças imigrantes de seus pais nos EUA. A nossa escala, num país com 63.000 mortos ao anos, pode ser catastrófica. O outro aqui não é necessariamente o imigrante. O outro, que não merece o mesmo status humano, é só a empregada ou o porteiro da classe média alta de São Paulo depois que ela cruza a marginal rumo às franjas da cidade.

O policial médio brasileiro é jogado em campo sem inteligência ou estratégia, para matar e morrer com outros de sua faixa de renda. Esse policial faz parte da tragédia, nós sabemos, como também sabemos dos sádicos que praticam tortura e gravam e distribuem no WhatsApp. A tortura, herança da escravidão e da ditadura, jamais desapareceu das nossas delegacias e prisões. Agora, aquilo que era tolerado, quase nunca investigado ou punido, para o que se fazia vista grossa, ganha um respaldo, vertical, se irradia. É o torturador que será fortalecido, acalmado em qualquer mal-estar que lhe reste, porque o heroi do candidato a presidente é também um torturador.

Mesmo que o candidato de extrema direita não vença, apesar desse esforço veloz de levá-lo de outsider a campeão do establishment sem escalas em uma semana, o dano já estará feito. Cabe à nossa sociedade saber como lidar politicamente, sem alienar de pronto, com uma parte expressiva do país que vê uma esperança legítima em Jair Bolsonaro.

*Flávia Marreiro é jornalista


Steven Levitsky: Por que defender a democracia

Vitória do autoritarismo no Brasil pode influenciar outros países da América Latina

Os brasileiros em breve enfrentarão um segundo turno no qual um dos dois candidatos será autoritário. Se eleito presidente, Jair Bolsonaro (PSL) representaria uma clara ameaça à democracia.

A popularidade de Bolsonaro não deveria nos surpreender. O Brasil sofreu uma tempestade perfeita: recessão profunda combinada ao maior escândalo de corrupção de qualquer democracia na história. Isso gerou profundo descontentamento com o status quo político —e com a elite política.

De acordo com pesquisas recentes, apenas 20% dos brasileiros estão satisfeitos com sua democracia. E muitos brasileiros afirmam, em pesquisas, que em certas circunstâncias apoiariam um golpe de Estado.

Esses são números perturbadores. A democracia do Brasil está vulnerável —vive seu momento mais vulnerável em uma geração. Os brasileiros precisam agir para defendê-la.

Por que os brasileiros deveriam defender a democracia?

Permita-me oferecer algumas razões.

Primeiro, não existem provas de que o autoritarismo ofereceria soluções melhores para os problemas do Brasil. Há muitas pesquisas que buscam determinar se ditaduras funcionam melhor do que democracias, economicamente.

E os resultados são claros: não funcionam. Algumas poucas ditaduras se saíram excepcionalmente bem (Cingapura, Taiwan, China). Mas elas são exceções. Para cada Cingapura ou China, existem dezenas de ditaduras em todo o mundo que fracassaram economicamente.

Em média, as ditaduras não geram crescimento mais alto, inflação mais baixa ou equilíbrio fiscal superior.

Também existem poucas indicações de que uma ditadura resolveria os demais problemas brasileiros.
Ditaduras não necessariamente se saem melhor na redução do crime, e não fazem um trabalho melhor no combate à corrupção. Na verdade, ditaduras são mais propensas à corrupção do que as democracias.

Assim, indicações vindas do mundo inteiro sugerem que haja pouco a ganhar com o autoritarismo.

Mas há muito a perder. É preciso tempo para construir instituições democráticas fortes. Estabelecer controle civil sólido sobre as Forças Armadas requer décadas. Estabelecer um Poder Judiciário independente e direitos civis e humanos básicos requer décadas. Os brasileiros realizaram essas coisas nas últimas três décadas.

Nunca antes na história brasileira o controle civil sobre as Forças Armadas, a independência do Judiciário e os direitos civis e humanos estiveram tão bem estabelecidos quanto no último quarto de século. Essa é uma grande realização.

Uma queda ao autoritarismo —mesmo que breve— eliminaria décadas de esforços de construção de instituições. Esse foi um problema que prejudicou por muito tempo países como Argentina, Bolívia, Equador e Peru. Historicamente, nesses países, a democracia entra em colapso a cada vez que acontece uma crise. Como resultado, as instituições jamais têm tempo para fincar raízes. É um círculo vicioso do qual os argentinos e peruanos continuam tentando escapar até hoje.

Para se consolidarem, as democracias precisam sobreviver a algumas tempestades muito fortes. Nos Estados Unidos, a democracia passou pela guerra civil, pela Grande Depressão da década de 1930 e pela Segunda Guerra Mundial. Se você abandona a democracia sempre que surge uma crise, a democracia jamais se consolida. Esse é o caminho da Argentina.

Por fim, o destino da democracia brasileira tem consequências que vão além do Brasil. Os últimos 30 anos foram o período mais pacífico e democrático da história da América Latina. As Forças Armadas deixaram o palco; guerras civis e insurgências se encerraram.

Mas há nuvens de tempestade no horizonte. China e Rússia estão se tornando mais fortes. A Europa está em crise. E o atual governo dos Estados Unidos não tem interesse na democracia. Ao mesmo tempo, a confiança pública na democracia está em queda na América Latina. Não é só no Brasil: o descontentamento cresceu no México, Argentina, Peru, Colômbia —mesmo no Chile e na Costa Rica.

O Brasil é um país influente. Se a democracia brasileira falhar, isso poderia resultar em uma onda de rupturas democráticas na América Latina.

Não seria a primeira vez. O Golpe de 1964 teve enorme impacto na América Latina, encorajando os militares a tomar o poder na Argentina, Bolívia, no Chile, Equador, Panamá, Peru e Uruguai. Seria trágico se a história se repetisse.

Tradução de Paulo Migliacci

*Steven Levitsky é cientista político, autor do livro "Como as Democracias Morrem"


El País: A bênção de Edir Macedo para Jair Bolsonaro na TV

Candidato participou de sabatina amigável na Record, emissora do bispo da Universal, onde mentiu em ao menos duas ocasiões

Dias após receber o apoio do todo-poderoso bispo Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus, o candidato Jair Bolsonaro (PSL) recebeu do líder religioso uma espécie de bênção: 30 minutos de palanque na TV nesta quinta-feira. Enquanto os outros candidatos à presidência se enfrentavam no debate da TV Globo, o último antes do primeiro turno das eleições, foi ao ar na Record, que também é de propriedade de Macedo, uma entrevista exclusiva com o capitão reformado do Exército. Sentado na sala de sua casa no Rio de Janeiro, onde termina de se recuperar do atentado que sofreu em setembro, Bolsonaro se sentiu à vontade. Não teve de lidar com questionamentos duros e viu sua imagem ser suavizada. Em ao menos dois momentos o presidenciável mentiu sem ser questionado - sobre os protestos #EleNão e sobre declarações machistas, racistas e homofóbicas feitas por ele.

A equipe jurídica de Fernando Haddad (PT) e de Ciro Gomes (PDT), respectivamente o 2º e o 3º colocados nas pesquisas, tentaram impedir na Justiça que o rival fosse beneficiado com o palanque na Record. Eles argumentaram que a entrevista configuraria “falta de tratamento isonômico” por parte da emissora, uma vez que os demais concorrentes não tiveram o mesmo espaço no canal. O ministro substituto do Tribunal Superior Eleitoral Carlos Horbach negou os pedidos de suspensão, afirmando que “não se pode caracterizar eventual tratamento anti­-isonômico (...) a partir de notícias veiculadas em um único dia e em um único telejornal da programação da emissora”. Não é a primeira vez que o presidenciável aparece em espaço privilegiado nas TVs abertas. Na sexta-feira, antes de receber alta do hospital em São Paulo onde se recuperou da facada, Bolsonaro deu entrevistas exclusivas à Band e à Rede TV. As três aparições colocam de volta no debate o papel das emissoras: podem exibir Bolsonaro sem chamar os demais?

Jogando em campo favorável

Jogando em campo favorável, Bolsonaro aproveitou a entrevista para rebater as críticas que vem sendo alvo desde o início da campanha. “Onde tem um vídeo onde eu ataco negros? Onde tem um áudio meu atacando mulheres?”, questionou o candidato, tomando as rédeas de sua entrevista e omitindo os casos documentados onde ofende negros, mulheres e homossexuais. “Sou acusado de disseminar ódio e quem leva facada sou eu!”, afirmou.

Por duas vezes a conversa foi interrompida para que Bolsonaro pudesse “descansar”, informou o repórter, uma vez que “por recomendação médica ele não deve falar por mais de 10 minutos seguidos”. Nestes momentos um enfermeiro negro da equipe médica que acompanha sua recuperação o examinava. Em entrevista anterior, ao apresentador José Luis Datena, o capitão falou por mais e 45 minutos ininterruptos.

Durante a conversa, Bolsonaro mentiu ao dizer que o movimento multitudinário #elenão é composto por “artistas que estão mamando há anos na Lei Rouanet” - os atos foram convocados por grupos de mulheres contrárias a ele, e reuniram milhares de pessoas em várias marchas pelo Brasil, contando com a adesão de alguns artistas. Os comentários do candidato provocaram uma enxurrada de críticas nas redes sociais: participantes das manifestações indagavam ironicamente quando iriam “receber o cheque”. Horas antes o presidenciável fez uma transmissão ao vivo em sua página do Facebook no qual usou um broxe com o símbolo da campanha Outubro Rosa, de combate ao câncer de mama. Seu filho fez questão de mencionar que era para "mostrar respeito" a todas as mulheres, em uma clara tentativa de amenizar sua rejeição com as eleitoras, que é de 50%.

O tema mais espinhoso tocado foi sobre fake news. Acusado pelos adversários de usar a seu favor uma poderosa máquina de fake news em suas redes sociais e grupos de WhatsApp, ele inverteu o jogo: “É duro combater [fake news], por que a esquerda vai em todos os locais pregando essas fake news contra nós, de que vamos acabar com Bolsa Familia”, respondeu. No passado, Bolsonaro criticou o programa social, mas ele não defende mais a extinção do benefício. Questionado novamente sobre eventuais notícias falsas propagadas por seus seguidores, o capitão tergiversou: “Eu não tenho controle sobre os milhões de pessoas que me seguem. Uma ou outra pessoa acaba extrapolando (...), mas nós não pregamos fake news”. Tanto Bolsonaro quanto seus filhos já foram flagrados postando e compartilhando material inverídico nas redes.

Bolsonaro também questionou a investigação envolvendo Adélio Bispo, que se tornou nesta quinta-feira réu com base na lei de segurança nacional por ter atacado o capitão em 6 de setembro. “Este processo está sendo conduzido por um delegado de confiança de Fernando Pimentel [governador mineiro do PT, Estado onde ocorreu o crime] (...) Isso não parte de forma isolada. Não quero me precipitar, nessa equipe que investiga tem gente isenta e simpática à minha causa”.


Jornais do mundo sobre Bolsonaro: 'facista popular é risco à democracia no Brasil'

ALEMANHA
ZEIT
Um Fascista Se Apresentando Como Homem Honesto
https://bit.ly/2y7Gskf

Der Spiegel
Jair Bolsonaro - ascensão de um populista de direita
https://bit.ly/2OzW22k

Frankfurter Allgemeine
Alerta vermelho para democracia
https://bit.ly/2Qr2YMC

Sueddeutsche
O demagogo do deserto é de repente uma nova estrela política no Brasil.
https://bit.ly/2DOTU2E

Deutsche Welle
Analistas alemães veem democracia no Brasil em risco
https://bit.ly/2IuN7Km

Handelsblatt
O fascista popular. Até agora, os políticos brasileiros são considerados corruptos e ineficientes, mas ideologicamente flexíveis e educados. Isso mudou com Jair Bolsonaro - o populista poderia até se tornar presidente. Uma história mundial.
https://bit.ly/2Iy10aB

ARGENTINA
La Nacion
Linha dura e Messianismo: Bolsonaro, o candidato mais temido, se lança para a presidência.
https://bit.ly/2ya60NR

El Clarín
Jair Bolsonaro: militarista, xenófobo e favorito para a eleição brasileira
https://clar.in/2y7zImH

ÁFRICA DO SUL
The Star
Mulheres brasileiras marcham contra 'formas misóginas
https://bit.ly/2NiZnOO

ÁUSTRIA
Die Presse
Ex-Presidente Detido e o Trump Tropical
https://bit.ly/2NiHgIG

AUSTRALIA
News.Au
Seria este é o político mais repulsivo do mundo?
Pensando que Donald Trump é ruim? Conheça o possível presidente brasileiro cujas crenças repulsivas chocaram o mundo.
https://bit.ly/2IwRrIO

The Australian
Conheça o Candidato que é um risco a democracia
https://bit.ly/2xVQdCN

The Sydney Sunday Herald
Por que alguns no Brasil estão se virando para um explosivo candidato de extrema-direita para o presidente?
https://bit.ly/2E09LvA

CHILE
EL MERCURIO
"Bolsonaro assusta com soluções simplistas e autoritárias"
https://bit.ly/2OuWDSV

LA TERCERA
"Bolsonaro conseguiu captar o sentimento de revolta no Brasil"
https://bit.ly/2xU0sYj

LA CUARTA
Jair Bolsonaro: O Trump do Brasil.

ESPANHA
El País
Bolsonaro é um Pinochet institutional para o Brasil
https://bit.ly/2DAJgfG

El Mundo
Lider Polemico. Bolsonaro: o candidato racista, homofóbico e machista do brasil.
https://bit.ly/2xYOzj4

La Vanguardia
Bolsonaro: o Candidato Ultradireitista que canalizou a insatisfacao no Brasil
https://bit.ly/2Iy2UIh

El Confidencial
Jair Bolsonaro: o “Le Pen tropical” que pode ser o próximo presidente do Brasil.
https://bit.ly/2P9ETtH

ESTADOS UNIDOS
Revista Time
Jair Bolsonaro ama Trump, odeia pessoas gays e admira autocratas. Ele poderia ser o próximo presidente do Brasil
https://ti.me/2wjfg16

Fox News
Um olhar sobre os comentários ofensivos do candidato brasileiro Bolsonaro
https://fxn.ws/2O0QMFI

HuffingtonPost
Jair Bolsonaro e o violento caos das eleições presidenciais no Brasil
https://bit.ly/2zNnod4

Washington Post
Um político parecido com Trump no Brasil poderia ter o apoio de um poderoso grupo religioso: os evangélicos
https://wapo.st/2Rk6tFZ

The New York Times
Brasil flerta com um retorno aos dias sombrios
https://nyti.ms/2xsXSYv

Americas Quarterly
Ditadura militar iminente no Brasil?: Ganhando ou perdendo, a ascensão de Jair Bolsonaro colocar em perigo a jovem democracia brasileira.
https://bit.ly/2OWpYCW

Financial Times
O "trágico destino" brasileiro de uma rebelião antidemocrática surge novamente:
A raiva pública contra uma elite corrupta poderia precipitar outra revolta
https://on.ft.com/2DRGxyO

FRANÇA
Le Figaro
Brasil nas garras da tentação autoritária
https://bit.ly/2vqsb0S

Le Monde por Rádio França Internacional RFI
Trump tropical, homofóbico e machista
https://bit.ly/2zMhaKL

Liberation
No Brasil, um ex-soldado para liquidar a democracia
https://bit.ly/2P9qIEZ

HOLANDA
Der Volkskrant
Centenas de milhares de mulheres no Brasil nas ruas contra a extrema direita: "Ele nunca!"
https://bit.ly/2DQvPsj

ÍNDIA
India Express
Deixe a polícia matar criminosos, diz o candidato presidencial do Brasil, Jair Bolsonaro
https://bit.ly/2NiJdFd

ITÁLIA
La Republica
Bolsonaro, líder xenófobo e anti-gay que dá o assalto à Presidência do Brasil
https://bit.ly/2Qrb73H

Corriende della Sierra
Um pesadelo chamado Bolsonaro
https://bit.ly/2zNdkRF

MÉXICO
La Jornada
Bolsonaro: O candidato Imprevisível
https://bit.ly/2OD93sh

Milenio
Bolsonaro, o Neofascista que seduz o Brasil
https://bit.ly/2zNQjhl

El Universal
Militar de ultra-direita: um voto pelo passado?
https://bit.ly/2P6jjWO

MOÇAMBIQUE
O País
Bolsonaro que lidera sondagens de intenção de voto no país com a preferência de 27% dos eleitores terá irritado muitos brasileiros com comentários percebidos como sexistas, racistas e homofóbicos.
https://bit.ly/2DQlP29

PERU
La Republica
Brasil resiste:a promessa autoritária de Bolsonaro é desafiada pelas mulheres.
https://bit.ly/2zFQ0Vy

ÁFRICA DO SUL
The Star
Mulheres brasileiras marcham contra 'formas misóginas
https://bit.ly/2NiZnOO

PORTUGAL
O Público
Bolsonaro, o jagunço à porta do Planalto
https://bit.ly/2xXbM5Y

Diário de Notícias
Jair Bolsonaro é perigo real no Brasil e segue passos de Adolf Hitler
https://bit.ly/2yaPMUz

POLONIA
Gazeta Prawna
Trump brasileiro e outros. Escândalos de corrupção abrem caminho para o poder dos populistas
https://bit.ly/2xWanga

QATAR (MUNDO ÁRABE)
Al Jazeera
Milhares de Mulheres protestam contra Bolsonaro
https://bit.ly/2RhJjQF

REINO UNIDO
The Economist (CAPA)
A mais nova Ameaça na América Latina
https://econ.st/2OuXKlO

The Times
Jair Bolsonaro, populista "perigoso" promete tornar o Brasil seguro
https://bit.ly/2uxPG8p

The Guardian
Trump dos trópicos: o candidato 'perigoso' que lidera a corrida presidencial do Brasil
https://bit.ly/2qKHkYA

The Telegraph
Dezenas de milhares dizem “ele não” ao principal candidato do Brasil
https://bit.ly/2qKHkYA

The Economist
Brasília, nós temos um problema
O perigo representado por Jair Bolsonaro
https://econ.st/2vxMFWu

SUÍCA
Neuen Zürcher Zeitung
O Faxineiro Racista do Brasil
https://bit.ly/2QoJTdW


Bernardo Mello Franco: A mentirada que influencia a urna

O eleitor de Bolsonaro é quem mais se informa pelas redes sociais. Para o Datafolha, a indústria das ‘fake news’ tem ajudado a impulsionar o capitão

Manuela D’Ávila usou uma camiseta com a inscrição “Jesus é travesti”. O médium Chico Xavier previu a vitória de Jair Bolsonaro. Fernando Haddad disse que as crianças vão virar propriedade do Estado, que poderá escolher seu gênero.

As três frases acima são exemplos recentes de fake news, o nome da moda para as notícias falsas. A mentirada pode soar absurda ao leitor, mas tem enganado muita gente nas redes sociais. A fabricação de boatos se intensificou nos últimos dias e ameaça influenciar o resultado das urnas.

A tapeação virtual impulsionou a eleição de Donald Trump nos EUA. Agora ajuda a alavancar a campanha de Jair Bolsonaro, que não perde uma chance de imitar o presidente americano. Ontem Haddad protestou contra o bombardeio. “São acusações muito vulgares, com imagens vulgares”, reclamou.

Os eleitores do capitão são os que mais se informam (ou se desinformam) pelas redes sociais. De acordo com o Datafolha, 61% leem sobre política no WhatsApp. Entre os eleitores de Haddad, o índice recua para 38%. É difícil medir a força da boataria no aplicativo, que não deixa rastros fora dos celulares.

O diretor-geral do Datafolha, Mauro Paulino, acredita que a disseminação de boatos tem ajudado a turbinar a subida de Bolsonaro nas pesquisas. “O material está chegando fartamente pelo WhatsApp, o que certamente influencia o eleitor”, afirma.

Desde o último sábado, os grupos bolsonaristas fervilham com montagens contra os protestos do #EleNão. Algumas fotos, que mostram jovens de seios expostos, foram tiradas em atos anteriores às eleições. “São imagens que chocam a população mais conservadora. Inclusive as mulheres de baixa renda e os evangélicos, segmentos em que Bolsonaro cresceu”, observa Paulino.

Ao suspender o uso de um livro de ficção tachado de “comunista”, o Colégio Santo Agostinho cruzou a linha que separa o conservadorismo do obscurantismo. Sinal dos tempos.


Ricardo Noblat: Resta ao PT torcer por Alckmin

O preço da arrogância e da incúria

Seria ingenuidade pedir ao PT ou a qualquer outro partido que admitisse seus erros passados em plena campanha eleitoral ou às vésperas dela. Mas o PT teve tempo suficiente para pedir desculpas bem antes, e não pediu.

Deixou o eleitor sem saída: ou ele engolia a seco os erros não confessados e votava no PT ou simplesmente negava seu voto ao partido. É o que acontece, segundo as pesquisas de intenção de voto para presidente.

O transplante de votos de Lula para Fernando Haddad se deu a uma velocidade que surpreendeu os adversários. É possível que tenha acabado. O transplante da rejeição a Lula e ao PT ainda está em curso.

A quatro dias da eleição, resta ao PT acender velas para que Geraldo Alckmin (PSDB) cresça ou se mantenha como está, represando preciosos votos que poderiam eleger Jair Bolsonaro (PSL) direto no primeiro turno.

Alckmin ainda se mexe, embora respire por meio de aparelhos. Conforme-se o PT em apanhar dele hoje e amanhã, quando acaba no rádio e na televisão a propaganda eleitoral. Até torça para apanhar.

Por fim, cuide-se o PT para que Haddad não proceda mal no debate entre os candidatos nesta quinta-feira, o último e o mais decisivo da atual temporada. Fora isso, não terá muito mais o que fazer.

O medo de apanhar ao vivo e a cores

O dilema do capitão

Se ouvir o conselho dos amigos mais próximos e atender à recomendação dos médicos que o trataram no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, o deputado Jair Bolsonaro não irá ao debate entre candidatos a presidente promovido pela TV Globo nesta quinta-feira.

A apanhar de corpo presente, escolherá apanhar de longe, acompanhando tudo pela televisão instalada no quarto de sua casa, no Rio, onde se recupera da facada que levou em Juiz de Fora. Em 2006, quando Lula fugiu ao debate da Globo no primeiro turno, o lugar dele ficou vago.

Não se sabe se no caso de Bolsonaro ficaria. A situação dele é outra. De casa, Bolsonaro sempre poderá responder aos ataques por meio das redes sociais. É seu ambiente preferido. É onde se sente seguro, protegido. De todo modo, seria tentador para ele comparecer ao debate em uma maca e ligado a aparelhos.


Cristiano Romero: Presidentes não podem agir como tiranos

Dilma caiu por razões políticas, mas a crise pavimentou o caminho

O Brasil chegou a 2010 vivendo um momento mágico. Tendo vencido a guerra de 30 anos contra a inflação crônica, voltou a crescer a um ritmo respeitável (depois de duas décadas "perdidas"), com recuo da pobreza, acesso das empresas a crédito barato no exterior, investimento estrangeiro recorde no país (menor apenas que o recebido pela China). Depois de um longo inverno, o Brasil estava novamente na moda. Apesar dos muitos problemas não resolvidos, sentíamo-nos fortes para enfrentá-los.

Em 2010, a economia brasileira cresceu 7,5%, a taxa mais alta em 24 anos. A inflação - de 5,91% - estava relativamente alta para padrões internacionais, mas dentro do intervalo do regime de metas, na ocasião de 2,5% a 6,5%. O ritmo acelerado de expansão do PIB sobreveio à perturbadora crise mundial de 2008-2009. Depois de submeter-se a uma dieta fiscal que perdurou três mandatos presidenciais, em dois governos (Fernando Henrique Cardoso e Lula), pela primeira vez, o Brasil sobreviveu a uma crise externa sem sofrer disrupção.

Os 16 anos de FHC e Lula, os dois primeiros presidentes eleitos na Era do Real, consagraram alguns consensos, necessários à manutenção da inflação em níveis baixos, ao equilíbrio das contas públicas (condição sine qua non para conter o aumento da dívida mobiliária) e à garantia de um certo ritmo de crescimento do PIB, ainda que pequeno para as necessidades do povo brasileiro.

Alguns dos consensos são: disciplina fiscal, traduzida pela geração permanente de superávits primários (receitas menos gastos, exclusive, a despesa com juros) nas contas do setor público; regime de metas para a inflação, adotado pelo país desde meados de 1999 e que, de forma flexível, domou a inflação e diminuiu a volatilidade do produto; e o câmbio flutuante, fortalecido pela criação de um seguro (a acumulação de reservas cambiais) para o enfrentamento de crises de liquidez. Outros consensos: a ampliação da rede de proteção social e a realização de reformas institucionais.

Em 2010, portanto, nem o mais pessimista dos brasileiros - inclusive, os derrotados nas eleições daquele ano - imaginou que, oito anos depois, chegaríamos a uma eleição duvidando da estabilidade econômica e política arduamente conquistada ao longo de 33 anos de redemocratização. Em meio a um clima de euforia, Lula elegeu Dilma Rousseff, uma neófita em política, para sucedê-lo. Havia desconfiança no mercado, mas os eleitores acreditaram na palavra empenhada pelo petista.

O Brasil, porém, é mais complexo do que supõe a nossa vã filosofia. Do momento em que foi comunicada por Lula de que seria sua candidata ao dia em que venceu a disputa presidencial contra José Serra (PSDB), Dilma disse "amém" a tudo o que seu mentor lhe ensinou. Para sobreviver em Brasília e São Paulo, ela teria que, respectivamente, dialogar sempre com os expoentes de sua ampla base de apoio parlamentar e construir pontes com os banqueiros e os principais empresários do país. A missão, recomendou Lula, seria facilitada por Antonio Palocci, designado pelo ex-presidente para comandar a campanha e depois as áreas política e econômica do governo.

A obediência de Dilma durou pouco - Lula sabia que presidente no Brasil é, relativamente, mais poderoso que nos Estados Unidos e que, por isso, ela faria o que bem lhe entendesse; o que ele não esperava é que ela fosse mudar o que estava dando certo, razão última da sua chegada ao Palácio do Planalto.

Durante a transição de governo, no fim de 2010, quando se recusou a manter no Banco Central Henrique Meirelles - por este não se comprometer a entregar a taxa de juros real em 2% dali a quatro anos -, Dilma indicou que o rumo das coisas mudaria. Instalada no poder, levou apenas seis meses para derrubar Palocci, o fiador de Lula. Cercada de críticos da política econômica que a levou ao poder - e de bajuladores amedrontados com seus gritos -, Dilma mudou tudo e jogou o país na mais longa e penosa crise econômica de sua história, a que nos trouxe a esta encruzilhada eleitoral.

As disputas pacíficas de 2006 e 2010 deram lugar à turbulência em 2014 e à incerteza em 2018. A economia entrou em recessão durante a sucessão de quatro anos atrás. Os desequilíbrios que a aprofundaram nos anos seguintes já haviam sido contratados por Dilma. Em vez de avisar aos eleitores que faria um ajuste para corrigir os problemas, a ex-presidente foi aos píncaros do populismo ao prometer mais do mesmo. Eleita no segundo turno com dificuldade e pressionada por Lula, indicou que faria correção de rumo, mas, sempre mal assessorada, desistiu seis meses depois, quando a situação tinha começado a melhorar...

A crise voltou com tudo em meados de 2015. Dilma comprou brigas com a própria base de apoio e isolou o vice Michel Temer depois de lhe dar e tirar a articulação política. Achou que governaria apenas com o PT e, por tudo isso, com apenas 16 meses do segundo mandato, sofreu impeachment. Este não foi um golpe institucional, fruto de um ato ilegal, mas mostrou que nossa democracia tem falhas gritantes - uma delas: o presidente da Câmara não deveria ter o poder monocrático de decidir se um pedido de impeachment deve ou não tramitar; outra: vice-presidentes deveriam ter atribuições definidas em lei - nos EUA, presidem o Senado, portanto, não têm como conspirar contra o presidente -; e por fim: presidentes deveriam se aposentar compulsoriamente da política após uma reeleição.

Dilma caiu por razões políticas, mas foi a severa crise que ela produziu a responsável por pavimentar o caminho da deposição. A baixa institucionalidade brasileira explica por que um governo foi tão longe na destruição de políticas que ajudaram a tirar o país da hiperinflação, a organizar as contas públicas, a criar as condições para crescer e a enfrentar minimamente nossas chagas sociais. Fica a lição: mesmo eleitos, presidentes não podem agir como tiranos, ainda que aparentemente sob o manto das leis.

A tragédia dos anos Dilma disseminou na sociedade um forte sentimento antipetista. Ainda assim, encarcerado, Lula tem o apoio de cerca de 40% do eleitorado. Fernando Haddad, seu candidato, tem 21% das preferências, beneficiário da transferência de votos do ex-presidente e da desidratação de Marina Silva, cujos eleitores temem a vitória de Jair Bolsonaro. Este cresceu no vazio do fracasso político do governo Temer e tirou o PSDB da condição de antiLula.


Celso Rocha de Barros: Bolsonaro fará guerra aos pobres

Achei que a ideia do anti-Lula fosse contra o que Lula tinha de ruim, não de bom

Em um tuíte de 2014 —publicado pelo jornal carioca Extra em 4 de outubro de 2016 (e depois apagado sem explicações)—, Carlos Bolsonaro defendeu que o Bolsa Família só seja oferecido a quem aceitar se submeter a laqueaduras (que impediriam as brasileiras pobres de terem filhos) ou vasectomias (que impediriam os brasileiros pobres de terem filhos).

A ideia, portanto, era que as mulheres pobres que quisessem ter filhos morressem de fome com seus filhos no colo.

A principal proposta de Bolsonaro para reduzir a mortalidade infantil, a propósito, é mandar as mulheres escovarem os dentes. Pois é, ele fala essas coisas.

Mas se não tiver jeito e o pobre acabar nascendo e sobrevivendo de algum jeito, a família Bolsonaro também tem duas sugestões para ele: trabalhar ganhando menos e morrer sem ver o filho formado.

A esquerda gosta de lembrar que Bolsonaro —cujo partido, o PSL, é o mais fiel a Temer nas votações no Congresso— votou a favor da reforma trabalhista. Isso não é nada, amigos.

Bolsonaro defende a criação de uma carteira de trabalho verde-amarela, diferente da azul porque não garante nenhum direito ao trabalhador.

Os trabalhadores mais pobres, que têm menos poder de barganha, acabariam sendo obrigados a aceitar a carteira verde-amarela e perderiam seus direitos.

Essa segmentação do mercado de trabalho arrisca aumentar de novo a distância entre os pobres e a classe média, distância que caiu durante o governo Lula.

Não sei, mas acho que quando o pessoal pediu um anti-Lula, acho que a ideia era que ele fosse “anti” o que o Lula tinha de ruim, não o que ele tinha de bom.

Mas o pessoal da carteira azul também não deve se entusiasmar, não. Pois, como vimos na semana passada, o vice de Bolsonaro defende a extinção do 13º salário e das férias.

Se você for pobre, faça a conta: pegue seu salário, deduza o que você vai perder com os cortes do Mourão, subtraia a CPMF que o Guedes vai cobrar e não se esqueça de que uma arma, a única política de segurança proposta por Bolsonaro, custa bem caro.

Bom, mas se os pobres receberem educação, estarão em melhor condição de competir no mercado de trabalho, certo?

A principal proposta de Bolsonaro para a educação é militarizar o ensino, o que o Mourão já disse que não
dá para fazer.

Bolsonaro é contra as cotas, que ajudaram a aumentar o número de pobres nas universidades.

E, na sabatina do Jornal das Dez, na GloboNews, Bolsonaro reclamou da “tara” da garotada em ter um diploma.

Ninguém é mesmo obrigado a fazer faculdade. Mas a questão é que essa escolha deve ser feita com base nas preferências pessoais de cada jovem, não na classe social em que ele nasce.

E Bolsonaro não tem a menor ideia do que fazer para ajudar os filhos dos pobres a entrarem na universidade.

E aqui você poderia dizer: ah, mas no programa de governo dele tem uma proposta de renda mínima (aquela do Suplicy). Bom, vejam como Bolsonaro reagiu quando soube, pela imprensa (que bonito), que isso estava em seu programa de governo: “Meu Deus! Kkkkkkkk! É inacreditável!”

Bolsonaro já voltou atrás em algumas dessas propostas, mas perceba o padrão: para cada ideia antipobre que ele abandona, logo cria duas novas.

E, aparentemente, o plano é mandar esse cara disputar o segundo turno contra o PT.

*Celso Rocha de Barros, servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).


El País: Após ameaça na TV, Bolsonaro diz agora que não há “nada para fazer” se perder

Em Brasília, carreata reuniu cerca de 25.000 veículos, segundo a Polícia Militar. Em São Paulo, ato se espalhou por quatro quarteirões e foi desmobilizado por forte chuva

Por Rodolfo Borges e Ricardo Della Coletta, do El País

"Vamos ganhar essas eleições no primeiro turno. A diferença será tão grande que será impossível qualquer possibilidade de fraude", disse o deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ) em vídeo exibido durante as manifestações em seu apoio que povoaram a avenida Paulista ao longo de quatro quarteirões, entre a Alameda Peixoto Gomide e a Alameda Joaquim Eugênio de Lima, em São Paulo, o maior das dezenas de atos favoráveis ao candidato a presidente neste domingo. A mensagem de Bolsonaro, exibida em um telão posicionado ao lado de um dos quatro caminhões de som, modula um pouco o discurso do capitão reformado do Exército. Bolsonaro vinha dizendo em entrevistas que não aceita outro resultado que não sua eleição. Mais tarde, apareceria uma declaração ainda mais explícita de que estava recuando em sua ameaça, que foi feita em dois canais da TV aberta, Band e TV Globo. "Sei que não tenho nada para fazer (em caso de derrota). O que quis dizer é que não iria, por exemplo, ligar para o Fernando Haddad depois e cumprimentá-lo por uma vitória", disse agora Bolsonaro ao jornal O Globo.

Os atos a favor de Bolsonaro organizados em diversas cidades no sábado em no domingo serviram para responder aos protestos convocados contra sua candidatura e apoiados por alguns de seus adversários, como Marina Silva (Rede), o tucano Geraldo Alckmin (que usou a hashtag da campanha na TV),  Guilherme Boulos (PSOL), Fernando Haddad (PT) e Ciro Gomes (PDT) — a representante de Ciro no ato organizado no Largo da Batata, em São Paulo, foi sua vice, a senador Kátia Abreu (PDT) enquanto a vice na chapa petista, Manuela D'Ávila, foi à marcha em Porto Alegre. Enquanto os críticos de Bolsonaro usavam preto, roxo (também a cor do movimento feminista) e vermelho, seus apoiadores voltaram a colorir a avenida Paulista de amarelo anos depois das manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff. Em 2016, o capitão reformado do Exército ainda parecia longe de se transformar em um candidato viável à Presidência da República. Neste domingo, os organizadores do evento chegaram a calcular em 1,8 milhão a quantidade de manifestantes. A julgar pelas maiores manifestações pelo impeachment de Dilma, que reuniram na avenida 500.000 pessoas segundo o Datafolha, ocupando a av. Paulista completa, o número não parece realista. Para efeito de comparação, o tramo final da manifestação #Elenão, no sábado, na av. Paulista, foi maior, se espalhando do Masp à av. da Consolação.

Mas isso não quer dizer que a mobilização não tenha sido significativa. Os quatro quarteirões ocupados pela manifestação não estavam completamente preenchidos, mas a concentração em torno dos quatro carros de som era grande, a ponto de dificultar a locomoção. Da mesma forma, em Brasília, os apoiadores do deputado do PSL fizeram sentir sua presença nas ruas. De acordo com a Polícia Militar do Distrito Federal, 25.000 veículos passaram pela Esplanada dos Ministérios entre 8h40 da manhã e 13h45, período em que ocorreram as carreatas a favor de sua candidatura. De dentro dos seus veículos ou a pé, os apoiadores de Bolsonaro gritavam palavras de ordem como “eu vim de graça”, “fora PT” e “mito”. Muitos simulavam armas com as mãos, um dos gestos mais característicos do militar reformado do Exército. De acordo com o último Ibope, Bolsonaro tem 41% das intenções de voto no Distrito Federal, bem à frente do segundo colocado, o petista Fernando Haddad (14%).

Os atos a favor de Bolsonaro também foram significativos no Espírito Santo e no Rio de Janeiro, este último ontem, mas, para além das capitais, se espalharam por várias cidades de médio porte como atestam vários vídeos distribuídos por meio das redes sociais. O mais expressivo, como de costume, foi o organizado em São Paulo, mas a mobilização, convocada para as 15h, acabou antes do que se esperava, por conta de uma forte chuva — por volta das 17h, alguns deputados ainda discursavam, mas para um público reduzido.

Os manifestantes se reuniram desde cedo na região, já que a avenida Paulista fecha aos domingos para os carros. Muitos dos apoiadores usavam camisas da seleção brasileira ou com a frase "Meu partido é o Brasil", com a qual Bolsonaro estava quando levou uma facada no dia 6 de setembro, em Juiz de Fora (MG). De cima dos carros de som, candidatos a deputado federal criticavam não apenas o PT, mas partidos como MDB e PSDB. Outros pediam votos aos eleitores de João Amoêdo (Novo), Álvaro Dias (Podemos), Henrique Meirelles (MDB) e Geraldo Alckmin (PSDB), para que a eleição se encerre no primeiro turno.

"Já tomamos purpurinada, ovada, cusparada e até facada. Quem são os intolerantes? Por que, quando artista fala que vai votar em outro candidato, é democracia, e quando a gente fala que vai votar em Jair Boolsonaro, a gente quer ditadura?", questionou o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) do alto de um dos carros de som. Em outro momento, o deputado que concorre à reeleição disse que “as mulheres de direita são mais bonitas que as da esquerda". "Elas não mostram os peitos nas ruas e nem defecam nas ruas. As mulheres de direita têm mais higiene”, completou. Só foram registrados alguns momentos de tensão depois que a forte chuva que caiu na Paulista concentrou os manifestantes no vão livre do MASP. A rápida intervenção da Polícia evitou que os desentendimentos entre apoiadores e opositores de Bolsonaro tivesse consequências de relevo.

Veja como como contamos os atos em tempo real:


Brian Winter : Oposição a Bolsonaro repete erros dos EUA

Caminho mais efetivo seria combinar ataques a uma agenda clara quanto aos problemas mais urgentes do Brasil

Nos dias finais da campanha eleitoral de 2016 nos EUA, a sociedade polida enfim se uniu contra Donald Trump.

Celebridades e políticos assinaram manifestos que o denunciavam como misógino e racista e argumentaram sobre a importância da democracia como questão de princípio.
As hashtags #NeverTrump e #NastyWomen (Trump Nunca e Mulheres Desagradáveis) tomaram o Facebook e o Twitter. Os eventos finais de campanha de Hillary Clinton incluíram expressões de apoio irrestrito por Beyoncé, Bruce Springsteen e Lady Gaga.

Para alguém que vivia em lugares como Los Angeles, Chicago e Nova York (era o meu caso), parecia não haver maneira de Trump vencer.

Estávamos errados, é claro.

Tudo isso me veio à memória nos últimos dias, em que #EleNão e #EleNunca vieram a dominar a mídia social no Brasil, e celebridades como Gilberto Gil, Mano Brown e o Black Eyed Peas vieram a público para se opor a Jair Bolsonaro.

Os países e candidatos são diferentes, eu sei, mas os argumentos são bizarramente parecidos. E pode-se perceber que um determinado segmento da sociedade brasileira —a centro-esquerda pró-democracia, o tipo de gente que lê (e escreve) colunas em jornais como a Folha— está começando a relaxar, um pouquinho. "Viu só? As pessoas civilizadas estão se unindo. Tudo vai ficar bem."

O que aconteceu nos Estados Unidos, então? Basicamente, Hillary e seus partidários se concentraram tanto na oposição a Trump que se esqueceram de falar sobre as questões que importavam para a maioria dos eleitores: desemprego, imigração e assim por diante.

Jamais esquecerei de uma mulher que estava assistindo a um comício de Trump: questionada por um repórter de TV como ela justificava votar em um homem como ele, ela respondeu: "Trump pode dizer o que quiser, desde que ajude meu marido a arrumar emprego", foi a resposta.

No Brasil, as pesquisas de opinião pública indicam que as questões mais importantes para os eleitores incluem a economia, a corrupção e o crime. A verdade é que Fernando

Haddad e o Partido dos Trabalhadores têm enorme dificuldade para lidar com as três.

O PT causou a pior recessão do Brasil em um século, seu principal líder está na cadeia, e o crime disparou nos 13 anos em que o partido esteve no poder.
Portanto, a tentação de transformar o segundo turno em referendo sobre Bolsonaro —e a democracia— será ainda mais forte para o PT.
As declarações mais incendiárias de Bolsonaro serão repetidas incessantemente na propaganda eleitoral e no Facebook, e intelectuais e celebridades falarão sobre a importância da democracia e os direitos das minorias.

Isso ecoará de modo positivo em alguns círculos, que incluem a elite —Fernando Henrique Cardoso pode apoiar Haddad, por exemplo, da mesma forma que John McCain e George W. Bush romperam com Trump.

Mas, no geral, acredito que essa estratégia se provará ainda menos efetiva do que foi o caso nos Estados Unidos.

Tragicamente, depois de quatro longos anos de escândalo e crise econômica, apenas 8% dos brasileiros dizem que a democracia representativa é uma forma de governo "muito boa", o menor total entre os 38 países pesquisados pelo Pew Research Center. Os argumentos quanto à sua importância certamente serão recebidos com pouca simpatia.

Como aqui, os eleitores em lugar disso se deixarão seduzir pela promessa de soluções simples —ainda que nada realistas— para problemas mais tangíveis.

Suponho que a versão brasileira da mulher entrevistada no comício de Trump diria: "Bolsonaro pode dizer o que quiser, desde que seu governo não roube e eu possa caminhar pela rua em segurança".

Para Haddad e o PT, isso significa que o caminho mais efetivo seria combinar ataques contra Bolsonaro a uma agenda clara quanto aos problemas mais urgentes do Brasil.

Isso inclui uma estratégia nacional mais efetiva de combate ao crime, reconhecimento dos erros passados do partido quanto à corrupção e deixar claro que a política econômica será mais parecida com a do primeiro mandato de Lula do que com a do primeiro mandato de Dilma.

Isso é pedir muito, dada a recente insistência do partido quanto a narrativas de perseguição e nostalgia. Talvez seja impossível. Mas o futuro da democracia brasileira pode depender disso.

*Brian Winter é editor chefe da revista Americas Quarterly