Bolsonaro
Roberto Dias: Democracia boa não é só a nossa, não
Esquerda jogou fora valores e caiu em armadilhas lógicas
Há enormes razões para não votar em Jair Bolsonaro. O problema é que existem também imensos motivos para não votar no PT.
No bolsonarismo, a agressividade embala a tosquice de sempre. A novidade vem da esquerda, que jogou fora valores, justamente o que diz prezar, e caiu em armadilhas lógicas.
A mais evidente é negar a democracia ao afirmar defendê-la. Dizer que votar em Bolsonaro é indefensável acaba sendo, esse sim, um argumento indefensável. Declarar que corrupção não é desculpa para votar no capitão embute premissa absurda: a de que um cidadão precisa de desculpa para exercer um direito.
A esquerda aponta (corretamente) o preconceito contra o Nordeste, que parou Bolsonaro. Mas ridiculariza SP por suas opções legislativas.
O veto à entrevista de Lula para a Folha foi (acertadamente) chamado de censura. Mas quando se anunciou a entrevista de Bolsonaro à Record, a esquerda gritou por censura.
O autoritarismo do elenão começa no nome. Mas há um problema: pela lei brasileira, só a Justiça pode vetar alguém. Segundo ela, Bolsonaro pode se candidatar, e ele, Lula, não. Aliás, é possível encontrar vídeos com inúmeras barbaridades ditas por Lula. A diferença? Para Lula tudo virava piada de salão —e para ele, Bolsonaro, não (nem deveria).
A banalização do termo fascismo mostra que ignorância histórica não é monopólio da direita. A seguir a lógica de quem acha que qualquer eleitor de Bolsonaro é um torturador em repouso, seria o caso de proteger a carteira cada vez que se aproximasse um petista. Trata-se de raciocínio esgarçado até perder o sentido.
A esquerda apontava ameaça democrática no bolsonarismo sem interlocução com o Congresso. Enquanto essa crítica era repetida, o PSL fazia campanha para eleger a nova grande bancada da Câmara. Ficou mais difícil sustentar o ataque por aí.
Numa luta legítima por corações e votos, muita gente da esquerda foi perdendo a lógica pelo caminho. Democracia boa não é só a nossa, não.
*Roberto Dias é secretário de Redação da Folha.
Fernando Canzian: Nova 'Classe D/E' do Congresso é incógnita com Bolsonaro
Segundo turno pode ser um passeio para o capitão; choque de realidade fica para depois
O primeiro turno da eleição trouxe uma espécie de invasão da "classe D/E" da política, e é ela que dará as cartas no Congresso. Embora tenha alguns contornos extravagantes e deputados pitorescos, essa nova turma é bastante representativa da sociedade em que vivemos. Isso vinha se desenhando há anos e põe fim à fase em que parlamentares do baixo (ou baixo-baixo) clero tinham de se fazer representar via pressões para cima, por meio de intermediários mais tradicionais que mantinham feudos no parlamento. Se Jair Bolsonaro (PSL) acabar eleito, essa transição de baixo para cima ficará completa. O desafio é que o novo arranjo não parece combinar muito com a agenda liberal que o candidato líder nas pesquisas agora abraça.
Desde do início da campanha, Fernando Haddad (PT) apenas reforçou o que os próprios petistas querem ouvir, chovendo no molhado ao encerrar o primeiro turno com Dilma Rousseff em Minas e ao começar o segundo com Lula em Curitiba.Na primeira oportunidade que teve, no Jornal Nacional de segunda (8), voltou a detonar o "teto dos gastos", que garante alguma previsibilidade no gasto público, e o sistema financeiro.Já o discurso de Bolsonaro e a equipe econômica que se desenha vai no sentido contrário, de cortes, racionalização de ministérios e da agenda liberal de Paulo Guedes, seu futuro ministro da Economia —já que Fazenda e Planejamento seriam fundidos.Na quarta (9), porém,
Bolsonaro jogou a tolha sobre a aprovação da reforma da Previdência que está no Congresso, embaçando pela primeira vez, e de forma não trivial, o entusiasmo do mercado em torno dele —o dólar subiu e a Bolsa caiu como resultado.Isso indica que toda a discussão em torno do tema crucial para as contas públicas terá de ser refeita, o que levará tempo diante de pontos espinhosos. Os benefícios dos PMs, que hoje se aposentam aos 49 anos em média serão mexidos? E os dos militares? Qual a economia que o novo projeto trará? Nesse contexto, o PT, que seguirá oposição, terá a maior bancada na Câmara, com 56 cadeiras. E pouco ou nada se sabe ainda dessa nova “classe D/E” que chega à Câmara. E qual preço cobrará de um novo governo que promete o fim da fisiologia.
Gustavo Bizelli : Os fascistas são a minoria
Quase metade do Brasil votou contra a democracia?
Jornalistas, cronistas e analistas políticos avaliam que os resultados das eleições vêm de uma onda conservadora, uma radicalização ou um sentimento de ódio ao partido adversário. Penso que poucos captaram até o momento os reais movimentos que nos levaram a esses resultados.
Bolsonaro se estabelece em 17% das intenções de voto e por meses lá permanece. Conheço alguns desses eleitores. Querem ter a liberdade de comprar uma arma, acreditam que bandidos sejam mais defendidos que as vítimas; uns poucos apoiam a pena de morte, não nutrem simpatia por minorias, negros e homossexuais, e em geral estão cansados das "safadezas", termo que generaliza corrupção e incompetência.
Não são pessoas ruins, mas têm um pensamento menos progressista. Tachá-los de fascistas, no entanto, parece exagerado.
Bolsonaro só sai da margem de erro dos 17% quando fica claro que Lula de fato não será candidato e que Fernando Haddad --que até então minguava com 2% a 4% nas pesquisas-- passa a receber votos que seriam de Lula e inflavam a votação de Marina e o contingente de nulos e de brancos.
Antipetismo, então? Quase isso!
Os 29% de votos que se somaram aos primeiros 17% não foram rapidamente migrando para Bolsonaro. Quanto mais pura a rejeição ao petismo, mais rápido o capitão recebeu tais votos. Quanto mais ponderado e informado, mais o eleitor tardou a embarcar na candidatura 17.
Mas, com o decorrer dos dias, ficava cada vez mais claro que a opção a Bolsonaro seria a volta de uma política de governo que, esta sim, é muito rejeitada. Estatais aparelhadas e a serviço de projetos políticos, capitalismo de compadre, déficit primário, perda do grau de investimento, BNDES financiando apoiadores e obras em outros países, uma névoa de projeto de poder bolivariano na América Latina, uma política externa marcada pela ideologia e não pela eficiência, controle dos meios de comunicação, tudo regado a corrupção.
Não é possível que se acredite que quase metade do Brasil votante optou por posições duvidosas quanto à democracia ou retrocessos na agenda progressista. Os eleitores que migraram para a candidatura 17 foram em blocos, engolindo a seco os pontos de rejeição para evitar o pesadelo da volta da nova matriz econômica e do jeito petista de governar.
Os últimos dois blocos que migraram para a candidatura, o primeiro entre quinta (4) e sexta-feira (5), que mudou o patamar de 36% para 41% das intenções de voto, e o segundo entre sábado (6) e domingo (7), que decretaram a subida final de 41% para 46%, são majoritariamente formados por pessoas progressistas, democráticas, que acreditam na igualdade de gênero, nas liberdades individuais, na necessidade de apoio aos mais pobres e nos direitos humanos, mesmo de pessoas que cometem delitos.
Tais pessoas não acreditam, porém, que essa agenda poderá ser alterada por essa candidatura. Acreditam, sim, que a sociedade e o país possuam bases e instituições sólidas que não permitirão retrocesso em conquistas de comportamentos, hábitos, costumes, liberdades etc.
Por outro lado, tais pessoas têm certeza de que, com um novo governo petista, a velha nova matriz econômica e o jeito petista de governar estarão conosco em 1º de janeiro.
O discurso aparentemente oportuno de união dos democratas não conquistará os 29% de eleitores que embarcaram na candidatura 17 por não querer a volta da política petista, e tão pouco chegará aos ouvidos dos 17% de eleitorado mais aderente de Bolsonaro.
Apenas a confiança de que a política praticada anteriormente pelo regime petista é considerada equivocada pelos seus autores e que nunca mais será repetida poderia conquistar eleitores que já optaram por dizer não à sua volta, a uma nova Carta aos Brasileiros. Mas tal discurso, neste momento, pareceria mais que oportuno; pareceria oportunista.
*Gustavo Bizelli é economista formado pela Unesp, pós-graduado pela FGV e especialista em inteligência de mercado pela Universidade da Califórnia; sócio da consultoria Diferencial Pesquisa de Mercado
Nelson de Sá: Solavancos esfriam 'amor' por Bolsonaro no mercado externo
'Investidores deveriam esperar a eleição', aconselha FT, citando sinais contra reforma da Previdência
WSJ noticia investigação por ‘suposta fraude’ com fundos de pensão
No Wall Street Journal, “Alto assessor de Bolsonaro é investigado por suposta fraude de investimento”. Logo abaixo, “Paulo Guedes é considerado um potencial ministro das finanças se Bolsonaro vencer”. E foram suas as “propostas de livre mercado que ganharam apoio do mercado financeiro”.
O jornal ouve de analista brasileira de finanças que, mesmo se a investigação “levar à queda de Guedes”, ele poderia ser substituído por outro de mesma linha. Os investidores estariam “mais preocupados com as declarações de Bolsonaro, abaixando o tom da necessidade de mudanças na Previdência”.
Também no Financial Times, “Procuradores brasileiros investigam assessor econômico de Bolsonaro”. Logo abaixo, o inquérito é “por suspeita de fraude do financista nos investimentos de fundos de pensão”.
O jornal destacou depois a análise “Investidores deveriam esperar a eleição”, listando a declaração do articulador político de Bolsonaro contra a reforma da Previdência no Congresso; o silêncio imposto pelo próprio candidato a Guedes; e por fim, “na quarta, a Folha estampou a notícia de que o financista estava sob investigação. Mr. Guedes não pôde ser encontrado para comentar”. O FT fecha com um alerta:
“Os investidores podem estar amando os acontecimentos no Brasil até agora. Um caminho sábio pode ser esperar para ver como eles vão terminar.”
TÁTICA DO MEDO
Os dois enviados do britânico Guardian à eleição brasileira, Tom e Dom Phillips, produziram longa reportagem sobre a “tática do medo” amplificada por Bolsonaro neste início de campanha para o segundo turno, sob o título “A nova Venezuela?”. No segundo enunciado, “O candidato de extrema direita buscou, com evidência escassa, vincular seu oponente do Partido dos Trabalhadores aos problemas do país vizinho”.
Observam que Donald Trump, em artigo no USA Today, também começou agora a usar a sombra venezuelana contra os democratas, “radicais socialistas”, na eleição legislativa nos EUA.
FUKUYAMA, O COMUNISTA
O filósofo Francis Fukuyama, de Stanford e referência do pensamento conservador das últimas décadas nos EUA, afirmou em mídia social que é “aflitiva” a aprovação de Bolsonaro pelos “mercados financeiros” —e também ele virou alvo de ataques. Depois ironizou:
“Muitos brasileiros parecem pensar que eu sou um comunista porque estou preocupado com uma presidência Bolsonaro. E você pensa que os americanos estão polarizados...”
LGBTQ, PROTEJAM-SE!
Influenciadores como o youtuber Rafucko noticiaram: “LGBTQ, protejam-se! Grindr emite alerta porque tem gente usando o app para atrair homens gays para emboscadas”. O aplicativo, citando preocupações de usuários “após a recente eleição”, aconselhou tomar “as medidas necessárias para manter-se seguro” (acima).
A violência homofóbica, entre outras, já repercute em veículos europeus como Le Monde.
PROVAVELMENTE
Em contraposição ao editorial de capa da própria revista, coluna de Michael Reid na nova Economist, com a ilustração acima, cita declaração do comandante do Exército para afirmar que os militares, "mais provavelmente, vão conter Bolsonaro" --e não apoiar seu autoritarismo.
* Nelson de Sá é jornalista, foi editor da Ilustrada.
Zeina Latif: A hora é agora
O segundo turno deveria ser a oportunidade para os candidatos exporem suas plataformas econômicas
Um desavisado que desembarcasse no Brasil hoje e analisasse as campanhas dos candidatos à Presidência da República não diria que o País enfrenta a mais grave crise fiscal e econômica de sua história. Muitas campanhas se esquivaram dos problemas econômicos.
Do lado dos eleitores, apesar da renovação da política em curso, nós não mudamos tanto assim. Ainda nos iludimos com políticos que infantilizam a sociedade.
O foco da campanha do primeiro turno de Fernando Haddad foi vender a imagem de que ele é o escolhido de Lula. Para manter a fidelidade do voto de esquerda, repetiu mantras do passado e negou a culpa de Dilma na crise econômica. Para o Brasil voltar a crescer, bastaria aumentar os gastos públicos, o que significa uma negação da crise fiscal.
Já a campanha de Jair Bolsonaro foi concentrada em temas relacionados a costumes, segurança e corrupção. Seu discurso na economia passa a mensagem subliminar de que não será necessário grande esforço para equilibrar as contas públicas e promover o crescimento. Bastaria acabar com a corrupção e conchavos políticos, e avançar em algumas privatizações.
Evitar temas econômicos polêmicos em campanhas é algo esperado, mas se foi longe demais. Diante da grave crise, há elevados riscos envolvidos nessa estratégia, pois se reduz a legitimidade para conduzir as necessárias reformas adiante.
Exemplo recente foi a campanha de 2014. Dilma Rousseff negou os problemas fiscais e, como resultado, defrontou-se com a resistência de seu próprio partido para a aprovação do ajuste fiscal e teve ainda de lidar com a participação de parlamentares petistas na aprovação da chamada pauta-bomba do Congresso.
Segundo a imprensa, nem mesmo Lula conseguiu convencer os petistas sobre a importância das medidas de ajuste e, assim, evitar dissidências. A campanha do segundo turno deveria ser a oportunidade para os candidatos exporem e ajustarem suas plataformas econômicas. Alguma descida de palanque é necessária e recomendável, deixando de lado bravatas e omissões oportunistas.
Alguns ajustes no discurso começaram após o resultado do primeiro turno. Haddad negou a intenção de uma nova Constituição e defendeu a reforma da Previdência para acabar com privilégios, que é o que não falta em nossas regras previdenciárias. Para conquistar a confiança de investidores e produtores, mais ajustes no seu discurso serão necessários, como na aceitação da agenda de privatizações e concessões. O discurso de Bolsonaro não traz grandes mudanças, mas reforça a tendência de afastamento da agenda liberal do economista Paulo Guedes.
Apesar de Guedes defender o prosseguimento da proposta de reforma da Previdência de Michel Temer, com possível aprovação ainda este ano, Bolsonaro a rejeitou. O candidato fala em propor uma nova reforma, com foco nos “marajás” do funcionalismo, com uma transição bastante lenta e mantendo o tratamento diferenciado a membros das Forças Armadas e da polícia militar. Ele não cita a necessária reforma do INSS. Tudo muito tímido diante do tamanho do desafio, inclusive nas finanças estaduais.
Bolsonaro promete ainda reduzir a carga tributária, com isenção do imposto de renda para quem recebe até 5 salários mínimos – algo também defendido por Haddad –, sem dizer de onde virão os recursos. Sobre o programa de privatizações, o deputado nega aquela que deveria ser prioritária: a da Eletrobrás; uma empresa deficitária e sem capacidade de investimento, ameaçando a oferta de energia elétrica em todo o País.
A visão de que não é necessário fazer um ajuste estrutural nas contas públicas é bastante disseminada na sociedade. De um lado, há aqueles que defendem mais gastos e manutenção de privilégios. De outro, os que acreditam que o combate à corrupção resolve a crise e que basta vontade política para privatizar empresas estatais e cortar gastos.
A campanha presidencial nos empurrou ainda mais para esta armadilha e poderá custar caro ao novo presidente.
*Zeina latiff é economista-chefe da XP Investimentos
Ricardo Noblat: Tudo pode acontecer, inclusive nada
Faltam 17 dias para o segundo turno da eleição presidencial. A campanha sequer recomeçou. Dez dias antes da eleição em primeiro turno, quem seria capaz de prever mesmo com base nas pesquisas de intenção de voto que um tsunami político varreria o país como de fato varreu no último domingo?
Dilma Rousseff (PT) era tratada como a provável senadora mais votada em Minas Gerais. No Rio, o juiz Wilson Witzel (PSL) corria atrás de Eduardo Paes (DEM) e de Romário (PSB). Paulo Skaf (PMDB) e João Doria (PSDB) apareciam empatados na disputa pelo governo paulista. E Fernando Haddad (PT) temia ser atropelado por Ciro Gomes (PDT).
Dilma ficou em quarto lugar. Despediu-se de Minas. Witzel deixou Paes comendo poeira e agora ameaça prendê-lo se for alvo de notícias falsas que afetem sua honra. Skaf anunciou apoio a Márcio França (PSB) que enfrentará Doria na condição de favorito. E caberá a Haddad enfrentar Bolsonaro com o apoio de Ciro, mas sem sua presença na televisão.
Bolsonaro derrotou Haddad no primeiro turno com 17 pontos percentuais na soma dos votos válidos, descontados os nulos e brancos. Na primeira pesquisa Datafolha de intenção de votos no segundo turno, 16 pontos percentuais separam Bolsonaro de Haddad. Eleição acaba quando acaba, ensinam os sábios. Mas não será fácil para Haddad virar esta a seu favor.
No primeiro turno, ele teve 29,28% dos votos válidos. Bolsonaro, 46,03%. Os demais candidatos, 53,77%. Para se eleger, Haddad, hoje, não poderia perder um só voto dos que teve e atrair todos os votos que tiveram Ciro, Geraldo Alckmin (PSDB), Amoedo (PARTIDO NOVO) e Cabo Daciolo (PATRIOTA). E Bolsonaro não poderia ganhar um único voto a mais.
Nas duas primeiras pesquisas de intenção de voto do Datafolha no segundo turno da eleição de 2014, Aécio Neves saiu na frente de Dilma que tentava se reeleger e que tivera mais votos do que ele no primeiro turno. Foi só nos últimos dez dias de campanha que Dilma ultrapassou Aécio nas pesquisas. Elegeu-se com 51,6% dos votos na eleição mais apertada desde o fim da ditadura militar de 64.
Haddad imaginava reduzir a vantagem de Bolsonaro por meio dos debates já marcados entre os candidatos, mas debates não haverá tão cedo. Bolsonaro alega que ainda não foi liberado para tal pelos médicos. E mesmo que seja liberado, ainda avaliará se os debates poderão ajudá-lo ou não. Se concluir o contrário, não irá a nenhum. A facada que levou é o álibi perfeito para fugir ao confronto.
Só quem perde com o cancelamento dos debates é Haddad.
Haddad não é mais Lula
Movimento tardio
Onde antes você lia: “Haddad é Lula e Lula é Haddad”; agora leia: “Presidente Haddad, vice Manuela”. Onde antes havia vermelho, agora há azul, amarelo e verde. Lula sumiu.
A mudança no visual das peças de campanha de Fernando Haddad (PT) poderá não lhe garantir mais votos, mas é possível que diminua a resistência ao seu nome.
O candidato do PT quer se transformar no candidato de uma frente democrática onde caberá quem queira entrar. A mudança chega tarde quando são mínimas as condições de ele se dar bem.
Rubens Ricupero: O dever dos neutros
É preciso lutar por uma frente democrática
"Entre os que destroem a lei e os que a observam não há neutralidade admissível". Rui Barbosa (1849-1923) pronunciou essas palavras em Buenos Aires (1916) no contexto da Primeira Guerra Mundial. Neutralidade, explicava, "não quer dizer impassibilidade: quer dizer imparcialidade; e não há imparcialidade entre o direito e a injustiça".
A clareza da distinção pode ajudar-nos a enfrentar o dilema eleitoral na definição do dicionário: situação embaraçosa com duas saídas difíceis ou penosas. Vejamos em concreto se há diferença entre essas saídas.
Não há lugar, creio, para imparcialidade entre quem quer retirar o Brasil do Acordo de Paris sobre clima e quem deseja honrá-lo. Tampouco sou imparcial entre quem defende a proteção dos ecossistemas tal como prescrito na lei e os que atacam suposta indústria de multas do Ibama contra desmatadores ilegais.
Os mesmos que tencionam suprimir o Ministério do Meio Ambiente e subordiná-lo ao da Agricultura em ótica meramente produtivista, sem olhar as consequências de devastação ambiental e da concentração de renda.
Entre os defensores da Constituição, da democracia liberal, da tolerância, da diversidade, da civilidade na vida política e seus detratores, escolho sem hesitar os primeiros. Coloco-me ao lado dos promotores dos direitos humanos, da prioridade de combater a desigualdade, suprimir a miséria; sou contra os críticos de tais posições.
Prefiro diplomacia que preserve o papel construtivo do Brasil como fator de moderação e equilíbrio no continente e no mundo aos que advogam atitudes que nos isolariam da maioria da humanidade.
Um exemplo é a intenção de Bolsonaro de transferir a Jerusalém nossa embaixada em Israel na ausência de acordo com todos os interessados. Isso nos relegaria a situação ridícula, abaixo do Paraguai, que teve o bom senso de recuar dessa tresloucada ideia.
Entre valores e contravalores não tenho o direito de ser neutro. Darei meu voto ao candidato que encarnar valores absolutos e inegociáveis como os mencionados acima.
Dito isso, penso que o dever dos neutros é ir além do voto e lutar por uma frente democrática que una o mais amplo espectro de opinião possível.
Concordo com os pontos levantados por Celso Rocha de Barros no artigo publicado por esta Folha na última segunda-feira (8). Por definição, uma aliança não deve refletir hegemonia de nenhum partido. Tem de acolher a exigência popular de combate à corrupção, ajuste fiscal, responsabilidade no uso de recursos escassos --o que falta no programa do PT, além da autocrítica.
Não se vai ganhar só com o PT e a esquerda. Reconhecer esse fato obriga a ter um programa de mínimo denominador comum que conquiste os moderados.
E, no caso de difícil vitória, dê garantia a todos de que se terá um governo não sectário, pacificador e unificador da sociedade brasileira.
*Rubens Ricupero, diplomata, ex-embaixador do Brasil em Washington (1991-1993) e Roma (1995); ex-ministro do Meio Ambiente e da Fazenda (1993-1994 e 1994, governo Itamar)
William Waack: Sem resposta simples
Vista de fora do Brasil, a onda bolsonarista desafia interpretações
Vista de Nova York, onde estou palestrando para investidores estrangeiros, a onda que levou Bolsonaro aos seus 50 milhões de votos no primeiro turno é uma jabuticaba política brasileira ou simplesmente a expressão de um fenômeno autoritário com variadas ramificações mundo afora?
Pelo menos três elementos a política brasileira tem em comum com ondas semelhantes na Ásia, Europa e Estados Unidos. Eles são: o descrédito e a desconfiança do eleitor em relação a instituições tradicionais, incluindo perda de credibilidade dos grandes órgão de imprensa; a presença de fortes redes sociais que impulsionam “outsiders”; uma situação de crise ou paralisia na economia (no caso brasileiro, a pior recessão em gerações).
Aos elementos acima teríamos de acrescentar partidos desmoralizados, sistema político destruído, e as consequências da Lava Jato como expressão de indignação e raiva que vem já desde 2013. Ou seja, aos elementos comuns a muitos países somam-se fatores domésticos de alta relevância.
O “fenômeno político Bolsonaro” atraiu enorme atenção fora do Brasil – e dificuldades de interpretação idem. O mínimo denominador comum encontrado entre publicações normalmente divergentes entre si (como The Guardian ou Economist), por exemplo, foi o de ressaltar perigos severos à democracia. A palavra “fascista” aparece em publicações como Der Spiegel, revista importante num país no qual esse vocábulo tem peso muito especial. Mesmo o Financial Times, que provavelmente tem a melhor cobertura do Brasil na grande imprensa internacional, vê na figura de Bolsonaro o prenuncio de tempos duros – a inversão de uma tendência, segundo o FT, que o Brasil também simbolizara ao sair do regime militar há mais de 30 anos.
Para comediantes da telinha americana como John Oliver, a eleição brasileira virou piada pronta, com a exibição das aberrações de propaganda eleitoral produzida por candidatos a deputado, passando por Lula na cadeia (aqui fora se acha mesmo piada que um presidiário surgisse como favorito nas pesquisas eleitorais) e chegando até algumas das frases mais contundentes de Bolsonaro – aqui, segundo o humorista, acaba a graça.
A “guerra cultural” brasileira invadiu também o espectro de opiniões nos Estados Unidos, com o Wall Street Journal reconhecendo em editorial que progressistas no mundo inteiro ingressaram em “estado de ansiedade” desde que os brasileiros deram votação tão expressiva a Bolsonaro. Mas não será o próprio eleitor brasileiro que sabe melhor que ninguém de qual candidato precisa?, indagou o WSJ.
Quanto aos investidores estrangeiros, concentrados em grande número em Nova York, a política brasileira se resume a uma pergunta: “Can he deliver?” – Bolsonaro consegue entregar o que precisa ser feito, na perspectiva de quem pretende pôr dinheiro no nosso país, ou seja, ele consegue as reformas necessárias para atacar a questão do gasto público e a recuperação da capacidade de investimento na economia?
Confesso que não consegui dar a eles uma resposta simples. É óbvio que a onda do fim de semana passado mudou bastante a política e sugere desdobramentos de alcance maior do que a capacidade de se construir maiorias para votações na Câmara dos Deputados. A onda desenha uma oportunidade que pode ser ampliada com o “capital político”, como gostam de dizer os economistas, que Bolsonaro está acumulando.
Soa esperançoso? Depende para trazer resultados de uma capacidade de articulação e liderança políticas que até agora ninguém demonstrou.
Manuel Castells: Carta aberta aos intelectuais do mundo
O Brasil está em perigo: pode eleger um presidente fascista, defensor da ditadura militar, misógino, sexista, racista e xenófobo
Amigos intelectuais comprometidos com a democracia:
O Brasil está em perigo. E, com o Brasil, o mundo. Porque após a eleição de Trump, a tomada do poder por um Governo neofascista na Itália e a ascensão do neonazismo na Europa, o Brasil pode eleger um presidente fascista, defensor da ditadura militar, misógino, sexista, racista e xenófobo, que obteve 46% dos votos válidos no primeiro turno das eleições presidenciais. Não importa quem seja seu oponente. Fernando Haddad, a única alternativa possível, é um acadêmico respeitável e moderado, candidato do PT, um partido hoje desprestigiado por ter participado da corrupção generalizada do sistema político brasileiro.
Mas a questão não é o PT, e sim uma presidência de um Bolsonaro capaz de dizer a uma deputada, em público, que "não merecia ser estuprada por ele". Ou que o problema da ditadura não foi tortura, e sim que não tenha matado mais em vez de torturar. Em tal situação, nenhum intelectual, nenhum democrata, nenhuma pessoa responsável no mundo em que vivemos pode permanecer indiferente. Não represento ninguém além de mim mesmo. Não apoio nenhum partido. Simplesmente acredito que seja um caso de defesa da humanidade, porque se o Brasil, o país decisivo da América Latina, cair nas mãos deste desprezível e perigoso personagem e dos poderes fáticos que o apoiam, os irmãos Koch entre outros, teremos nos precipitado ainda mais na desintegração da ordem moral e social do planeta a qual estamos presenciando.
Por isso escrevo a todos vocês, àqueles que conheço e aos que gostaria de conhecer. Não para que subscrevam esta carta como se fosse um manifesto aos ditames dos políticos. E sim para pedir que cada um torne pública e, em termos pessoais, sua petição para uma participação ativa no segundo turno das eleições presidenciais em 28 de outubro, e nosso apoio contra o voto em Bolsonaro, argumentando, segundo a opinião de cada um, e divulgando sua carta por meio de seus canais pessoais, redes sociais, meios de comunicação, contatos políticos, qualquer formato que transmita nosso protesto contra a eleição do fascismo no Brasil. Muitos de nós temos contatos no Brasil, ou temos contatos que têm contatos. Contatemo-los. Uma mensagem por WhatsApp é suficiente ou uma chamada telefônica pessoal.
Não precisamos de uma hashtag. Somos pessoas, milhares, potencialmente falando para milhões, no mundo e no Brasil. E, como ao longo de nossa vida adquirimos, com nossa luta e integridade, uma certa autoridade moral, vamos utilizá-la neste momento antes que seja tarde demais. Farei isso, já estou fazendo. E simplesmente rogo para que cada um faça o que puder.
Limongi: “Líderes responsáveis não têm o direito de se isentar diante da insanidade de Bolsonaro”
Doutor em Ciência Política se diz chocado com inércia de lideranças, como o ex-presidente Fernando Henrique, diante do risco que candidato representa. “Está em jogo a barbárie”
Por Carla Kiménez, do El País
Salto no escuro com Governo obscurantista
Eu quero começar fazendo uma declaração quase que política, pensando como uma pessoa que é financiada para pensar. Eu sou pago pelo Estado brasileiro pra pensar e eu acho que eu tenho que fazer um pronunciamento público. Eu acho que a direita brasileira, o conservadorismo brasileiro - ou o que quer que seja, quem votou e apoiou Bolsonaro – está minimizando o risco que está correndo e está fazendo uma opção muito perigosa. A elite brasileira está dando um salto no escuro. Quer dizer, na verdade não está dando um salto no escuro, porque sabe o que está fazendo e está fazendo bobagem. Estamos aceitando a direita brasileira, o centro brasileiro está aceitando ser liderado por um cara que é um obscurantista, um retrógrado, um apologista da violência, um cara que apoia o golpe de Estado e tem saudade do regime militar.
Covardia inadmissível de Fernando Henrique
Essa direita brasileira, o centro incluído, criou um fantasma e foi gerando um temor desproporcional e descabido ao PT, como se nós estivéssemos de volta à Guerra Fria e o PT fosse uma ameaça comunista, totalitária, o que não é. Não há nenhum elemento, nenhuma informação objetiva que permita chegar a essa conclusão. O PT cometeu erros, cometeu erros sérios, mas eles são fichinhas se comparados ao que o Bolsonaro ameaça fazer e diz que vai fazer e cresceu fazendo. Uma parte do centro está se dizendo diante de uma escolha de Sofia e não está. Só tem um lado que não pode ser escolhido em hipótese alguma e as pessoas estão minimizando isso. Me deu arrepio ver que o Fernando Henrique Cardoso se declarou neutro, isso é uma irresponsabilidade, isso é uma covardia inadmissível. Eu fui presidente do CEBRAP, eu sou herdeiro do Fernando Henrique, eu salvei o CEBRAP de fechar. Eu estou até emocionado [a voz de Limongi fica embargada]. Não é possível que ele não se lembre do que ele sofreu, do que ele passou e que ele minimize isso. E pior! Ele declarou, inicialmente, que seria contra o Bolsonaro e que votaria no PT, agora ele que resolveu usar o Twitter, ele, covardemente, cede à pressão popular. Um intelectual não pode fazer isso, um intelectual tem compromisso. O Fernando Henrique não pode fazer isso.
“Cria cuervos”
Eu salvei o CEBRAP que ele [FH] criou, ia fechar. E eu assumi a presidência para salvar. Sacrifiquei parte da minha carreira acadêmica, fiquei quatro anos lá sem fazer nada, a não ser administrar cozinha de um lugar pra agora ouvir que isso aí [Bolsonaro] não é nada?! Esse cara não envolve risco? Não é possível que não se tenha parâmetro de comparação entre um cara que é apologista de um regime militar, o regime que perseguiu o senhor Fernando Henrique Cardoso, certo? O Fernando Henrique foi parar no pau-de-arara. Um cara que declara ter ódio ao Rubens Paiva, tem uma verdadeira fixação em falar mal do Rubens Paiva, do Vladimir Herzog, acha que aquilo foi um acidente de trabalho, [assassinato de ambos na ditadura], acha que aquilo estava certo. Alguém pode em sã consciência dizer que existe comparação entre o risco que o PT representa e o risco que o senhor Bolsonaro representa? Quem acha que vai tourear esse cara está sendo de uma ingenuidade absurda. Nós já vimos esse filme várias vezes, esse é o famoso Cria Cuervos. Nós estamos aceitando como se não fosse um risco um cara que é apologista da violência da ditadura militar, um cara que votou o impeachment da Dilma elogiando o [Brilhante] Ustra.
MAIS INFORMAÇÕES
Em jogo, a barbárie
Ninguém que critique o Bolsonaro está defendendo a Dilma ou necessariamente dizendo que PT é santo. É esse maniqueísmo que o centro e a direita brasileira aceitaram jogar e estão agora sendo vítimas dele sem perceber ou o que? Isso é uma insanidade que está acontecendo nesse país. Nós ainda temos chance de corrigir, mas só vai corrigir se gente como o Fernando Henrique Cardoso vier a público e falar como um intelectual e pensar na sua responsabilidade política. É um risco inacreditável que nós estamos correndo, uma irresponsabilidade que essas pessoas que começaram a nutrir um terror ao PT, um horror ao PT, vieram agora a público deixar escapar. Isso não tem cabimento! Isso não tem um termo de comparação. Uma tristeza ouvir a declaração do Xico Graziano dizendo que agora ia apoiar o Bolsonaro. Xico Graziano não tem memória? Não lembra o que aconteceu com ele quando ele se colocou contra, nas redes sociais, o Bolsonaro dizendo que as eleições de 2014 estavam sendo fraudadas? Quando ele saiu a público, corajosamente, para dizer que aquilo era uma besteira ele foi trucidado nas redes sociais por esse grupo de trogloditas que está por trás do Bolsonaro. Não tem meia palavra com esse cara, ele é um troglodita. Isso tem que ser dito, não tem como minimizar isso. Em nome do quê? De um temor que o PT volte a fazer uma política macroeconômica e expansionista? Tudo bem, o PT cometeu erros e tem uma dificuldade de fazer autocrítica. Mas e o senhor Bolsonaro fez alguma autocrítica? Ou, por que que nós devemos acreditar no senhor Bolsonaro paz e amor? O que está em jogo é a barbárie.
Ódio cego ao PT
As pessoas estão sendo vítimas do monstro que criaram, da imagem que criaram. [...] Depois de ser derrotado pela quarta vez pelo PT, ali o centro e a direita perderam a razão, saíram paro tudo ou nada. Mas se eu falo isso as pessoas vão minimizar dizendo "Ah, o cara é petista!" Eu quero falar: "Vamos pensar o que nós temos que fazer?". Não é possível sequer ficar neutro diante deste cenário. Não é uma Escolha de Sofia, só tem um lado, o resto é defesa pra gente sobreviver. E isso eu tô falando digamos assim dos "velhos": [José] Serra, Aloísio [Nunes], Fernando Henrique Cardoso, Xico Graziano [que saiu do PSDB para apoiar Bolsonaro]. Gente que não pode esquecer do que passou. Não pode se esquecer de Rubens Paiva, não pode se esquecer do [Vladimir] Herzog. Isso não pode ser minimizado. Não pode! Não tem como! Esse gênio que está saindo da garrafa, você não põem de volta. Vamos fazer um experimento mental e imaginar que o Haddad declarasse que o seu ministro da Economia será Marcos Lisboa. Cada um tem o [Paulo] Guedes que merece, certo? Então, por que o Fernando Haddad não poderia declarar que o seu ministro da Economia vai ser o Marcos Lisboa? O Marcos Lisboa hoje, por um acaso, é o patrão do Fernando Haddad porque o Fernando Haddad trabalha no Insper, então, ele tá lá dentro. O Marcos Lisboa já trabalhou para o PT, foi parte da equipe do PT. Por que a informação de que o Guedes trabalharia para o Bolsonaro dá mais garantia do que uma possibilidade do PT vir para o centro e ser pragmático.
Perseguição e censura
Lógico [que haverá perseguição]! É disso que estamos falando, censura vem aí se esse cara ganhar! Ele não tem trato com tolerância. Óbvio, vai testar as nossas instituições. Mas as nossas instituições têm se provado muito pouco capazes de lidar com esse perfil.
Desconfiança com urnas, levantada por Bolsonaro
Ele disse que não são capazes de lidar com fake news. E o pessoal diz, “eu não voto mais no PT porque o PT mente”. Sim, e aí vocês votam num cara que é apologista da fake news. Um cara que disse hoje que não vai assinar nada contra a fake news, porque ele pratica fake news, porque ele surfa nisso e é dado a teorias conspiratórias. Ele declarou que existe uma internacional fundada pela Dilma -está lá na entrevista que ele deu para Jovem Pan-, que existe uma internacional da fraude eleitoral da América Latina cuja sede está em Quito, no Equador. O cara é louco, o cara é um desequilibrado. Ele acredita nessas histórias. Essa história da fraude eleitoral é uma das teorias da conspiração mais malucas, a la época da Guerra Fria. [...] E o TSE e a Justiça brasileira foram brandos nisso, ao afastar qualquer hipótese de que isso teria acontecido lá no passado.
Entrevista do Bolsonaro à Record no dia do último debate
A lei eleitoral regula minuciosamente cada acesso à televisão. Isso não existe, tanto que quando há um debate há uma série de regulações: quem pode ser convidado, quem não pode ser convidado. Ninguém pode ser tratado diferente, ninguém pode ter mais tempo. Por que se abriu essa exceção para o Bolsonaro? Isso é inadmissível. Então, tem alguma coisa que está deixando as eleições se tornarem um vale tudo. Há uma sucessão de erros estratégicos. A gente sabe e qualquer estudos de ciências sociais, de interações sociais de pessoas agindo racionalmente com o horizonte limitado, quando você junta todas essas ações o resultado pode ser um resultado péssimo para todos. Está todo mundo agindo racionalmente, todo mundo defendendo seus interesses, lutando pelo seus interesses, mas na hora que interage o resultado é péssimo para todos. A maior parte dos eleitores não quer nenhum dos dois. Mas a elite política criou esse fantasma e o PT agiu equivocadamente, no meu ponto de vista, quanto a sua estratégia. O PT apostou em salvar o Lula, em se agarrar ao Lula e isso foi um erro. Tanto que o PT teve tantos votos quanto ele tem de preferência partidária. Ele ficou reduzido a sua base. Não se ganha eleição assim.
A razão não veio
Acho que ninguém, ninguém imaginou que viria essa violência que veio. Todo mundo achou que em algum momento a razão viria. E eventualmente o "se" não é possível. Você tem o contra factual. Você fala "se" isso tivesse acontecido talvez não tivesse ocorrido a facada, se o Bolsonaro não tivesse sido retirado da campanha, se ele não fosse calado de forma inadvertida, talvez nada disso tivesse ocorrido. O Bolsonaro ficou quieto e foi beneficiado. Receptador de todo esse ódio que se criou na sociedade brasileira pela sua própria elite.
Sem experiência
Eu falo: olha, você ganha mais do que 10 salários mínimos, você que optou pelo Bolsonaro, olha o vídeo desse pessoal quebrando a placa da Marielle, vê em quem você está votando. Quem você acha que está chamando? Está chamando a raposa pra tomar conta do galinheiro, quer dizer, e que garantias lhe dá o senhor Paulo Guedes? Esse cara não tem experiência pública nenhuma, é um desconhecido. Guedes vai nos fazer ter saudades de Guido. Guido vai ser um gênio comparado a Guedes. Não é porque passou por Chicago que você vira gênio. E não é só a esquerda que tem ideologia, a direita - e isso é o que é mais preocupante agora - está gerando uma ideologia perigosíssima. Uma ideologia de intransigências, de radicalismos, de negação de qualquer moderação.
Campanha no WhatsApp
Tem um subterrâneo acontecendo nas redes sociais que é a mesma coisa que aconteceu no Brexit, na Colômbia, nos Estados Unidos. Então, a gente está lutando com este demônio aqui, mas tem também o demônio do WhatsApp. Tem uma loucura rolando e tem uma nova tecnologia para se fazer campanha. Isso mudou. Eu estudo eleições e histórias das eleições há muito tempo e entendo como isso foi se transformando. Se você for olhar nos anos 40, quando o Brasil se redemocratiza, o principal recurso para se ganhar eleições era o caminhão, você precisava tirar eleitor do campo e transportar para cidade. Então, o recurso essencial pelo qual se brigava era o caminhão. Você tirava o caminhão do seu adversário, você ganhava as eleições. Daí chegou um momento que se começa a ter rádio, televisão e agora tem as redes sociais. Isso muda. Vai ter um momento em que essa novidade vai mais ou menos equiparar, os dois lados vão saber usar igual, mas por enquanto a direita está usando melhor, está sabendo usar, está pondo recurso nisso. Está havendo uma “Internacional de Direita”, como tem a “Internacional de Esquerda”. Tem uma tecnologia que está rolando, tem um know-how que está rolando, e esse pessoal se pôs a favor do Bolsonaro. E é um pessoal inconsequente. Nós temos uma direita inconsequente nascendo aqui e que está presente no mundo.
Extrema direita no Brasil
Sempre teve uma extrema direita no Brasil, tem uma parte dizendo que tem uma grande novidade, mas acho que a novidade é menor. Não pode esquecer que Paulo Maluf ganhou todas as eleições na cidade de São Paulo, depois da redemocratização, mesmo quando ele perdeu no Estado pra governador, ele ganhou na capital. Então sempre teve direita, não tem problema ter, é parte do jogo. Se o Bolsonaro ganhar não tem conversa, ele assume o poder e todo mundo aceita, o jogo é esse e o jogo só continua se você aceita brincar dentro das regras do jogo. A questão é se o Bolsonaro aceita jogar com as regras do jogo daqui pra frente.
Educação com Bolsonaro
Vamos pegar os economistas formados em Chicago, formados em Princeton, formados em Harvard que aceitam a ideia de que o grande problema do Brasil é a falta de investimento em capital humano, que o problema é a educação, que o brasileiro é pouco produtivo e que por isso estamos atrasados, por tanto toda e qualquer atenção no Brasil deve estar para a política pública. Essas pessoas têm medo do PT e da política macroeconômica do PT, mas não têm medo da política educacional que o senhor Bolsonaro vai aplicar. Porque ele quer colocar criança de volta pra casa, quer tirar criança de dentro da escola, porque isso faz parte do programa de governo dele [programa sugere a valorização da educação à distância]. Não pode dizer que não leu. O senhor Guedes não vai dar garantia para isso. Ele quer tirar criança da escola, porque ele não quer que as crianças sejam expostas a professores marxistas [programa de Bolsonaro destaca em vermelho ”um dos maiores males atuais é a doutrinação”]. E se as crianças voltam pra casa quem vai tomar conta de criança? Quem vai trabalhar? Olha o desarranjo econômico que esse cara pode gerar por uma insanidade ideológica. Todo mundo falou "ah, o PT é muito ideológico". E o senhor Bolsonaro é um poço de razão e de ciência? Ele é um energúmeno ideológico. Ele vai acabar com a educação no Brasil. Ele vai mandar a gente de volta para a Idade Média. Esse cara é um obscurantista. Ele vê um comunista em cada agente estatal. Aí ele se junta com a direita mais radical, neoliberal, que acha que todo agente do Estado é um paternalista protegendo um looser.
Arrecadações e possível corrupção
Quem vai ser o novo PC Farias [tesoureiro do ex-presidente Collor de Mello]? [Gustavo] Bebiano [presidente do PSL] será o PC Farias 2, certo? Sempre tem que ter um cara que controla todos os contratos, centraliza toda rede de negociações com os interesses, que precisam ser atendidos porque eles vivem de fornecer coisas para o Estado, etc. Essa negociação rola, vai rolar. Então, quem que vai fazer isso? Ou vai ser um dos filhos do Bolsonaro ou vai ser o Bebiano ou vão ser todos eles, cada um em uma área. A corrupção que vai rolar vai ser inacreditável porque é um bando de amadores, uns caras que nunca mexeram com Educação, nunca mexeram com Saúde, nunca mexeram com Ciência e Tecnologia, não sabem o que rola lá. O que vai aparecer de gente para eles vendendo projetos. A hora que muda o governo tá todo mundo caçando onde encaixar o projeto que ele não conseguiu vender ao governo anterior para o novo governo. E obviamente atrás de cada um deles tem um interesse se organizando. Foi isso que o PC Farias fez, vai ser isso que o senhor Bebiano vai fazer ou qualquer um que assumirá esse papel. Tudo bem a Dilma e a política econômica do Guido Mantega e a nova matriz econômica é inadmissível, é um erro crasso, ninguém justifica. Foi uma política macroeconômica eleitoral para ganhar eleição, quebrou o Brasil, foi uma irresponsabilidade. O PT não fez uma autocrítica, um absurdo, jogou dinheiro pela janela, delirou, tudo errado. PSDB também não fez diferente, mas não vamos falar que fizeram igual. Agora o que se está fazendo é uma escolha sem igual entre Bolsonaro e PT.
Crise mundial da democracia
Se for pensar internacionalmente, nós temos uma crise na democracia. Está todo mundo aturdido, é Trump, é Brexit, é Hungria, é Polônia, movimentos aparecendo em tudo quanto é canto, um desequilíbrio muito grande. Acho que tem uma coisa que é geral que deu uma desbalanceada, que talvez tenha a ver com essa mudança de tecnologia, de fazer campanha e o ritmo das tecnologias e adaptação que precisa ter entre o modelo antigo de se conquistar voto e o modelo atual. Mudou e acho que está todo mundo meio baratinado. A forma como a opinião pública reage aos fatos, a velocidade agora é outra. O eleitor está muito mais volátil e uma parte do eleitorado está saindo da política totalmente. O turnout [comparecimento nas urnas] na Europa foi lá pra baixo, nos Estados Unidos foi lá para baixo, então, o centro moderado está saindo, os radicais ficam e a política ganha outra dimensão. Tem alguma loucura acontecendo. Nós não sabemos se isso vai se reequilibrar.
Salvação
O Bolsonaro foi candidato a presidente da Câmara dos Deputados há dois anos, sabe quantos votos ele teve? Quatro. Então, ele era um patinho feio e era desconsiderado, mesmo. Ele era um marginal que ninguém considerava como um player. O pessoal do mercado financeiro o adotou, muito provavelmente trouxe junto essas tecnologias de comunicação e ele foi feito. Uma parte do empresariado o elegeu como a salvação contra o PT.
Partido de Bolsonaro forte no Congresso
Ele ganhou um Congresso mais próximo para ele [elegeu 52 deputados, a segunda bancada da Câmara]. Mas boa parte desses caras não fizeram política, está chegando lá. Kim Kataguiri, que já acha que pode ser presidente do Congresso, é um cara sem senso. Ele tem lá um monte de gente que acha que vai resolver tudo no grito. Sabe-se lá, o [Alexandre] Frota... como vai se comportar? Uma incógnita. Em geral caras como esse desaparecem porque não sabem fazer política. E política é um saco.. Tem de se conversar o dia inteiro.
Política no WhatsApp X política real
No Congresso a política é outra coisa. Tem gente que quando vai lá se prova bom. Caso do Romário. Fez uma agenda legal. É um cara que se deu ao trabalho de aprender um novo business. Essa ideia de que político profissional é um mal... ainda bem que tem político profissional. Houve uma renovação grande, e criou-se um espaço vazio que ninguém sabem quem vai ocupar. E quem vai chegar à presidência do Senado? Da Câmara? Ninguém vai dar a presidência da Casa ao Kim Kataguiri [eleito deputado federal por São Paulo], aquilo é extremamente complexo. O que fez do Eduardo Cunha aquela pessoa imensamente poderosa? A capacidade de conhecer aquilo, como aquilo funciona. O cara era uma máquina. Sabe tudo, tinha controle sobre absolutamente tudo, com três celulares. Não é coisa para amador. Tem um voluntarismo bobo que tomou conta da juventude e empresários. De que tudo com boa vontade se resolve... as pessoas entram em conflito.
Maldição do impeachment
Foi um erro cavalar em todas as dimensões. Procurei alertar naquela época sobre com quem centro e a direita estava se aliando. Foram para Temer e Cunha. Eles só queriam salvar a própria pele. Pensou-se no dream team na economia e estaria tudo salvo. Você não faz a sociedade com o diabo e não paga um preço.Sociedade com o Bolsonaro você vai pagar um preço e é altíssimo. O preço com o PT é extremamente mais baixo. O PT tem uma reputação. Bolsonaro é um novato. É alguém que não se pode confiar. Quem acredita em racionalidade da informação, pega passado, balanço, futuro, como você pode pegar as informações dele, e dizer que é confiável? É um cara mentiroso, de maneira asquerosa e populista dizendo que adotou o mercado. Claramente para obter o poder. Daí criticam PT porque faz algumas coisas. [Bolsonaro] é um cara que começou a vida como terrorista durante a democracia. É esse cara que vão querer? Lideranças responsáveis não têm o direito de não se posicionar e deixar passar esta insanidade. O caso mais terrível é o nazismo. Pensava-se que [Hitler] era um tonto que a gente controla.
Mauricio Huertas: Uma oposição responsável contra Haddad e Bolsonaro
Não é à toa que o PT de Lula e Haddad e o PSL de Jair Bolsonaro são os campeões de votos nesse polarizado 2018, tanto ao levar seus candidatos majoritários ao 2º turno das eleições presidenciais quanto ao fazer de suas bancadas as maiores da Câmara dos Deputados e, por exemplo, da Assembleia Legislativa de São Paulo, para citar pelo simbolismo.
Venceu com larga vantagem o discurso do "nós" x "eles", o radicalismo, o ódio, o preconceito e o revanchismo. Perdemos todos os outros - e, que fique claro se ainda não caiu a ficha nessa ressaca eleitoral, somos minoritários.
Mais de 80 milhões de brasileiros, ou 75% dos votos válidos, optaram nas urnas por Bolsonaro ou por Haddad neste emblemático 7 de outubro. Ao acentuar, aparentemente, as diferenças entre esses dois campos opostos da política, fica subjacente no resultado dessas eleições uma contradição essencial: a irmandade siamesa do lulismo e do bolsonarismo, variantes à esquerda e à direita de um populismo rançoso e do descrédito da maioria do eleitorado na política tradicional.
Em cenário de terra arrasada, vencem os mais adorados e consequentemente os mais rejeitados por um lado e pelo outro. O chamado "centro democrático", ou como queiram denominar as lideranças e os partidos que tentaram se afastar destes dois polos extremados, foram aniquilados neste 1º turno. O eleitor simplesmente não desejava razão, moderação, equilíbrio. Ao contrário, o espírito é de guerra!
A polarização vai se acentuar perigosamente neste 2º turno e no futuro governo, ganhe quem ganhar. A divisão partidária, ideológica e até geográfica, marcadamente do Nordeste como resistência do petismo contra o resto do Brasil "endireitado", vai fazer proliferar atos de preconceito, racismo e intolerância. Imagine-se então o comportamento do futuro Congresso Nacional, amplamente dominado por uma base conservadora (vide o crescimento das bancadas evangélica, da bala e ruralista) e notadamente fisiológica, com raras e honrosas exceções, diante de um governo Haddad ou Bolsonaro.
Certamente o resultado das urnas será questionado pelo lado derrotado. Se não houver autoridade, responsabilidade e competência para acalmar os ânimos e convencer a sociedade da tranquilidade republicana e da normalidade democrática, seja quem for o eleito, o clima de ódio e insatisfação pode crescer nos meses seguintes até a posse do futuro presidente e gerar alguma turbulência institucional.
Os primeiros atos do novo governo também serão importantes para sinalizar que Brasil podemos esperar pelos próximos anos. Diante do nosso histórico recente, é difícil acreditar num quadro pacificado e civilizado na relação entre os poderes. Daí a nossa importância, os derrotados neste 1º turno das eleições, para ajudar a garantir o pleno funcionamento do Estado democrático de direito, fundamentalmente o respeito das liberdades civis e das garantias fundamentais da cidadania.
Não é que exista alguma ameaça concreta e objetiva à nossa ainda jovem estabilidade democrática e constitucional, mas para que nenhum lunático ou mal intencionado ouse pensar algo do tipo, e para afastarmos definitivamente qualquer fantasma autoritário, é que precisa ser formado um bloco oposicionista responsável, suprapartidário e qualificado com lideranças da sociedade reunidas em torno de conceitos e princípios inabaláveis, que tenha força e resistência suficientes para ser um ponto de equilíbrio sustentável e que não vergue com o vento que sopra à direita ou à esquerda.
* Mauricio Huertas, jornalista, é secretário de Comunicação do PPS/SP, diretor executivo da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), líder RAPS (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade), editor do Blog do PPS e apresentador do #ProgramaDiferente
Bernardo Mello Franco: "Nenhum dos candidatos agrada, mas Bolsonaro está excluído", diz FHC
"Nenhum dos dois é do meu agrado, mas o Bolsonaro está excluído. Não tem sentido", afirmou ao blog.
"O Bolsonaro não tem jeito. É uma folha seca que vai com o vento. E a ventania está forte", acrescentou.
FH é avesso ao discurso autoritário do capitão, que já defendeu seu fuzilamento em 1999. Na campanha, ele se irritou com ideias como a convocação de uma Assembleia Constituinte de notáveis e o aumento do número de vagas no Supermo Tribunal Federal.
"Sou completamente contra tudo isso", disse o tucano.
O ex-presidente deixou claro que não seguirá os colegas de PSDB que têm se aproximado de Bolsonaro. O candidato do partido ao governo paulista, João Doria, já declarou apoio ao capitão.
"Eu não acompanho, né? O PSDB teve um candidato que perdeu a eleição. Agora o partido precisa se reunir para conversar. As pessoas começam a falar antes da hora? Eu tenho um defeito: sou institucional", disse.
HADDAD
FH ainda não decidiu se vai ficar neutro ou declarar apoio a Fernando Haddad.
"O PT levou o Brasil ao buraco econômico. O Haddad começou a campanha vestindo a máscara do Lula", criticou.
"Quem ganhou a eleição tem que dizer o que vai fazer com o país. Por que eu vou sair correndo para apoiá-lo? Vou esperar", disse.
O tucano criticou o apoio dos petistas ao governo da Venezuela. Ele ressaltou, no entanto, que não vê risco de o partido seguir a receita de Nicolás Maduro.
"Há exagero em afirmar que o PT vai transformar o Brasil na Venezuela. Não tenho esse catastrofismo", disse.
Até aqui, os petistas não procuraram FH em busca de apoio. "O pessoal do PT é bastante nariz para cima", comentou o ex-presidente.