Bolsonaro

El País: “Vamos varrer do mapa os bandidos vermelhos”, diz Bolsonaro a milhares em euforia

"Nós somos o Brasil de verdade", diz candidato de extrema direita a uma semana do segundo turno. Seus eleitores deram demonstração de força nas ruas em dezenas de cidades

Por Heloísa Medonça e Naiara Halarraga Gortázar, do El País

Vestidos de verde e amarelo, os apoiadores do candidato de extrema direita Jair Bolsonaro (PSL) exibiram neste domingo na Avenida Paulista sua força e euforia a uma semana do segundo turno das eleições em que o candidato aparece com uma enorme vantagem sobre o seu concorrente, Fernando Haddad(PT), segundo as pesquisas eleitorais. O capitão retirado do Exército não compareceu à manifestação paulista que encheu vários quarteirões da avenida, mas discursou por meio de um telão. A um passo do Palácio do Planalto e contra alguns prognósticos de que a corrida do segundo modularia sua retórica, repetiu o discurso mais virulento contra os adversários do PT: "Vamos varrer do mapa os bandidos vermelhos do Brasil", disse. “Essa turma, se quiser ficar aqui, vai ter que se colocar sob a lei de todos nós. Ou vão para fora ou vão para a cadeia”, afirmou. Bolsonaro, que descreveu a si e aos seus seguidores como "o Brasil de verdade", agradeceu outras dezenas de manifestações pelo país.

Há entre seus apoiadores, no entanto, os que manifestam uma fé cega no líder do Partido Social Liberal. "Se Bolsonaro começar a falar em fechar o STF, eu vou confiar nele. Estou dando meu voto de confiança a ele. Se lá na frente o presidente nos decepcionar, voltaremos novamente aqui para a Paulista para protestar", explicava Hilston Oliveira, um artista plástico, que junto com a mulher e três filhos participava do ato a favor do capitão reformado. "Somos evangélicos e Bolsonaro defende exatamente os valores que acreditamos". Participante assídua das manifestação convocadas contra a corrupção, a advogada Ana Maria Straub diz apoiar Bolsonaro por ele ser uma pessoa íntegra "um patriota e sem os istas [racista, fascista, machista…] que é acusado". "Ele é um candidato que defende os valores da família e é contra o aborto", diz a advogada que garante que, em sua família, conhece apenas um primo que não irá votar no capitão reformado do Exército.

Outro grande protagonista ausente da mobilização foi o PT. A ameaça feita por Bolsonaro no telão retroalimentava o ódio visceral que seus votantes exibiam no chão. "Fora PT" e "Eu vim de graça", foram alguns dos gritos mais entoados por um mar de gente com camisetas de Bolsonaro.

O artista plástico Hilston Oliveira e sua família.
O artista plástico Hilston Oliveira e sua família.

Ex-eleitora fiel do PT, a aposentada Angélica, de 54 anos, abandonou o voto ao partido após os escândalos de corrupção envolvendo o PT. "É corrupção demais, me decepcionou. O que vemos hoje é um país cheio de bandidos e tráfico de drogas. Não é que eu apenas leio sobre esses problemas, eu os vejo nas ruas. Não podemos deixar que o país vire uma Venezuela", diz a aposentada que vestia uma camiseta escrita Bolsonaro Presidente com uma foto do candidato do PSL. "Claro que o Bolsonaro não é santo, mas todas as propostas deles são boas, temos chance de mudar o país", ressalta.

O goiano Leonardo Costa, de 26 anos, aproveitou uma viagem de negócios à capital paulista para participar pela primeira vez de uma manifestação. "Vim porque realmente essa vale a pena. Não podemos deixar que um partido corrupto como o PT continue no poder. A mudança é agora ou nunca", disse ao lado do amigo Guilherme que, vestido com a camisa do Brasil, também apoiava a candidatura de Bolsonaro. "Sabemos que ele não é o candidato ideal, é impossível concordar com todas as ideias defendidas por ele, mas é o único que pode vencer o PT".

A advogada Ana Maria Straub (D) e duas amigas em ato na Paulista.
A advogada Ana Maria Straub (D) e duas amigas em ato na Paulista.

A exibição de força chega dias depois da Folha de S. Paulo publicar que um grupo de empresários pagava ilegalmente envios de mensagens por WhatsApp contra o PT. Desde então, os controladores da aplicação suspenderam as contas das empresas mencionadas. O caso está sendo investigado pelas autoridades eleitorais e é improvável que tenha alguma conclusão antes do segundo turno, no próximo domingo 28.

Em São Paulo, tudo nos cenários, nas cores e nos personagens remetiam à campanha de rua pelo impeachment de Dilma Rousseff: bonecos infláveis do ex-presidente Luiz Inacio Lula da Silva, condenado e preso pela Operação Lava Jato, conviviam com cinco carros de som - dos movimentos de direita Avança Brasil, Vem pra Rua, MBL e Nas Ruas - também estavam estacionados em diferentes pontos da avenida. João Doria, candidato tucano ao governo de São Paulo que luta por se colar a Bolsonaro, também apareceu. As deputadas do PSL Janaína Paschoal e Joice Hasselmann foram ovacionadas.

No sábado, a Av. Paulista acolheu outra marcha, muito menos multitudinária, a favor de Haddad. Boa parte dos simpatizantes de Bolsonaro coincidem que a prioridade agora é que o PT não regresse ao poder. Pouco importava aos presentes que o homem com mais probabilidades de ser o próximo presidente do Brasil não estivesse presente. Pelo Twitter, o candidato havia lamentado mais cedo não poder participar das manifestações, e lembrou do atentado a faca que sofreu no início de setembro. O candidato praticamente não pisou na rua desde o episódio em Minas Gerais. Prefere permanecer em seu controlado ambiente das redes sociais a participar dos debates de televisão.


Vinicius Torres Freire: Bolsonaro vai mexer com salários de servidores e militares?

Não deveria ser problema para quem quer caçar marajás, mas é difícil para quem se diz adepto de direito adquirido

Jair Bolsonaro prometeu acabar com a "farra de marajás", funcionários públicos que juntam penduricalhos a seus salários altos. Prometeu também reforma da Previdência aguada: "Não podemos penalizar quem já tem direitos adquiridos. O servidor público já sofreu duas reformas".

O candidato parece perdido entre dois mundos. Ainda vive na Terra do Nunca programático, que fica entre o país liberal de seu economista-chefe, Paulo Guedes, e a ilha das corporações estatais, entre elas a militar, da qual fez parte.

No entanto, a arrumação das contas públicas depende de um plano que tem de bulir com servidores públicos e aposentados em geral.

Gastos previdenciários levam 47,7% da despesa total do governo federal; outros 22% vão para gastos com servidores (salários, aposentadorias e benefícios). Somados, dão quase 70%.

O gasto com militares leva um quarto da despesa federal com o funcionalismo. De cada R$ 3 gastos com a folha de pessoal dos militares, R$ 2 vão para aposentadorias e pensões, que custam cerca de R$ 47,5 bilhões por ano.

Aposentados e pensionistas militares custam o equivalente a um ano e meio de Bolsa Família, por exemplo. Outra comparação: os investimentos federais (em obras, como estradas, ou outros) levam apenas 0,8% da despesa total, uma miséria. O gasto com a folha dos militares leva 5,5%.

Por falar em investimento, o orçamento do Ministério da Defesa nessa área perde apenas para o do Ministério dos Transportes. Nos últimos 12 meses, os investimentos da Defesa chegaram a R$ 10,4 bilhões, um quinto do total de investimentos federais. No Ministério da Saúde, investem-se R$ 5,2 bilhões.

Em si mesma, a lista dos investimentos da Defesa parece razoável. Pela ordem, gasta-se em aviões de combate (a compra e o desenvolvimento do caça sueco da FAB e do cargueiro novo da Embraer), em blindados, construção de submarinos, estaleiro naval, barcos, helicópteros, foguetes de artilharia.

Há também gastos quase "civis", como no sistema de controle do espaço aéreo ou no de vigilância de fronteiras, em um projeto de reator nuclear ou na reconstrução da estação de pesquisa na Antártica, aquela que pegou fogo em 2012.

É muito? No caso dos salários, nem tanto.

O rendimento médio dos servidores civis da ativa é cerca de 70% superior ao dos militares. Mas o salário médio do setor público federal é cerca de 30% superior ao dos empregados do setor privado formal com as mesmas características pessoais (idade, instrução, sexo etc.).

Essa conta está em relatório de pesquisa de Izabela Karpowicz e Mauricio Soto, técnicos do FMI, publicado neste mês: "Rightsizing Brazil's Public-Sector Wage Bill" ("O Ajuste da Folha Salarial do Setor Público do Brasil").

De volta à folha dos servidores federais: seu custo equivale a 4,3% do PIB (dos quais 1,9% do PIB vão para aposentadorias e pensões). O pessoal do FMI acha que, para o ajuste das contas públicas dar certo até 2023, seria preciso reduzir tal despesa para 3,3% do PIB.

Um exemplo aritmético de como atingir esse objetivo: seria necessário conter reajustes salariais (mesmo pela inflação) e contratações por quatro anos, com o PIB crescendo a 3% ao ano. Não é uma receita, mas mostra o tamanho da encrenca.

Não deveria ser grande problema para quem quer caçar marajás, como Bolsonaro, mas é difícil para quem se diz adepto de direitos adquiridos —também como Bolsonaro.


Merval Pereira: O aburguesamento do brasileiro

Bolsonaro é identificado como aquele que mais ajuda os ricos, primeira vez que um candidato lidera a disputa com essa definição

O Brasil que está saindo das urnas merecerá no futuro próximo análises mais aprofundadas de sociólogos, antropólogos, cientistas políticos, mas os desdobramentos das pesquisas de intenção de votos já permitem fazer um retrato da sociedade brasileira que Bolsonaro, por instinto próprio ou orientação de alguém ainda não identificado, compreendeu melhor do que o PT e outros partidos.

Um momento exemplar dessa falta de compreensão é aquele em que a filósofa Marilena Chaui grita que detesta " a classe média", provocando risos do então presidente Lula.

O que o diretor do Datafolha Mauro Paulino chama de “aburguesamento de valores” da classe média brasileira já estava identificado em pesquisa do Instituto Perseu Abramo, ligado ao PT, logo após as eleições municipais de 2016, quando o partido perdeu largamente.

O Instituto avisava que o “imaginário social dos moradores da periferia de São Paulo”, já àquela época, revelava uma intensa presença dos valores liberais do “faça você mesmo”, do individualismo, da competitividade e da eficiência.

Uma população que não crê em partidos; almeja crescer individualmente; busca transformações, mas é pouco afeita a rupturas; anseia por novas ideias, mas é também pragmática.

As pesquisas de hoje confirmam que a sociedade exalta o “autoritarismo” de Bolsonaro, provavelmente confundindo com “autoridade”, para trazer ordem aos serviços públicos, proteção à família, (instituição mais valorizada pelos brasileiros segundo o Datafolha), e meritocracia no trabalho. “Tudo sob a proteção divina”.

Uma novidade relevante é que Bolsonaro é identificado como aquele que mais ajuda os ricos, primeira vez que um candidato à Presidência da República lidera a disputa com essa definição, que era depreciativa, e hoje parece ser uma qualidade almejada pela maioria, com sonhos de ascensão social.

Outro que anteviu esse processo foi o ex-ministro Mangabeira Unger, professor de Harvard, que achava “decisivo” para qualquer orientação transformadora do Brasil o surgimento de uma nova classe média, e uma nova cultura de emergentes, “esse pessoal que estuda à noite, luta para abrir um negócio, ser profissional independente, que está construindo uma nova cultura de autoajuda e de iniciativa, e está no comando do imaginário nacional”.

Ele percebeu o movimento “como um elemento entre muitos dessa nova base social. São dezenas de milhões de brasileiros organizados”. Mangabeira desenvolveu a tese de que evangélicos brasileiros têm semelhança com pioneiros que fundaram os EUA e tinham o espírito empreendedor que faria a diferença para o desenvolvimento do Brasil.

Com base nisso, participou da criação de um novo partido, em outubro de 2005, o Partido Municipalista Renovador (PMR), cognominado pelo então prefeito Cesar Maia como “o gospel do crioulo doido”, hoje Partido Republicano Brasileiro (PRB), criado pelos evangélicos da Igreja Universal para substituir a marca PL, manchada pelo escândalo do mensalão que estourara naquele ano.

O projeto era o controle político da chamada “nova classe média”. A preocupação do PT com a ascendência da Universal nesse universo eleitoral foi explicitada pelo ministro Gilberto Carvalho, então secretário-geral da Presidência, que alertou que as esquerdas deveriam disputar ideologicamente a massa dos emergentes. Gilberto Carvalho chegou a falar na criação de um sistema de comunicação de massas para transmitir a esses novos consumidores as ideias do governo.

Os evangélicos reagiram com vigor, e o projeto político se manteve afastado do PT. A sigla manteve-se nas eleições gerais de agora entre os maiores, à frente do PSDB e do DEM, por exemplo: elegeu 30 deputados federais, 42 deputados estaduais e um senador, além de um vice-governador, Carlos Brandão, no Maranhão.

Um exemplo de como os políticos tradicionais não entenderam essa transformação está num vídeo em que o então governador Sérgio Cabral visitava no Rio, com o presidente Lula, um condomínio popular do subúrbio. Um rapaz aproximou-se e reclamou que não tinha quadra de tênis na área de lazer. Cabral passou-lhe uma descompustura: " Deixa de bobagem. Tênis é jogo de burguês".

A popularidade de Lula hoje, mais do que nunca, se ancora nos grotões do interior, onde uma horda de desvalidos é cuidadosamente manipulada por seus programas assistencialistas. São os excluídos, presentes em maior parte no Nordeste, única região em que o petista ganha de Bolsonaro com 60% dos votos válidos.


Vera Magalhães: Bolsonaro e a democracia

Está na hora de o candidato firmar compromissos claros com as instituições

Uma das maiores discussões sobre o que será um governo de Jair Bolsonaro é se ele colocará ou não em xeque a democracia. Ou, num grau mais extremo, se existe risco de volta à ditadura.

Considero a segunda formulação um evidente exagero, que tem sido proclamado em tom alarmista por eleitores do PT, políticos e até alguns analistas. Mas não estou entre aqueles que, no polo contrário, não veem nenhuma nuvem no horizonte democrático do País. Acho que o céu está carregado delas, e que, para que comecem a se dissipar, há algumas iniciativas que cabem ao candidato, para que comece a mostrar quem será o presidente Bolsonaro, caso se confirme sua eleição daqui a uma semana.

Não foram poucas nem triviais as maneiras pelas quais, ao longo de sua carreira, Bolsonaro relativizou a democracia, defendeu a ditadura (inclusive a tortura) e lançou petardos verbais contra diversas instituições, a ponto de questionar sua independência ou até sua legitimidade – STF, Procuradoria Geral da República, imprensa, Justiça Eleitoral e o próprio Congresso foram alguns alvos dessa retórica perigosa.

Já como candidato, o deputado lançou propostas que indicam que, uma vez eleito, pode investir contra algumas dessas instituições, inclusive os outros Poderes. Em julho, defendeu a mudança no critério de indicação de ministros do Supremo, ampliando o número de cadeiras de 11 para 21 e indicando, no curso do seu mandato, os dez novos integrantes da Corte.

Justificou que seria uma forma de “colocar isentos lá dentro”, quando tal proposta indica o desejo de controlar, isso sim, o Judiciário.

Seria uma salutar indicação de que está disposto a ser um “escravo” da Constituição – como prometeu quando desautorizou a esdrúxula ideia de seu vice, general Hamilton Mourão, de fazer uma Constituinte de notáveis – se Bolsonaro revisse essa ideia, também ela com viés autoritário.

Na última semana, o candidato indicou que não deve reconduzir Raquel Dodge à PGR, caso seja eleito. Também disse que não necessariamente seguirá a lista tríplice dos procuradores. Ok, é uma prerrogativa do presidente indicar o chefe do Ministério Público Federal. Mas fazê-lo a partir da lista é uma demonstração de apreço à independência da Procuradoria. Os três nomes que integram o rol passam por uma eleição interna. Portanto, são aqueles que mais representam o anseio de uma instituição cuja importância hoje no Brasil é enorme.

Em relação ao Congresso, foi importante a declaração de Bolsonaro segundo a qual, se eleito, não procurará interferir na eleição dos presidentes da Câmara e do Senado, nem fará pressão para que o comando da primeira fique com seu partido.

Por fim, se chega à relação com a imprensa. É louvável que ele tenha firmado por escrito no programa de governo o compromisso com a liberdade de imprensa – ao contrário de seu adversário, Fernando Haddad, cuja proposta fala textualmente em controle social da mídia.

Mas a relação do bolsonarismo com a imprensa tem sido eivada de ataques, de forma a sempre relativizar sua importância e minar sua credibilidade. Óbvio que veículos e jornalistas estão sujeitos a críticas e são passíveis de erros. Mas o que se faz é de natureza diferente: trata-se de uma sistemática campanha de achincalhe e a tentativa de substituir a imprensa por canais diretos de comunicação – não sujeitos a contraditório, checagem e crítica.

Um compromisso firme e sem tergiversação com o respeito a essas instituições e aos direitos civis – inclusive das minorias, sempre tratadas de forma pejorativa por Bolsonaro, que disse que elas teriam de se “curvar” às maiorias – é algo que se espera de alguém que, como o candidato disse, está com uma “mão na faixa”.


Eliane Cantanhêde: Caça às bruxas

Com Bolsonaro, guinada na política externa e dança de cadeiras no Itamaraty

A polarização política chegou ao Itamaraty, com acusações mútuas de caça às bruxas e perspectiva de grandes mudanças a partir de janeiro de 2019, se o presidente for Jair Bolsonaro, como indicam as pesquisas. Nesse caso, haverá uma guinada na política externa e uma forte dança de cadeiras.

A campanha de Bolsonaro acusa diplomatas de estarem por trás da avalanche de reportagens negativas ao candidato nas principais publicações da Europa, Estados Unidos e América Latina. E ressalta: elas não apenas classificam Bolsonaro como “racista”, “homofóbico” e “ameaça à democracia”, como poupam ou até enaltecem o PT.

Na fila, The Economist, um bastião do liberalismo econômico internacional, Financial Times, Liberation, The New York Times e Le Figaro, além de importantes jornais da América Latina, no que o comando bolsonarista classifica de campanha externa contra o candidato e que atinge também organismos internacionais.

Ao acusarem diplomatas brasileiros de municiarem jornais e jornalistas estrangeiros, aliados do candidato do PSL apontam os que seriam “líderes da campanha”: os embaixadores aposentados Celso Amorim e José Viegas, que foram ministros da Defesa nos governos do PT e recebidos com desconfiança principalmente pelo Exército.

Amorim foi chanceler nos oito anos de Lula e participou ativamente da campanha dele à Presidência. Ao liderar a política externa “ativa e proativa”, ou Sul-Sul, Amorim direcionou o foco para países emergentes e alternativos e foi assim que a China desbancou os EUA como principal parceiro comercial brasileiro e Amorim forjou toda uma geração de diplomatas. Bolsonaristas dizem que são “todos petistas” e estão em cargos-chave que, aliás, citam de cor.

Paulo de Oliveira Campos, o POC, chefe do Cerimonial da Presidência de Lula, é embaixador em Paris; Mauro Vieira, ex-chanceler, na ONU, em Nova York; Antonio Patriota, também ex-chanceler de Dilma, em Roma; Antonio Simões, em Montevidéu, sede do Mercosul. Eles são a elite do Itamaraty. Patriota, por exemplo, é primeiro de turma.

Apesar de listar os “inimigos” sem cerimônia, a equipe de Bolsonaro acusa “os petistas do Itamaraty” de estarem fazendo listas de colegas que tenham manifestado apoio ou simpatia pelo capitão. Grosso modo, assim como há uma guerra de guerrilhas das duas campanhas na internet, ela poderia estar ocorrendo também na Casa de Rio Branco.

A campanha de Bolsonaro também diz que o “aparelhamento” do PT na administração pública, estatais, bancos públicos e agências reguladoras se estendeu a órgãos internacionais e cita a ex-ministra de Dilma Ideli Salvatti, que ganhou uma função na Organização dos Estados Americanos (OEA), em Washington.

É desses órgãos, segundo bolsonaristas, que saem as notícias negativas não apenas contra Bolsonaro, “mas contra o Brasil”, desde atribuir o impeachment de Dilma a um “golpe” até a manifestação de dois integrantes de um comitê da ONU “determinando” que Lula tinha de concorrer às eleições, mesmo preso em Curitiba.

A intenção de Bolsonaro, caso vença as eleições, é trazer de volta esses técnicos, fazer uma dança de cadeiras nas embaixadas e principais consulados, cancelar postos abertos por Amorim em pequenos países – que considera ser de alto custo e baixo retorno para o Brasil – e, principalmente, mudar a política externa.

Principais objetivos: “recuperar o pragmatismo, a liderança natural do Brasil na América do Sul e os parceiros tradicionais, como os EUA”. O primeiro alvo é a Venezuela. Com Bolsonaro na Presidência, será o fim da aliança com Nicolás Maduro, como na era PT, e da “leniência” com o regime dele, no governo Temer. Falta descobrir os “bolsonaristas do Itamaraty”. Até agora, estão por baixo dos panos.


Maurício Huertas: Democracia e Sustentabilidade por um Brasil melhor

Que a derrota de um "centro democrático" fragilizado e fragmentado traga algum ensinamento neste difícil 2018. Ver PPS, PV e Rede Sustentabilidade, além de outras lideranças deste campo da boa política, dialogando para formar um bloco de oposição responsável ou até mesmo a formatação de um novo partido-movimento é um misto de alívio e esperança nesses dias de ressaca eleitoral. Que avancem, pelo bem do Brasil que saiu das urnas nesse 7 de outubro e vai se configurar ainda mais polarizado, revanchista e radicalizado no desfecho deste 2º turno no próximo domingo, 28.

Dos dois lados, tanto na candidatura de Jair Bolsonaro quanto de Fernando Haddad, temos o desapreço pela democracia, pela ética, pelo bom senso, pela agenda sustentável e até mesmo pelo repeito às leis e à verdade dos fatos. Não é à toa que as chamadas "fake news" dominam essa campanha, com milícias virtuais à direita e à esquerda treinadas e remuneradas para destruir sem piedade o inimigo político. Mas, infelizmente, dias piores virão. Nas redes e nas ruas.

Como antídoto ao retrocesso que se anuncia e à idiotização do eleitor é que fazemos esse apelo à defesa intransigente dos princípios republicanos. Sem dúvida, a aproximação entre lideranças, partidos e movimentos deste campo democrático e sustentável aponta para um caminho racional e necessário para enfrentarmos os próximos quatro anos de riscos e ameaças às nossas instituições.

O Brasil de 2019 dará um salto no escuro. Ninguém sabe o que vai acontecer, mas é evidente que o futuro governo, com uma base congressual fisiológica e reacionária, pode trazer consequências catastróficas para a cidadania, o meio ambiente, a qualidade de vida, os direitos humanos e a economia do país. Daí a oportunidade para um passo adiante, esse encontro histórico entre democratas e sustentabilistas, união que a cartilha da velha política talvez ainda definisse como "esquerda democrática".

Democracia e Sustentabilidade não podem ser apenas rótulos subjetivos teorizados e debatidos em rodas de intelectuais, mas premissas básicas e essenciais para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa, igualitária, fraterna, conectada e radicalmente democrática. Que, na prática, possamos ajudar a descontaminar o brasileiro desse radicalismo intransigente e intolerante de petistas e anti-petistas, bolsonaristas e anti-bolsonaristas. Precisamos urgentemente atualizar o sistema. O primeiro passo está dado, com a aproximação entre Rede, PPS, PV e os movimentos pela renovação da política. Que venha uma longa, firme e saudável caminhada.

 


Luiz Carlos Azedo: Como melar uma eleição

“O PT subiu o tom dos ataques a Bolsonaro, que enfrenta o pedido de cassação de sua candidatura feito pela campanha de Haddad, por suposto abuso de poder econômico nas redes sociais”

O pedido de impugnação da candidatura de Jair Bolsonaro (PSL) por abuso de poder econômico e uso de caixa dois no primeiro turno, tendo por base o seu suposto envolvimento com empresas privadas que financiaram o impulsionamento de fake news contra o candidato do PT, Fernando Haddad, tem o objetivo de melar a eleição. Bolsonaro tem 18 pontos de vantagem em relação ao petista e somente um fato novo, como o que está sendo criado pelo PT, poderia produzir condições para reversão dessa dianteira.

O PT fez uma jogada muito comum no movimento sindical, onde as eleições costumam ser “judicializadas” quando uma chapa se vê em grande desvantagem às vésperas do pleito. Aproveitou-se de uma denúncia do jornal Folha de S. Paulo para deslegitimar os 49,2 milhões de votos obtidos por Bolsonaro no primeiro turno, com argumento de que houve fraude na utilização do WhatsApp como ferramenta de campanha. Com isso, submeteu o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a uma tremenda saia justa, pois cabia à Justiça fiscalizar o pleito e detectar as supostas irregularidades, o que não aconteceu.

O ministro Jorge Mussi, corregedor do TSE, não teve outra alternativa a não ser dar prosseguimento à ação apresentada pela campanha do petista, mas rejeitou todos os pedidos de investigação e quebra de sigilo feitos pelo PT. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que também é a procuradora eleitoral, foi igualmente instada a tomar providências, no caso, solicitou uma investigação da Polícia Federal.

O pleito principal do PT é a cassação dos direitos políticos de Bolsonaro por oito anos e a anulação dos seus votos, o que traria para a disputa de segundo turno o terceiro colocado, Ciro Gomes (PDT), que obteve 13,3 milhões de votos. O pedetista entraria na disputa uma semana antes da votação, prazo exíguo para tirar a diferença 18 milhões de votos que o separa de Haddad, que foi votado por 31,3 milhões de pessoas. Esses números são relevantes porque revelam as intenções dos respectivos eleitores, que não podem ser desconsideradas pela Justiça Eleitoral.

Se a denúncia tivesse sido feita antes do primeiro turno, quando os fatos supostamente ocorreram, seria mais factível a impugnação da candidatura ou a anulação do pleito. Depois da contagem dos votos, é muito difícil reverter uma situação como a descrita na denúncia. Nenhum eleitor admitirá que votou manipulado num pleito em que ninguém sofreu coerção nas seções eleitorais e o voto foi secreto.

O melhor exemplo é o julgamento da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer, acusada de abuso de poder por Aécio Neves (PSDB), o tucano derrotado pela ex-presidente nas eleições de 2014. Mesmo com “abundância de provas”, segundo o relator, a maioria do TSE, então presidido pelo ministro Gilmar Mendes, rejeitou o relatório que pedia a cassação da chapa. Como Dilma já havia sido afastada do poder pelo impeachment; nesse caso, quem poderia ser cassado era o presidente Michel Temer.

Liminares
Não foi à toa, portanto, que o ministro Jorge Mussi rejeitou o pedido de liminares antes de se ouvir a outra parte, anunciando que agirá com cautela para não influenciar os rumos da eleição. Baseado em reportagens jornalísticas, segundo o ministro, os fatos apontados não permitem neste momento demonstrar a veracidade das suspeitas. Em tese, os impulsionamentos pagos por empresas podem ser considerados doações ilegais. Mussi pretende examinar a questão em “momento próprio” e deu um prazo de cinco dias para que Bolsonaro preste esclarecimentos.

Com a denúncia, o PT ganhou novo ânimo e subiu ainda mais o tom dos ataques a Bolsonaro, elevando a temperatura. A rigor, a denúncia passou a ser um novo divisor de águas da campanha, que possibilita a “vitimização” de Haddad e a retomada da narrativa de que o país está em risco de assistir à derrocada da democracia e a ascensão, pelo voto, do fascismo. Nas redes sociais, essa ofensiva é fundamental para neutralizar Bolsonaro: primeiro, porque inibe sua campanha nas redes; segundo, por dar mais moral à militância petista.

O problema dessa estratégia é que ela exacerba os setores mais radicalizados da campanha de Bolsonaro, que revidam os ataques do PT com igual ou maior truculência. Esse clima de radicalização não é nada bom para a democracia, porque abre espaço para a contestação futura da legitimidade do presidente que vier a ser eleito. É obvio que essa avaliação parte do pressuposto de que a denúncia morrerá na praia; se isso não ocorrer, e Bolsonaro for cassado, o que é muito improvável, o país corre risco de convulsão, porque os eleitores de Bolsonaro não são fake e se indignarão.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-como-melar-uma-eleicao/


El País: Vida e ascensão do capitão Bolsonaro

Saído de Eldorado, interior paulista, aos 18 anos, o deputado que está a um passo de ser presidente foi um lobo solitário que navegou na insatisfação exposta pelas jornadas de 2013, e foi se ajustando para sua corrida ao Planalto

Ambicioso, ultradireitista, misógino e nostálgico da ditadura. O capitão retirado do Exército Jair Bolsonaro é o candidato com mais probabilidade de se tornar o futuro presidente do Brasil após o segundo turno eleitoral, no dia 28 de outubro. Uma equipe do EL PAÍS investigou a trajetória do aspirante: onde se criou, como entrou no Exército e no mundo da política, como começou do nada e foi, pouco a pouco, tecendo apoios dos principais setores.

A INFÂNCIA

Dona Narcisa, de 63 anos, aponta a escola de paredes azuis. “Foi aí”, conta. “Estávamos todos os alunos aí quando de repente: pum, pum, pum.” Era 8 de maio de 1970. Carlos Lamarca, um guerrilheiro que lutava contra a ditadura brasileira (1964-1985), refugiou-se nesta cidade de 15.000 habitantes, 180 quilômetros ao sul de São Paulo. Houve um tiroteio. Um policial morto. Estradas fechadas pela polícia, revistas generalizadas. Ao final, o guerrilheiro conseguiu fugir e levou sua luta para outro lugar. Mas aquela sexta-feira ficou na memória dos habitantes da cidade como um dos mais emocionantes na história de Eldorado Paulista. Impressionou a todos seus habitantes, sobretudo as crianças. Mais do que a ninguém, a um adolescente teimoso, ambicioso e desengonçado chamado Jair Bolsonaro.

Até esse dia, Bolsonaro, que tinha então 15 anos, destacava-se na cidadezinha por ser turrão e astuto. Também por sua facilidade para se enturmar com os outros meninos. Mas depois da visita do guerrilheiro, descobriu a capacidade do Exército para organizar a sociedade civil. Começou a ter algo claro na vida. “Dizia para a gente, para todo mundo, o tempo todo”, conta Narcisa. “Ia sair de Eldorado porque ia se alistar no Exército.”

Os Bolsonaro tinham chegado a Eldorado liderados pelo patriarca, Percy Geraldo Bolsonaro, depois de perambular durante anos por várias cidadezinhas do sertão paulista. O pai era dentista prático. Assim sustentava sua família de seis filhos, e chegou a ser célebre na cidade. Agora, o filho daquele dentista sem diploma está prestes a se tornar presidente do Brasil. Todas as pesquisas o mostram como favorito no segundo turno da eleição, no domingo que vem.

Para cumprir sua obsessão e entrar no Exército, o jovem Bolsonaro necessitava de duas coisas que não possuía na época: dinheiro e estudos. Para o primeiro, contava com um sócio: seu melhor amigo, Gilmar Alves. “Compramos uma vara e fomos pescar para vender: todo dia a gente ia para o rio, com frio ou calor”, recorda Alves, hoje com o cabelo completamente grisalho, sentado num bar de Registro, cidade próxima a Eldorado, onde vive.

Bolsonaro com companheiros do Exército; em uma competição esportiva; e pescando.
Bolsonaro com companheiros do Exército; em uma competição esportiva; e pescando.

“E enquanto isso, estudávamos. Precisávamos nos esforçar muito porque naquela época Eldorado não tinha bons professores: o de História dava aulas de Química, sem saber muito”, afirma. “Mas o Jair é uma das pessoas mais obstinadas que conheci. Estudava 24 horas por dia. Todo mundo ia aos bailes dos clubes e nós ficávamos estudando. Ele me dizia para que eu fosse para o Exército com ele, porque os presidentes eram todos militares e ele iria ser presidente”.

O plano deu certo. Gilmar chegou a estudar Agronomia em Curitiba, e Jair entrou no Exército. Durante anos, os dois amigos mantiveram o contato. “Ele me ligava de vez em quando para pedir minha opinião”, lembra. “Escuta Gilmar, o que achamos da prostituição?’ ‘Olha Jair, é a profissão mais antiga do mundo e é preciso apoiar as trabalhadoras. É preciso repudiar os que exploram a mulher’. ‘Tá, tá. Mas é que eu estou me aproximando dos evangélicos e isso não fica bem”.

A amizade acabou se rompendo. Em abril de 2015, cada vez mais convencido de que poderia se tornar presidente, durante uma entrevista televisionada, Bolsonaro falou de seu amigo de infância, de seu companheiro de pesca. Após décadas falando bobagens homofóbicas e racistas, talvez para contrastar, dessa vez disse algo diferente: “Eu tenho um amigo gay, Gilmar, que vive em Registro”. Gilmar ficou atônito ao escutá-lo. “Eu não sou gay”, diz. A suposta revelação teve como consequência uma campanha de assédio: por WhatsApp, nos bares, na rua. “Não importa onde, alguém se aproximava e me dizia com um sorriso: ‘Como você escondeu bem isso, frutinha’, e: ‘Bom, onde tem fumaça, tem fogo”. “Eu telefonei para ele para que me desse explicações”, lembra Alves. “E ele me respondeu: ‘Mas eu não te chamei de gay”. Gilmar sabe muito bem como definir seu antigo amigo: “É um desequilibrado, que não pensa antes de falar. Primeiro faz e depois conserta, se puder. É assim que quer chegar à presidência, mas não de um sindicato e sim de um país. Revelou um caráter que eu não conhecia. O de um mentiroso”.

A aparência de Eldorado mudou desde os anos setenta. Onde existiam casas de barro e madeira, agora se erguem casas de concreto e tijolo. Surgiram parabólicas sobre os telhados. Mas continua sendo um pequeno pedaço de urbe no meio da mata. A rotina é a mesma: trabalhar, o bar, a casa. E os problemas também: um deles, como no restante do Brasil, é a desigualdade. O dono do maior restaurante do local é partidário de Bolsonaro; as duas funcionárias de sua cozinha (negras), não.

“Se esse homem vencer, os primeiros a sentir seremos nós”, diz Ditão, um homem gigante, negro, de óculos de metal. Está na plantação de bananas que é seu ganha-pão. “Nós pobres somos os mais expostos à opressão militar. Eu tinha nove anos quando a ditadura começou em 1964; um dia a polícia prendeu meu pai sem nenhum motivo. Nenhum. Sabe por que ele não foi liberado? Porque não era o dono da terra em que trabalhava. O branco”.

O MILITAR

Bolsonaro saiu de Eldorado para entrar na escola de cadetes da cidade de Resende, no Estado do Rio de Janeiro, nos anos 70. O país vivia à época a etapa mais sangrenta da ditadura. Centenas de jovens de esquerda que se opunham aos militares foram torturados, assassinados. E enterrados em valas comuns. Muitos familiares ainda não encontraram seus restos apesar de procurá-los durante anos. Foram várias as campanhas de busca. Em seu gabinete de deputado do Congresso, em 2009, Bolsonaro tinha um cartaz em que se referia depreciativamente a uma dessas campanhas: “Quem procura osso é cachorro”.

Em seus tempos de tenente novato, Bolsonaro já revelava sua personalidade. Documentos publicados pelo jornal Folha de S. Paulo no ano passado mostram que, nos anos 80, os oficiais consideravam que o jovem Bolsonaro tinha “excessiva ambição financeira e econômica”. O que o levou, entre outras coisas, a procurar ouro ilegalmente com outros militares sob seu comando.

Jair Bolsonaro com sua primeira esposa, Rogéria Braga, no dia do casamento. ampliar foto
Jair Bolsonaro com sua primeira esposa, Rogéria Braga, no dia do casamento.

Foi, entretanto, outro episódio que o tornou conhecido. Em 1986, com 31 anos, escreveu um artigo na revista VEJA em que se queixava dos baixos salários dos militares, o que, segundo ele, incentivava muitos cadetes a deixar a Academia. Foi detido pelo texto, preso durante 15 dias e sofreu um processo militar por indisciplina. Também recebeu 150 telegramas de solidariedade de todo o país e o apoio de oficiais e suas esposas.

Entusiasmado com esse apoio, elaborou um plano revelador de seu temperamento. Ainda de acordo com a VEJA, um grupo de oficiais do Exército sob seu comando planejou, em 1987, a operação “Beco Sem Saída”, que consistia em explodir bombas de baixa potência em quartéis e academias militares para protestar pelos baixos salários. O assunto foi resolvido discretamente. O Tribunal Militar absolveu Bolsonaro em 1988 de todas as acusações de indisciplina e deslealdade. Mas o à época capitão precisou deixar o Exército. E começou a mirar na política. Ele nega o episódio.

O PARLAMENTAR

Aproveitando a fama adquirida por defender as causas dos militares, conseguiu um mandato de vereador pela cidade do Rio de Janeiro nas eleições municipais de 1988. “Tinha o respaldo das patentes mais baixas, mas os generais em sua maioria eram contrários a ele. Hoje dá a impressão de que sempre teve o respaldo de todos. Mas muitos militares de patente alta o chamavam de oportunista. Quando iniciou sua carreira política muitos quartéis proibiam sua entrada”, diz um coronel sob a condição de anonimato.

Dois anos depois conseguiria ser eleito pela primeira vez para um cargo nacional, como deputado pelo Rio de Janeiro, para o Congresso. Lá permaneceu durante outros seis mandatos. “Sempre foi um político individualista que consegue sua cota de popularidade graças ao seu caráter peculiar”, diz o cientista político Eurico Figueiredo, diretor do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (UFF). Muitos de seus discursos e algumas de suas entrevistas ficaram famosos. Nos anos 90 foi contrário às privatizações feitas pelo Governo de Fernando Henrique Cardoso e declarou que o à época presidente deveria ter sido fuzilado pela ditadura. Repetia que o regime havia errado ao não matar mais de 30.000 pessoas e que somente uma guerra civil, e não o voto, mudaria algo no país. Também apoiou grupos policiais violentos, defende a pena de morte, é partidário da redução da maioridade penal e da legalização do porte de arma. Afirma que está disposto a abarrotar ainda mais as prisões brasileiras.

Mas, em Brasília, onde exerce o cargo de deputado há 28 anos, nunca se destacou. Nunca esteve entre os cem principais parlamentares brasileiros avaliados por instituições independentes. De fato, em todos os seus anos de deputado conseguiu aprovar somente duas propostas: uma para aplicar o imposto sobre produtos industrializados também aos produtos de tecnologia e outra em que autorizava a utilização de um comprimido para curar o câncer. Do que Bolsonaro realmente gostava não era da obscura vida de um parlamentar e sim da de um político especialista na criação de polêmicas.

Imagem de vídeo feita após Bolsonaro levar uma facada no dia 6 de setembro em Juiz de Fora.
Imagem de vídeo feita após Bolsonaro levar uma facada no dia 6 de setembro em Juiz de Fora.

Seus colegas raramente o escutavam. Ele mesmo dizia que não tinha prestígio. Quando disputou a presidência da Câmara, em 2017, contra o atual presidente, Rodrigo Maia, do Democratas (DEM), só obteve quatro votos dos mais de 500 possíveis. “Eu não sou ninguém aqui. Nunca tive a honra sequer de ser o vice-líder de meu partido. Não tive porque não vou me alinhar às orientações partidárias”, afirmou em um discurso no plenário da Câmara, em 2011.

LOBO SOLITÁRIO

Era um lobo solitário que passou por sete partidos diferentes – entre os mais de 30 que agora dividem a Câmara no Brasil – e, eleição após eleição, se preocupava quase exclusivamente em defender os interesses dos seus. Dos 190 projetos de lei apresentados por Bolsonaro, 32% eram relacionados aos militares, 25% à segurança pública e somente três a assuntos econômicos, dois à saúde e um à educação. Costuma dizer que, em todos esses anos, foi mais importante evitar que certas medidas fossem votadas do que conseguir ganhar suas batalhas. Aí mistura o verdadeiro e o falso. Entre esse último, cita o “kit gay”, termo pejorativo que usa para um material que considera uma tentativa para estimular a homossexualidade, mas que, na realidade, era um projeto parlamentar desenvolvido por ONGs sob a tutela do Ministério da Educação. A pasta à época era comandada por Fernando Haddad, seu atual rival no segundo turno, e visava lutar contra a homofobia nas escolas: acabaria rejeitado pela pressão das igrejas evangélicas. “Se um menino tem um desvio de conduta quando ainda é jovem, é preciso colocá-lo de volta ao caminho certo, mesmo que seja com uma surra”, disse em 2010.

Passou por louco, por histriônico, um militar que se tornava uma piada em plena democracia. A virulência de seus discursos antigos, entretanto, é a mesma de agora. Não mudou. Propôs em plena campanha o fuzilamento dos militantes do Partido dos Trabalhadores (PT). Anos antes insultou uma deputada do PT dizendo que ela não merecia ser estuprada. Chegou a afirmar que é partidário da implantação de um sistema de controle de natalidade à população pobre. “Não podemos conviver com essa taxa de natalidade. É algo que, logicamente, beneficia os governos corruptos e populistas: existem mais pessoas que ajudam a se perpetuar”.

Sua participação em comissões parlamentares foi quase nula. Mas sua presença no plenário está acima da média. Nas últimas quatro legislaturas, esteve em pelo menos 90% das sessões. Quase não falta, de acordo com os registros oficiais da Câmara. Seu gabinete é uma ode aos militares. Há imagens dos ditadores do período de 1964 a 1985 e, nos últimos anos, se transformou em uma espécie de atração turística em Brasília. Não é raro encontrar admiradores fazendo fila somente para tirar uma selfie com o parlamentar – preferivelmente fazendo o gesto de atirar com as mãos – e com seu nome escrito na porta.

Tenta passar a imagem de um outsider, alguém que não possui padrinhos políticos e não tem protegidos enquanto constroi sua própria dinastia política. Três de seus cinco filhos foram eleitos para cargos legislativos: Flávio Bolsonaro é deputado estadual e senador pelo Rio de Janeiro com votação maciça. Eduardo Bolsonaro foi reeleito deputado federal por São Paulo. E Carlos é vereador pelo Rio de Janeiro.

Nas eleições de 2010 e 2014, Bolsonaro já chegou a pensar em concorrer ao Planalto, com um discurso anticorrupção e principalmente anti-PT, o que se mostraria um motor ímpar. Nunca esteve (como não está agora) entre os políticos envolvidos nos grandes escândalos de corrupção que assolaram o Brasil nos últimos anos, ainda que não escape ileso de faltas disseminadas, como explicar a incongruência de seu patrimônio e dos filhos, o uso de auxílio moradia destinado aos parlamentares mesmo tendo imóvel, por exemplo. Quando dizem que é homofóbico, misógino, machista e fascista, responde de maneira brusca: “Me chame de corrupto!”.

Mas à época não encontrou nenhum partido que o recebesse. Ele se contentou em concorrer mais uma vez para uma cadeira na Câmara dos Deputados. No dia seguinte à sua eleição, em 2014, analisou a composição do Congresso Nacional e notou que o conservadorismo havia avançado. Os representantes da bancada BBB (bala, boi e bíblia, ou seja, os que pedem a legalização das armas e que centram seus discursos na segurança, os que representam os latifundiários e pecuaristas e os deputados religiosos evangélicos). Era o momento de se aproximar ainda mais deles. Apesar de ser católico, voltou a se juntar aos evangélicos, se afiliou ao Partido Social Cristão e foi batizado por um pastor [que seria acusado de receber propina tempos depois] no rio Jordão, em Israel.

No ano passado, mudou outra vez de partido. Entrou no Partido Social Liberal, uma legenda pequena e quase desconhecida até então. Ocupou os cargos principais da sigla e tomou para si o controle do dinheiro e das subvenções. Na primeira reunião em sua casa para incorporar deputados a sua campanha, em dezembro de 2016, estavam dez colegas. Na última, em abril desse ano, mais de uma centena. “Vários deputados esperavam na calçada para poder entrar. Com tanto apoio e esse ambiente anti-PT nas ruas e nas redes sociais, me juntei a eles. O mais importante é tirar o PT do poder. O resto vemos depois”, afirmou um deputado do DEM que entrou no grupo nessa última reunião.

A IGREJA

Bolsonaro a bordo de um avião em setembro.
Bolsonaro a bordo de um avião em setembro. REUTERS / O GLOBO

Ter se casado três vezes e ter filhos desses três casamentos diferentes não o impediu de sempre elogiar o modelo de família tradicional e sua moralidade ultraconservadora para receber o apoio crucial dos eleitores evangélicos. Sabe do que fala. Sabe como falar com eles. Em 2006, em plena efervescência da era Lula, quando a economia do país crescia sob o governo daquele que foi o presidente mais popular do Brasil, um desanimado Bolsonaro conversava nos corredores do Congresso com o senador evangélico Magno Malta. Ambos lamentavam a aprovação da que ficou conhecida como “lei anti-homofobia”, que estabelecia uma série de penas para quem discriminasse outra pessoa por sua orientação sexual. “Não temos outra alternativa, precisamos criar uma candidatura”, acertaram os dois naqueles corredores. Ali nasceu a ideia de uma candidatura e de um lema hoje utilizado pelo ex-capitão: “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos”.

Estavam quase sozinhos à época. Mas conforme a candidatura de Bolsonaro se consolidava, acabou atraindo quase todos os líderes religiosos. O fenômeno de bola de neve tomou forma. O mundo econômico decidiu se inclinar ao seu lado à medida que as pesquisas engordavam. E os empresários que antes se afastavam dele por vê-lo como grosseiro e vulgar, decidiram atravessar a linha encorajados pelo Governo liberal e a diminuição de impostos que ele promete. Os mercados também fazem campanha para Bolsonaro: a bolsa de valores de São Paulo sobe a cada pesquisa vencedora.

Seu interesse religioso estratégico conquistou apoios importantes entre o empresariado. Meyer Nigri, dono da importante construtora Tecnisa, foi um dos primeiros a declarar publicamente seu apoio a Bolsonaro em fevereiro desse ano. Justificou em uma entrevista à revista Piauí que eram cinco as razões para apoiá-lo: ser honesto, não ser de esquerda, entender de segurança pública, apoiar Israel e ser bem assessorado. Outro empresário que se uniu a ele é o controvertido Luciano Hang, dono de uma rede de lojas no sul do país, investigado por aparecer em vídeo reunido com seus funcionários alertando-os de que se o PT ganhasse ele fecharia seu negócio. O EL PAÍS mostrou em agosto que Hang usou dinheiro para ampliar o alcance de um vídeo de apoio no Facebook, o que é ilegal - ele acabou punido pelo TSE. A Folha de S. Paulo afirma que Hang faz parte do grupo que comprou serviços digitais para distribuir maciçamente mensagens falsas através do WhatsApp contra o PT.

O REI DO FACEBOOK

Bolsonaro é o rei das redes sociais em um país viciado em redes sociais. Tem sete milhões de seguidores no Facebook, página que estreou em plena jornada de protestos de 2013 e que ele faria crescer no embalo da campanha de rua e de redes contra o impeachment –enquanto a Operação Lava Jato preenchia o noticiário exibindo a elite da classe política envolvida no escândalo, que acabaria por tirar o então líder das pesquisas Luiz Inácio Lula da Silva da corrida presidencial. A cifra é o dobro dos que possui, por exemplo, o centenário jornal O Estado de S. Paulo (3.740.028 seguidores). Sua campanha ocorre em boa parte pelo WhatsApp. De acordo com o Instituto Datafolha, 66% dos eleitores brasileiros consomem e compartilham notícias e vídeos sobre políticos por meio dessa rede. Muitos contratam planos de celular apenas com o serviço de mensagens por aproximadamente dez reais por mês. Recebem a notícia, mas não há Internet para checar se é verdadeira. Muitos especialistas dizem que não há nada que se encaixe tão bem com os algoritmos das redes sociais como o tribalismo, o radicalismo e o histrionismo. O estilo arrogante e insolente de toda a sua vida encontrou o caminho para se expandir. A vitória de Bolsonaro passa por aí. Por se indignar diante de todos contra os monstros que ele mesmo inventa.

Informação elaborada por Afonso Benites, Felipe Betim, Fernanda Becker, Regiane de Oliveira, Talita Bedinelli e Tom C. Avendaño.


O Estado de S. Paulo: TSE abre ação sobre compra de mensagens anti-PT no WhatsApp

Ministro Jorge Mussi pede que sejam investigadas as acusações de empresas que usaram aplicativo contra o PT; Jair Bolsonaro (PSL) e agências têm cinco dias para se manifestarem

Por Amanda Pupo e Breno Pires, O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O corregedor-nacional da Justiça Eleitoral, ministro Jorge Mussi, decidiu nesta sexta-feira, 19, abrir ação de investigação judicial pedida pelo Partido dos Trabalhadores (PT) para que sejam investigadas as acusações de que empresas compraram pacotes de disparos em larga escala de mensagens no WhatsApp contra a legenda e a campanha de Fernando Haddad (PT) à Presidência da República. Também nesta sexta, a PGR pede inquérito sobre fake news relacionadas aos dois presidenciáveis.

Mussi concedeu prazo de cinco dias para que o candidato à Presidência Jair Bolsonaro(PSL), seu vice, Hamilton Mourão, o empresário Luciano Hang, da Havan, e mais 10 sócios das empresas apontadas na ação do PT apresentem defesa no processo, se desejarem.

O ministro rejeitou o pedido do PT de realização de busca e apreensão de documentos na sede da empresa Havan - que teria comprado o serviço de disparo em massa de mensagens contra o PT, segundo a Folha de S. Paulo - e na residência de seu dono, Hang. Mussi também negou determinar que o WhatsApp aja para suspender o "disparo em massa de mensagens ofensivas ao candidato Fernando Haddad e aos partidos da coligação".

"Relativamente aos pedidos constantes do item 42.2 da inicial e da respectiva emenda (de busca e apreensão em empresas), observo que toda a argumentação desenvolvida pela autora está lastreada em matérias jornalísticas, cujos elementos não ostentam aptidão para, em princípio, nesta fase processual de cognição sumária, demonstrar a plausibilidade da tese em que se fundam os pedidos e o perigo de se dar o eventual provimento em momento próprio”, disse.

O ministro deixou para analisar futuramente outra parte do pedido do PT, de quebra dos sigilos bancário, telefônico e telemático dos citados e de tomada de depoimento deles.

O PT pediu nesta quinta-feira, 18, ao TSE que apure suposto abuso de poder econômico para favorecer a campanha de Bolsonaro e o declare inelegível. A sigla alega que a campanha do oponente se aproveita da disseminação de notícias falsas e que “não é crível atribuir apenas à militância orgânica” dos adversários a capacidade de difundir fake news nas redes sociais. Bolsonaro nega as acusações.

Defesas. Em nota, a advogada da campanha de Bolsonaro, Karina Kufa, afirmou que o candidato irá provar que não houve caixa 2 na campanha, nem utilização de serviços de WhatsApp para a divulgação de fake news.

"A decisão do Ministro Jorge Mussi que decidiu pelo indeferimento liminar dos pedidos formulados por Fernando Haddad e apenas abriu para a apresentação de defesa é o que se esperava. Agora o candidato terá condições de apresentar as suas razões e provar que não houve caixa 2 na campanha, nem utilização de serviços de whatsapp para a divulgação de fake news. A apuração célere é o caminho adequado para não criar qualquer instabilidade ao pleito com a propositura de ações temerárias", disse em nota.

Em manifestação enviada previamente ao TSE, sobre os pedidos cautelares que haviam sido feitos, Hang negou a acusação, a qual chamou de "falsa".


Folha de S. Paulo: Empresários recuam em onda de apoio a Bolsonaro para não se expor

Discrição busca evitar impacto negativo nos negócios e falas que prejudiquem vitória

Joana Cunha, da Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - A despeito do relativo consenso do empresariado em torno da candidatura de Jair Bolsonaro (PSL) à Presidência, empresários que vinham se expondo publicamente ao lado do capitão reformado nos últimos meses agora decidem adotar posição mais discreta.

Meyer Nigri, acionista da construtora Tecnisa, Flávio Rocha, da rede de moda Riachuelo, Sebastião Bomfim, da varejista esportiva Centauro, e Salim Mattar, da locadora Localiza, são alguns dos que passaram a lidar com o tema com cautela, apesar de terem acenado a Bolsonaro durante a campanha em diferentes graus de entusiasmo.

O recuo é apenas formal, não significa que decidiram anular ou guinar seus votos para Fernando Haddad, até porque um dos principais fatores que os aglutina com Bolsonaro é o temor de que o PT, se eleito, possa derrubar a reforma trabalhista.

Trata-se agora de uma discrição, muito parecida com o que levou a equipe de campanha de Bolsonaro a rejeitar a participação em debates e cercear as falas do assessor econômico Paulo Guedes e do vice Hamilton Mourão.

A poucos dias da previsível vitória, com a liderança disparada do candidato nas pesquisas eleitorais, o que se quer evitar são declarações despreparadas que possam atrapalhar o candidato, como ocorreu antes do primeiro turno, quando vazou, de uma palestra de Guedes, que a CPMF, o antigo imposto do cheque, estava em análise.

Qualquer "escorregão ou palavra mal colocada" na reta final pode prejudicar, disse um dos empresários sob condição de anonimato.

Mas há outras razões.

Alguns afirmam que se precipitaram ao vir a público desde o início da campanha manifestando apoio a Bolsonaro sem medir as consequências, afirma outro peso pesado do empresariado brasileiro.

A falta de clareza nas propostas e o desafino de Bolsonaro em questões caras ao setor produtivo, como Previdência e privatizações, já alimentam o receio de que aliar o nome, com muita assertividade, ao do candidato pode gerar cobranças em caso de eventuais fracassos de um futuro governo.

Outras motivações para a discrição atual variam desde uma preocupação com a segurança da família até o receio de perder vendas diante da violenta polarização no país.

Sebastião Bomfim, que declarou voto em Bolsonaro e recebeu em troca um vídeo de agradecimento gravado pelo próprio candidato, passou a evitar o assunto.

Procurado pela Folha, não quis se manifestar e enviou nota em nome da Centauro, dizendo que a rede "não apoia nenhum candidato".

O comunicado distancia a Centauro das declarações de Bolsonaro consideradas homofóbicas: "A empresa abraça a diversidade e valoriza a liberdade de pensamento".

A rede recebeu ameaças de boicote nas redes sociais após Bomfim declarar seu voto.

Rocha, que em agosto participou de evento ao lado do candidato e chegou a ser cortejado com a hipótese de um ministério, calou-se. Procurado por meio de sua assessoria de imprensa na quinta-feira (18), não quis confirmar ou negar apoio ao candidato.

Nigri, da Tecnisa, foi um dos primeiros apoiadores explícitos. Em entrevista à revista piauí, declarou apoio e ainda disse que vários judeus simpatizavam com Bolsonaro.

Seu movimento de recuo começou em fevereiro, depois que a fala foi malvista por parte da comunidade judaica.

Procurado pela Folha na quinta-feira (18) para comentar o assunto, Nigri retirou formalmente o endosso por meio de nota, afirmando que "não apoia nenhum candidato".

Outro entusiasta da candidatura bolsonarista, Mattar chegou a defender o voto útil em Bolsonaro para que a vitória tivesse vindo já no primeiro turno. Nesta semana, não se manifestou.

Olegário Araújo, pesquisador do FGVcev (Centro de Excelência em Varejo da Fundação Getulio Vargas), diz que a polarização da sociedade pode se refletir no comportamento do consumidor.

"Tem de preservar os clientes, e o empresário não quer desgaste. A economia já não vai bem, as margens das empresas estão apertadas, as promoções não estão fazendo efeito. Imagine colocar ingrediente político?", diz Araújo.

No caso da Riachuelo, que vende roupas femininas, a ligação de Rocha a Bolsonaro poderia ser mal interpretada por parte das consumidoras que rejeitam o presidenciável.

O catarinense Luciano Hang, das lojas de departamento Havan, um dos maiores apoiadores de Bolsonaro no setor privado, lamenta ser um dos poucos que "não têm medo de dizer o que pensa".

O envolvimento de Hang nesta campanha é mais incisivo. Ele foi multado em R$ 10 mil pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) em agosto por ter contratado serviço de impulsionamento de publicações no Facebook para expandir o alcance de vídeos favoráveis a Bolsonaro.

Reportagem da Folha desta quinta mostrou que a Havan é uma das empresas que compram pacotes de disparos em massa de mensagens contra o PT no WhatsApp, prática ilegal de doação de campanha.

Na outra ponta do espectro político, a chef Helena Rizzo, do restaurante Maní, publicou, na véspera do primeiro turno, foto de apoio ao #EleNão, que repudia Bolsonaro.

Enfurecidos, clientes convocaram boicote ao restaurante, o que levou a chef a pedir desculpas.


Demétrio Magnoli: É fácil propor espelhismo entre Bolsonaro e Haddad, mas seria à base de sofismas

Um leitor solicita que eu produza a "carta que Bolsonaro não escreverá", como complemento da "carta que Haddad não escreverá" (Folha, 13/10). Fazê-lo, porém, seria sugerir uma simetria que não existe.

Há simetria se uma figura no plano pode ser dividida em partes de tal modo que elas coincidam exatamente, quando sobrepostas. A simetria perfeita é uma construção matemática. Na biologia, na arquitetura e na arte registram-se simetrias quase perfeitas. Em política, existem simetrias estruturais, mas não simetrias formais.

Exemplo clássico: os totalitarismos nazista e stalinista, tal como descritos por Hanna Arendt. Mesmo se seus regimes exibiram formas muito distintas, Hitler e Stalin seriam capazes de reconhecer, um no outro, as suas próprias imagens. Isso não acontece com os dois candidatos presidenciais restantes.

Nas simetrias axiais, o eixo de simetria separa a figura em metades espelhadas. É fácil propor espelhismos políticos entre Bolsonaro e Haddad. O empreendimento, contudo, sustenta-se à base de sofismas.

A linguagem da violência é um traço comum ao PT e a Bolsonaro. Mas eles procedem de modo assimétrico. Os alvos do PT que insulta ("fascista”, “racista") ou tenta excluir alguém do debate público ("inimigo do povo") são adversários políticos definidos. Já os alvos de Bolsonaro são, além de adversários singulares, grupos sociais inteiros: mulheres, gays, quilombolas. (Nota: o descarrego de Marilena Chaui, "eu odeio a classe média", não é regra, mas exceção).

A violência, ela mesma, também aproxima os antagonistas. Mas não há simetria. O PT habituou-se a praticar violência simbólica, via militantes que irrompem aos berros em debates políticos e eventos acadêmicos ou se organizam em “atos de repúdio” contra figuras públicas. Já os “camisas amarelas” bolsonaristas inauguram, antes ainda do desfecho eleitoral, a prática da violência física contra pessoas comuns que expressam opiniões divergentes. (Nota: o atentado sofrido por Bolsonaro partiu de um indivíduo desequilibrado, não de uma turba militante).

Tanto o PT como Bolsonaro devem ser reprovados no teste do repúdio a regimes ditatoriais. O PT brada contra ditaduras “de direita”, mas acalenta as “de esquerda”; Bolsonaro faz o contrário.

Também aí, inexiste simetria. O apoio do PT às ditaduras cubana e venezuelana exprime-se genericamente. A nostalgia de Bolsonaro pela ditadura militar brasileira inclui o elogio da tortura e a celebração de torturadores. O silêncio de Haddad diante da morte de Fernando Albán, um opositor sob custódia da polícia política de Maduro, num caso similar ao de Vladimir Herzog, não equivale às homenagens de Bolsonaro ao coronel Brilhante Ustra. As duas posturas são repulsivas, mas assimétricas.

A prova decisiva de que a simetria é falsa encontra-se na história. O PT é fruto da transição da ditadura para a democracia. O partido, principal máquina eleitoral e parlamentar do Brasil, só pode existir no ambiente de liberdades oferecido pelo regime democrático.

Nos seus longos anos poder, apesar de uma certa retórica voltada para dentro, o lulismo respeitou a regra do jogo —inclusive quando seus dirigentes foram condenados e encarcerados. Já Bolsonaro é fruto de uma crise da democracia: o movimento pela “intervenção militar” que acompanhou, como sombra agourenta, o processo do impeachment. A seleção de seu vice e de um círculo de conselheiros militares arromba a porta que separava a política dos quartéis.

Mesmo nas circunstâncias atuais, Haddad não assinará uma crítica dos erros de política econômica, dos crimes de corrupção e das taras ideológicas do PT pois é prisioneiro do lulismo. Se corresse riscos eleitorais, Bolsonaro assinaria um termo falso de imorredouro amor pela democracia pois não está preso a nenhuma estrutura política estável.

*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.


Maria Cristina Fernandes: Uma resistência que vagueia sem retrovisor

Toalha dos Ferreira Gomes respingou em JK e Lacerda

A desistência do PT em formar uma frente democrática é o reconhecimento, tardio, de que não há líderes a mover o eleitor. Sua necessidade, porém deriva menos da busca de votos do que na reafirmação de resistência à ordem que está por vir. As dificuldades em formá-la sinalizam os percalços políticos futuros de lideranças que vagueiam sem retrovisor.

Os irmãos Ferreira Gomes parecem decididos a disputar com o PT a hegemonia da esquerda. Mas a toalha arremessada respingou nos túmulos de Carlos Lacerda e Juscelino Kubitschek e se depositou sobre os escombros do PSDB.

O líder udenista apoiou o golpe de 1964 na expectativa de que a ordem democrática seria restabelecida no ano seguinte com a manutenção das eleições diretas para presidente da República. O líder do PSD, Juscelino Kubitschek, não apoiou a quartelada, mas tinha expectativas semelhantes e seguiu a orientação partidária na votação do colégio eleitoral que empossou o marechal Castelo Branco no cargo.

JK liderava a disputa presidencial. Foi cassado em junho de 1964, dois meses depois da eleição do marechal. Lacerda vinha em segundo na disputa e aplaudiu a cassação antes de assistir ao cancelamento das eleições de 1965. Articulou com um Juscelino no exílio uma frente de oposição, mas acabou preso com o AI-5.

Cid Gomes não para de se retratar e seu irmão ainda pode desembarcar num palanque eletrônico destinado a evitar a vitória de Jair Bolsonaro. Mas dificilmente reverterá o estrago provocado na campanha de Fernando Haddad pelo vídeo em que o irmão de Ciro Gomes dá como certa a derrota petista. São adeptos de primeira hora do #EleNão, mas custarão a desfazer a percepção de que já deram início à disputa por 2022.

A mesma lógica guiou o PSDB em 2016 ao encabeçar o impeachment de Dilma Rousseff. Os tucanos deram 2018 por garantido, enquanto os instintos de ódio represados foram atraídos por Bolsonaro e cevados na longa noite do governo Michel Temer. A maioria que apoiou a derrubada da ex-presidente recebeu, em retribuição, um governo que aprofundou o desencanto e fez do PSDB um sócio do PT na ascensão do bolsonarismo.

Parece exagero imaginar que 2022 pode perder seu lugar cativo no calendário eleitoral, uma vez que Jair Bolsonaro, se vier a se tornar presidente, não o será por golpe mas pelo voto da maioria. Desde a Alemanha de 1932, porém, sabe-se que governo eleito não é garantia contra tragédias.

À medida em que crescem as chances de vitória do candidato do PSL melhor se conhecem os planos de seu governo. O aumento no número de ministros do Supremo e o desprezo da lista tríplice para a escolha do procurador-geral da República, por exemplo, para ficar apenas naquelas propostas que foram diretamente verbalizadas por Bolsonaro, rimam com o esfacelamento das instituições.

Enfrentará resistências mas também uma grande capacidade de adaptação, como mostrou ontem a decisão do Tribunal de Justiça que reverteu sentença contra o espólio do coronel Alberto Ustra, condenado a indenizar a família do jornalista Luiz Merlino torturado e morto no Doi-Codi.

O congestionamento no mercado da mediação não é garantia de que esta funcionará. Ficou mais difícil contar com o Supremo para distinguir os passos que um eventual governo Bolsonaro vier a dar para além da Constituição desde que o presidente da Corte apressou-se em renomear de "movimento" o último regime de exceção.

É na condição de candidato a mediador que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso resiste ao que chamou de assédio moral de amigos diletos e de pelo menos dois de seus ex-ministros da Justiça, signatários de manifestos pela democracia. Depois de Manuel Castells, ontem foi a vez de Roberto Schwarz. Por Claudio Leal, da Bravo, o crítico mandou o recado: "Pensando em amigos da vida inteira, eu diria que neste momento a neutralidade entre Haddad e Bolsonaro é um erro histórico de grandes proporções".

Uma vez ameaçado de fuzilamento pelo capitão candidato, o ex-presidente segue incólume ao patrulhamento na toada de pode vir a cumprir um papel igualmente histórico, mas inexistem garantias de que haverá o que mediar. Os descaminhos da frente democrática indicam que a oposição pode vir a lhe dar menos trabalho do que a difusa aliança que o apoia.

O candidato da maioria fez carreira no confronto e terá que contemplar um eleitor que quer menos corrupção e mais segurança com os interesses difusos que cada vez mais o cercam. Não há 46 milhões de eleitores autoritários no Brasil. Votar como anti-petista não transforma o eleitor em inimigo da democracia. Derrotar o PT não bastará, tampouco, para manter o apoio de seu eleitorado.

Um Jair Bolsonaro presidente terá que mostrar resultados na economia que dependem de um Congresso, em grande parte, ainda, nas mãos da Lava-Jato, grande esteio de sua candidatura. Terá que lidar com generais que se arvoram a reescrever a história e ameaçam o licenciamento ambiental, financistas que pretendem concentrar poderes na licitação de obras e economistas que planejam impor ajuste fiscal por decreto. Com seu elevado poder de síntese, seu vice um dia explicou que o caminho mais curto para sair de um enrosco desses é o autogolpe.

Steve Bannon
O pedido do PT para que a Polícia Federal investigue a atuação de Steve Bannon na fábrica de disseminação de notícias falsas no Brasil aconteceu dois meses e meio depois do primeiro encontro público entre o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e o ex-estrategista do presidente americano Donald Trump.

Blindados
Desembarcaram no Porto de Paranaguá, no Paraná, esta semana 96 blindados vindos dos Estados Unidos. São veículos usados no transporte de tropas. Muitas das unidades semelhantes que chegaram ao Brasil, ao longo dos últimos anos, por doação americana, foram destinadas à ocupação de favelas do Rio.