Bolsonaro

FAP lança revista Política Democrática digital

Totalmente on-line e com design responsivo, publicação tem acesso gratuito e traz análises, entrevista e reportagens especiais

Em celebração aos 30 anos da democracia e a quatro dias do segundo turno das eleições no Brasil, a Fundação Astrojildo Pereira (FAP) lança, nesta quarta-feira (24), a revista Política Democrática em formato totalmente on-line e com design responsivo. A publicação contempla análises de renomados articulistas, entrevista exclusiva e reportagens especiais, as quais poderão ser acessadas, de graça, pelos internautas.

Nesta edição de lançamento do formato digital, Política Democrática destaca o drama de imigrantes oriundos da Venezuela que peregrinam no maior êxodo da história da América Latina e conta, em vídeos, fotografias e textos, histórias de quem atravessou a fronteira com o Brasil, em busca de sobrevivência. Repórteres da FAP viajaram a Caracas para mostrar, ainda, os reflexos do colapso político e socioeconômico que assola o país presidido por Nicolás Maduro.

Além disso, a revista também reservou, assim como para outras análises, um espaço para entrevista com a economista Monica de Bolle, única mulher latino-americana a integrar a equipe do Peterson Institute for International Economics, nos Estados Unidos e diretora do Programa de Estudos Latino Americanos da Johns Hopkins University, em Washington, D.C. Na avaliação dela, a agenda fiscal deverá ser prioridade do novo presidente.

Objetividade
Com o propósito de entregar conteúdo de altíssima qualidade para o público em seu novo formato, a revista reuniu um time de profissionais capazes de fazer análises do contexto brasileiro, de forma mais objetiva possível, especialmente das eleições de 2018. “O critério de seleção foi a alta capacidade profissional e interpretativa dos jornalistas e acadêmicos que assinaram as matérias, convicção que, estamos certos, justificará plenamente o título de Política Democrática”, diz o diretor da revista, André Amado.

Em relação às análises, André avalia que a publicação mostra opiniões baseadas em reflexões acadêmicas ou em experiências pessoais, que, por isso, segundo ele, “ganham legitimidade além do marco habitual e distorcido dos maniqueísmos ideológicos”. “Seu lançamento, entre os dois turnos das eleições, incorpora apreciação dos resultados da primeira volta e afina as perspectivas para a reta de chegada das candidaturas, apesar do clima visceral com que se vêm desenrolando as campanhas de um e de outro”, afirma o diretor, referindo-se aos candidatos do PT, Fernando Haddad, e do PSL, Jair Bolsonaro, à Presidência da República.

 

» Para acessar a revista, clique na imagem acima ou no link abaixo:
 http://www.fundacaoastrojildo.com.br/2015/2018/10/24/revista-politica-democratica-online/

 

Relevância e agilidade
O período eleitoral, de acordo com o editor da revista, Paulo Jacinto Almeida, faz com que a revista sirva como palco de debates sobre os projetos propostos para o país. “É de extrema relevância neste momento em que estamos escolhendo o próximo presidente da República”, destaca ele. “É a continuidade de um projeto existente desde o início do século, que vem debatendo política, democracia, esquerda e cultura na conjuntura brasileira e se torna fundamental ao auxiliar o internauta com informações e análises sobre este momento decisivo em nossa história”, acrescenta.

O editor ressalta que a publicação digital poderá ser acessada em qualquer plataforma, como celular, tablet ou desktop, e a qualquer momento. Segundo ele, a nova revista poderá otimizar um fator cada vez mais importante na sociedade do conhecimento: o tempo. “Ele (internauta) ganha agilidade e praticidade para se manter informado e acessar análises de temas cruciais para o nosso país”, diz Paulo.

A seguir, confira a relação de conteúdos da revista e seus respectivos autores:

*Lições do primeiro turno (Caetano Araújo)
*O que esperar de Jair Bolsonaro (Creomar Lima Carvalho de Souza)
*O que esperar de Fernando Haddad (Creomar Lima Carvalho de Souza)
*A verdade do oráculo digital (Sergio Denicoli)
*Quadrinhos (JCaesar)
*Reportagem de capa: Um país à beira do abismo (Cleomar Almeida e Germano Martiniano)
*Um olhar crítico sobre a democracia (João Batista de Andrade)
*Por quem os sinos dobram (Alberto Aggio)
*Ameaças à democracia (Elimar Pinheiro do Nascimento)
*Entrevista com Monica de Bolle: Agenda fiscal terá de ser prioridade do próximo presidente (André Amado, Caetano Araújo, Creomar de Souza e Priscila Mendes)
*Fernando Gasparian e a morte do nacional-desenvolvimentismo (Jorge Caldeira)
*Yuval Noah Harari investiga as inquietações do presente em “21 lições para o século 21” (Dara Kaufman)
*Atropelado pelas Emergências (Sérgio C. Buarque)

 

 


Bruno Boghossian: 'Faxina' de Bolsonaro é mais uma página de cartilha autoritária

Ataque direcionado indica interesse em usar o poder para punir opositores

Perto do poder, Jair Bolsonaro recita com desenvoltura a cartilha de líderes autoritários. Além dos frequentes sinais de desapreço pelas instituições do país, o candidato agora indica que pretende perseguir opositores e penalizar quem contraria seus interesses políticos.

No domingo (21), em discurso exibido nas manifestações a seu favor, o candidato fez um novo ataque ao PT e prometeu uma “faxina”, “uma limpeza nunca vista na história”.

“Essa turma, se quiser ficar aqui, vai ter que se colocar sob a lei de todos nós. Ou vão para fora, ou para a cadeia. Esses marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria”, disse.

A aplicação firme das leis está na ordem do dia, mas não se ouviu o mesmo sobre marginais azuis, laranjas, brancos ou verdes. Para Bolsonaro, a autoridade pode ser usada para expulsar ou prender opositores.

Na mesma fala, o presidenciável disse que Fernando Haddad e outros petistas “vão apodrecer na cadeia”. E ameaçou: “Vocês, petralhada, verão uma Polícia Civil e Militar com retaguarda jurídica para fazer valer a lei no lombo de vocês”.

Bolsonaro tem uma plataforma de combate à corrupção, linha dura na segurança e defesa de valores morais. Eleito, terá legitimidade para fortalecer as instituições em busca desses objetivos, mas parece mais interessado em reprimir alvos políticos.

Quando artistas se manifestaram contra sua candidatura, ele disse que cortaria o financiamento cultural. Afirmou também que governadores que fizerem “oposição radical” terão “tratamento secundário”.

Em recado a grupos críticos, também declarou que vai “botar um ponto final em todos os ativismos”. Deve ter esquecido que era um ativista quando saía em protesto contra os baixos salários dos militares.

Já que aceitaram entrar no jogo da democracia, Bolsonaro e seu time precisam se habituar ao contraditório. Nessa arena, não entram presidentes dispostos a eliminar seus opositores, nem cabos e soldados despachados para fechar tribunais que tomam decisões contestáveis.


Míriam Leitão: Risco Venezuela não tem ideologia

O risco Venezuela não é de esquerda nem de direita, é do autoritarismo que desrespeita as instituições. PT já desmereceu o STF. Filho de Bolsonaro fala em fechá-lo

A reação à declaração do deputado Eduardo Bolsonaro foi forte, pela grande probabilidade de eleição do seu pai, mas também porque o candidato sempre foi associado ao pouco apreço pelas instituições democráticas. O temor é de que a ida do seu grupo ao poder signifique o início de um processo de cerco à democracia, que na Venezuela do coronel Hugo Chávez começou pelo enfraquecimento do Judiciário. O risco Venezuela sempre esteve associado ao PT, e o partido fez por merecer, mas na verdade o perigo não é de direita nem de esquerda. É do autoritarismo.

A ameaça sobre a democracia atualmente não é a de um assalto. É a de ver seus pilares minados por atos de um governante populista e autoritário como foi Chávez. O ataque se dá por aproximações sucessivas e não mais como vimos nos anos 1960 no Brasil. Hugo Chávez tentou um golpe no estilo clássico, em fevereiro de 1992. Alegava ser contra a corrupção. Conseguiu o apoio de uma parte das Forças Armadas, mas fracassou. E esse Chávez é que recebeu elogios de Jair Bolsonaro. O coronel foi preso, indultado, mas, em 1998, chegou ao Miraflores pelo voto, dizendo que faria uma revolução socialista. E foi esse Chávez que recebeu o apoio do PT.

Ao contrário do que acha o PT, não existe ditadura do bem. É o que o chavismo mostrou. Fui à Venezuela em 2003. Havia uma greve geral no país, comandada por empresários, contra o governo. Eu o entrevistei no Miraflores. Era uma presidência militar. Ele vivia cercado de militares de alta patente em seu gabinete e ministério. O ambiente no Palácio me lembrou o clima do Planalto na ditadura brasileira. Chávez brandia a Constituição que acabara de aprovar. E depois mudou várias vezes. Ele já havia alterado a composição do Conselho Nacional Eleitoral. Depois fez o mesmo com a Suprema Corte.

Perseguiu e fechou órgãos de imprensa. Sua escalada sobre a ordem constitucional se deu por mecanismos que pareciam democráticos: quando a economia melhorava, as benesses com o dinheiro do petróleo aumentavam, ele convocava um plebiscito. Os que perdia, não respeitava. Os que ganhava, aumentavam seus poderes e enfraqueciam um pouco mais a democracia venezuelana, até que nada restou dela. Mas o ex-presidente Lula chegou a dizer que havia “excesso” de democracia na Venezuela. O PT apoiou o regime venezuelano de diversas formas, fingindo não ver seu caráter cada vez mais autoritário. Jair Bolsonaro, que se identificara com aquele coronel impulsivo, passou a criticá-lo quando ele se definiu como socialista, mas nunca reprovou seus métodos antidemocráticos.

A inaceitável fala do deputado Eduardo Bolsonaro não surge do nada. Ela reflete o ambiente político no qual seu pai sempre esteve imerso, de defesa do regime militar. Era ele atrás do pai, repetindo em mímica, o nome do torturador homenageado durante o voto do impeachment. Essa é a sua formação. Quando ele diz “a gente até brinca lá...” Lá onde? Antes de dizer que “sem desmerecer” o cabo e o soldado, bastava mandar os dois para fechar o Supremo. No meio do caminho do cabo e do soldado tem a Constituição que completa 30 anos, que nos custou uma luta de décadas, mas o deputado Eduardo Bolsonaro sequer entende que é essa a força moral que impede dois militares sem patente de fechar o órgão máximo da magistratura. Por isso, o ministro Celso de Mello chamou-o de golpista — aqui sim a palavra faz sentido — e o ministro Dias Toffoli afirmou que atacar o Judiciário é atacar a democracia. Alias, petistas também falaram em reduzir poderes do STF.

Quando estive na Venezuela, falei com os dois lados em conflito, visitando inclusive famílias divididas. Os que se opunham ao chavismo alertavam que havia o risco de o Brasil virar uma Venezuela. As instituições brasileiras foram fortes o suficiente e impediram o primeiro movimento, quando o ex-ministro José Dirceu quis instaurar um órgão de controle da mídia. O PT permanece com esse item na agenda. Por outro lado, os métodos de Bolsonaro de defender a relação direta com o eleitor são os mesmos do chavismo. O populismo, de esquerda e de direita, sempre desmerece as instituições. Por isso é que o pai Jair Bolsonaro acha que basta “advertir o garoto”. Na fala do deputado Eduardo Bolsonaro há uma ameaça gravíssima. Foi um alento a reação forte do STF.


Bernardo Mello Franco: O cheiro do fascismo

Há um esforço na praça para atenuar os riscos de um governo Bolsonaro. Suas ameaças à democracia, à imprensa e aos adversários seriam só arroubos retóricos

A ameaça foi explícita. “Se quiser fechar o STF, você sabe o que faz? Você não manda nem um jipe. Você manda um soldado e um cabo”, disse o deputado Eduardo Bolsonaro. “Se você prender um ministro do STF, você acha que vai ter uma manifestação popular a favor dos ministros?”, acrescentou.

O ministro Celso de Mello, integrante mais antigo do tribunal, classificou a fala como “inconsequente e golpista”. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou que as declarações de Bolsonaro, o filho, “cruzaram a linha” e “merecem repúdio dos democratas”. “Cheiram a fascismo”, concluiu.

Quando foi que o bolsonarismo cruzou a linha? Em três décadas na política, o patriarca do clã nunca exibiu qualquer apreço pela democracia. Bem ao contrário. Sua carreira pode ser resumida como um persistente esforço para descreditá-la.

O capitão dedicou sete mandatos de deputado à exaltação da ditadura e do arbítrio. Já pregou o fuzilamento de adversários políticos e o fechamento do Congresso. Desmereceu o voto popular e defendeu a esterilização dos brasileiros pobres.

Ofendeu mulheres, negros, imigrantes, homossexuais. Foi denunciado por racismo e incitação ao estupro. Salvou-se dos processos graças ao mesmo STF que seu filho ameaçou fechar. Deve o favor à tolerância dos ministros, que preferiram não levá-lo a sério, e ao escudo da imunidade parlamentar.

Numa eleição marcada por ineditismos, Bolsonaro passou de azarão a favorito. Fez juras ao liberalismo econômico, que sempre combateu, e conquistou o apoio do establishment e do mercado financeiro, cujo candidato preferencial não decolou.

Ele também se aproveitou de uma sequência de erros do PT, que insistiu na candidatura de um ex-presidente preso, torpedeou outras alternativas em seu campo político e esperou para lançar um substituto a três semanas do primeiro turno.

Há um esforço na praça para atenuar os riscos de um governo Bolsonaro. Suas repetidas ameaças à democracia, à imprensa e aos adversários seriam apenas arroubos retóricos. Podem ser —mas, como ensinou seu filho deputado, será preciso “pagar para ver”.

No domingo, o capitão elevou o tom em discurso para apoiadores. Prometeu uma ampla “faxina” e anunciou tempos difíceis para quem ousar fazer oposição. “Ou vão para fora ou vão para a cadeia. Esses marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria”, disse. “Será uma limpeza nunca vista”, acrescentou.

O cheiro está no ar, mas há quem prefira tapar o nariz.


José Casado: Divisão no Judiciário

A eleição presidencial cristalizou uma divisão política e ideológica na cúpula do Judiciário.

Parte dos juízes entende ser necessário agir de imediato contra qualquer iniciativa do Executivo ou do Legislativo que contenha laivos de uma visão autoritária, com potencial ameaça à ordem democrática.

É nesse contexto que ocorreram as duras reações dos ministros do Supremo Celso de Mello e Alexandre de Moraes, ontem, sobre a “fórmula” para fechar o STF, apresentada pelo ex-policial e deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).

Moraes abandonou a habitual discrição e pediu em público um inquérito contra o deputado, filho do candidato presidencial líder nas pesquisas. Levantou a suspeita de crime de incitação a golpe de Estado, previsto na Lei de Segurança Nacional.

Outros integrantes do comando do Judiciário seguem por trilha distinta. Ofereceram ao candidato Bolsonaro uma ponte para o futuro. Ela lhe permitiria irradiar as ideias sobre a regressão nos direitos civis nos tribunais federais e superiores.

Se as negociações avançarem, é provável que a proposta de Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2020 contenha uma reserva para criação de novos tribunais federais.

Assim, o novo governo teria espaço para nomear quase uma centena de juízes na segunda instância e nos tribunais superiores. As escolhas, obviamente, obedeceriam à afinidade com um plano conservador nos costumes e liberal na economia.

Nessa conversa, até agora, rebarbaram-se os custos políticos e o bolso de quem paga a conta. Abstraiu-se o fato de que o Brasil mantém a Justiça mais cara do planeta.

O Judiciário consome 1,3% do Produto Interno Bruto. Significa despesa anual de R$ 364 (US$ 91) no bolso de cada um dos 208 milhões de habitantes. Esse nível de gasto com a Justiça só existe na Suíça, cuja população é 25 vezes menor e tem renda cinco vezes maior.

A perspectiva de poder aumenta o custo do antiliberalismo de Jair Bolsonaro.


Hamilton Garcia: Os perigos que se avizinham e o antídoto

Fala-se muito na campanha em fascismo e bolivarianismo, mas se o segundo expressa um objetivo explícito da política petista (vide “#EleNão! ou #ElesNão!”) – não obstante sua eludição tática por Haddad neste segundo turno –, o primeiro diz algo de potencial sobre o candidato mais bem cotado ou como ele pode vir a se tornar realidade a depender da marcha dos acontecimentos, se vitorioso for.

Olhando-se para a frente de direita que se formou em torno de Bolsonaro no rastro da crise do impeachment, vê-se um amálgama de convicções conservadoras cristãs e liberistas associadas ao antipetismo, ao par de um desenvolvimentismo lastreado no positivismo, ideologia basilar do Exército Brasileiro. Em condições normais de temperatura e pressão, não obstante o currículo e a vontade do Capitão, o novo governo teria, para ter sucesso, que se desenrolar dentro da normalidade democrática, e, para tal, contaria com grande respaldo social, popular e empresarial, e perspectiva de governabilidade no Congresso, não obstante a sombra neopatrimonialista da bancada do Centrão.

Ocorre, porém, que a falência do sistema político e a crise estrutural do modelo liberal-rentista de democratização, a par da elevada temperatura política bafejada pelo PT como tática de sobrevivência ao Petrolão, conspiram contra essa normalidade, junto com a falta de concatenação programática da frente bolsonarista e a perspectiva bolivariana da “resistência ao fascismo” – ambas podendo suscitar movimentos violentos na sociedade.^

Para tornar mais sombrio o quadro, enquanto na fase lulopetista foi possível “distribuir" os ganhos econômicos com a exuberância comercial do protagonismo chinês e da bolha ocidental – desperdiçando as chances de um “salto à frente”, em termos produtivos, com uma inclusão social pelo trabalho/aprendizado –, na fase bolsonarista o Brasil estará obrigado a enfrentar seus velhos e novos problemas e dificuldades, o que exigirá sacrifícios até aqui não admitidos pelos grupos dominantes – inclusive os aninhados nas altas esferas do Estado e nas corporações financeiras.

É certo, por outro lado, que algo se pode fazer na frente econômica com resultados positivos no curto-prazo para o governo – dois anos talvez –, seja simplificando os procedimentos normativos arrecadatórios, abrindo novas possibilidades de comércio com os países ricos, sustentando um câmbio de maiores possibilidades comerciais para a indústria e mesmo surfar na esperada onda da retomada econômica adiada pelo naufrágio precoce do Governo Temer. Ocorre que tal agenda, sem tocar nos problemas estruturais de longo-prazo da economia, pode propiciar apenas um fôlego, um novo vôo de galinha dentre tantos já vistos desde a recessão dos anos 1980.

No médio e longo-prazos, os gargalos estruturais tenderão a amplificar as fraturas existentes no seio da coalizão de direita, que, uma vez no governo, se transformará numa coalizão mais ampla, incluindo o liberalismo pragmático e mesmo o neopatrimonialismo, derrotado em sua dúplice aliança com o PSDB e o PT. Neste caso em especial, as perdas vitais dos segmentos neopatrimoniais, impostas pelos fatos, tenderá a afastá-los do governo na perspectiva de voltarem ao poder numa aliança com o lulopetismo que, para ser viável, teria que ser precedida de uma nova maquiagem moderadora dos “companheiros".

Bolsonaro se mantém à proa da disputa flertando com uma ruptura com o sistema – como ficou claro em seu último pronunciamento às manifestações verde-amarelo –, mas parece fadado, por suas alianças liberais e a correlação de forças no interior do aparato militar, a, por enquanto, inaugurar apenas uma ruptura com o mecanismo (neopatrimonial) – o que não é pouco, nem fácil! –, o que significaria, de fato, uma troca na direção do bloco histórico em crise, responsável pela transição democrática desde 1985, e cuja hegemonia é detida pelo capital financeiro, que conheceu, até aqui, dois formatos: o liberal-patrimonialista de Sarney&Collor e o social-patrimonialista de LILS, com um híbrido em Itamar&FHC.

A nova direção liberal-conservadora sobre o velho pacto democrático teria como objetivo pôr ordem no modelo, revertendo a bagunça deixada por Mantega&cia e, de quebra, despejando as oligarquias neopatrimoniais do poder, abrindo assim espaços para maior racionalização do Estado e ajudando a reverter as expectativas negativas sobre o país, recompondo o ambiente propício ao crescimento e à retomada do emprego.

Operar tal mudança, necessária mas não suficiente para nos recolocar na rota do desenvolvimento, além do custo político elevado, pode não surtir os efeitos esperados pela população, o que a levaria ao desencanto e consequente fortalecimento da oposição, o que poderia animar os bolsonaristas, apoiados no setor desenvolvimentista de sua coalizão, a uma tournant no sentido de um novo bloco histórico, o que exigiria um programa econômico voltado para a produção e não simplesmente para o consumo, deslocando o sistema financeiro global de seu papel atual de fiador principal de nossa estabilidade macroeconômica e política.

A hipotética viragem, a depender do contexto político em que ocorra e do álibi que o lulopetismo poderá lhe fornecer, no curto-prazo, provocaria forte inquietação nos mercados e, por consequência, abalaria a frente governativa de centro-direita, podendo levar, inclusive, à suspensão das garantias constitucionais (estado de sítio) ou até mesmo a medidas mais graves no caso da ausência de consenso no Estado de como lidar com a crise.

Paradoxalmente, a previsível resistência petista ao “fascismo" pode render bons frutos à nova política, quer em termos do isolamento das oposições na sociedade, quer do alinhamento defensivo do Estado contra a ameaça de caos que ela pode encerrar, abrindo espaços para uma uma reforma política conservadora, inclusive com mudanças constitucionais para restringir o pluralismo político e aumentar a estabilidade governamental (voto distrital puro).

No caso de não se conseguir produzir tal consenso no âmbito do Estado, o prolongamento do cenário caótico, em meio a conflitos de rua entre esquerda e direita, pode assistir ao aparecimento de milícias paramilitares em ambos os extremos, abrindo espaços para a emergência de um inédito movimento fascista no país – cujos braços armados, diga-se de passagem, já se encontram virtualmente constituídos, embora ainda não plenamente politizados.

Neste cenário sombrio (hipotético), tal como na eleição em curso, nos fará falta uma terceira via capaz de suplantar o petismo e impedir, de novo, a vitória da extrema-direita. O problema aqui é que a desorientação da centro-esquerda é ainda mais forte que as perdas parlamentares sofridas pelo PSDB, PPS e Rede, ao fim do primeiro turno das eleições, o que compromete seu protagonismo na oposição – qualquer que seja o resultado do segundo turno.

O antídoto ao perigo que se insinua está numa frente política capaz de enfrentar o virtual desafio do novo bloco histórico autoritário, de extrema-direita, colocando, à semelhança deste, o foco da inclusão na retomada da produção industrial como resposta ao esgotamento da fórmula financista, baseada em consumo e endividamento das famílias, ao mesmo tempo que procura restaurar a governabilidade e preservar a democracia por meio de uma reforma política que racionalize o sistema partidário (representação) por meio de um modelo eleitoral misto, com listas pré-ordenadas, e medidas punitivas efetivas aos partidos cujos representantes se envolvam em crimes tipificados contra o bem público.

Seja como for, é chegada a hora de se enfrentar a crise política e econômica que o oportunismo político e a incompetência intelectual,varreram, desde 1988, para debaixo do tapete.

Não está escrito nas estrelas que o bolsonarismo derivará em fascismo – isto não faz parte da nossa tradição republicana e para tal existem freios conhecidos, embora não infalíveis –, mas é certo que entre as variáveis propícias para tal está a natureza da oposição que se fará ao (provável) novo governo, e, nela, Ciro Gomes se constitui numa esperança de solução democrática. Torçamos para que ele se coloque à altura da tarefa, nesta fase delicada de nossa vida republicana.


José Hermida: Um país com licença para odiar

Uma parte importante da população votará no próximo dia 28 sob a crença de que estará evitando que o Brasil se transforme em uma Venezuela

Há um fértil campo de estudo no Brasil para psicólogos cognitivos. Uma parte importante da população votará no próximo dia 28 sob a crença de que estará evitando que seu país se transforme em uma Venezuela. Para impedir isso, esses eleitores planejam entregar o poder a um ex-militar que, em quase 30 anos de carreira política, proferiu centenas de frases de desprezo pelas normas, costumes e valores da democracia. Esse é o homem, Jair Bolsonaro, chamado para salvar o Brasil das garras bolivarianas do Partido dos Trabalhadores (PT), que governou entre 2003 e 2016, sem que ninguém percebesse que o país estava se tornando uma Venezuela.

Como tantas vezes na história, o autoritarismo avança impulsionado por uma corrente popular na qual três grupos convergem: os convencidos, os oportunistas e os indiferentes. O núcleo original de convencidos é engrossado pelos nostálgicos da ditadura militar e fiéis ao culto da violência incrustado na medula do país. Com o descontentamento social no último mandato do PT, surgiram movimentos que alimentaram, especialmente nas redes sociais, um direitismo cada vez mais radical. Depois, aliaram-se os fanáticos religiosos, em guerra contra Sodoma e Gomorra. Em apenas alguns meses, o alcance se multiplicou a milhões de pessoas enfurecidas pela corrupção generalizada, pelo desaquecimento econômico e pelo crime cotidiano, e que compraram a promessa de uma mão firme.

Os oportunistas continuam fluindo em ondas sucessivas. Depois do mundo endinheirado, agora são os políticos de centro-direita -- e alguns de centro-esquerda -- que, desde o triunfo do candidato ultradireitista no primeiro turno, estão correndo para socorrer o vencedor. O grupo dos indiferentes teve uma base de apoio mais sutil, porém decisiva. Poucas coisas favoreceram tanto o ex-capitão de paraquedistas do que o relato -- predominante, por exemplo, nos meios de comunicação -- de que dois extremos estão disputando as eleições: direita e esquerda. Oportunistas e indiferentes compartilham sua surdez diante dos discursos e atitudes de Bolsonaro. Como na campanha o candidato reprimiu suas explosões, se tranquilizam pensando que estamos diante de um fanfarrão que se acalmará quando chegar ao poder.

O candidato também pediu aos seus seguidores que parassem com os atos violentos. E parece que o ouviram. Nos dias seguintes à sua vitória no primeiro turno, várias notícias relatavam dezenas de ataques de valentões simpatizantes do ultradireitista: um eleitor do PT assassinado, insultos e espancamentos de gays e lésbicas ou uma suástica tatuada no corpo de uma garota. Aconteça o que acontecer no próximo dia 28, o sucesso de Bolsonaro já concedeu uma licença para odiar entre os brasileiros. Não será mais necessário subir no trem do horror que seus seguidores passeiam nas redes sociais e ler o que dizem sobre os negros, feministas e homossexuais.

Se Bolsonaro conquistar a presidência, há motivos para temer que alguns levem essa licença longe demais. No país em que 57 ativistas ambientais foram assassinados no ano passado, o líder de extrema direita anunciou, depois do primeiro turno, que um dos seus principais objetivos é "acabar com qualquer tipo de ativismo". Em um país onde 5.000 civis são mortos a cada ano por tiros disparados pelas forças de segurança, Bolsonaro proclama que "o policial que não mata não é policial". Esse país de quase 210 milhões de habitantes, onde em 2017 houve 445 mortes em ataques contra homossexuais, pode ter em poucos dias um presidente com licença para a homofobia. E atrás dele, uma multidão de legionários do ódio.


Demétrio Magnoli: Missa de sétimo dia

Aqui, em agosto de 2016, escrevi o seguinte: “A Nova República apaga-se na bruma do passado —mas nenhum sistema político alternativo surgiu para substituí-la. Temer (...) é um gerente de ruínas.” Nessa, acertei: o velório da Nova República deu-se no primeiro turno das eleições. Mas errei, e feio, sobre a forma de que se revestiria o ato fúnebre: seis semanas atrás, escrevi que, “no turno final, a rejeição a Bolsonaro elege qualquer adversário”. De fato, pelo contrário, a descida do caixão até seu túmulo será acompanhada pelos acordes da vitória de Bolsonaro. Diante de nós, sobra a missa de sétimo dia: um esforço para desvendar como chegamos ao ponto de eleger o candidato que cultua o sistema anterior à Nova República —isto é, a ditadura militar.

Sem qualquer ordem hierárquica, sugiro algumas causas para o desfecho:

1) A implosão do PSDB. O sistema político da Nova República estabilizou-se ao redor da disputa entre PSDB e PT. Desde o fim do ciclo do Plano Real, os tucanos perderam a capacidade de formular uma plataforma popular — e foram batidos em quatro eleições consecutivas. O colapso terminal deu-se com a desmoralização de Aécio Neves, na “operação Joesley Batista”. Bolsonaro tornou-se o desaguadouro do voto antilulista que, antes, se inclinava para os tucanos. O PSDB, tal como o conhecemos, está morto.

2) A deslegitimação geral da elite política. Sob Lula, o “presidencialismo de coalizão” degenerou no “presidencialismo de cooptação” (apud FHC). A devassa da Lava-Jato esclareceu os mecanismos de corrupção sistêmica que envenenam o sistema político. Na sequência, uma “fase 2” da Lava-Jato, conduzida como projeto de poder corporativo por Janot e pela ala jacobina do Ministério Público, destruiu o que restava de credibilidade na prática da política. Bolsonaro encarnou, no plano imaginário, a antipolítica.

3) A pedagogia petista do “nós” contra “eles”. O lulismo converteu as disputas eleitorais em guerras de extermínio. O adversário deixou de ser um parceiro na divergência democrática para se transformar no “inimigo do povo”, no “fascista”, no quintacoluna a serviço do imperialismo. No ápice desse teorema, em 2014, Marina Silva foi pintada como agente dos banqueiros numa conspiração destinada a esvaziar o prato de comida dos pobres. Pelas mãos de Bolsonaro, o ácido corrosivo voltou-se contra o PT. A tempestade de insultos bolsonaristas, acompanhada de torrentes de fake news, encontra um eleitorado habituado à linguagem exterminista. Depois da missa, o Brasil precisará reaprender a conversar.

4) A configuração da eleição como plebiscito sobre Lula. A narrativa petista do “golpe parlamentar” e da “perseguição judicial” confluiu para a estratégia da candidatura de Lula. A máscara do ex-presidente sobre o rosto de Haddad completou o percurso, impondo aos eleitores um veredicto sobre o lulismo. Mas o lulismo nunca foi majoritário, como atestam as quatro eleições consecutivas, entre 2002 e 2014, que exigiram segundo turno. Bolsonaro aceitou, agradecido, o desafio de comprovar a existência de uma maioria disposta a rejeitar um quinto mandato lulista. O PT foi expulso do Centro-Sul do país. A tardia, confusa, tentativa do PT de girar para o centro após o primeiro turno não funcionou. Junto com os funerais da Nova República, encerra-se o ciclo lulista.

5) Bolsonaro é inculto, como Lula — mas, como Lula, não lhe falta inteligência política. Nos EUA e na Europa, a direita nacionalista identificou nas senhas da imigração e do terrorismo os pulsos eficazes para ativar um eleitorado atemorizado diante do futuro. Bolsonaro traduziu os códigos para as circunstâncias da crise brasileira, apertando as teclas da violência urbana e da corrupção. Seu discurso eleitoral explode a gramática política da Nova República. Ninguém, no centro ou na esquerda, encontrou antídotos para as toxinas bolsonaristas.

Donald Trump ou Rodrigo Duterte, o populista que preside as Filipinas à frente de esquadrões da morte? Provavelmente, nem um nem outro. Mas isso só saberemos ao certo depois da missa.


Fernando Gabeira: As prisões mentais

Bolsonaro terá de moderar retórica. E oposição precisa tomar consciência da situação delicada em que o país entra

Lula está preso, meu caro. Repito a frase de Cid Gomes que ecoou na rede, suprimindo a palavra babaca. Não por correção política. A palavra iguala a estupidez à vagina. Apenas para lembrar, com humildade, como certos sentimentos estão arraigados em nossa cultura e emergem de nosso subconsciente.

A líder da direita francesa, Marine Le Pen, afirmou que algumas frases de Bolsonaro são inaceitáveis na França. Mas não o foram no Brasil.

Humildade aqui significa reconhecer que mudanças culturais levam tempo para se consumar. Não são como uma ponte destruída pela chuva que se reergue rapidamente. Nem mesmo uma nova capital que pôde ser construída no Planalto. Às vezes, atravessam gerações.

Lula está preso. É natural que o PT não aceite isso. Mas a forma de recusar foi chocar-se diretamente com a Justiça, tentar dobrá-la com manifestações, apoio externo e uma inesgotável guerra de recursos legais.

Compreendo que isso era visto como uma forma de acumulação de forças. Mas, na verdade, também acumulou rejeição.

Quando Haddad foi lançado, cresceu rapidamente exibindo a máscara de Lula. No segundo turno, a máscara envelheceu como o célebre retrato de Dorian Gray.

Mas o período que se abre agora será de tanto trabalho, que talvez não tenhamos mais tempo para nos patrulharmos. São tempos complexos, que demandam mais humildade ainda.

Num debate em São Paulo, depois do primeiro turno, confessei como o processo me surpreendeu. As pesquisas indicavam uma grande vontade de renovação. Quando os partidos se destinaram quase R$ 2 bilhões para a campanha, concluí que a renovação seria mínima.

Apesar de ter feito algumas campanhas no território digital, minha reflexão ainda se dava no quadro analógico. A renovação, cuja qualidade ainda é discutível, aconteceu. Com R$ 53 milhões, Meirelles teve menos votos do que o Cabo Daciolo, um exemplo de como os velhos parâmetros foram para o espaço.

As próprias pesquisas que tanto critiquei no passado porque achava que favoreciam Sérgio Cabral, hoje as vejo com nostalgia. Existe informação na pergunta clássica em quem você vai votar.

Mas, para detectar tendências, é preciso um oceano de dados e capacidade de análise. As pesquisas envelheceram, sem que muitos se dessem conta. Mas não apenas elas envelhecem, num mundo em que a inteligência artificial avança implacavelmente.

E é nesse mundo que teremos de navegar. A situação econômica internacional não é favorável como no passado. Nos artigos em que trato de alguns de seus aspectos, começo sempre com o paradoxo: os Estados Unidos, que lideraram uma ordem multilateral, decidiram abandoná-la. Será preciso mais do que nunca acertar os passos aqui dentro. Isso significa gastar menos, fazer reformas.

Quando estava na Rússia, os primeiros protestos contra a reforma da Previdência foram abafados pelo oba-oba da Copa do Mundo. Soube que agora a popularidade de Putin caiu 20 pontos precisamente por causa dela. Em outras palavras, a vida não é nada fácil para quem precisa reformar o Estado e fazer um ajuste fiscal.

Nesse futuro tão nebuloso que nos espera, a tese do quanto pior melhor é atraente, no entanto, pode ser também um novo erro de avaliação.

Quando ficamos muito concentrados nos problemas internos, perdemos um pouco de vista nossa inserção internacional. A imagem do Brasil lá fora mudou. O próprio Bolsonaro começará seu mandato como um dos presidentes mais rejeitados pela imprensa planetária. Ele terá de moderar sua retórica. E quem faz oposição precisa tomar consciência da situação delicada em que o país entra.

A sobrevivência da democracia não está ameaçada. Mas algumas escoriações podem empurrá-la para o viés autoritário que hoje cresce no mundo.

As fake news, por exemplo, sempre existiram, mas hoje têm um peso maior, pelo alcance e velocidade. Utilizá-las sem escrúpulos e denunciá-las no adversário apenas confirma o pesadelo moderno da decadência da verdade.

É muito difícil chamar à razão a quem se considera o dono dela. Os intelectuais condenam as escolhas populares, mas, às vezes, não percebem a sede de sinceridade que há por baixo delas. Pena.


Leandro Colon: Sabe-se quem foi Bolsonaro até hoje e sobram dúvidas sobre governo

Nada indica, por ora, uma reação de Fernando Haddad (PT) capaz de impedir a vitória de Jair Bolsonaro (PSL), hoje líder folgado nas pesquisas, no domingo (28).

Confirmada a previsão, Bolsonaro pode chegar ao Planalto em 1º de janeiro de 2019 apoiado por uma significativa maioria do eleitorado. Um respaldo que qualquer líder político gostaria de ter para assumir o poder.

Daqui a uns anos, provavelmente passado o calor de uma eleição peculiar e estranha, o fenômeno “bolsonarista” de 2018 será melhor depurado. Fato é que algumas razões que devem levar o capitão reformado à chefia da República já são nítidas.

O antipetismo (ou antilulismo) tem sido essencial para esse massacre anunciado nas urnas. Sob a batuta de Lula, o PT fortaleceu o ambiente de confronto político e de busca pelo descrédito da imprensa e do processo eleitoral (sob o lema “eleição sem Lula é fraude”). Atropelou possibilidades de movimentos que poderiam levar a esquerda, não necessariamente o PT, ao poder.

As descobertas da Lava Jato nos últimos quatro anos, mesmo com seus abusos investigativos e delações irresponsáveis (muitas delas infladas por nós, jornalistas), desnortearam a centro-direita. O recado mais visível desse efeito é a humilhação imposta a Geraldo Alckmin nas urnas.

Uma esquerda rachada e sem rumo e uma centro-direita desprezada pelo eleitorado contribuíram para que um deputado com carreira política pífia e irrelevante na Câmara surgisse como alternativa de poder.

O que Bolsonaro disse até aqui não o ameaçou nas pesquisas (ao que parece, só o ajudou). Defesa do método da tortura, elogios ao regime militar, compromisso frágil com a democracia, e declarações que simpatizam com homofobia, racismo e perseguição ao ativismo social. São certezas que não atrapalharam o candidato do PSL, o maior beneficiado pela nefasta onda de fake news.

Sabe-se quem foi Bolsonaro até hoje —um parlamentar limitado e inexpressivo. Sobram dúvidas sobre seu (cada vez mais provável) governo.

*Leandro Colon, Diretor da Sucursal de Brasília, foi correspondente em Londres. Vencedor de dois prêmios Esso


Celso Rocha de Barros: Bolsonaro representa facção das Forças Armadas que ganhou poder com a tortura

Jair Bolsonaro não representa o regime de 64. Representa sua dissidência extremista, que revoltou-se contra a abertura de Geisel. O ídolo de Bolsonaro não é o moderado Castelo Branco, que provavelmente gostaria mesmo de ter restaurado a democracia. Não é o Geisel, que matou gente, mas deu início à restauração. Não é nem, vejam só, o Médici.

O ídolo de Bolsonaro, o autor de seu livro de cabeceira (segundo ele mesmo disse no Roda Viva), a entidade a quem Bolsonaro consagrou o impeachment, é o torturador Brilhante Ustra. Com um santo protetor desses, não impressiona que Temer tenha dado o azar de receber o Joesley.

O culto a Ustra é lepra moral, mas não é só isso: é uma reivindicação de linhagem. Na convenção do PSL, Eduardo Bolsonaro comparou Ustra a Janaina Paschoal, possível candidata a vice na chapa de seu pai.

Janaina se disse chocada com a comparação, e ultra-bolsonaristas como Olavo de Carvalho pediram sua cabeça. O vice foi Mourão, que tem Ustra entre seus heróis. O discurso de Eduardo Bolsonaro foi um teste de lealdade.

Bolsonaro representa, enfim, a facção das Forças Armadas que ganhou poder quando a tortura se tornou parte importante do regime. Bolsonaro é o porão.

Leiam o Gaspari: os militares e policiais que controlavam do porão logo se tornaram bandidos comuns, que os generais temiam que instaurassem a baderna na hierarquia.
Aproveitaram-se do direito de atuar à margem da lei para ganhar dinheiro. Um célebre torturador se tornou um dos chefes do jogo do bicho no Rio de Janeiro. Outros se envolveram com esquadrões da morte, aquela turma que cobra dez para matar bandido e vinte para matar seu cunhado e mentir que ele era bandido.

Essa turma não queria voltar a ser guarda da esquina, não queria voltar a ser só capitão de Exército. Compraram briga contra a abertura de Geisel. Perderam.

Ainda houve, entretanto, tempo de Geisel reconhecer o velho inimigo de cara nova: em entrevista
ao CPDOC [Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea da FGV], disse que Bolsonaro era um “mau militar”.

Bolsonaro não é o anti-Lula. Bolsonaro é o anti-Geisel.

Como combater o porão? Aprendendo com quem de fato já o venceu.

No segundo turno de 1989, Ulysses Guimarães deixou claro que apoiaria Lula se recebesse um telefonema dos petistas. O telefonema não veio. Lula até hoje se arrepende disso, e afirma que foi um dos maiores erros de sua vida. Foi mesmo. Só por essa, Lula já mereceu perder.

Lembrem-se: Ulysses era muito mais conservador do que a turma que hoje posa de “centro” no Brasil. Lula em 1989 era muito, mas muito mais radical do que Haddad jamais será. Collor era uma ameaça incomparavelmente menor do que Bolsonaro à democracia.

Mas Ulysses tinha os instintos morais certos, e sabia do que devia sentir ódio e nojo.

Ulysses não era um idealista ingênuo. Se Lula vencesse, Ulysses jogaria para moderá-lo, e jogaria pesado.

Era uma raposa como poucas, não um desses Cunhazinhos one-hit wonders que só fazem sucesso por um ano.

Jogaria contra o radicalismo petista com Congresso, mídia, Judiciário, o que mais estivesse à mão.

Mas na hora em que foi preciso, Ulysses apoiou Lula. Não fugia de guerra. Desse, o porão tinha medo.

Esse, sim, é mito.

Daqui a uma semana, só haverá duas opções: votar como Ulysses, ou votar contra Ulysses.

*Celso Rocha de Barros é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).


Fernando Limongi: O príncipe e a fera tosca

A vitória dos conservadores, em boa medida, é por W.O

Os conservadores derrotarão os progressistas, pois somente um erro grosseiro tiraria a vitória de Bolsonaro. Esta é a forma como Luiz Philippe de Orleans e Bragança, em artigo publicado na Folha de São Paulo, caracteriza as eleições do próximo domingo. O deputado federal eleito pelo PSL se identifica como 'tetraneto de D. Pedro II, administrador, empresário e cientista político pela Universidade de Stanford (EUA), com pós-graduação pelo Insead (França)'. Como se sabe, o tetraneto foi cogitado para compor chapa com Bolsonaro, mas foi preterido para neutralizar possíveis tentativas de impeachment.

No passado, explica o tetraneto, os progressistas obtiveram sucessivas vitórias. "Desde 1995, com o governo FHC, que ideias progressistas vêm galgando espaço no poder público." O recuo dos conservadores teria se intensificado, mas não iniciado, durantes os governos Lula e Dilma. Ou seja, para o príncipe conservador, FHC, Lula e Dilma seriam farinhas do mesmo saco.

"Vivemos o esgotamento da hegemonia progressista", afirma o tetraneto. A ascensão de Bolsonaro à presidência será o fim de uma era, uma era marcada por uma "busca aflita pela justiça social". Mas se a busca pela justiça será abandonada, o que teremos no lugar? Qual o programa dos conservadores?

Do ponto de vista eleitoral, os progressistas foram postos para correr. Nos estados do sul, sudeste e centro-oeste não há progressista com chances de vitória. Não faltam aprendizes e oportunistas prontos a se colar a Bolsonaro para chegar ao poder. Associar-se aos progressistas, ao PT ou ao PSDB, é pedir para perder.

Mas é preciso ter clareza. Os progressistas estão sendo derrotados por um time desconjuntado, mal ajambrado, reunido às pressas, sem consistência, formado por herdeiros presuntivos, artistas pornôs, jornalistas com credenciais contestadas, juízes com histórias mal contadas etc. Para os mais velhos, a referência ao Exército Brancaleone é inevitável.

O fato é: não se perde para adversário tão improvisado e fraco sem cometer erros e mais erros. Witzels, Zemas e Dórias não teriam se destacado sem o acúmulo de erros das lideranças políticas. Para ser claro: o que estamos observando é antes a derrota dos progressistas do que a vitória dos conservadores. Em boa medida, é uma vitória por W.O.

Basta lembrar que, não mais do que dois anos atrás, Bolsonaro disputou a presidência da Câmara dos Deputados e recebeu exatos quatro votos. Nem seu filho se deu ao trabalho de comparecer para sufragá-lo. Até muito pouco atrás, o capitão era um figura politica tão folclórica quanto a do Cabo Benevenuto Daciolo. Sua ascensão meteórica se deve ao vazio criado pela luta aberta entre os progressistas, ao suicídio coletivo que se esmeraram para produzir. Não fosse assim e Bolsonaro não teria crescido justamente quando parou de fazer campanha.

A chance oferecida pelo segundo turno não foi aproveitada. A briga nas hostes progressistas não parou. Como crianças, cada lado pede que o outro reconheça sua culpa, que foi que ele que começou e que, sem as necessárias desculpas, não fará as pazes. A infantilidade reinante chega a ser patética. E a briga se estendeu para o interior de cada bloco, como atestam as acusações públicas de Alckmin a Dória e as de Cid Gomes ao PT.

Já faz um bom tempo que os progressistas não se veem como integrantes de um mesmo grupo, mas seus adversários sabem bem quem estão derrotando. Como afirmou o tetraneto, sairão de cenas os que acreditam que as "leis devem ser criadas para fazer justiça social e buscar atingir a igualdade sempre que possível em todos os aspectos da sociedade."

O príncipe está coberto de razão: foram estas as ideias mestras a ditar as políticas públicas e a ação do Estado desde a redemocratização. É contra este movimento, é contra esta direção dada às politicas que Bolsonaro se insurge.

O tetraneto, contudo, não foi capaz apresentar o programa positivo dos conservadores. O máximo que conseguiu foi afirmar sua crença na existência de uma ordem social natural: "O aprendizado para todos é que os avanços da sociedade se devem mais em função das ações da própria sociedade, e não dos mandos e desmandos da legislação."

Sabe-se lá o que o príncipe quis dizer com isto, mas sabe-se com certeza que a ordem social nada tem de natural, que conflitos sociais não se resolvem 'sem os mandos e desmandos da lei.'

O fato é que o discurso de Bolsonaro vai muito além deste conservadorismo edulcorado. O tetraneto lança mão de perguntas retóricas para enfrentar a questão: "Mas será que o medo dos progressistas é justificável? Veremos um retrocesso nas nossas relações sociais com os conservadores no poder?"

O príncipe acredita que os temores de retrocesso como a intolerância e o recurso à violência contra adversários seriam infundados: "O conservadorismo não é intolerante muito menos retrógrado; é simplesmente natural e evolui conforme as gerações de maneira livre."

De novo, difícil saber o que seja evoluir de maneira livre, mas sabe-se que um dos cotados a ocupar o Ministério da Educação acredita que a evolução natural das espécies deve ser banida das escolas. Poderia haver evidência mais clara de retrocesso? Não sei se Dom Pedro leu Darwin, mas sabe-se que era um entusiasta da ciência.

O fato é que quem forma juízos a partir das informações disponíveis tem razões de sobra para temer. O líder dos conservadores está longe de ser o moderado razoável que o tetraneto procura vender. Basta lembrar que, no Roda Viva, já em campanha, Bolsonaro fez questão de registar sua idolatria ao Coronel Brilhante Ustra. Precisa mais? Há algo mais bárbaro e repugnante que a tortura?

No mundo do faz de conta, beijos de princesas castas transformam sapos horrendos em príncipes garbosos. No mundo real, não há varinha de condão que transforme feras toscas em seres civilizados. O retrocesso será inevitável.

*Fernando Limongi é professor do DCP/USP, da EESP-FGV e pesquisador do Cebrap.